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O Império Subterrâneo
O Império Subterrâneo
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E-book325 páginas4 horas

O Império Subterrâneo

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Sobre este e-book

Depois da rigorosa missão contra o ditador Lorde Peversus, Layla se vê novamente com mais problemas. Quando tudo parecia ter se resolvido e a vida estava de volta à normalidade, o novo Rei, Raul, some misteriosamente sem deixar qualquer resquício.
A jovem terá que passar novamente por muitos momentos de dificuldades, lutando para encontrar o amigo, mas também para não perder seus princípios diante do Conselho de Jolebon, que passa a ser mais uma barreira para alcançar seu objetivo.
Apesar das adversidades, Layla, junto aos seus companheiros, partem em uma jornada desgastante em busca de Raul, enfrentando novos mistérios, e antigos segredos; segredos inimagináveis sobre Jolebon.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento9 de mar. de 2022
ISBN9786550791292
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    O Império Subterrâneo - Rafaela S. Polanczyk

    Capítulo 1

    Olhei para o mar diante de mim, lá embaixo: uma imensidão azul na qual eu poderia facilmente me afogar, mas que agora era a única coisa que me acalmava.

    O banco de mármore estava frio, mesmo embaixo de tanto tecido e o vento batia contra o meu rosto como se fossem navalhas. Uma tempestade certamente se aproximava, mas não me importei. Se chovesse, eu poderia sufocar minhas preocupações na água e deixá-las ser lavadas.

    Tirei a Edelvi do meu bolso. Antes pequena e frágil, já estava mais forte e esbelta, cheia de pétalas. Ouso dizer que o mesmo aconteceu comigo desde quando conheci Raul e por isso fiquei mais determinada que nunca para salvar Jolebon de Perversus. Porque ele teve que ir? As pétalas brancas pareciam dizer enquanto se sacudiam freneticamente naquele vento.

    Mesmo no vento frio, minhas bochechas estavam ficando quentes. Eu não podia chorar. Não podia. Mas não conseguia impedir. Eu sentia muita falta de Raul. Sentia falta de nossas conversas. Sentia falta de sua presença silenciosa, dos nossos piqueniques, das vezes em que voamos em Theoro, de tudo. Mas ele não estava aqui. Não sabíamos nem se ele estava vivo, mas eu sentia que sim. E por isso o mar me acalmava. Ele estava lá para me certificar de que Raul estava vivo sim, tão vivo quanto a Edelvi, quanto os pássaros e os peixes. Só não sabíamos onde ele estava.

    Olhei mais uma vez para o mar à minha frente e para a cachoeira estreita que caía da falésia, vinda do rio que descia os morros cobertos de árvores. Lá longe, na baía de Perkins, pescadores puxavam redes cheias de peixes, crianças saíam do mar para fugir da tempestade, e barcos eram amarrados para não serem levados pela água revolta: pessoas viviam, sem sequer desconfiar do que havia acontecido com o novo rei. Tudo era segredo mesmo dentro do castelo, e mesmo eu não tinha o direito de saber o que descobriram sobre o paradeiro de Raul.

    Tentei me distrair desses pensamentos, e continuei observando as pessoas da pequena cidade vizinha se afastando do mar buscando proteção da tempestade. Bem mais distante ainda, aonde meus olhos não alcançavam, imaginei Senhor Rumpee com sua família em Terigor. O que será que o velho estaria fazendo agora? Será que estava em uma missão para Rainha Sophia? Será que estava descansando? E onde estaria Sophia? Diziam que ainda estava se recuperando dos traumas sofridos enquanto esteve submetida às torturas de Perversus.

    Perversus. Foi Raul que o matou. Foi Raul que nos trouxe de volta a glória – embora eu saiba que não será possível mudar tudo para como era antes, na época dos deuses. E foi Raul que sumiu...

    O que será de Jolebon sem ele? Estamos em decadência, esse só pode ser o destino que nos aguarda. E então chegará um dia em que Jolebon finalmente vai sumir com doença, fome, miséria. Os deuses também não nos ajudam: onde estava o Cálice da Esperança para os momentos difíceis? E então chegará um dia em que todo esse mundo, toda essa maravilha não passará de suspiros de saudade em nossas mentes. Aliás, sequer existirão mentes para sentir falta de algo. E tudo isso porque naturalmente nos perdemos em caos quando não temos alguém para seguir. Raul era esse alguém.

    O que será de mim? Olhei para minhas mãos trêmulas para afastar o pensamento. De tantas coisas para pensar, minha mente escolhia se ocupar com os prenúncios de desastre. Não. Jolebon está bem. Todos estão felizes. Vamos encontrar o rei. Foco, Layla. Foco!

    – Layla. – Era a voz desconsolada de Jona. – Você não pode ficar assim para sempre. Esqueceu suas obrigações com o Continente?

    Ele se sentou do meu lado e me puxou para um abraço. Sua pele era quente contra a minha. Puxei com raiva meu vestido azul que Alice me mandara usar no qual ele havia acidentalmente se sentado. Não ousei olhar para aqueles olhos pretos e pidões, para aquele rosto pálido que eu conhecia tão bem e que eu sabia que implorava para eu ser feliz novamente.

    Suspirei. Talvez a felicidade não existisse, afinal. A não ser por alguns breves momentos de alegria, quem sabe? Mas a felicidade plena, eterna... Disso eu duvidava.

    Eu entendia que ele queria apenas me consolar, mas eu não queria que ele me desse tanta atenção toda hora. Eu precisava ficar mais tempo sozinha. Já se passaram dois meses desde o sumiço de Raul e eu precisava entender melhor o que estava acontecendo, saber mais, e não esquecer como Jona frequentemente me sugeria.

    – Estamos procurando por ele, e vamos encontrar. Isso é preocupação do Conselho agora, e o melhor que você pode fazer por enquanto é esperar e não se meter em confusão.

    Permaneci calada. O Conselho não ia conseguir fazer nada. Ele pareceu ser um órgão útil quando foi criado, mas eles estavam tendo bastantes dificuldades agora. Tinham até mudado alguns membros para ver se dessa forma era possível estabilizá-lo, mas eu não confiava muito nesses novos conselheiros, muito menos acreditava na capacidade deles de encontrar o rei. Nem Theoro, o dragão vermelho grande e amedrontador, mas extremamente dócil de Raul sabia onde ele estava, e ele sempre soube encontrá-lo, onde quer que estivesse.

    Uma lágrima escorreu pela minha bochecha e abaixei a cabeça para que Jona não a visse. O vento entre as árvores e o mar contra as rochas eram os únicos sons que preenchiam

    o silêncio. Jona tirou meu cabelo do rosto. Ele estava bem mais longo que no dia em que retomamos nossa amizade em Gulevarde, e meus cachos estavam mais delicados com o peso do cabelo, em contraste com o emaranhado de antes. Eu não gostava disso. Fazia-me parecer mais sensível e com medo, e isso não era verdade.

    – Vamos jantar. – Ele pegou minha mão e me puxou para cima, mas permaneci sentada e puxei minha mão de volta. Eu não queria jantar. Não tinha apetite e sentia que ia vomitar se comesse. – Você tem que comer alguma hora. Está visivelmente fraca! Vamos.

    Olhei para ele e balancei a cabeça. Odiava quando me davam ordens e isso só me deu mais determinação para não jantar de novo. Levantei-me do banco e saí apressada, com passos determinados, em direção à porta de vidro do jardim. Escutei o menino dizer que eu era muito teimosa antes de fechar a porta atrás de mim.

    Corri pelo salão principal até as escadas, sentindo os olhos de quem estava na sala adjacente me seguindo, e bati a porta do meu quarto com força, trancando-a. Pulei na cama e comecei a soluçar. Quando a saudade iria passar? Por que eu não podia me conformar com o sumiço dele como todo mundo? Por que não conseguia seguir em frente?

    Não. Eu não podia esquecê-lo. Ele sumiu por minha culpa, e eu tinha que encontrá-lo. Ele está em algum lugar lá fora, contando comigo, e eu não posso desistir dele. E então eu tenho que ficar melhor, para poder ajudar o Conselho. E mesmo se eles resistissem à minha ajuda, como vinham fazendo até agora, eu iria forçar mais ainda até eles deixarem. Eu iria ameaçá-los, e tenho certeza de que teria total apoio de Kaila. A gente poderia fugir e fazer uma missão secreta. Não contaríamos para ninguém para onde iríamos, nem mesmo para Jona ou Senhora Beninton.

    Comecei a soluçar mais ainda quando pensamentos sobre seu sumiço vieram para minha cabeça.

    ***

    Foi no aniversário dele. No dia anterior eu havia entrado no seu escritório, aonde ele tinha passado a viver pouco tempo depois de assumir as responsabilidades pelo Continente. Estava uma bagunça. Papéis para todo o lado, pregados nas paredes, espalhados pelo chão e mesas. Cuidar de um mundo inteiro depois de uma guerra era algo muito difícil, mas eu sabia que quando ele pegasse o jeito, seria o melhor governante que já tivemos.

    Havíamos discutido nessa ocasião. Eu não o vira fazia dias, e seus aposentos eram ao lado dos meus. Sempre que eu queria conversar, ele virava as costas, se debruçava em um mapa gigante e começava a conversar sozinho sobre planos políticos. E naquele dia, eu havia falado algo errado.

    — Raul, você está bem? – Perguntei quando entrei no seu escritório.

    Ele murmurava algo enquanto terminava de ler um documento.

    — Você tem que parar de virar as costas para mim! Eu quero te ajudar, mas você não quer ajuda. Eu quero conversar, mas você não quer. O que você quer que eu faça?

    Ele manteve-se em silêncio, talvez escolhendo a melhor resposta.

    — É tanta coisa acontecendo... Eu só queria um tempinho para conversar. Você mal conversa com seus pais. Eles estão preocupados. Ficam no quarto deles, andando de um lado para o outro. Kaila tenta acalmá-los, mas até ela está preocupada, e você conhece Kaila: ela é a pessoa mais relaxada que você conhece!

    Ele então começou a escrever algumas coisas no documento enquanto eu cruzava os braços. Caminhei em seguida até a janela e a abri para circular o ar abafado do aposento.

    – Você nem olha para mim, e isso me chateia. – Ele parou de escrever. Sua mão estava suada e sua testa também. Ele não parecia bem, parecia estressado e perturbado. Eu até me perguntei o que será que estava dando tanto problema para ele. – O que você está fazendo que precise de tanto tempo?

    – Layla, por favor. É para o seu bem. Não quero que se envolva. Não agora. – Ele me olhou nos olhos. Os dele, bem cinzas, me imploravam para se afastar.

    – Para o meu bem? – perguntei desconfiada, mas sem esconder minha irritação. – Está escondendo algo de novo?

    – São pesquisas. Algo a ver com o porquê de Marylin e Charles vir para cá.

    – E elas não estão fazendo bem nenhum para mim e nem para você! – Sentei em uma cadeira ao seu lado e pus a mão no seu ombro. – Raul, você precisa descansar. Ninguém sobrevive uma semana inteira sem dormir. Não sei como faz isso.

    Vi ao lado dele uma poção azul escura como noite: uma poção para manter uma pessoa acordada. Se essa poção não fosse bem feita, podia ter justamente o efeito contrário e a pessoa ficar sonolenta por um bom tempo. Ao lado da poção reconheci algo redondo em cima da mesa: uma pedra preta esverdeada. Era a pedra.

    – Por que não me contou? – Perguntei mais brava ainda apontando para a pedra. –Você sabe que deveria ter contado. Não posso deixar você ter essas alucinações e não fazer nada.

    – Eu não queria. É para o seu bem.

    – Mas só está fazendo mal, Senhor Starlin! – Nunca antes o havia chamado pelo último nome, principalmente pelo verdadeiro último nome e me senti triunfante por ele não ter ficado nem um pouco satisfeito – Você não percebe?

    – Senhorita Froy, por favor. Deixa-me em paz. Eu preciso pensar. – Ele retrucou usando o meu último nome também. Ninguém mais sabia o meu último nome. Não gostava dele e não o usava. Lembrava-me demais do meu pai.

    – Você precisa dormir e depois pensar. Pensar sobre o que você está fazendo consigo mesmo.

    Vi que Raul pensava e quando estava prestes a sair ele disse em um tom baixo.

    – Eu não tenho nada com você, Layla! Não sou obrigado a fazer nada por você. Não preciso de ninguém me controlando. – Ele estava vermelho. – Principalmente uma menina que não tem maturidade para entender o que estou fazendo. – Lágrimas escorreram pelo seu rosto e ele se virou. Vi que ele estava pensando em uma resposta para me fazer ir embora de vez. – Eu perdi muita coisa nessa aventura. Eu não quero te perder. Por favor, vá embora. Preciso de um tempo sozinho.

    Fiquei absorvendo o que ele estava falando. Como assim me perder? Ele que estava se afastando de mim, e ainda dizia que não queria me perder?

    – Eu também perdi muita coisa, Raul! Muito mais que você!

    – Vá embora, Layla. Eu preciso fazer essa pesquisa. Não venha mais atrás de mim, você é infantil demais! Saia do meu escritório, ou eu chamo a segurança.

    – Infantil demais? – Lágrimas começaram escorrer pelo meu rosto. Raul relaxou a expressão e suspirou com a boca entreaberta, percebendo que fez algo errado, mas não disse mais nada. – Estou tentando ser racional!

    – Layla, não foi isso que quis dizer. Eu... Eu...

    – É isso sim, Raul. Você me acha uma pirralha indefesa. Uma criança que não pensa antes de agir! Mas saiba que você também é uma!

    E assim eu saí do seu escritório. Antes de bater a porta atrás de mim, havia visto lágrimas escorrendo pelo seu rosto, mas eu sentia muita raiva para perceber que ele estava cansado demais e que as lágrimas eram de tristeza e sofrimento e não de raiva.

    No dia seguinte seria o aniversário dele. Eu havia feito um esforço para me aprontar e comparecer ao almoço especial do rei. Fui com o meu melhor vestido, um azul cor do mar, a cor favorita de Raul. Prendi a Edelvi no meu cabelo. Queria fingir que nada tinha acontecido na noite anterior.

    Todos estavam no almoço: Kaila, Sicília, Benjamin, Sr. Rumpee, Senhora Beninton, Rainha Sophia, até Suleste e mais um monte de pessoas que eu nem conhecia do Conselho. Esperamos por meia hora, uma hora... E Raul não apareceu. Comecei a ficar preocupada, imaginando que algo pudesse ter acontecido com ele. Kaila olhou para mim e Senhora Beninton também. Subi com raiva até o quarto dele imaginando que ele talvez não quisesse mais me ver, mas precisava dar uma olhada para saber o que estava acontecendo.

    Quando cheguei lá, o quarto estava vazio e a porta da varanda estava aberta. A primeira coisa que fiz foi checar se ele tinha pulado da varanda, mas não havia nada embaixo que não fosse o mar. Procurei pelo andar de cima inteiro, mas não encontrei nenhum sinal de Raul, nem mesmo no escritório. Do topo da escada vi que esperavam ansiosos no salão, mas tudo que consegui fazer foi permanecer de olhos arregalados tentando conter minhas lágrimas. Eu agarrei no corrimão quando senti meus joelhos caindo no chão. Antes que eu rolasse escada abaixo, as mãos de Darkus me pegaram e me seguraram firme. Logo Jona subiu para ficar comigo, enquanto Darkus dava ordens aos guardas. Eu tremia muito. Lembro-me bem da expressão de Sicilia e Benjamin Starlin. Confusos, sem saber o que fazer e por onde procurar o filho. Eles, que mal tinham se reunido novamente em família, e que me tratavam como uma filha, agora estavam sem rumo. E era tudo minha culpa.

    ***

    Quando voltei a mim, no meu quarto e muito longe de Raul, meu cobertor estava molhado de lágrimas. Alice batia na porta querendo me entregar meu jantar, mas fiquei em silêncio.

    Só agora eu finalmente entendia suas palavras. Não percebi antes, mas ele estava se afastando de mim para me proteger, como havia feito no ano anterior ao descobrir que Perversus queria destruir a biblioteca da universidade. A pedra havia mostrado algo muito ruim a ele, então ele provavelmente queria se afastar de mim para me manter segura, e possibilitar um futuro resgate. Eu tinha que ir a uma missão secreta. Toda noite pensava nisso, mas agora parecia mais óbvio.

    Depois me lembrei dos rostos carinhosos do Senhor e Senhora Starlin. Nos três meses que passamos juntos no castelo, Benjamin, que foi amigo de meu pai, costumava me contar histórias sobre o como eles eram bagunceiros e como se aventuraram e arriscaram muitas vezes, coisas que Darkus nunca me contara. Sicília me dava conselhos de mãe.

    Conselhos que eu não recebia nem da Senhora Beninton nem de Alice. Carinho que só podia ser dado por uma mãe e ninguém mais. E foi por causa de mim que saíram do castelo e se mudaram para uma pequena vila. Saíram para ficar longe de tudo que lembrava Raul. Só Kaila ficou, percebendo que eu precisava de um rosto amigo comigo. Provavelmente ela também precisava de mim. E eu mal conversei com ela...

    Quando os soluços passaram, eu me levantei, pus pantufas confortáveis, saí do quarto e atravessei o corredor até o quarto de Raul. Entrei no cômodo silenciosamente e olhei para tudo em volta: eu tinha arrumado e organizado o quarto para que quando Raul voltasse, ele não precisasse ficar louco por causa da bagunça. Sua espada, que ele tinha usado para penetrar o coração de Perversus, estava pendurada na parede ao meu lado do jeito que ele deixou quando sumiu. Eu passei a mão pelas pedras verdes e azuis que estavam incrustadas no punho, lembrando-me de todos os momentos que lutamos juntos. Verde para esperança e calma, azul para lealdade e sabedoria: características essenciais de um rei e de um espadachim. Passei a mão pelo T na lâmina, pensando em qual palavra poderia ser tão poderosa a ponto de não poder ser dita.

    Então atravessei o quarto, abri a porta da varanda e fiquei mais um tempo observando o mar. Acho que finalmente entendo porque Raul gostava tanto de ficar olhando para a água. Era como se a leve brisa salgada e as ondas enchessem seu corpo de calor e trouxesse energia para que você pudesse continuar.

    Fiquei parada por um bom tempo e então virei e me deparei com Kaila. Nós nos encaramos por um tempo. Ela estava melhor que eu. Pelo menos comia, e não parecia tão triste. Nós mal nos encontrávamos no castelo, era como se ela também me culpasse discretamente.

    – Quer conversar? – ela perguntou e sinalizou para eu sentar na cama de Raul.

    Sentei mas fiquei olhando para o chão em silêncio. Não havia nada para contar a ela.

    – Eu estive pensando... – Ela começou depois de um tempo. – Quero dizer... Porque o Conselho não nos deixa ir atrás dele?

    Isso atraiu minha atenção e eu a encarei séria.

    – Então você realmente esteve pensando nisso! – Exclamou, mas logo tampou a boca com medo de que a tivessem escutado. – Eu desconfiei que quisesse ir a uma missão secreta em busca de Raul. Sabia que você estava planejando algo. Ninguém fica tanto tempo parado pensando em nada.

    – Não conta a ninguém! Por favor. – Eu percebi que minhas mãos suavam e eu estava um pouco nervosa. Mas eu podia confiar em Kaila, não? Ela já sabia mesmo...

    – Qual é o sentido de uma missão secreta se não é mantida em segredo? Eu pensei que te encontraria aqui, e eu não podia simplesmente ficar observando sem fazer nada, não é? Então... Está planejando ir sozinha ou precisa de ajuda?

    Fiquei em silêncio, olhando para o chão, pensando em como Kaila poderia me ajudar. Seria perigoso, e eu não queria a única filha dos Starlin correndo perigo, principalmente depois do que aconteceu com Raul.

    – Eu não sei... Eu preciso fazer isso. É por mim que vou encontrar ele e por ninguém mais. Para muitos ele é rei, mas para mim ele é Raul, e é por isso que vou atrás dele.

    – Mas se você quer sair numa missão escondida do Conselho, precisa de algum apoio.

    Eu via que Kaila estava certa. Eu precisava de apoio, e ela sabia de qualquer jeito. Se eu realmente fosse a uma missão, era melhor ter ela por perto do que arriscar que ela contasse o meu segredo para o Conselho.

    – Você tem razão, mas eu nem sei o que eu vou fazer ainda. Para falar verdade, essa ideia só se tornou forte hoje quando eu pensava no dia em que —

    Ele desapareceu. – Ela completou.

    – Ele estava tendo as alucinações de novo e não tinha me contado. Lembra aquela vez que ele fugiu para a universidade e não nos contou para que pudéssemos resgatá-lo? É a mesma coisa agora. Ele não me contou. Ele quer que eu vá atrás dele. Ele está esperando por mim. Eu tenho que ir, e ninguém mais tem essa obrigação.

    – Mas você vai precisar de ajuda pra fugir. – Kaila comentou, me fazendo parar de falar. Ela estava implorando. Queria muito uma missão. Missionários nasceram para fazer missões, afinal. – Você é a queridinha do Conselho. Eles não vão deixar você escapar tão facilmente, porque eu sei que têm outros planos para você. Dá para perceber pelo jeito que rejeitam uma missão para nós. Porque você acha que trancam um monte de portas durante a noite, quando não é necessário com a quantidade de guardas? Você não pensa que é por causa de ladrões, não é?

    – É por causa de mim... – disse percebendo o que ela queria dizer. – Então eles têm medo de que eu fuja para uma missão secreta?

    – Claro. Eles te conhecem muito bem. Senhora Beninton te conhece, e ela faz parte do Conselho.

    Então me lembrei da quantidade de vezes que a Senhora Beninton rejeitou minha entrada nas Missões do Cálice da Esperança. Isso não era justo!

    – Então se tiver algum plano de como fugir, está mais que bem vinda para participar da missão secreta.

    Ela sorriu maliciosamente para mim e eu retribuí o sorriso.

    – Então te vejo amanhã. Prometi a Alice que te levaria para um piquenique. Ela está morta de preocupação com você. Escuto ela murmurar as vezes que teria sido melhor ter ficado na Nigéria por que lá não tinha que ser babá de princesas mal criadas.

    Kaila me fez rir.

    – Então nos encontraremos amanhã.

    Ela saiu do aposento, e eu saí atrás dela depois de dar uma última olhada no quarto.

    Voltei para o meu e deitei na cama sossegada, e pensando positivamente. Sentia-me mais determinada do que nunca.

    Puxei o cobertor e, pela primeira vez depois de dois meses, dormi tranquilamente.

    Capítulo 2

    –B om dia, Layla! – Alice disse alegremente assim que me viu usando um de seus vestidos verdes, que segundo ela era para ser usado ao ar livre, pronta para ir ao piquenique de Kaila. – Está bem disposta hoje!

    Dei de ombros e terminei de descer os últimos degraus da escada.

    – Kaila está te esperando lá fora com os cavalos. – Ela me seguiu até a entrada, passando a mão pelo tecido leve da minha roupa para desamassá-la enquanto eu andava. – Espero que você também volte a fazer seus deveres como princesa. Sabe... Visitar as pessoas, ajudar os mercadores, o orfanato. Tem muitas coisas...

    Nesse momento eu parei. Eu não suportava aquele nome: princesa. Eu não nasci para a realeza, muito menos queria ser parte de uma. Todos esses vestidos, etiquetas e obrigações não eram para mim, mas pelo menos eu suportava se conseguisse colocar algumas condições. Entretanto, ser chamada de princesa era demais. E Alice me chamava assim quase todos os dias, mas hoje que finalmente estava me sentindo melhor era inaceitável.

    Controlei minha vontade de me virar para ela e gritar, cerrei minha mão com força para me acalmar. E então segui em direção à porta do palácio dizendo:

    – Hoje não pretendo ser princesa, Alice. Sou somente Layla. E fique contente por eu ter saído do meu quarto.

    Ela parou de me seguir, e não me respondeu. Senti que me olhava com espanto e ao mesmo tempo raiva. Passei pelos dois guardas que ficavam na porta, que fizeram um aceno com a cabeça, atravessei outro salão, depois o jardim, e finalmente cheguei ao enorme pátio.

    Comerciantes andavam para lá e para cá com carroças e cavalos. Algumas tendas estavam espalhadas nos cantos, e havia uma enorme fonte com estátuas de deuses imponentes ao centro, que jorravam água pelas cornucópias, cestas e potes que seguravam, mas ela estava longe demais para ser vista em detalhes. Fui andando apressada. Demorava muito para atravessar o castelo-cidade, principalmente nessa hora do dia em que ficava cheio. Algumas pessoas me cumprimentavam no caminho, e os que trabalhavam lá todos os dias ficaram surpresos ao ver que saí do castelo.

    Assim que passei pela fonte, parei e olhei para o relógio enorme que

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