Literatura e Ensino:: Análises e Reflexões Acadêmicas em - Guimarães Rosa, Machado de Assis e Dalcídio Jurandir
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Literatura e Ensino: - Cristiane do Socorro Gonçalves Farias
Editora Appris Ltda.
1ª Edição - Copyright© 2018 dos autores
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COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO LINGUAGEM E LITERATURA
Dedicamos aos nossos professores que no percurso de nossa vida escolar/acadêmica compartilharam o que tinham de melhor, a sabedoria.
Aos nossos alunos pelo carinho e confiança. Eles nos inspiram a buscarmos novos horizontes.
Aos nossos colegas professores que nessa luta diária, com todas as dificuldades almejam por meio da educação, um mundo melhor.
Agradecimentos
A Deus sobre todas as coisas.
Ao apoio, incentivo e amor
incondicional de nossas famílias.
À Edinalva e Maria Eduarda.
À Izonete e Adima Cardoso.
A Orlando Feitosa e Hilda Feitosa (in memoriam).
A Sebastião e Benedita Farias, Isabelly, Gabrielle e Geany.
Apresentação
As vozes aqui, se metaforizam no fio de Ariadne e pegamos em sua ponta para que nos leve a um porto seguro, e o ponto de chegada que encontramos é a Literatura. Sendo assim, este livro é um encontro de pesquisas coordenadas e executadas por professores pesquisadores da rede pública de ensino, que pensam na Literatura como forma de expressão verdadeira do ser humano, seja fazendo reflexões a partir do estudo bibliográfico ou colocando-a em prática em ambiente escolar sendo um dos vários lócus para um trabalho dessa natureza, baseado em suportes teóricos que nos amparam para o árduo trabalho da pesquisa em si.
O primeiro capítulo "A onomasiologia em os irmãos Dagobé" baseado no livro de Guimarães Rosa, mostra-nos como o autor consegue criar, com o seu conhecimento de diversas línguas, culturas, religiões e mitologias, vocábulos que trazem uma significativa carga. Estes, no conto, empregados como os nomes dos personagens, por si só conseguem, por meio da onomasiologia (ciência que busca a possível explicação dos nomes a partir do conceito, do significado, para, após analisá-los, pode atribuir a forma linguística que lhe será correspondente), revelar o destino não só dos indivíduos como de todo o coletivo. Após a identificação do nome dos personagens na obra, foi feita uma descrição onomasiológica, no intuito de analisar e comparar os acontecimentos e as atitudes relacionadas aos personagens.
O segundo, intitulado "A loucura e a crítica social no enredo e na construção dos perfis psicológicos de Bento Santiago e de Simão Bacamarte", de Machado de Assis, traz como ponto crucial entender o caminho como o escritor utiliza a Loucura enquanto modelo de comportamento, qual seja uma forma de delírio ou de furor que se apossa do homem e o faz falar e agir de forma distinta das usuais ou ainda consideradas normais pela sociedade. Permeia os caminhos da investigação, para entender como esses modos de concepção da Loucura puderam influenciar o autor a criar o enredo do romance Dom Casmurro e do conto/novela O Alienista, nos quais Bento Santiago e Simão Bacamarte são examinados, ora como personalidades doentias, na visão do realismo-naturalismo, período literário ao qual o autor se filia, ora como resultado de um estado de delírio vivenciado pela ilusão de ser e de poder. Considerar-se-á mais profundamente a construção desses perfis psicológicos e desses enredos como parte integrante da radiografia da sociedade desenganada do final do século XIX e início do século XX, objeto fim da análise em fluxo de consciência das personagens, ou ainda como método de criação literária que caracteriza o autor em questão como o maior entre todos os escritores brasileiros nesse gênero.
O terceiro capítulo intitula-se "O ensino de Literatura e a obra de Dalcídio Jurandir". Objetivou-se analisar a realidade do ensino de Literatura Paraense no Ensino Médio e em particular na última série deste nível de ensino, bem como aparece nesse contexto a produção literária do escritor paraense Dalcídio Jurandir. Adotou-se, para tal, o método descritivo-interpretativo para análise dos dados coletados a partir de questionários com questões objetivas, aplicados a nove professores e 40 alunos de uma escola pública do município de Belém-PA. Os principais resultados apontam para a necessidade de implementação de ações que visem à valorização do labor literário desse autor. Concluiu-se que sem essa valorização o fazer literário desse autor permanecerá na obscuridade em que se encontrava. Em vista disso, apresenta-se uma proposta de intervenção para os lócus de pesquisa com o intuito de sensibilizar este espaço escolar para uma reflexão em torno de nossa Literatura local, numa perspectiva de viabilizar a inserção da Literatura Paraense em seu currículo escolar de maneira efetiva e satisfatória.
Por fim, o último capítulo "Dalcídio Jurandir: leitura e recepção em sala de aula", espelhou-se no projeto Recepção das Poéticas Amazônicas, do Núcleo de Pesquisa Culturas e Memórias Amazônicas (Cuma/ Uepa), em que propõe a inserção mais atuante da Literatura da Amazônia em escolas públicas, e se justifica devido à preocupante ausência da leitura de autores amazônicos nesses locais de ensino. A experiência de recepção literária teve como suporte os pressupostos da Estética da Recepção por meio de Jauss e Zilberman e aconteceu na Escola Estadual Prado Lopes no primeiro bimestre do ano letivo de 2014, em turmas finais do Ensino Fundamental. Dalcídio Jurandir foi o escritor paraense escolhido do qual analisamos o texto Escola retirado da obra Chão de Lobos.
A partir dessas experiências, esperamos que com o livro possamos, de alguma forma, instigar outros profissionais da educação o caminho da pesquisa, principalmente contribuir para que a prática em sala de aula, com discussões acerca das reflexões que podemos fazer ao lermos um texto literário e ratificando a importância do uso desses textos em ambientes escolares, torne-se um encontro de saberes e descobertas.
Boa leitura!
Sumário
I
A ONOMASIOLOGIA EM OS IRMÃOS DAGOBÉ
DE
GUIMARÃES ROSA
ANÁLISE ONOMASIOLÓGICA DO CONTO
LIOJORGE
DAMASTOR
DORICÃO
DISMUNDO
DERVAL
DAGOBÉ
DISCUSSÃO SOBRE O CONTO
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
REFERÊNCIAS
II
A LOUCURA E A CRÍTICA SOCIAL NO ENREDO E NA CONSTRUÇÃO DOS PERFIS PSICOLÓGICOS DE BENTO SANTIAGO E DE SIMÃO BACAMARTE
INTRODUÇÃO
CONSIDERAÇÕES SOBRE A LOUCURA
DEFININDO O QUE É LOUCURA
A LOUCURA CONSEQUÊNCIA DE INÚMEROS FATORES SOCIAIS
A LOUCURA EM DOIS MOMENTOS LITERÁRIOS MACHADIANOS
CONTEXTUALIZANDO MACHADO DE ASSIS
HUMANITISMO: SINTOMA DE LOUCURA OU CRÍTICA AO CIENTIFICISMO
A CONSTRUÇÃO DE PERFIS ASSOCIADOS À LOUCURA
SIMÃO BACAMARTE: "DE MÉDICO, DE POETA E DE LOUCO, TODOS NÓS
TEMOS UM POUCO"
BENTO SANTIAGO, O BENTINHO: ANTOS SÓ; DE QUE MAL ACOMPANHADO.
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
III
O ENSINO DE LITERATURA E A OBRA DE DALCÍDIO
JURANDIR
INTRODUÇÃO
A LITERATURA AMAZÔNICA NO CONTEXTO LITERÁRIO NACIONAL
DALCÍDIO JURANDIR: VIDA E OBRA
O autor no contexto escolar
Lócus e sujeitos e metodologia da pesquisa
Análise das respostas dos professores
Análise das respostas dos alunos
Proposta de Intervenção para a escola alvo da pesquisa
Possíveis propostas
Considerações finais
REFERÊNCIAS
IV
Dalcídio Jurandir: leitura e recepção em sala
de aula
INTRODUÇÃO
Literatura de expressão amazônica. Por que não?
LEITURA E LEITOR: CAMINHOS INTERCRUZADOS
UM BREVE ESTUDO SOBRE A ESTÉTICA DA RECEPÇÃO
O AUTOR: DALCÍDIO JURANDIR
A OBRA
LÓCUS E SUJEITOS DA PESQUISA
A RECEPÇÃO DO TEXTO
ALGUMAS REFLEXÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
I
A ONOMASIOLOGIA EM OS IRMÃOS DAGOBÉ
DE GUIMARÃES ROSA
ANÁLISE ONOMASIOLÓGICA DO CONTO
O conto Os irmãos Dagobé, faz parte de Primeiras estórias, obra de Guimarães Rosa. A narração é em primeira pessoa, alguém que observa os irmãos Dagobé em um velório, não percebemos marcação de tempo e espaço. O autor traz no conto a violência como tema; sua trama gira em torno dos personagens: Damastor (morto), Derval (caçula), Dismundo, Doricão e Liojorge.
O conto tem início no velório do mais temido irmão Dagobé, o Damastor, criatura temida por muitos, mas que morre de forma inesperada pelo pacato Liojorge, que fora ameaçado pelo morto e para salvar sua pele, mata primeiro. Todos ficam perplexos quando sabem que Liojorge quer velar o corpo e carregar o caixão. Os irmãos concordam. Mas todos pensam que faz parte de um plano maligno contra o assassino. Mas a espera pela vingança é frustrada pelos espectadores ao verem os irmãos agradecerem a presença de todos, inclusive de Liojorge, e que iriam embora para outro lugar, recomeçar a vida.
A análise onomasiológica dos nomes dos personagens Liojorge, Damastor, Doricão, Dismundo e Derval, mais o sobrenome Dagobé, que são destaques no conto, está a seguir com o deslindamento da trama criada pelo autor Guimarães Rosa.
LIOJORGE
Eis que eis: um lagalhé pacífico e honesto, chamado Liojorge, estimado de todos, fora quem enviara Damastor Dagobé, para o sem-fim dos mortos.
Em Liojorge pode-se perceber a aglutinação dos étimos Lio, que possivelmente vem de Hélio e Jorge. Lio é sol; liso; feixe, vínculo a articular entre si os diversos personagens e acontecimentos da trama¹ – Dele depende a harmonia, o astro que todos os demais necessitam como fonte de luz, calor e energia. Sua luz se opõe às trevas, dia e noite em uma antítese da natureza cíclica, trazendo consigo a cada manhã uma nova esperança. É também liso, algo que não se pode pegar facilmente, que está além das possibilidades do opressor, que não se enquadra facilmente aos ditames daqueles que o querem dominar, por isso Liojorge, diante de Dorição, Dismundo e Derval, no momento em que Damastor estava sendo enterrado, não cai em si, mas ele se escorregou em si
. Tanto nesse fragmente como ao longo do conto, apesar da narrativa nos levar a crer que era o fim de Liojorge, há uma outra conotação: a que Liojorge reconheceu o grande risco que estava correndo, mas ao mesmo tempo sabia que era suficientemente capaz de escapar dos seus algozes. Lio é também o radical que indica duro, reafirmando a personalidade de Liojorge, mesmo sendo um homem simples um lagalhé
, mas que ao contrário do que se imagina, mostra-se firme em suas atitudes e toma as rédeas de seu destino, com um profundo senso de justiça de só ter matado em legítima defesa: [...] Liojorge o ousado lavrador, afiançava que não tinha querido matar irmão de cidadão cristão nenhum. Puxara só o gatilho no derradeiro do instante, por dever de se livrar, por destino de desastre!
(13º parágrafo). Dureza que o impulsiona a ir ao enterro de Damastor, mesmo com o risco de sofrer a vingança de seus irmãos; que o faz resignado a permanecer no arraial depois de matar Damastor em demonstração de que a força que o move é interna e profunda e não externa e superficial.
O étimo Jorge significa agricultor², e por isso o enterro de Damastor é visto por Liojorge como a preparação de uma semente que deverá ser plantada. Não podia furtar-se a sua responsabilidade, deveria estar naquele enterrá-lo, plantá-lo – como lavrador –, pois é a semente da esperança de um novo tempo, de uma nova vida, para – apesar do clima fúnebre – provocar um renascimento, como um ritual de purificação (batismo dos cristãos), a quebra de um paradigma; um divisor de águas que marca uma travessia penosa, mas que resulta na libertação da opressão. Jorge aponta ainda para o mito de São Jorge, popularmente conhecido como o santo guerreiro. Esse mito surge com a estória de um jovem soldado romano que viveu por volta do século III d.C. quando Diocleciano era imperador de Roma. Jorge, filho de pais cristãos, aprendeu desde a sua infância a ser um bom cristão. Promovido a capitão do exército romano devido a sua dedicação e habilidade – qualidades que levaram o imperador a lhe conferir o título de conde. Com a idade de 23 anos passou a residir na corte imperial em Roma, exercendo altas funções. Em uma reunião do Senado para aprovar uma lei do imperador Diocleciano para matar os cristãos, Jorge levantou-se espantado com aquela decisão, e afirmou que os ídolos
adorados nos tempos pagãos eram falsos deuses. Todos ficaram atônitos ao ouvirem estas palavras de um membro da suprema corte romana, defendendo com grande ousadia a fé em Jesus Cristo, como salvador dos homens. Indagado por um cônsul sobre a origem dessa ousadia, Jorge responde que vem da verdade, e que a verdade era Jesus