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Histórias de Leitura: Diferentes Modos, Lugares e Leitores
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Histórias de Leitura: Diferentes Modos, Lugares e Leitores
E-book334 páginas4 horas

Histórias de Leitura: Diferentes Modos, Lugares e Leitores

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Sobre este e-book

Histórias de Leituras: diferentes modos, lugares e leitores é uma obra tecida na interface de pesquisas que tematizam a leitura numa perspectiva inclusiva. Ao evidenciar trajetórias rurais, quilombolas e universitárias, as autoras colocam em destaque ricos processos de subjetivação e modos de (re)significar as realidades retratadas por meio das memórias de diferentes leitores e leitoras, que têm em comum o convívio com as múltiplas formas da linguagem (escrita, oral e visual). As análises apresentadas no conjunto desta obra contribuem para a ampliação dos estudos relativos às práticas culturais da leitura e à compreensão sócio-histórica dessas práticas. O livro é indicado não apenas para professores e pesquisadores, mas, principalmente, para todos que se interessam pela palavra humana.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento26 de fev. de 2020
ISBN9788547331818
Histórias de Leitura: Diferentes Modos, Lugares e Leitores

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    Histórias de Leitura - Patrícia Vilela da Silva

    COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO LINGUAGEM E LITERATURA

    A leitura tem uma história. Não foi sempre a mesma em todos os lugares. Podemos imaginá-la como um processo direto de extrair informação de uma página, mas, considerando-a um pouco mais além, concordaríamos que a informação precisa ser peneirada, classificada e interpretada.

    (Robert Darnton)

    PREFÁCIO

    Das queixas constantes acerca do baixo rendimento de leitura no Brasil, emerge quase sempre uma idealização do leitor que se constituiria, enquanto tal, a partir das leituras de produções literárias legitimadas pelo campo erudito da literatura. Tal entendimento culminou em uma desqualificação de modos de ler distintos, deixando à margem uma vasta comunidade de leitores, com suas práticas inventivas e inovadoras de se apropriarem dos textos escritos e, por vezes, com uma compreensão alargada do que seja literatura. Ainda que se questione a exclusividade das produções eruditas na chamada formação leitora, o culto ao leitor ideal persiste, endossando uma distinção, que é excludente, nos termos de Pierre Bourdieu.

    E sabe-se também que as queixas são alimentadas pelos poderes instituídos, que estabelecem indicadores de leitura nem sempre alcançados pela comunidade escolar brasileira, como se pode constatar nas avaliações acerca do letramento em leitura aplicadas por organismos com o objetivo de controlar o desempenho educacional no país. Como exemplo, tem-se o Programa Internacional de Avaliação de Alunos/PISA, cujos resultados da última avaliação foram recebidos como uma sentença rebaixadora do processo de escolarização ao apresentar dados estatísticos nada animadores sobre o letramento em leitura dos estudantes brasileiros.

    Saindo do plano da queixa, sem demonstração de abatimento frente a esses resultados, e na contramão de uma visão elitizada de leitura, os trabalhos que dão corpo a este livro revelam que suas autoras optaram por ouvir leitoras e leitores com seus repertórios de leitura nem sempre legitimados pelo campo erudito. Como se pode constatar nas pesquisas aqui realizadas, dessa comunidade de receptores – sujeitos com formação cultural singular –, emergem indicadores de apropriação das obras literárias de modo muitas vezes distanciado daquele escolarizado, o da interpretação do texto, que ainda reina nas salas de aula. As autoras contemplam uma dimensão do ato de ler, que, se não é de todo ignorada, é pouco explorada no âmbito dos estudos literários: escutar o outro, o leitor, deixando vir à tona outras práticas de leitura, marcadas por promover uma abertura enriquecedora dos processos de letramento.

    Os trabalhos aqui apresentados, que resultam de uma investigação acadêmica, guardam em comum – além do interesse e do compromisso das autoras com suas atividades docentes – a delimitação de um recorte bem preciso, a saber, histórias cujos protagonistas constroem percursos transversalizados de leitura. São leitoras e leitores que trazem em seu repertório cultural uma bagagem de leitura formada por redes de sociabilidade diversas, tecidas simultaneamente com os processos de escolarização. Ou na contramão? No mínimo, apontam para formas inusitadas de se aproximarem da literatura.

    Assim, as questões que norteiam este livro instigam a pensar uma formação docente que contemple formas plurais de leitura, o que contribuirá, sem dúvida, para fortalecer o compromisso do magistério, que é o de levar os sujeitos a extrapolarem, com suas leituras, os muros da escola. E também, para que se pensem políticas públicas de letramento que assegurem uma distribuição democrática do capital cultural entre os jovens e adolescentes dos mais diversos lugares do Brasil e se reconheça a diversidade do público ledor.

    O livro é um convite à leitura pelas pistas sinalizadas, as quais podem ser férteis para se promover práticas de leitura potentes!

    Salvador, Bahia

    Márcia Rios da Silva

    APRESENTAÇÃO

    Concordando com Márcia Abreu (2003), percorrer o interior dos lares brasileiros pode revelar uma realidade diferente daquela que apresentam os institutos de pesquisa sobre quem são os leitores no nosso país. A despeito disso, com o propósito de investigar algumas histórias de leituras, foram percorridos diferentes espaços, ouvidos diversos sujeitos e registradas muitas histórias.

    A decisão de organizar este livro advém do fato de que os trabalhos, que são parte dos resultados de dissertações de mestrados em Estudo de Linguagens e em Educação, realizados na Universidade do Estado da Bahia (Uneb) e na Universidade Federal da Bahia (UFBA), respectivamente, entrelaçam-se em um campo de pesquisa comum: estão inseridas nos estudos da Nova História Cultural, no âmbito da História da Leitura, que considera a leitura como prática cultural historicamente estabelecida. Além disso, as autoras, que também são professoras da Universidade do Estado da Bahia, vão às fontes orais para estudar como determinados sujeitos se constituíram leitores, considerando situações adversas, que ultrapassam os limites dos bancos escolares.

    A despeito das semelhanças apontadas, os textos apresentam características bastante singulares, tendo em vista o estabelecimento do lócus das pesquisas realizadas, lançando olhares sobre a roça, a comunidade quilombola e a universidade.

    O primeiro texto Leituras na roça: algumas histórias, de autoria da professora Patrícia Vilela da Silva, investiga as histórias de leituras de professores em formação e sujeitos com escolarização incompleta, todos moradores da Caatinga do Moura, comunidade rural pertencente ao município de Jacobina-BA. Para isso, consideram-se não apenas os episódios relacionados à escolarização, mas também os que se inserem em contextos familiares, religiosos e culturais, os quais vão constituindo o leitor desde a infância. Desse modo, são apresentadas as narrativas dos participantes cujas análises apontam para a diversidade de objetos e maneiras de leitura, legitimadas ou não, que contribuem para a constituição de sujeitos leitores na roça, considerando as condições sócio-histórico-culturais que constantemente os desafiam.

    O livro é seguido pelo texto da professora Ilmara Valois Bacelar Figueiredo Coutinho, trazendo narrativas advindas de uma comunidade remanescente de quilombo, situada no município de Mirangaba, Bahia, com trajetórias leitoras representativas de desafios, tensões e possibilidades forjadas no bojo de uma sociedade classista, grafocêntrica e excludente. Pelo viés da memória de oito leitores e leitoras, o texto vai se constituindo como uma viagem à história da comunidade, aos entendimentos sobre o reconhecimento quilombola e o fortalecimento da identidade negra, aos processos de alfabetização, letramentos e escolarização, apontando para a diversidade de materiais e formas de ler, como também para a necessidade de investimentos em uma formação leitora atenta às diferenças materiais, culturais e étnicas constitutivas das muitas realidades do país.

    Na terceira e última parte, apresenta-se o texto Ser Leitora do Curso de Letras, de autoria da professora Denise Dias de Carvalho Sousa, cujo objetivo central foi investigar as histórias de leitura das alunas do curso de Letras do 8º semestre, turno noturno, do Departamento de Ciências Humanas – DCH – Campus IV – Universidade do Estado da Bahia, no município de Jacobina. Trata-se de uma pesquisa de caráter qualitativo cujas colaboradoras são estudantes baianas do Curso de Letras Vernáculas, sendo a entrevista narrativa o instrumento principal da coleta de dados. A questão norteadora incide na análise do processo de constituição leitora dessas alunas; assim, discute as redes de sociabilidade que propiciaram o contato delas com a leitura: pessoas, ambientes, situações, personagens, prosas e versos, bem como suas representações sobre leitura, literatura e leitor. Focaliza, ainda, o itinerário de leitura de seis alunas, a partir da instância de mediação biblioteca.

    As análises e discussões apontadas neste livro, organizado em três capítulos, contribuem, indubitavelmente, para a ampliação do banco de dados alusivos à História da Leitura no Brasil, especialmente considerando o interior baiano. Nessa perspectiva, espera-se fomentar questionamentos diversos, solicitando outros olhares sobre as formas de contato com a leitura narrada em diversas condições socioculturais. A obra faz convergir diferentes percursos de vida, entrecruzando formação de leitores singulares, cujas vozes se fazem ouvir nas páginas que a compõem.

    Autoras

    REFERÊNCIAS

    ABREU, Márcia. Os números da cultura. In: RIBEIRO, Vera Masagão. (Org.). Letramento no Brasil: reflexões a partir do INAF 2001. São Paulo: Global, 2003

    Sumário

    LEITURAS NA ROÇA:

    ALGUMAS HISTÓRIAS 15

    Patrícia Vilela da Silva

    HISTÓRIAS LEITORAS

    QUILOMBOLAS 91

    Ilmara Valois Bacelar Figueiredo Coutinho

    SER LEITORA

    DO CURSO DE LETRAS 153

    Denise Dias de Carvalho Sousa

    LEITURAS NA ROÇA: ALGUMAS HISTÓRIAS

    Patrícia Vilela da Silva

    A história vivida pela multidão de leitores está presente, no direito ou no avesso do texto. Porque cada um, no silêncio ou na algazarra de suas leituras, torna literários alguns dos textos com que se encontra na vida. Às vezes o gesto individual coincide com o gesto oficial de literarizar um texto. Outras vezes não coincide. E cada um que decida a qual gesto _ se o próprio se o alheio _ vai ser fiel e solidário!

    (LAJOLO, 2001, p. 48)

    Esta obra, que recorre às contribuições teóricas da História Cultural, especialmente aos estudos relacionados à História da Leitura, consiste em investigar como moradores do distrito de Caatinga do Moura, comunidade rural pertencente ao município de Jacobina-Bahia, se constituíram leitores. Interessa-me saber os modos de apropriação do texto escrito, sejam eles legitimados ou não, bem como as relações com os diversos materiais a que tiveram acesso, os diferentes espaços e mediadores de leitura.

    Para isso, consideraram-se os aspectos históricos e sociais na análise das diversas experiências desses sujeitos com a leitura, acumuladas desde a infância, sejam elas escolares, familiares, religiosas ou midiáticas, que vão determinando o leitor, reconhecendo as representações coletivas e singulares evidenciadas nas suas histórias de vida e de leitura.

    Desse modo, entendendo que a escola é uma das instituições capitais na implementação de um cânon literário (REIS, 2008, p. 05), buscou-se também perceber a aproximação desses sujeitos participantes da pesquisa com as obras canônicas, a fim de verificar em que medida as experiências de leitura dos sujeitos, colaboradores desta obra, relacionam-se a textos considerados legítimos ou não legítimos.

    Vale salientar que é a relação que tiveram com a escola, a quem é atribuída a função de formar leitores, que define os participantes desta pesquisa, todos moradores do distrito da Caatinga do Moura. Assim, serão apresentados dados empíricos relacionados a dois grupos de sujeitos que se distinguem quanto ao nível de escolarização e ao fato de pertencerem a diferentes gerações: o primeiro, formado por três pessoas de escolarização incompleta e, o segundo, composto por cinco professoras, as quais cursam licenciatura plena em pedagogia no Programa Rede Uneb 2000¹, motivo pelo qual foram selecionadas.

    Trata-se de uma investigação de natureza qualitativa, o qual faz uso da abordagem autobiográfica, por entender que ela se constitui a metodologia mais adequada, uma vez que se caracteriza como uma prática capaz de valorizar as vivências e experiências que foram sendo adquiridas ao longo da vida, possibilitando lidar com diferentes memórias e subjetividades. Nesse sentido, é notável a produção de trabalhos que adotam essa perspectiva e que buscam romper os métodos convencionais de investigação, caracterizando-se como um novo modo de se fazer ciência, em que a subjetividade se torna constitutiva das novas formulações teóricas, em diversos campos de estudo.

    Além disso, falar sobre sua própria experiência como leitor permite ao sujeito exercitar sua reflexão, revisão e avaliação dos processos vivenciados ao longo de sua trajetória de vida. Revela a versão criada por ele mesmo, sua interpretação diante dos fatos vividos e construídos pela sua memória, que é sempre uma reconstrução, em que o passado é evocado de um lugar do presente, marcado por determinada posição social.

    Sendo assim, apesar de ter utilizado como instrumento de pesquisa, no primeiro momento da investigação, o questionário², o qual foi aplicado apenas às professoras, foi por meio da narrativa oral, que se tornou possível desvendar o que sucede na encruzilhada da vida individual com o social (QUEIROZ, 1988, p. 33), a partir dos relatos da análise e seleção dos acontecimentos narrados, objetivando ir além do caráter individual que foi transmitido.

    Dos estudos e análises realizados a respeito das narrativas que revelam as histórias de leituras de professores e sujeitos de escolarização incompleta, foi possível organizar este texto.

    ALGUMAS CONSIDERAÇÕES INICIAIS

    O advento da chamada Nova História Cultural, surgido na década de 1960, possibilitou o diálogo com diversas áreas do conhecimento, como a História, a Antropologia, a Sociologia, a Ciência Política e a Literatura. Assim, surgiram temas como a morte, a loucura, o medo, a infância, a mulher, a leitura, entre outros, que passaram a ser entendidos como uma construção cultural, variando no tempo e no espaço (BURKE, 1992).

    Desse contexto, surgiu o interesse pelo estudo da leitura enquanto prática cultural e não apenas escolarizada, desencadeando uma série de questões que visam investigar como a leitura se constitui e não apenas quantificar o que se lê, mas interrogar onde, por que, quando e como leem. Para isso, não bastavam apenas os documentos oficiais, deveriam examinar uma variedade maior de evidências, sendo elas visuais ou orais. A narrativa, o depoimento, a entrevista, o livro, o diário, as memórias, passaram a ser objeto de investigação, além de diversos espaços, como a escola, a biblioteca, os arquivos, as bancas de revistas, as livrarias, as cafeterias etc.,com o intuito de responder aos questionamentos que tomavam agora o homem comum como sujeito da pesquisa

    Tornou-se objeto de interesse dos pesquisadores, conhecer os leitores pelas suas histórias de leitura, pelas experiências vividas ao longo do tempo nas relações com os textos e com os outros. Por meio de depoimentos, relatos, estudos de vida e de leitura buscam imagens e representações³ construídas socialmente pelos sujeitos. Muitos trabalhos voltaram-se às práticas sociais de leitura ligadas a determinadas comunidades de leitores, de outras épocas e de outros lugares. Questões relacionadas à formação do gosto, suas motivações e as circunstâncias em que o sujeito-leitor se constitui no cotidiano.

    Autores como Robert Darnton⁴ e Roger Chartier⁵, ambos ligados à história cultural, propõem estratégias e possibilidades de se estudar a história da leitura, partindo do pressuposto de que a leitura é uma prática cultural, reconhecendo a pluralidade de leitores, modos e objetos.

    Darnton (1992, p. 200), afirma que a leitura possui uma história declaração que é seguida da indagação sobre como recuperá-la. Com base em estudos realizados por diversos pesquisadores, o autor aponta algumas tendências por eles adotadas, reconhecendo que a história do livro contribuiu com a história externa da leitura, na medida em que respondeu às indagações relacionadas a questões do tipo quem, o que, onde e quando, entretanto, os modos e os motivos ainda representam os maiores silêncios da história da leitura.

    Chartier (2002b) apresenta três eixos que tornariam possível realizar um projeto de investigação da história da leitura: 1) análise de textos literários ou não, canônicos ou esquecidos, buscando perceber os objetivos e motivações que levaram à leitura; 2) a história dos livros e de todos os objetos e formas que realizam a circulação da escrita; 3) estudo das práticas que, de maneiras diversas, se apoderam desses objetos e formas, produzindo usos e significações diferentes

    Todas essas possibilidades eclodem numa multiplicidade de situações antes desconhecidas, revelando traços culturais ainda pouco explorados, como a diversidade de objetos e do público leitor, a recepção das obras, as práticas de leitura, os mecanismos de produção e distribuição de um texto e a permanente mudança de interesses do leitor.

    Evidencia-se, assim, a história de leitura como possibilidade de reconhecer e legitimar diversas formas de leituras que têm sido consideradas inválidas à medida que permite ao sujeito falar sobre suas experiências leitoras, valorizando o papel do sujeito comum na história, ressignificando a narração e incorporando a oralidade como fonte de pesquisa.

    Na literatura, segundo Luiz Roberto Cairo (2004), os questionamentos trazidos pelos estudos culturais podem ser percebidos a partir dos anos de 1980, quando se voltam para a expressão das vozes que ficaram à margem do cânone hegemônico da história da literatura brasileira. Assim, rejeitam-se as grandes obras e autores, uma vez que são considerados instrumentos a favor dos interesses dominantes. Período marcado pelo multiculturalismo,

    [...] em que se busca revitalizar o cânone através da inclusão de textos que expressam as vozes dos deixados à margem em função da etnia, gênero, sexualidade, condição sócio-econômica ou por outro tipo de sanção ideológica e conseqüente exclusão daqueles que não mais respondem ao horizonte de expectativas do presente (CAIRO, 2004, p. 71).

    O multiculturalismo crítico evidencia as contradições socioculturais, visando à eliminação das fronteiras entre a arte erudita e a arte popular, à diluição dos critérios tradicionais de definição da estética e à valorização da intertextualidade, fazendo vir à tona as diferenças e as ausências de muitas vozes que foram caladas pelas metanarrativas da modernidade. Há, pois, uma descentralização; não um núcleo central, mas vários núcleos, valorizam-se os grupos marginais, as minorias, silenciadas pelos cânones, que passam a questionar suas posições em relação ao poder exercido na sociedade.

    Nesse ínterim, passaram a receber a atenção dos estudiosos não apenas as obras que fazem parte do cânone literário, mas todas as formas de produção escrita antes marginalizadas como os jornais, as histórias em quadrinhos, a literatura de cordel, os romances, os mitos, os contos populares, a literatura infantil, os textos religiosos, os livros didáticos e instrucionais, entre outros, tornam-se objeto de investigação, deixando de ser considerados indignos.

    Desse modo, concordo com Márcia Abreu (2001) ao afirmar que enquanto considerarmos legítimos um único modo de ler e um único objeto de leitura manteremos nosso estado de ignorância quanto às inúmeras práticas sociais de leitura existentes em nosso país, especialmente em comunidades rurais ou em centros urbanos de pequeno porte, onde se imagina não haver nenhuma forma de acesso à leitura, uma vez que os discursos se reduzem a revelar as carências de bibliotecas, livrarias e de hábitos de leitura nessas regiões, levando à constatação de que, simplesmente, não há leitores.

    De outra forma, os sujeitos cujas histórias de vida foram construídas em regiões suburbanas, em áreas rurais como a Caatinga do Moura seriam considerados não leitores, visto que o acesso às bibliotecas ou obras literárias consagradas é restrito, evidenciando, assim, o discurso da falta. Aqueles que não conseguissem acompanhar a ideia de progresso, apresentando-se como leitor eficiente, crítico, competente – conceito construído dentro da lógica da modernidade ocidental que valoriza o conhecimento científico – tornar-se-iam apenas um leitor primário, ainda que possuíssem uma experiência de leitura extremamente rica relacionada à tradição oral: contos, causos, cantigas, parlendas, textos religiosos, folclóricos.

    Nesse sentido, ao tomar a história de leitura como o eixo de análise e discussão, considero os aspectos históricos e sociais na análise das diversas experiências desses sujeitos com a leitura, acumuladas desde a infância, sejam elas escolares, familiares, religiosas ou midiáticas, que vão determinando o leitor, reconhecendo as representações coletivas e singulares evidenciadas nas suas histórias de vida e de leitura.

    DA CAATINGA: FIGURAS E PERSONAGENS

    É imprescindível ao leitor desta obra conhecer as características da Caatinga do Moura, distrito pertencente ao município de Jacobina-Ba, lócus desta pesquisa de campo. Saber onde está localizado, como vivem os seus moradores, como estão organizadas suas atividades econômicas e culturais, de que forma se relaciona seu povo é importante para a compreensão das relações estabelecidas com a cultura letrada, dos ideais compartilhados e das dificuldades superadas naquele distrito.

    O município de Jacobina, além do distrito de Caatinga do Moura, compreende ainda outros cinco: Itaipu, Itapeipu, Junco, Paraíso e Lages do Batata. Tem uma área de 2.320 km² e fica situado na região do Piemonte da Chapada Diamantina, na região noroeste do estado da Bahia, a 330 km de Salvador, capital do estado. Sua população é de 79.285, sendo aproximadamente 56 mil na sede e 23 mil no interior (IBGE, 2016). Conhecida como Cidade do Ouro, resultado da descoberta das minas que atraíram viajantes no século XVII, a cidade possui um rico patrimônio histórico-cultural, além de uma beleza natural evidenciada nas áreas serranas. Sua base econômica é a mineração, a agricultura, o comércio e a pecuária.

    A Caatinga do Moura tem como principal fonte de renda a agricultura, que se baseia na produção do alho, sisal, feijão e banana, com a qual produz os seus doces. Assim, a sua população depende economicamente do que é colhido e vendido no período da colheita, o que não se diferencia de outras regiões de economia agrária do nosso país.

    Com uma população de cerca de oito mil habitantes, o distrito está dividido em cinco comunidades que foram sendo organizadas ao longo de uma extensa área que recebe o nome de Caatinga do Moura, representando os bairros do povoado. São eles: Lagoa, Caatinga do Moura, considerada sede, Roçado, Boa Vista e Olhos D’agua.

    É na sede que funcionam as principais atividades do povoado. O comércio situa-se em torno da praça e oferece farmácia, supermercado, padaria, lanchonete e uma lan house (centro de acesso pago). Além disso, encontram-se o posto de saúde, uma agência do correio, o colégio, a escola e as igrejas evangélicas e católicas.

    Vale atentar para o fato de que, ao lado dos espaços que oferecem produtos e serviços considerados essenciais ao ser humano, está a lan house que oferece a possibilidade de acesso às tecnologias da informação. O que parece evidenciar que esse recurso tem se tornando indispensável ao homem moderno, com a ideia de promover a inclusão digital, alcançando não apenas o espaço urbano, como também o rural.

    Quanto às atividades

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