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Crítica literária acadêmica amazonense: formação e transição
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Crítica literária acadêmica amazonense: formação e transição
E-book323 páginas3 horas

Crítica literária acadêmica amazonense: formação e transição

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Sobre este e-book

No presente livro, elegemos como objeto de investigação a crítica literária acadêmica amazonense e seus itinerários pela poesia lírica do Amazonas, tendo em vista a necessidade de realizar um inventário sobre sua história e compreendê-la como um processo sociocultural. Propomos dividir e caracterizar a crítica literária em três gerações: a primeira é, em grande parte, caracterizada ou conhecida como uma crítica impressionista, subdividida em dois momentos, antes e depois do surgimento do Clube da Madrugada (1954), e pela publicação das obras dos primeiros críticos especialistas, ainda na década de 1970. A segunda, que designamos como geração de fundação, forma-se entre as décadas de 1980 até a metade da década de 1990. E a terceira, que designamos como a geração de transição, forma-se entre a segunda metade da década de 1990 e a primeira década do ano 2000. Sem esgotar possibilidades que (esperamos, humildemente) esse inventário e estado da arte possam vir a suscitar, procuramos, primeiro, situar esse mesmo contexto e, depois, preencher uma lacuna nos estudos literários no Amazonas: visualizar, no conjunto das gerações críticas que vêm se formando, os sentidos e direções que explicam as atuais tendências que os estudos na área têm seguido no ambiente universitário.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento10 de abr. de 2024
ISBN9786527023890
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    Crítica literária acadêmica amazonense - Fabrício Magalhães de Souza

    capaExpedienteRostoCréditos

    NOTA INTRODUTÓRIA

    A pesquisa cujo resultado está vertido no livro que ora se apresenta, A formação da crítica literária amazonense e seus itinerários pela poesia lírica do Amazonas (1982-2010), foi tese defendida em março de 2020 no Programa de Pós-Graduação em Sociedade e Cultura na Amazônia, da Universidade Federal do Amazonas. Fizemos algumas correções, cortes e alterações, quando foi o caso, mas mantendo, de modo geral, o texto então apresentado. Agradeço ao professor Gabriel Albuquerque pela paciente e perspicaz orientação, ensino e pelas oportunidades de recomeçar quando os primeiros caminhos tiveram que mudar, e à banca examinadora: professores Marcos Frederico Krüger, Marilene Corrêa, Nicia Zucolo e Rosemara Staub pelas valiosas contribuições na qualificação e defesa, bem como aos demais professores, técnicos e colegas dos PPGSCA/Ufam, PPGL/Ufam e PPGLA/UEA pela parceria, diálogos e troca de ideias. Destaco a professora Juciane Cavalheiro, amiga e orientadora no mestrado, ao professor Maurício Matos, amigo e incentivador de minha caminhada na pesquisa acadêmica, ao professor Allison Leão, que auxiliou apontando alguns caminhos do que fora então um pré-projeto, ainda em 2014, à professora Rosa Bertollo, a primeira a me incentivar a desenvolver estudos literários em um PPG interdisciplinar, e à professora Maria Helena Azevedo, que me despertou a paixão pela literatura. Agradeço ainda à professora Dayane de Oliveira (da UFOP), que gentilmente cedeu-me uma das traduções do ensaio de Astrid Erll e Ansgar Nünning, feitas por Simone Garcia de Oliveira. Falta espaço para falar de amigos, irmãos e outros colegas de trabalho com quem tive a oportunidade de compartilhar ideias, materiais de pesquisa e boas conversas no decurso da pesquisa. Perdoem-me esta lacuna. Dedico este livro aos meus pais e irmãs, e grato a Deus, porque Jesus não afastou de Si o cálice para que eu pudesse me aproximar dEle.

    PREFÁCIO

    SOBRE FAZER CRÍTICA LITERÁRIA NO AMAZONAS

    Nem sempre seguimos os caminhos que inicialmente pensávamos traçados. Esta parece-me ser a primeira lição que o livro de Fabrício Souza nos dá e, para mim, seja no trabalho de orientação, seja na condição de leitor, essa primeira lição tem um desdobramento. Se o caminho previamente traçado não nos serve, que outro caminho servirá? Neste ponto, pesquisa, vida acadêmica e experiência humana se fundem e nos transformam. A frase inicial desta obra demonstra bem a dimensão humana dos processos de pesquisa: Certa vez, o ano deveria ser 2008, numa conversa com uma professora, quando falávamos de Pablo Neruda, entramos num assunto que me era totalmente desconhecido: a literatura amazonense. Esse marcador, literatura amazonense, é essencial às perquirições postas ao longo da pesquisa e da obra dela resultante.

    De certa forma, dizer literatura amazonense é dizer muitas outras coisas entre as quais posso destacar o credo em uma produção literária para além da produção brasileira, o que causa uma ranhura ou uma fissura na ideia que fazemos de unidade nacional. Na linha de pensamento que se constrói, vê-se bem a subjacente produção literária que Fabrício Souza acompanha desde sua manifestação inicial até um desdobramento, qual seja, a identificação de quem buscou criar, em pelo menos três décadas, um complexo interpretativo de obras produzidas no Amazonas.

    Admitida e acolhida uma produção literária amazonense e amazônica (esta última me interessa bem mais que a primeira) o mapeamento da crítica sobre tal produção impõe-se como percurso interpretativo escolhido. Mas, quanto aos que fazem da literatura aqui produzida motivo de reflexão crítica, deve-se atentar para o papel fundamental que as instituições de ensino e pesquisa vêm desempenhando, uma vez que é a partir da formação de pesquisadores e pesquisadoras fora do Amazonas que se dá a construção de diversos planos discursivos cujo teor é de avaliação da lírica, da narrativa e do teatro como expressões literárias.

    Inicialmente na Universidade Federal do Amazonas (com apoio da CAPES, da FAPEAM e do CNPq) um conjunto de pesquisadores e pesquisadoras com largo conhecimento também das práticas docentes retorna de instituições como UFRJ, USP e UFSC com propostas interpretativas que dão vigor à crítica acadêmica. O papel dos Programas de Pós-Graduação como o PPGSCA/UFAM é igualmente relevante ao acolherem nos seus doutorados mestres e mestras advindos de outros programas. Como se vê, a crítica acadêmica aqui floresce se harmonizada com as instituições de ensino e pesquisa.

    Uma vez constituído um grupo sólido de pesquisadores e professores com formação e vocação para o fazer crítico, outra questão se impõe, a necessária revisão do cânone no qual, de maneira muito sintomática, pouco se lê e nada se parece saber sobre autores e autoras que produzem literatura na Amazônia brasileira (há honrosas exceções obviamente). Nunca é demais frisar que embora a formação de pesquisadores e pesquisadoras no campo da crítica literária se dá, no Amazonas, a partir dos anos 80 do Séc. XX, já havia um campo interpretativo a partir das obras de, entre outros, Arthur Engrácio (A berlinda literária, 1976), Márcio Souza (A expressão amazonense: do colonialismo ao neocolonialismo, 1977) e Jorge Tufic (Existe uma literatura amazonense?, 1981), esta, a segunda lição que este livro nos dá: embora ocorrendo de maneira distinta, as reflexões sobre o literário no mundo acadêmico e fora dele estão, de algum modo, em relação análoga.

    A perquirição sobre a existência de uma literatura amazonense e de sua forma expressiva, prepara o terreno para a assunção de um discurso sobre essa literatura cuja irradiação ainda está por ser devidamente compreendida. E, não menos importante, não seria o silêncio a propósito da invisibilidade da literatura no Amazonas, e por extensão na Amazônia, motivo de reflexão? Se não há dúvidas quanto a isso, como construir um cânone outro? As respostas construídas por Fabrício Souza são baseadas em fatos e em um sistema de documentação (todas as obras estão descritas em quadros sinópticos) além de uma análise cerrada do corpus. Essa diversidade textual alcança artigos de jornal, dissertações, teses e ensaios. Chegamos a uma terceira lição: quem queira enveredar pela senda da produção literária amazonense terá de enveredar por outra, a senda da diversa produção crítica.

    Ao caminhar para o final deste prefácio, apelo para a pergunta final do livro de Fabrício Souza: a crítica literária no amazonas é um processo em andamento? A falta de resposta se justifica, segundo o autor, porque somente aos poucos poderemos ir testemunhando o retorno dos jovens pesquisadores que partiram (...) para se especializarem. Junto-me a Fabrício e arrisco ir além, afirmando que não se sabe quem retornará ou não e quem seguirá preocupando-se com a crítica ou não, contudo, a ponta de um iceberg emerge porque não há trabalho crítico sem literatura que venha a provocá-lo, portanto, uma vez constituída uma rotina acadêmica razoavelmente estável no Amazonas, com pesquisadores e pesquisadoras com inserção em universidades de prestígio, que obras, nos últimos dez anos são suficientemente fortes (ou não) para que o trabalho crítico se debruce sobre elas? Essa é possivelmente uma página da investigação cultural a ser escrita pelos lados daqui.

    Gabriel Arcanjo Santos de Albuquerque.¹

    Manaus, janeiro de 2024.

    SUMÁRIO

    Capa
    Folha de Rosto
    Créditos
    INTRODUÇÃO
    CAPÍTULO 1
    A CRÍTICA LITERÁRIA IMPRESSIONISTA E ESPECIALIZADA
    FORMAÇÃO DA CRÍTICA LITERÁRIA AMAZONENSE
    A CRÍTICA LITERÁRIA IMPRESSIONISTA NO AMAZONAS
    A CRÍTICA LITERÁRIA IMPRESSIONISTA E A CRÍTICA LITERÁRIA ESPECIALIZADA APÓS O CLUBE DA MADRUGADA
    REFERÊNCIAS
    CAPÍTULO 2
    A CRÍTICA LITERÁRIA ACADÊMICA FUNDADORA
    A CRÍTICA LITERÁRIA ACADÊMICA COMO FUNDADORA
    INÍCIO DOS ESTUDOS ACADÊMICO-UNIVERSITÁRIOS DA POESIA LÍRICA
    ESPAÇOS DA CRÍTICA LITERÁRIA: UNIVERSITÁRIO, EDITORIAL E JORNALÍSTICO
    REFERÊNCIAS
    CAPÍTULO 3
    A CRÍTICA LITERÁRIA ACADÊMICA DE TRANSIÇÃO
    A CRÍTICA ACADÊMICA DE TRANSIÇÃO
    A CRÍTICA LITERÁRIA ACADÊMICA EM DUAS GERAÇÕES
    A CRÍTICA LITERÁRIA AMAZONENSE E A CRÍTICA LITERÁRIA BRASILEIRA CANÔNICA
    REFERÊNCIAS
    CONSIDERAÇÕES FINAIS
    APÊNDICE

    Landmarks

    Capa
    Folha de Rosto
    Página de Créditos
    Sumário

    INTRODUÇÃO

    A crítica não é biografia, nem se justifica como trabalho independente, se não aspira a completar a obra. Isso quer dizer, de imediato, que o crítico há de introduzir em seu trabalho todos os utensílios sentimentais e ideológicos adequados, com os quais o leitor médio possa receber a impressão mais intensa e clara da obra quanto possível. Convém orientar a crítica em um sentido afirmativo a dirigi-la, mais que a corrigir o autor, a dotar o leitor de um órgão visual mais perfeito. Completando sua leitura, completa-se a obra.

    José Ortega y Gasset, Meditações do Quixote

    1

    Certa vez, o ano deveria ser 2008, numa conversa com uma professora, quando falávamos de Pablo Neruda, entramos num assunto que me era totalmente desconhecido: a literatura amazonense. Ela me disse da comoção que sentia ao ler o sofrimento da cachorra Baleia e do prazer em acompanhar As viagens de Gulliver e, então, virando-se novamente para mim, indagou: mas quando leio os autores amazonenses, não sinto o mesmo, por quê? Tratava-se de uma questão posta, não sabia como responder. Só perto do fim da Licenciatura Letras, cursada na Universidade do Estado do Amazonas, entre 2007 e 2011, enfim, teria contato com a nossa literatura. O professor Marcos Frederico Krüger nos iniciou nos estudos da produção literária e nos foi conduzindo ao longo de mais de cem anos de história, mas era muita coisa, mal deu tempo de chegarmos a Álvaro Maia e o curso terminava! Ao longo dessas aulas foram-nos mostradas as singularidades de cada autor, a irreparável perda de boa parte da obra poética de Tenreiro Aranha em um incêndio, a leitura comovida que fez para nós de A um passarinho, quando o Autor sofria vexações e a descoberta que fizera, por acaso, do livro de Violeta Branca, por um vendedor, na rua México, no Rio de Janeiro.

    Passado certo tempo, e por ocasião das palestras de comemoração dos 50 anos de publicação das obras Alameda, Frauta de barro e o outro e outros contos, em 2013 na UEA, deparei-me novamente com o problema de que falei acima. Da palestra da escritora Astrid Cabral, 50 anos de vida literária, chamou-me atenção o caso de Benjamin Sanches: ele era um ilustre desconhecido dos literatos amazonenses. Nem o poeta Elson Farias (que estava na ocasião) nem o contista Jorge Tufic (com quem conversara ela recentemente) tinham qualquer informação completa sobre o contista. A pesquisadora Nicia Zucolo, que empreendeu trabalho sobre sua contística, também não tivera contato com nenhum parente vivo, a não ser soubera que exercera a profissão de sapateiro. Saí dali atônito. Esse autor seria, definitivamente, minha entrada nos estudos e pesquisas sobre a produção literária amazonense. Depois, ao iniciar os estudos de doutoramento no PPGSCA em 2015, com orientação do professor Gabriel Albuquerque, fui realizando algumas mudanças no projeto inicial, que então versava sobre um único escritor. Nossa pesquisa mudou em razão da ampliação de preocupações que se nos colocavam ao longo desses quase cinco anos de estudos, nos quais realizamos a pesquisa e cujos resultados a seguir passamos a apresentar.

    Neste livro, elegemos como objeto a formação da crítica literária acadêmica amazonense e seus itinerários pela poesia lírica do Amazonas, tendo em vista a necessidade de realizar um inventário sobre sua história e compreendê-la como um processo sociocultural. Optamos por selecionar dissertações e teses de professores que atuam ou atuaram na área de Letras nas universidades locais e, também, por selecionar os trabalhos produzidos somente sobre a poesia, tendo em vista que eles existem em maior quantidade dentro do recorte temporal que caracterizamos como aquele em que ocorre o processo de formação dessa crítica universitária (fazemos aqui duas ressalvas: primeiro, haverá comentários sobre o poema épico de Henrique João Wilkens, Muhuraida, e, quando se fizer mister, a obras da narrativa de ficção ou de outras poesias narrativas).

    O trabalho constitui-se, em termos de fonte e de sua natureza, numa pesquisa de caráter bibliográfico, documental e interpretativo. O corpus é formado por material bibliográfico (teses, dissertações). Quanto aos de caráter documental, estarão inclusos ensaios ou artigos na medida em que auxiliem na elucidação de aspectos interpretativos ou complementares ao corpus. O referencial teórico apoia-se na sociologia da cultura, a partir das noções de campo (Pierre Bourdieu, 1997) e espaço literário (Pascale Casanova, 2002), e da sociologia da memória, a partir das noções de lugares de memória (Pierre Nora, 1993) e memória literária (Astrid Erll, 2005; 2012). Para operar sobre o conjunto bibliográfico e documental selecionado, adotamos uma fenomenologia de natureza hermenêutica, apoiando-nos nas propostas de Hans-Georg Gadamer (1998; 2012) e Hans Robert Jauss (1994).

    2

    Para justificar a crítica literária como uma atividade criadora de lugar de memória, convém falarmos, resumidamente, nos seus três movimentos históricos. O primeiro deles é a sua autonomia, na Modernidade, no Ocidente, quando houve uma ruptura com a teoria literária clássica e com a trindade das disciplinas do discurso – gramática, retórica, poética (Souza, 2014, p. 21). Os inventores do Romantismo, nos séculos XVIII / XIX, tinham que se justificar diante da tradição: uma produção artística seria julgada pelo seu valor e não pela sua exemplaridade. Logo, eles inventaram um novo modo de fazer crítica literária: ao explicarem uma obra, estavam fazendo crítica. Esse processo de autonomia, segundo Roberto Acízelo de Souza (2014, p. 21), levou a crítica a dividir-se em dois projetos: tornar-se em disciplina acadêmica com luz própria e realizar livre comentário das obras literárias, duas atividades inconciliáveis, completa.

    O segundo momento dá-se na primeira metade do século XX, quando iriam surgir novas escolas e modelos de pensamento que buscavam atribuir à análise literária status de Ciência da Literatura, emprestando de imediato lógicas, conceitos e procedimentos das ciências vizinhas, então em gênese. Dentre essas abordagens, encontraram-se o Formalismo Russo e o New Criticism, como abordagens intratextuais e, no curso das décadas de 1960 e 1970 haveria uma multiplicação de abordagens intratextuais (Estruturalismo, Pós-Estruturalismo e seus desdobramentos: nova crítica, poética, semiologia, narratologia etc.) e extratextuais (Estética da Recepção, Crítica Sociológica, Crítica Feminista etc.), que encontrariam seu lugar de exercício no ambiente acadêmico universitário, consolidando-se com a criação da disciplina Teoria da Literatura (Antoine Compagnon, 2010, p. 12-14).

    Entre o primeiro e o segundo movimento, há dois momentos de crítica literária. Temos aquela que faz uma leitura considerada não teórica, daí comumente a produção de seu trabalho ser chamada de crítica impressionista. A outra é o da crítica especializada, fomentada especialmente na academia universitária. Esta vai adotando na sua prática de hermenêutica e exegese do texto literário todo aparato intratextual e extratextual, conforme a formação científica e o habitus dos pesquisadores.

    O terceiro momento, em curso, dá-se com a crítica literária dobrando-se sobre si, isto é, refletindo sobre sua formação. Trata-se, esse terceiro movimento, do resultado do que Pierre Nora (1993) atribui, quando se refere primeiro ao que acontece à história francesa, como o fim da tradição de memória (1993, p. 12). O fim das sociedades-memória, como a dos camponeses, no arrastar da Modernidade, e o surgimento da disciplina História, são dois movimentos não complementares: enquanto a memória é atual e comunitária, próxima, a História é a representação, a interpretação dessa memória e, paradoxalmente, seu apagamento. A História substitui a memória, e passamos a ter um afã pelos lugares de memória (museus, arquivos, monumentos) e pelas práticas de produção de memória: acumular, guardar, arquivar. Para não perder. Para eternizar.

    Assim, não só o texto literário é repositório de uma memória (Astrid Erll, 2005; 2012) e, como literatura, um memorial literário: a crítica literária também é criadora (e mantenedora) de um lugar de memória (Pierre Nora, 1993), qual seja, o da historiografia que ela mesma cria ao funcionar como leitora de textos poéticos, narrativo-ficcionais e dramáticos.

    É justamente pelo papel que a crítica dos críticos desempenha num determinado campo literário - principalmente porque revela sua formação, sua força e seu lugar, funcionando como uma espécie de autoconsciência literária - que este livro opta por discutir o papel dela no campo literário amazonense, uma vez que, com o advento do movimento artístico-cultural Clube da Madrugada, nos anos 1950, a literatura produzida no Amazonas inicia seu processo de autonomia, quando alguns produtores desse grupo vão criando mecanismos de legitimação e prestígio em posição mais ou menos solidária de críticos e leitores (Albuquerque, 2009).

    Dividimos o livro em três capítulos. O primeiro, A crítica literária impressionista e especializada no Amazonas, apresenta um itinerário dos principais autores e obras produzidas antes e depois do Clube da Madrugada, bem como o surgimento da crítica especializada na segunda metade do século XX no Amazonas. O segundo, A crítica literária acadêmica fundadora, reconstitui o processo de formação, objetos de estudo e marcos teórico-críticos presentes nas dissertações e teses dos críticos acadêmicos que se formaram a partir da década de 1980. O terceiro, por sua vez, A crítica literária acadêmica de transição, além de reconstituir o processo de formação, objetos de estudo e marcos teórico-críticos presentes nas dissertações e teses dos críticos acadêmicos que se formaram entre o final da década de 1990 e início da primeira década de 2000, procura traçar os possíveis rumos do que poderíamos chamar de uma quarta geração da crítica literária no Amazonas, além de discutir as relações entre a crítica literária amazonense e a crítica literária brasileira canônica. Incluímos, ainda, um Apêndice, atualizado até 2022, com catálogos de obras (livros, teses e dissertações), com o objetivo de fornecer aos nossos leitores um panorama dos livros publicados e da produção acadêmica (dissertações e teses) que versem sobre autores (escritores, poetas e pesquisadores) e a produção literária amazonense.

    Este livro justifica-se por conta de uma preocupação crescente nas últimas décadas no ambiente universitário brasileiro: uma visão ou revisão de sua produção de conhecimento e a construção de um roteiro de significados para compreender a formação de processos socioculturais. O recorte temático pode variar conforme os problemas que cada pesquisador(a) encontrar para sua investigação, mas o sentido é o mesmo: compreender como e por que se chegou aonde chegou e para onde se está indo.

    Dado esse percurso, impõe-se-nos várias perguntas: podemos falar que se formou uma crítica literária acadêmica no Amazonas? Será Manaus um centro cultural quando falamos nesse assunto? Ou ainda é um processo em andamento? Procuraremos penetrar nessas questões conforme nos aproximemos do capítulo final.

    3

    Boa parte do material consultado está arquivado em espaços públicos, o que significou lidar com dilemas de ordem técnica mais cotidiana (microfilmar ou digitalizar?), porém com implicações outras, tais como: os arquivos são suportes para uma memória particular ou coletiva, pública ou privada, que pode ser esquecida se o arquivo se perder para sempre (Jacques Derrida, 2011, p. 22-23). Em segundo lugar, está-se lidando com uma dimensão de memória como linguagem, identidade e representação (Ulpiano Menezes, 1999, p. 12). Assim, os arquivos bibliográficos e documentais, sendo postos num diálogo entre si, no processo interpretativo, podem servir de meio para articular as relações entre as gerações literárias impressionista e acadêmica e as convergências e divergências que as consubstanciam. Algumas das obras aqui elencadas foram consultadas nos seguintes arquivos públicos, no período de 2014 a 2019: Biblioteca Mário Ypiranga Monteiro (do Centro Cultural Povos da Amazônia), Museu Amazônico (da Universidade Federal do Amazonas), B. Pública do Estado, B. Setorial Norte e Central da UFAM, B. da Academia Amazonense de Letras, e Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional. Também muito contribuiu as visitas e garimpagens na Banca do Largo e demais sebos da cidade de Manaus, além da troca de e-mails com alguns pesquisadores.

    REFERÊNCIAS

    ADLER; Mortimer J.; VAN DOREN, Charles. Os fins últimos da leitura. In: Como ler livros: o guia prático para a leitura inteligente (Trad. Edward Horst Wolff; Pedro Sette-Câmara). São Paulo: É Realizações, 2010, p. 313-338 (Coleção educação clássica).

    ALBUQUERQUE, Gabriel. Brasil, Brasis: insulamento e produção literária no Amazonas. In: RIOS, Otávio (org.). O Amazonas deságua no Tejo: ensaios literários. Manaus:

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