O LEITOR E ALGUMAS LEITURAS
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O LEITOR E ALGUMAS LEITURAS - Divino José Pinto
Pinto
A DANÇA LITERÁRIA EM
O ADEUS DE TERESA
Kênia Cristina Borges Dias[1]
Divino José Pinto[2]
A leitura é extremamente importante em qualquer momento da vida humana. Sendo assim, faz-se necessário adquirir o hábito e o gosto pelo ato de ler, pois somente por meio de tais ações consegue-se uma nova concepção de mundo. Para a hermenêutica literária, vários fatores devem ser observados. Diante disso, Jakobson (2007) elucida que, para o leitor conseguir analisar a textura sonora da poesia, deve observar e atender a estrutura fonológica da linguagem.
Para Boris Tomachevski (2013), as normas métricas são importantes para que seja realizada a comparação e a revelação convencional que rege o sistema dos fatos fônicos, os quais são imprescindíveis ao vínculo entre o poeta e o leitor, portanto, ajuda a compreender o projeto rítmico.
O poema O ‘adeus’ de Teresa
deixa acessível o mote da intertextualidade. Nota-se de imediato, no título, a presença do sexo feminino. Percebe-se que o segundo verso causa uma estranheza ao leitor, uma vez que o autor metaforiza e constrói um lirismo convencional e estabiliza Teresa de Castro Alves. O poema conduz o leitor a adentrar em suas particularidades e descobrir inúmeras riquezas. Portanto, a interpretação tem o poder de descobrir a história, isso porque o papel do leitor se realiza, histórica e individualmente, de acordo com as vivências e a compreensão previamente constituída que os leitores introduzem na leitura
(ISER, 1996, p. 78), seja na poesia, no romance ou em quaisquer modalidades textuais.
É comum ao leitor, ir para o texto com a expectativa de que já o conhece, mesmo que apenas previamente, e os imprevistos o conduzem a reformular as expectativas, bem como reinterpretar todas as leituras já realizadas. Em muitos casos, essa ação não é tão simples como se possa imaginar, haja vista que o leitor vai para o texto com suas próprias normas e valores
(COMPAGNON, 2010, p. 146). O poema de Castro Alves, O adeus de Teresa
, constitui-se no convite inicial para esse exercício de leitura, por meio da qual são destacados traços relevantes do discurso literário.
O Adeus
de Teresa
Castro Alves
A vez primeira que eu fitei Teresa,
Como as plantas que arrasta a correnteza,
A valsa nos levou nos giros seus
E amamos juntos... E depois na sala
Adeus
eu disse-lhe a tremer co’a fala...
E ela, corando, murmurou-me: adeus.
Uma noite... entreabriu-se um reposteiro...
E da alcova saía um cavaleiro
Inda beijando uma mulher sem véus
Era eu... Era a pálida Teresa!
Adeus
lhe disse conservando-a presa...
E ela entre beijos murmurou-me: adeus!
Passaram tempos sec’los de delírio
Prazeres divinais gozos do Empíreo...
... Mas um dia volvi aos lares meus.
Partindo eu disse – Voltarei!... descansa!...
Ela, chorando mais que uma criança,
Ela em soluços murmurou-me: adeus!
Quando voltei... era o palácio em festa!...
E a voz d’Ela e de um homem lá na orquestra
Preenchiam de amor o azul dos céus.
Entrei!... Ela me olhou branca... surpresa!
Foi a última vez que eu vi Teresa!...
E ela arquejando murmurou-me: adeus!
O poema institui a enunciação manifestada pelo eu lírico, que se expressa na primeira pessoa, uma das qualidades da função emotiva da linguagem. Explicita anseios subjetivos que acarretam emoção e encantamento. Além disso, a musicalidade, o ritmo e as rimas caracterizam-nos também como líricos. Os verbos apresentados no pretérito perfeito do indicativo e a presença de tempos e espaços dão-lhe um caráter narrativo. Cabe mencionar a presença do futuro do presente Voltarei
, no 3º quinteto: Partindo eu disse – Voltarei!... descansa!...
(ALVES, 1997, p. 53), o mesmo indica uma promessa a ser cumprida, e o imperativo descansa
, vem para acentuá-la.
Cada poeta traz consigo uma bagagem de informações pertinentes ao período a qual pertence, como também características pessoais de cada um. O poema de Castro Alves foi publicado em 1997 no livro Espumas Flutuantes, e o mesmo reflete a sensualidade e o sentimento amoroso do indivíduo adulto, a mulher encantadora, que fascina.
O esquema rítmico encontrado em O ‘Adeus’ de Teresa
é composto por quatro quintilhos de versos decassílabos, sendo onze os versos heroicos, pois possuem a acentuação principal na 6ª e 10ª sílabas (2º, 7º, 8º, 10º,13º,14º, 15º, 17º, 20º, 21º, 22º) e nove são sáficos. Sua acentuação acontece na 4ª, 8ª e 10ª sílabas (3º, 9º, 11º, 16º, 19º e todos os versos que se repetem, ou seja, os estribilhos). Há, também, os versos que possuem uma distribuição rítmica polivalente, tanto na forma heroica quanto na sáfica (5º e 23º), uma vez que eles apresentam cesuras em 4ª, 6ª, 8ª e 10ª sílabas poéticas. As estrofes são separadas por monósticos, versos esses que confirmam os períodos de afastamento dos amantes. Diante disso, é importante ressaltar a importância das normas métricas na análise do poema. Portanto:
O papel das normas métricas é facilitar a comparação, revelar as características pelo exame das quais podemos avaliar o caráter equipotencial dos períodos do discurso; o objetivo de tais normas é revelar a organização convencional que rege o sistema dos fatos fônicos. Esse sistema é indispensável ao vínculo entre o poeta e seu público, ajuda a compreender o projeto rítmico colocado pelo autor em seu poema. (TOMACHEVSKI, 2013, p. 177).
Pode-se constatar que as sílabas tônicas se repetem após uma, duas ou mais sílabas átonas, e esse intervalo regulado de sons é que gera a sensação prazerosa ao leitor, portanto, o ritmo precisa agradar aos ouvidos do receptor. No poema de Castro Alves, há a presença de sinérese (entreabriu) e de síncope (co’a), o que Tomachevski (2013) denomina de lipogramático, pois demonstra a preocupação dos poetas quanto à qualidade dos sons no verso, como matéria de um novo problema.
Segundo Ossip Brink (2013), o movimento rítmico é antecedente ao verso e não se pode compreendê-lo a partir da linha dos versos e somente abarcaremos o verso a partir do movimento rítmico. Sendo assim, ao observar o poema, verificamos que, na 1ª quintilha, o 1º verso, o 2º, o 3º e o 1º monóstico apresentam identidade a partir da última vogal tônica (Teresa – correnteza, seus – adeus), o 4º e o 5º apresentam uma correspondência de sons finais ainda mais perfeita. A partir da última vogal tônica, igualam-se todos os fonemas, vogais e consoantes (sala – fala). O poema é composto de rimas graves (entre oxítonas ou monossílabos tônicos) e agudas (entre palavras paroxítonas), perfeitas (correspondência de sons), emparelhadas nos 1º, 2º, 4º e 5º versos de cada estrofe, alternando-se no 3º com o monóstico, podendo ser representadas por: AABCC. Há presença de rimas ricas (classes gramaticais diferentes) e pobres (mesma classe gramatical), como se pode perceber pela dupla de palavras:
No verso ‘Adeus’ lhe disse conservando-a presa
, percebe-se que o elemento dominante é o eu lírico e o dominado é Teresa, uma vez que o sujeito lírico é o dono da situação, é ele quem decide os momentos de encontro e, até mesmo, as despedidas, enquanto a dominada só chorava, murmurava e soluçava. Nota-se que, na época da produção do poema, o poder de decisão cabia ao homem e, à mulher, somente a obediência. Tomachevski (2013) afirma que o verso livre só tem utilidade pela característica negativa, pois indica a ausência de uma tradição métrica rígida e, portanto, não limita de maneira precisa o número de variações possíveis. Em seu movimento rítmico, o poema rompe com a métrica na construção poética, com as formas nobres, bem como se baseia na violação da tradição.
A mulher é vista como objeto de prazer, o que pode ser caracterizado pelo uso do gerúndio: corando, beijando, conservando, chorando, arquejando. Empregou-se, também, a oração subordinada adverbial comparativa: Ela, chorando mais que uma criança
. Há expressões típicas de natureza romântica: valsa
, cavalheiro
, orquestra
e expressões que enfatizam as sensações: prazeres
, delírio
, pálida
, branca
, bem ao gosto do romantismo. Sendo assim, é de suma importância analisar, com mais afinco, elementos simbólicos e metafóricos detectados no poema.
Simbologia e metáfora no poema
O poema é uma arte que reflete emoções, sentimentos; é
uma revelação [...] interior que atravessa abstratamente a realidade perceptível através dos sentidos, é a materialização do desejo de um porto sonhador a traduzir a angústia do poeta à procura do seu próprio ser no mundo. (LIMA, 2012, p. 09).
O poema tem o poder de influenciar e, para tanto, é necessário conhecer e distinguir significados e significantes. Barthes (2012) assevera que o significado não é uma coisa e, sim, uma representação psíquica da coisa. O poema leva o leitor a refletir sobre a expressão Adeus
, destacada entre aspas para acentuar o valor significativo da expressão e também o eu lírico que enfatiza a despedida de Teresa. O termo Adeus
, em cada utilização apresenta um valor diferenciado e particular, veja:
Adeus
eu disse-lhe a tremer co’a fala
E ela, corando, murmurou-me: adeus
Adeus
lhe disse conservando-a presa
E ela entre beijos murmurou-me: adeus!
,
E ela entre soluços murmurou-me: adeus!
E ela arquejando murmurou-me: adeus!
(ALVES, 1997, p. 53)
A primeira utilização do termo Adeus
exibe a intensidade da emoção, o palpitar e – por que não? – o temer; enquanto a segunda dá ao termo a sensação de despedida entre dois namorados, pode-se dizer que é um sinônimo de ‘tchau’ ou ‘até logo’; o murmurar pode ser o não querer dizer o que lhe machucará a alma. Percebem-se recursos expressivos que se mostram nos aspectos sonoros da palavra, o seu sussurro onomatopaico e sua aliteração, o qual confere a feição de enamorada ao termo. O terceiro e quarto emprego do termo adeus
demarcam a intensidade do sentimento experimentado diante da separação, da despedida. As últimas ocorrências sugerem o sofrimento pela partida eterna. O ‘adeus’ metaforizado por Castro Alves transcende algo mais significativo que uma simples despedida, pois, sob determinado ponto de vista, a despedida deixou marcas definitivas. A presença do artigo definido ‘o’, gera, como consequência, uma coloração de sentido que confere efeito singular ao sentimento havido entre Teresa e seu amante.
O termo Adeus
empregado no poema é significante que se repete seis vezes, e Chevalier (2016) elucida que esse signo tem muitas acepções; para o autor, o número seis é fundamental na construção do texto, pois ‘seis’
é o número dos dons recíprocos e dos antagonismos, o número do destino místico. É a perfeição, que se expressa pelo simbolismo gráfico dos seis triângulos equiláteros inscritos num círculo [...] Mas essa perfeição virtual pode abortar e esse risco faz do 6 o número da prova entre o bem e o mal. (CHEVALIER, 2016, p. 809).
Conforme enfatiza Chevalier, o número ‘seis’ diz respeito às responsabilidades, tanto sociais quanto familiares, do qual emanam vibrações positivas ou negativas. E foi o que aconteceu no poema: um resultado positivo, em primeira instância, e negativo, em segunda. No primeiro momento, Teresa amou e foi amada, porém, posteriormente, foi abandonada. No entanto, ao se realizar no poema, o