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Entre linhas, formas e cores: Arte na escola
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Entre linhas, formas e cores: Arte na escola
E-book232 páginas2 horas

Entre linhas, formas e cores: Arte na escola

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Sobre este e-book

Essa coletânea traz relatos e reflexões sobre algumas questões da produção artística no contexto escolar. Em cada capítulo os autores revelam profundo conhecimento e sensibilidade diante das experiências vividas com a arte na escola e na vida: apresentam conceitos, propõem novas formas de conduzir e compreender as atividades desenvolvidas no ambiente escolar, compartilham estratégias na superação de desafios e indicam formas de aprimorar o contato com os alunos.
Trata-se de um livro fundamental para todos que se dedicam à educação e à arte.
Como diz a professora Ana Angélica Albano no prefácio: "Quando professores do ensino fundamental (...) reúnem-se para apresentar suas experiências de sala de aula e refletir sobre elas, temos motivos para comemorar. Pode significar que experiências artísticas dignas de atenção atravessaram o portão da escola, não apenas para enfeitá-la, mas para ser parte integrante do currículo, promovendo discussão e crescimento".
IdiomaPortuguês
Data de lançamento22 de set. de 2020
ISBN9788544903148
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    Pré-visualização do livro

    Entre linhas, formas e cores - Tatiana Fecchio Gonçalves (org.)

    organizadoras

    O artista educador

    1

    DOCÊNCIA E CRIAÇÃO: DIÁLOGO ENTRE FAZERES

    Simone Cristiane Silveira Cintra

    Ana Angélica Albano

    Acho que o quintal onde a gente brincou é maior do que a cidade. A gente só descobre isso depois de grande. A gente descobre que o tamanho das coisas há que ser medido pela intimidade que temos com as coisas. Há de ser como acontece com o amor. Assim, as pedrinhas do nosso quintal são sempre maiores do que as outras pedras do mundo. Justo pelo motivo da intimidade.

    Manoel de Barros 2003

    Direcionando o olhar para a intimidade – que dá sentido e tamanho às coisas –, nós nos propomos a refletir, neste texto, sobre aspectos da formação inicial do professor de arte.

    Apresentamos e discutimos situações de ensino e aprendizagem em que a intimidade entre o fazer expressivo e pedagógico do licenciando fundamentou e norteou, entre outros princípios e conceitos, uma experiência de docência e pesquisa,[1] por nós compartilhada.

    Avaliações sobre essa experiência, escritas por seus participantes, são tomadas como elementos norteadores na construção deste texto, da mesma forma que nortearam a organização da experiência vivida por esse mesmo grupo em semestre subsequente.

    Algumas particularidades da experiência por nós compartilhada

    No primeiro semestre de 2008, estivemos, com um grupo de 36 licenciandos na Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), partilhando a docência[2] de uma disciplina de estágio. Participavam dessa turma 22 licenciandos em artes visuais, 8 em música, 3 em dança e uma licencianda em educação física. Esse grupo contou, também, com a participação de duas alunas do curso de pedagogia que estudavam as relações entre a arte e a educação como tema para a elaboração do trabalho de conclusão de curso.

    Docência e pesquisa foram compartilhadas e encontraram-se imbricadas nessa experiência, uma vez que esta se constituiu em uma das práticas de formação que integram a pesquisa de doutorado, em andamento, realizada pela primeira autora e orientada pela segunda autora deste texto.

    A pesquisa em questão tem por objetivo refletir sobre as potencialidades formativas de narrativas poéticas autobiográficas, assim denominadas por serem criadas com base em elementos das linguagens artísticas.

    Durante as práticas de formação da pesquisa – entre elas a experiência focalizada neste texto –, os licenciandos, com outros procedimentos, vivenciaram atividades pautadas em jogos teatrais, brincadeiras tradicionais, produções plásticas, leituras de poemas e na criação de narrativas poéticas baseadas em suas histórias de vida, formação e prática docente como estagiários em instituições de educação formal e não formal.

    Faz-se necessário pontuar que, com os objetivos da investigação pretendida pela pesquisa, estão os nossos objetivos como docentes de professores de arte. Optamos pelo desenvolvimento da pesquisa em disciplinas de estágio[3] pelo caráter formativo inerente à abordagem biográfica. Uma vez que, na configuração dessa abordagem, está a possibilidade de investigação-formação (Souza 2008, pp. 89-98), como explicita Souza (ibidem, p. 26; grifos nossos):

    Essa perspectiva de trabalho, centrada na abordagem biográfica, configura-se como investigação porque se vincula à produção de conhecimentos experienciais dos sujeitos adultos em formação. Por outro lado, é formação porque parte do princípio de que o sujeito toma consciência de si e de suas aprendizagens experienciais quando vive, simultaneamente, os papéis de ator e investigador da sua própria história.

    Portanto, entendemos as ações da pesquisa como possibilidades de formação e, dentre elas, destacamos neste texto sua potencialidade em gerar um contexto propício para o desenvolvimento da expressão pessoal dos licenciandos. Uma expressão que pode vir a se constituir em importante elemento na construção de sua ação pedagógica, aproximando fazer expressivo e fazer docente: fazeres mediados, também, pela ressignificação de histórias vividas e (re)criadas, como buscaremos demonstrar ao longo de nossa reflexão.

    Um pouco sobre as aulas

    Nossas aulas aconteciam uma vez por semana, no período da tarde, e tinham duas horas de duração. A proximidade com o horário do almoço trazia, quase sempre, uma certa preguiça para dentro da sala, espalhando os corpos pelo chão ou colchonetes, impulsionando bocejos, suspiros e espreguiçamentos espontâneos. Depois de convidados a iniciar a aula, alguns corpos procuravam por posições menos preguiçosas, enquanto outros continuavam deitados até o momento em que a movimentação coletiva se iniciava.

    Relatamos, a seguir, algumas das atividades realizadas em duas aulas distintas, as quais chamaremos de O Dia da Brincadeira 1 e 2. Ao selecionar essas atividades, em meio a tantas outras vivenciadas durante o semestre letivo, buscamos explicitar aspectos formativos emersos dos atos de brincar e poetizar memórias de infância.

    O Dia da Brincadeira 1

    Nessa aula, após realizarem um alongamento em que cada parte do corpo foi sentida e despertada, todos brincaram de Escravos de Jó, sem utilizar nenhum objeto. As mãos e os pés eram os grandes responsáveis pela movimentação, além da música que passou a ser cantada de diferentes formas. Descontraídos e compenetrados, como crianças, repetiram a brincadeira várias vezes, sem perder o tom e a alegria.

    Em seguida, brincamos de Rua e Viela ou Gato e Rato. Um grande tabuleiro foi formado pelos corpos dos participantes, e estes determinavam o espaço a ser percorrido pelo gato que corria atrás do rato – ambos interpretados pelos alunos. Essa brincadeira foi muito citada nas avaliações sobre a disciplina; muitos escreveram sobre sensações, aprendizados e sentimentos a ela relacionados. Talvez, por instigar um envolvimento muito grande, já que o gato e o rato correm sem parar em meio a uma confusão causada por todos os que integram o tabuleiro – confusão que produziu muitos risos e descontração –, ela tenha despertado tantas possibilidades: sua simplicidade pode ter garantido a vivência da dimensão lúdica por adultos entregues e autorizados a brincar em sala de aula. Vejamos uma avaliação que faz alusão a essa brincadeira:

    Achei interessante a aula das brincadeiras quando fizemos o Gato e Rato. Consegui vivenciar e sentir a teoria no meu corpo. O nosso corpo é um veículo, um canal por onde passam e ficam experiências e informações. Os saberes e ensinamentos têm que passar pelo corpo para serem apreendidos e significados por cada sujeito. Nessa aula, portanto, consegui experimentar, sentir, significar e apreender o conteúdo proposto: a importância das brincadeiras e dos jogos lúdicos no processo de ensino-aprendizagem. (Registro escrito, 19/6/2008)

    Não sabemos a autoria de todas as avaliações realizadas pelos alunos, uma vez que não solicitamos que se identificassem, entretanto, alguns o fizeram, como é o caso da autora dessa avaliação. Sabemos, portanto, que quem a escreveu era licencianda em dança, e esse dado é muito significativo para pensarmos sobre suas palavras.

    A vivência corporal, possibilitada e ressignificada pela brincadeira, parece ter dialogado, de forma fluente e profícua, com a maneira pela qual essa aluna compreendeu a relação do brincar com os processos educativos. Como ela mesma escreve (e, ao escrever, apodera-se ainda mais de sua aquisição conceitual): experimentou, sentiu, significou e apreendeu o conteúdo proposto. Essa questão nos reporta às reflexões de Delory-Momberger (in Souza et al. 2008, p. 21) sobre a relação entre a experiência biográfica e o processo de aprendizado, para ela, instâncias inseparáveis:

    Se a experiência biográfica constitui um contexto determinante na relação psicoafetiva e sociológica para a formação e para o saber, ela também desempenha um papel essencial no próprio processo de aprendizado: de fato, ela estrutura a apreensão e a construção dos objetos de aprendizado.

    Parece-nos que a formação em dança, não de maneira genérica, mas a formação em dança vivida e construída por essa aluna, determinou, entre outros aspectos, a sua forma de construir conhecimento sobre o brincar e o aprender. Assim ocorreu com outros licenciandos, assim ocorre em diferentes momentos de nossa vida.

    Importante, porém, é destacarmos que essa parceria entre vida e aprendizado não se dá apenas por afinidade – quando nos identificamos com determinado assunto ou quando este nos é familiar. Aprendemos também, e talvez isso ocorra na maioria das vezes, com o que se apresenta como dificuldade ou como algo novo e até destoante. Encontramos, em uma outra avaliação, um trecho que nos possibilita explorar melhor essa relação:

    Como dificuldade, quero destacar os momentos de criação, principalmente dentro da minha linguagem, a música. Talvez isso seja reflexo de uma formação muito voltada para a repetição dos padrões interpretativos da chamada música erudita. (Registro escrito, 19/6/2008)

    A forma pela qual abordamos a criação artística durante a disciplina – suas possibilidades e características – não era familiar para esse aluno. Entretanto, não entendemos esse fato como um impedimento para que ele se aproximasse dos conceitos e das práticas dessa criação, coletiva, na maioria das vezes, e desprendida de qualquer modelo ou estilo predeterminado. Pelo contrário, identificamos em suas palavras um movimento de ir ao encontro de suas dificuldades, geradas, justamente, por uma prática artística voltada para a repetição dos padrões interpretativos da chamada música erudita, como ele mesmo a descreve. Essas dificuldades integraram seu contato e significação com outras formas de criação artística, pois, como argumenta Delory-Momberger (ibidem, p. 35), todo aprendizado, estruturado ou não, intencional ou não, é um ato socialmente situado e socialmente construído, mas só há aprendizado inserido na singularidade de uma biografia.

    O Dia da Brincadeira 1 acabou em teatro: divididos em grupos, os alunos criaram e apresentaram cenas sobre suas brincadeiras de infância. Novamente a alegria e a descontração se fizeram presentes. Interessante observar que nenhum dos grupos retratou a falta de espaço para brincar ou uma infância escassa em brincadeiras tradicionais. Não sabemos se essa realidade não foi de fato vivida por alunos dessa turma, ou se foi deixada de lado no momento em que os grupos socializavam suas memórias de infância e escolhiam quais brincadeiras iriam mostrar para os demais. O que nos mostraram foi uma disposição física contagiante e uma infância muito feliz – ainda que idealizada e, talvez, assim representada pela possibilidade de transformação e ficcionalização inerente à linguagem teatral.

    Em seu texto Na jornada de formação: Tocar o arquétipo do mestre-aprendiz, Luciana Ostetto traz questões acerca da importância de o professor, em sua formação, reencontrar-se com a sua criança interna. Nas palavras da autora (2007, p. 199),

    reconhecer a presença desse outro interno seria um caminho para o encontro, talvez reencontro, com dimensões perdidas no adulto. Em socorro do adulto que em algum momento balança perdido, desenraizado, amedrontado, desencantado, enredado no império da razão e da rigidez das fórmulas estabelecidas pela consciência, vem a criança. Insignificante e poderosa:

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