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E-book305 páginas4 horas

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Sobre este e-book

Alguns anos após o desaparecimento de seu pai, Jerry ficou traumatizado ao perder também a mãe, vítima de um assassino cruel que ele acredita ser um alienígena. Mas ninguém lhe dá crédito, nem mesmo Jeffrey, seu amigo mais próximo e companheiro de profissão. A única arma de Jerry para fazer justiça é sua habilidade como caçador. Numa de suas caças,
IdiomaPortuguês
Data de lançamento10 de mai. de 2024
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    A Visão - Vinícius Braga Rodrigues Da Silva

    A VISÃO

    CAPÍTULO I

    A PRINCESA MELODY

    Noite fria e escura. As gotas de chuva, sem pressa, escorriam pelo meu rosto. Quase todos no reino dormiam e as ruas já tinha ficado desertas. Eu decidi passar pela casa de minha mãe e desejar-lhe boa noite antes de ir descansar. Ficava no caminho de qualquer forma. Também queria ver como ela estava, pois parecia tão preocupada nas últimas semanas. Parei diante da porta e me preparei para bater. Foi quando ouvi a voz de alguém vindo lá de dentro. Ele parecia enfurecido.

    – Diga-me o que você sabe – gritou a voz misteriosa.

    – Nunca te direi nada. Volte para o seu planeta e nos deixe em paz – disse mamãe, também enfurecida e gritando de dor após as palavras.

    Usando de um chute, derrubei a porta e me deparei com a visão mais aterrorizante de toda a minha vida. Mamãe sentada em uma cadeira no centro da sala de sua casa. As mãos amarradas e uma espada cravada em seu pescoço. A janela estava aberta e o vento balançava suas cortinas. Corri até o corpo e me ajoelhei, sucumbido pelas lágrimas. O sangue que escorria pela roupa chegou até minhas mãos. Não sabia o que fazer. Se deveria tentar correr atrás do assassino ou clamar por ajuda.

    A dor era tão grande que parecia me imobilizar.

    Foi quando ouvi fortes batidas na porta, que acabaram por me despertar. Aqueles eventos haviam ocorrido há vários meses, mas ainda assombravam meus sonhos. Descobrir quem havia matado minha mãe Kelly e o significado de suas últimas palavras eram as únicas coisas que ocupavam meus pensamentos desde então. Não que eu desejasse vingança, mas não poderia permitir que um criminoso frio como aquele ficasse impune. Abri os olhos e percebi que o brilho do luar ainda entrava pela janela. Quem quer que fosse a me procurar deveria ter um importante motivo para vir tão cedo. Me levantei, bocejando, enquanto caminhava em direção à porta.

    – Jerry, abra a porta. Depressa, preciso falar com você – disse alguém do lado de fora da casa, seguindo as palavras com novas batidas.

    A julgar pela voz, só poderia ser Jeffrey. Quase estava curioso para saber qual era o assunto, mas o sono não permitia. Abri a porta para ele.

    – É melhor você ter um excelente motivo para me acordar a essa hora – disse a ele, assim que o vi.

    – Rápido, se arrume. O rei mandou te chamar. Quer falar com você – disse ele, gesticulando para que eu me apressasse.

    As palavras dele como que me despertaram. No mínimo, me deixaram mais atento. Não era todo dia que alguém era convocado para falar com o rei. Fechei a porta diante de mim e me aprontei o mais rápido que pude. Nem me preocupei com a minha cama ou com o desjejum. Preparado, saí de casa e Jeffrey ainda estava lá esperando por mim. Fomos caminhando em direção ao palácio.

    – O que você acha que o rei quer falar comigo? – perguntei a ele.

    – Honestamente, eu não sei. Mas, por favor, tome cuidado com as palavras. Você sabe que o rei já não simpatiza muito com os caçadores. A última coisa que queremos é tê-lo como inimigo –

    respondeu ele.

    – Você nunca se preocupou dessa forma com o rei antes – disse a ele.

    – Só não quero criar problemas.

    Mas, a julgar por seus olhos, eu podia notar que essa não era a única preocupação em sua mente.

    – Tem alguma outra coisa te incomodando – disse a ele, curioso.

    – Tem sim, como percebeu? – ele perguntou, erguendo as sobrancelhas.

    – Te conheço a tempo demais para não perceber. O que é? – perguntei.

    – Emmy anda preocupada demais com a irmã, que está agindo de forma estranha ultimamente – respondeu ele.

    – Bom, do meu ponto de vista, Lucy sempre agiu de forma estranha – disse a ele, com um leve sorriso.

    – Mas isso é diferente, até para os padrões da Lucy. Emmy se importa demais com a irmã e não vai me deixar em paz enquanto não descobrirmos o que é. Já perguntamos a Lucy, mas ela nega. Até marcamos de almoçar todos juntos hoje para ver se conseguimos descobrir algo. Você bem que poderia comer conosco e me ajudar a resolver isso logo.

    – Não sei se é uma boa ideia – relutei. – Você sabe que a Lucy não gosta muito de mim por algum motivo.

    – Vamos, faça isso por mim então – ele insistiu. – E pela Emmy.

    – Tudo bem, mas você fica me devendo um favor – aceitei, enquanto parávamos em frente ao palácio. – Acho melhor você esperar aqui. Ou ir embora se tiver outra coisa para fazer, você quem sabe.

    Jeffrey acenou que concordava. Eu me dirigi até um dos soldados que guardava a grande porta de entrada do palácio. A bela decoração de ouro daquele lugar sempre fazia meus olhos brilharem. Falo do lado de fora, pois nunca havia entrado lá. Essa seria a primeira vez. Apresentei-me a ele e disse que o rei havia me chamado. O guarda me olhou com um tom de seriedade e, então, pediu que eu o seguisse. Nunca entendi por que os soldados de Lobby eram tão frios. Talvez o treinamento os fizesse assim ou talvez fosse necessário ter um coração de pedra para se tornar um soldado. Acho que nunca vou saber. Eu ia caminhando atrás do gelado guarda por um imenso corredor. Era um espetáculo, como eu esperava. O longo tapete vermelho no chão amortecia o som dos nossos passos. Os candelabros de ouro em cada uma das paredes iluminavam meus olhos.

    Havia muitas entradas nos dois lados que levavam a diversos corredores. Para alguém andando por ali pela primeira vez, parecia um labirinto.

    Por fim, chegamos até a sala do trono passando por uma outra grande porta. Esse novo lugar impressionava ainda mais. Ilustrações de belas paisagens decoravam as janelas do local.

    Verdadeiras obras de arte. Ouro puro revestia a coroa do rei Stanley e também o seu trono.

    Brilhavam enquanto eu os contemplava. À esquerda do trono, estava assentada Riley, escrivã pessoal do rei. Não a conhecia muito bem, tinha conversado com ela apenas algumas vezes. Apesar disso, a respeitava muito. Afinal, ela ocupava um cargo de grande importância e era admirada devido ao seu bom trabalho. Mas não apenas por esse motivo: Riley era uma das donzelas mais belas de todo o reino. A maioria dos jovens que eu conhecia já havia demonstrado algum interesse nela, incluindo a mim. Mas a exemplo de todos eles, eu havia perdido as esperanças. Riley nunca facilitava. Sempre independente e convicta de seus objetivos, dedicava todo o tempo ao trabalho.

    Talvez esse fosse o segredo de seu sucesso. Ela havia alcançado uma posição de destaque e tinha acumulado muito ouro. Como único reino em todo o continente, Lobby era um reino rico, apesar de existirem algumas pequenas aldeias de bárbaros em partes mais remotas, que não simpatizavam com a nossa prosperidade. No meio do salão, parei com medo de que já tivesse me aproximado demais. O soldado que me acompanhava chegou um pouco mais perto do rei.

    – Vossa Majestade – disse ele –, este é Jerry, caçador do reino de Lobby, que veio até aqui atendendo ao seu chamado. Riley parou de acariciar o pergaminho com sua pena por um instante e olhou para mim. Logo em seguida, voltou ao trabalho.

    – Muito obrigado, pode retornar às suas atividades – respondeu o rei com uma expressão duas vezes mais séria que a do soldado, que se retirou.

    – Rei Stanley, Vossa Majestade, é um prazer revê-lo – disse a ele, escondendo algum medo que eu não entendia. O rei ergueu o braço direito com a mão aberta, o que eu compreendi como uma solicitação de silêncio.

    – Por favor, só fale quando eu pedir – disse ele. Essas palavras do rei foram um presságio para mim de que as próximas seriam mais desagradáveis ainda. – Jerry, você sempre foi um excelente caçador. Anthony costumava elogiar seu desempenho. Mas não tem sido assim nos últimos tempos. Eu sei que a morte de sua mãe o abalou muito, mas já faz vários meses que isso aconteceu. Você precisa superar o fato. E Lobby precisa dos seus serviços.

    – Com todo respeito, senhor, minha mãe morreu porque sabia demais. Segredos que, creio eu, ameaçam todo o povo de Lobby – disse a ele em alto e bom tom. O rei ergueu o braço novamente após minhas palavras.

    – Pela última vez – disse o rei, com sua testa enrugada. –, pare com essa bobagem de alienígenas e, simplesmente, faça o seu trabalho. Do contrário, serei obrigado a removê-lo do seu posto como caçador. Isso é tudo o que eu tenho para te dizer. Pode se retirar agora.

    A simples ameaça de que eu não fosse mais um caçador fez meu coração tremer. Era o que eu fazia de melhor e o trabalho que tanto amava. Decidi, ainda ali, obedecer ao comando do rei.

    Inclinei a cabeça, como reverência, e dei as costas para me retirar. Um dos soldados veio para junto de mim e me acompanhou até a saída. Atravessando a porta de entrada, Jeffrey ainda estava lá a me esperar. Claro que tinha outras coisas para fazer, mas não suportou a curiosidade. Ele agia com um cuidado especial quando o assunto era manter a boa reputação dos caçadores. Sempre queria se certificar de que eu não teria feito ou falado nada que pudesse manchá-la. Não posso culpá-lo, eu agia da mesma forma com relação a ele. Jeffrey veio, a passos largos, até mim.

    – O que o rei queria? – perguntou.

    Contei a ele tudo o que tinha acontecido e quais tinham sido as palavras do rei.

    – Para ser sincero – disse Jeffrey –, você sabe que o rei está certo. Essa obsessão com alienígenas está atrapalhando seu trabalho há muito tempo. Se eu fosse você, esqueceria esse assunto. Além disso, precisamos manter nossa aparência de bons caçadores para que ninguém desconfie que isso é apenas uma fachada.

    – Você tem razão – comentei. – Não sobre os alienígenas, só eu sei o que já vi e ouvi. Mas eu preciso focar mais no trabalho. Inclusive, vou agora mesmo até a floresta.

    – Quer que eu vá com você? – perguntou Jeffrey.

    – Não há necessidade. Você já gastou tempo demais comigo hoje – respondi com um pequeno sorriso.

    – Tudo bem, só não se atrase para o almoço – pediu ele.

    – Claro, não ia querer perder um almoço com a Lucy por nada – disse a ele, com um sorriso falso, enquanto caminhava de costas e acenava me despedindo.

    Eu precisava provar, para o rei e o meu chefe Anthony, que ainda estava bastante ativo no trabalho. Por isso, queria sair do reino e retornar com alguma caça o mais rápido possível. O melhor lugar me parecia ser a Floresta de Arkwood. Era onde eu costumava caçar. Grande variedade e quantidade de animais, fácil identificação de rastros, diversos lugares para se esconder e preparar armadilhas. Era quase o paraíso dos caçadores. Mesmo assim, alguns se aventuravam até o Pântano Greeny ou até o Vale da Luz. Para ser honesto, não entendia o motivo. Por mais pressa que eu tivesse precisava me preparar.

    O dia estava agradável. A grande estrela parecia tímida, se escondendo por detrás das nuvens. Caminhei pelas ruas de pedra até um pequeno armazém, onde os caçadores guardavam suas armas. Tirei a chave do bolso e destranquei a porta. Vi as armas em cima das mesas, as munições em suas prateleiras e as roupas em outras, separadas por categoria. O lugar estava muito bem organizado, melhor do que eu conseguia lembrar. Jeffrey costumava ir até lá para limpar e arrumar tudo nas horas vagas. Dizia ser importante para melhorar nosso desempenho não ter de se preocupar em procurar nada. Entendi o porquê naquele instante. Consegui encontrar o meu arco predileto mais rápido do que seria capaz de atirar uma flecha. Coloquei-o nas costas, além de duas adagas no cinto e aproveitei para pegar algumas outras coisas que poderiam ser úteis: um mapa (embora estivesse acostumado a andar por Arkwood), duas pequenas armadilhas de metal prontas, curativos e, claro, flechas, uma aljava cheia delas.

    Saí do armazém e caminhei a passos largos até o portão oeste do reino como se estivesse apostando corrida comigo mesmo. Reputação era algo muito valorizado por qualquer caçador. Por isso, queria provar o meu valor o mais rápido possível. Passei pelos dois soldados que guardavam o portão, que nem deram importância para mim. Em dias antigos, questionavam e controlavam quem saía ou entrava no reino. Mas já estavam tão acostumados comigo que nem perguntavam mais. Só

    não era possível confundir a indiferença com simpatia. Traziam no rosto a mesma expressão de frieza dos guardas do palácio.

    O chão a partir dali era plano e agradável. Sentia-me quase como patinando no gelo. Não demorou para que eu chegasse até as primeiras árvores. Como caçador, a agilidade era uma obrigação. O próprio trabalho do dia a dia agia como um treinamento para aprimorá-la. Um caçador que não fosse ágil, cedo ou tarde, se tornaria comida de tigre ou algo pior. Quanto a Arkwood, sempre gostei daquele lugar. Isso porque tinha uma vista encantadora no verde das folhas, o cheiro agradável da natureza e o silêncio, de vez em quando quebrado pelo canto dos pássaros. Claro, os mosquitos eram um problema. Ainda mais nos dias mais quentes. Mas não naquela manhã. A doce brisa fazia as folhas dançarem.

    Dei os primeiros passos mata adentro. Passava pelos arbustos e me esquivava das árvores, procurando por qualquer sinal que pudesse me levar até uma presa. Não precisei de muito tempo para encontrar algumas gramíneas que se destacavam das demais. Abaixei-me a fim de checar e estavam mordiscadas. A julgar pela umidade, pareciam ter sido alimento recente de algum animal.

    Preparei minha arma, pois poderia encontrar a fera a qualquer instante. Não muito longe daquelas gramíneas vi algumas pegadas. Pela distância e quantidade, era fácil concluir serem de algum animal quadrúpede. Comecei a segui-las com pisadas cuidadosas, segurando uma flecha e a deslizando com suavidade sobre a corda do arco. Meus passos, ajudados pelo chão de terra, pareciam quase não fazer som algum. Isso era importante para não assustar o animal que eu estava a perseguir. Parei, escondido em um arbusto, e avistei a criatura em uma clareira à minha frente. Se tratava de um pequeno cervo. Inofensivo, eu diria, mas grande o bastante para o jantar de uma família. Procurei controlar a respiração ou qualquer outro movimento que pudesse assustá-lo.

    Preparei minha arma para atirar. O pescoço parecia um alvo fácil.

    Foi quando um grito desesperado fez com que o animal saísse correndo. As palavras clamavam por socorro como se estivessem agonizando. Eu também disparei, em alta velocidade, mas em direção àquela voz. Saltando raízes, cortando pequenos galhos e me desviando de outros, cheguei até uma outra clareira, bem maior do que a anterior. Com as costas se apoiando em uma das árvores, vi uma jovem donzela que parecia ser a fonte dos gritos. À frente dela, um enorme urso marrom se sustentava de pé em suas duas patas traseiras e rugia em direção ao rosto da futura vítima que respirava ofegante. Os cabelos e vestido balançavam com o vento suave.

    Tive medo de que ele a atacasse e, às pressas, preparei meu arco e atirei. Não foi um tiro preciso e, por isso, não machucou o urso como eu gostaria. Mas foi suficiente para deixá-lo furioso.

    Ele se virou e logo galopava em minha direção. Apontei uma outra flecha, agora com mais concentração. Quando a fera estava a poucos passos de mim, eu disparei, atingindo sua testa.

    Embora ele pareça ter sentido a flechada e ficado um pouco desorientado, continuou com a investida. Estendeu as garras e tentou me ferir com uma patada. Não conseguiu, mas foi o bastante para me derrubar e arremessar meu arco para longe. Ergui a cabeça e vi que o animal já se levantava para outro ataque, dessa vez com a pata esquerda. Rolei para o lado, me desviando das garras cortantes, que estraçalharam o chão onde eu estava. Antes que o animal pudesse reagir, saquei uma adaga do cinto e finquei em seu pescoço. Ele rugiu de dor e fúria. Não foi o suficiente para tirá-lo da luta, mas consegui tempo para me levantar. Com a boca aberta e exibindo os dentes letais, o urso avançou a cabeça tentando uma mordida. Num ato de reflexo, dei um salto para trás impedindo que ele fizesse contato com a minha barriga. Sacando a última arma que eu tinha, cravei na testa da fera, ao lado da flecha que já estava lá. Com novos rugidos de dor, ele foi desabando no chão até se esticar morto.

    Ainda ofegante e me recuperando da luta, fui até onde meu arco havia caído para pegá-lo de volta. Quando me levantei, vi que a donzela vinha correndo em minha direção. Ela me abraçou com uma força desproporcional à sua musculatura.

    – Obrigado, obrigado, obrigado… – dizia ela, quase sussurrando.

    Era a voz mais doce que eu já havia escutado em toda a minha vida. A jovem irradiava um perfume encantador de cheiro semelhante ao das rosas do campo. Meu queixo quase tocava seu ombro, separado apenas pelos longos cabelos loiros. Após o longo abraço, pude vê-la com mais

    calma. Do pescoço aos pés morava um lindo vestido azul adornado por joias. Obra de arte, eu diria.

    Sobre sua testa mergulhava uma cachoeira de fios dourados de cabelo, formando uma franja admirável que quase alcançava os belos olhos brilhantes. Seu penteado era singular. Creio que poucas damas no reino saberiam fazê-lo. Tinha certeza que era rica ou importante. Do contrário não se vestiria daquela forma ou usaria aquele perfume.

    – Qual é o nome do meu herói? Farei com que ele seja recompensado apropriadamente –

    perguntou o rosto sorridente.

    – Me chamo Jerry, minha senhora – respondi a ela. – Sou caçador de Lobby. Todos os dias trabalho para levar comida até as mesas das famílias do reino. Que tal me recompensar com seu nome?

    – Senhorita – disse ela. – Pelo menos, por enquanto. Você pede uma recompensa pequena para um ato tão grande. Eu me chamo Melody.

    Naquele instante o sorriso que eu trazia no rosto se tornou em espanto. Meu coração começou a bater mais forte como se estivesse nos últimos passos de uma maratona. Senti um peso no corpo inteiro como se alguém estivesse impedindo meus movimentos. Uma gota de suor desceu pela minha testa. Mas logo o nervosismo deu lugar à alegria e ao retorno do sorriso.

    – Melody – disse eu, gaguejando. – A princesa Melody?

    – Claro – respondeu ela, aumentando o sorriso.

    – É um prazer finalmente conhecê-la, princesa. Honra que poucos no reino já tiveram –

    disse a ela, pegando em sua mão e me curvando em reverência.

    – Infelizmente – disse ela. – Meu pai pouco permite que eu venha a deixar o palácio.

    – E o que a princesa faz aqui em Arkwood? – perguntei. -- Não é um lugar seguro para vir sozinha.

    – Eu fugi do palácio – disse ela.

    – Não entendo. Por que você fugiria? A maior parte das garotas que eu conheço sonham em ser a princesa Melody.

    – Quando olhamos para alguém – respondeu ela, após fitar o vazio e pensar por um instante.

    –, vemos apenas a aparência. Mas não fazemos ideia do que se passa por detrás daquela visão. Hoje, antes que a luz iluminasse o dia, tive uma discussão muito desagradável com meu pai. Só queria fugir, para bem longe. Deixei o palácio e simplesmente corri para onde meu rosto apontava, sem pensar no destino. Então, vim para a floresta. E, felizmente, você também, caçador.

    – Bom, de qualquer forma, acho melhor levá-la de volta até o reino. Fugir dos problemas não irá resolvê-los. Além disso, não é seguro para a princesa permanecer aqui – disse a ela. Ela concordou sem qualquer palavra, apenas acenando com a cabeça. – Por aqui, princesa Melody.

    Fui ao lado dela na caminhada e a auxiliava na hora de passar pelas pedras e raízes. O

    vestido tornava difícil sermos mais velozes. Mesmo assim, o reino não estava muito longe.

    Chegaríamos logo.

    – Por favor, me conte como é ser um caçador – pediu ela, quebrando o silêncio. Eu pensei por alguns segundos antes de atendê-la.

    – É um trabalho perigoso, na verdade. Mas alguém tem que fazê-lo. Concentração e atenção são essenciais. É preciso estar alerta o tempo todo, do contrário você pode ser pego de surpresa. Sua vida depende disso. A experiência também ajuda bastante. Além disso, é preciso ser silencioso e discreto, pra não ser percebido pelos animais – expliquei a ela. Os olhos de Melody brilhavam como se estivesse a sonhar com aquelas palavras. – Mais ou menos como você fez hoje, ao fugir do palácio. Afinal, como conseguiu e como atravessou o portão do reino sem que os guardas te notassem?

    – Bem, quando se permanece a vida inteira dentro de um mesmo lugar, você passa a conhecê-lo como a palma de sua mão – respondeu ela, sorridente. – Quanto aos guardas, são muito preguiçosos. Basta esperar o momento certo que é fácil atravessar o portão sem ser vista.

    Depois de mais alguns segundos de silêncio, eu me vi curioso outra vez. Não podia perder aquela oportunidade de conhecer melhor a princesa. Talvez nunca mais a visse. E o reino se aproximava a cada passo.

    – Desculpe te importunar com minhas palavras – disse a ela. –, mas quero fazer outra pergunta. Eu também conversei com o rei hoje. Ele me chamou até a sala do trono para me cobrar por não ter apresentado um desempenho muito bom como caçador nas últimas semanas. Agora compreendo melhor porque ele estava tão mal-humorado. Qual foi o motivo de sua discussão com ele? Se é que a princesa se sente a vontade para compartilhar.

    – Não é incômodo algum – disse ela, enquanto cruzávamos o portão oeste de Lobby. Os soldados quase que ignoraram nossa passagem. – Na verdade, é bom ter alguém com quem conversar para variar um pouco. Eu estou apaixonada, Jerry. E quero me casar. Mas meu pai não concorda. Diz que eu sou jovem demais e que não deveria me envolver com alguém como meu noivo. Quanto a você, ele está errado. Não que eu entenda de caçadores, mas pela maneira como você enfrentou aquele urso, eu diria que é um dos melhores.

    Naquele instante, parei de caminhar. Não apenas pelo impacto das palavras dela, mas também porque estávamos diante do armazém dos caçadores e eu precisava de novas adagas e de mais flechas. Melody parecia uma garota incrível. Estava feliz por ela ter encontrado alguém para amar e triste que o rei não concordasse. E também um pouco pelo fato de ver qualquer sonho longínquo de um relacionamento entre eu e ela desmoronar.

    – Agradeço o elogio, princesa. Significa muito vindo de você. Aqui é onde os caçadores guardam seus equipamentos – disse a ela, apontando para o armazém.

    Naquele momento, alguém veio em direção a nós correndo como se tivesse visto um fantasma. Era um dos soldados. Ele se aproximou e, antes que a princesa pudesse completar sua primeira palavra, ele calou sua boca com um beijo nos lábios.

    CAPÍTULO II

    UMA CANÇÃO MARAVILHOSA

    Demorei para conseguir reconhecê-lo. Era Roy, irmão de minha amiga Daisy. Apenas o tinha visto algumas vezes. Naquele momento, uma mistura de alegria, agonia e constrangimento tomou meu coração.

    – Melody, por onde você esteve? Estávamos muito preocupados – perguntou Roy à princesa, depois de desgrudar dos lábios reais.

    – Eu precisava de um tempo, sozinha, para pensar – respondeu a ele. – Roy, quero que conheça Jerry, ele é um excelente caçador. Jerry, esse é o meu noivo, Roy.

    Após a apresentação, Roy me olhou por um instante. Claro que sabia quem eu era, pois já tinha me visto com Daisy em diversas oportunidades. Eu me curvei, fazendo uma pequena reverência. Ele voltou sua atenção para a

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