Em Terras Desconhecidas
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Em Terras Desconhecidas - Ana Beatriz De Mello E Alvim
Em
Terras
Desconhecidas
2
Clarity caminhava em direção ao salão real,
colocando um pé na frente do outro com extrema
cautela. Ela estava apenas adiando o inevitável ao
se demorar no corredor decorado com quadros da
família real e armaduras de prata. Quanto mais se
aproximava da porta de carvalho no fim do
corredor, mais seu coração se acelerava e ela
sentia sua respiração falhar.
Ela estava apenas adiando o inevitável.
Clarity sentia as lágrimas começando a se
formar, mas as limpou rapidamente com o simples
vestido cinza escuro que usava. Tente olhar pelo
lado bom, Clarity pensou, finalmente posso usar um
vestido com a minha cor favorita. As lágrimas
ameaçaram cair novamente. Ser acordada no meio
da noite para receber notícias como aquela não era
nada agradável.
Ela estava apenas adiando o inevitável.
Você está apenas adiando o inevitável, ela
repreendeu a si mesma, sua mãe morreu, não há
como fugir disso!
Abriu a porta com um empurrão, desejando
acabar logo com aquela dor. A primeira coisa que
avistou foi o grande caixão de madeira no centro da
sala. Os raios de sol que entravam pelas grandes
janelas do cômodo pareciam se concentrar
justamente na grande caixa de madeira. Uma gota
de suor escorreu de seu rosto e caiu em seu braço,
até ela perceber que era uma lágrima.
Ela sabia que a mãe logo apareceria na
porta do lado oeste da sala, daria uma risada
gostosa e diria que foi tudo uma pegadinha. Porque
isso não podia estar acontecendo. Não era certo.
3
Logo a rainha, sempre feliz pelos cômodos do
castelo, sempre pronta para ajudar qualquer um,
até os criados?
A porta do outro lado da sala abriu. Mas não
foi a mãe que saiu de lá.
– Clarity! – Elias correu até ela, quase
tropeçando com o sapato formal demais que usava
– Finalmente te achei! – A princesa o sentiu
abraçando-a.
Clarity abraçou seu noivo, feliz por não ter
que passar pelo luto sozinha. Isso porque ela não
contava com seu pai para lhe fazer companhia.
– Não desejo que passe por isso sozinha. Eu
quero fazer-lhe companhia neste momento sombrio
– Ele murmurou, sua voz suave e calma.
– Elias... Obrigada. Peço apenas que fique
ao meu lado durante o período de luto.
Ele a guiou até um banco em frente ao
caixão e os dois sentaram-se lá, lado a lado. Clarity
aninhou a cabeça no ombro do noivo e dormiu, os
pensamentos turvos com as lembranças de sua
amada mãe e as lágrimas que começavam a cobrir-
lhe o rosto.
Clarity acordou de manhã se sentindo
melhor. Estava em seu quarto, então imaginou que
Elias a tivesse levado para lá em algum momento.
Apesar de ainda estar sentindo a dor da
perda, ela agora conseguia se concentrar em
coisas mais importantes, como comer o café da
manhã. Ela se vestiu com um vestido azul simples
e desceu até a sala de refeições. Não havia
4
ninguém lá, mas os pratos em cima da grande
mesa retangular estavam sujos e não sobrara muita
coisa. Provavelmente, ela acordara tarde e todos já
haviam acabado de comer. Mesmo assim, se sentiu
um pouco traída por Elias não a tivesse esperado
para tomar o café da manhã. Sentou-se e comeu,
mesmo que sem companhia, pensando em qual
seria a reação da meia-irmã ao saber que a
madrasta morrera. Ela ficaria sabendo nos
próximos dias, quando a carta chegasse no castelo
do Barão Rick, onde ela estava morando para
aprimorar seus estudos. Clarity achava que ela não
se importaria.
Ao terminar, Clarity decidiu procurar Elias.
Ela imaginou que sair para cavalgar nos campos do
castelo seria uma atividade legal e daria
privacidade aos dois. Afinal, logo o castelo estaria
agitado com os preparativos para o funeral. O
funeral... Ela evitou pensar nisso e na grande
quantidade de parentes de sua mãe que chegariam
nos próximos dias para o evento. O castelo ficaria
lotado e ela odiava quando sua casa ficava cheia
de visitas.
Ela subiu a escadaria que levava aos quartos
e bateu na porta do de Elias. Ninguém respondeu.
Bateu de novo, e novamente não houve resposta.
Ignorando todas as regras de etiqueta, ela abriu as
portas e entrou no aposento. Não havia ninguém.
Talvez ele estivesse conversando com o avô dela.
Ao entrar no quarto do avô, viu que ele estava
dormindo. Ela desceu até a entrada do castelo,
murmurando um bom dia
quando passou pela tia.
Ela olhou os guardas que estavam de plantão no
portão e constatou que seu guarda favorito, Serjin,
5
estava de plantão. Ela foi até ele e disse, feliz de
poder usar uma linguagem informal:
– Cara, você pode ir lá na vila ver se o Elias
tá visitando o pai?
– Claro, mas vai ter um preço... – Ele
estendeu a mão e Clarity colocou algumas moedas
de ouro nelas – Valeu. Volto em duas horas no
máximo. Aê, Raimundo! Cobre a minha saída aqui
rapidão – Ele disse para o guarda a seu lado e foi
andando a caminho da vila.
Clarity passou as próximas horas procurando
o noivo pelo castelo. Ela não achava realmente que
ele estivesse na vila; afinal, Elias não a
abandonaria em um dia como aquele. Ele sabia que
ela precisava dele. A princesa conseguiu que vários
dos serventes a ajudassem em sua busca, mas
ninguém foi capaz de encontrá-lo. Já era fim da
manhã, e Serjin ainda não voltara. Quando a
princesa se sentou para almoçar com a família,
contou que não conseguia encontrar Elias.
Para
sua
surpresa,
todos
estavam
preocupados com seu sumiço. Até seu pai, a quem
ela sabia que não aprovava que ela se casasse
com um camponês. Seu tio se ofereceu para reunir
um grupo de procura para ir atrás de Elias, e o pai
de Clarity disse que iria junto e que faria qualquer
coisa para ajudar a encontrá-lo. Até seu avô queria
participar, mas sua avó não deixou, não querendo
que o marido fizesse muito esforço.
No fim, a princesa passou a tarde toda no
estábulo, escondida entre o feno com o gato do
celeiro em seu colo e com a cabeça enfiada entre
as páginas de um livro, mesmo que não
conseguisse se concentrar o suficiente para lê-lo.
6
Não