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O Herdeiro Do Fogo
O Herdeiro Do Fogo
O Herdeiro Do Fogo
E-book527 páginas7 horas

O Herdeiro Do Fogo

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Sobre este e-book

Sir Kalivan Kialmaceth é um dos mais brilhantes cavaleiros do reino, condenado por um incidente em uma campanha a deixar de se aventurar e desbravar para passar a se instalar na cidadela e treinar novos recrutas. Eiridan Ekkehard, o sonhador príncipe caçula, vê naquele cavaleiro imponente a chance de fazer sua rotina tediosa da nobreza se parecer um pouco mais com os livros de aventura que ele lia. O que descobririam juntos iria além de como fazer esse improvável encontro funcionar; revelaria a eles segredos e malícias entremeados na própria história do reino, desvendaria magias com as quais nem mesmo poderiam sonhar e desabrocharia em seus corações sentimentos tão lindos quanto proibidos.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento24 de jul. de 2020
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    Pré-visualização do livro

    O Herdeiro Do Fogo - Amanda E.m. E Carolina L.g.

    1

    Livro I

    2

    Amanda E.M.

    Carolina L. G.

    O herdeiro

    do fogo

    Livro I

    1ª edição

    1ª tiragem

    2020

    Livro I

    Arte da capa: Gabriele Falcão Duque Artes das orelhas: Gabriele Falcão Duque Instagram/Twitter: @GabiFalcaoArt Mapa: azgaar.github.io/

    ISBN: 978-65-00-06004-1

    4

    Livro I

    6

    CAPÍTULO I

    

    {Eiridan Ekkehard}

    Príncipe… o que significa ser um príncipe?

    É ter o sangue real? Só porque, há quase dois séculos, minha ascendente de longa distância, a corajosa Valanthe Ekkehard, unificou todo o reino que hoje leva o seu nome, isso me torna merecedor desse título que tenho?

    Por que logo eu tinha que tê-lo?

    Eu não queria ser só um príncipe, desde pequeno sempre quis ser mais. Queria ser um cavaleiro, um nobre guerreiro como ela, com muitas histórias a respeito dos outros reinos que conheci, dos monstros que enfrentei e das guerras que venci.

    Infelizmente, era o tipo de coisa que nunca aconteceria. Meu pai, o Rei Galvyn Ekkehard, era rígido e mesmo superprotetor, nunca permitiu que eu ou meu irmão mais velho Tiernay saíssemos dos arredores do castelo dentro dos altos muros. Mesmo para ficar nessa área, tínhamos que estar sempre acompanhados. Tiernay tem seu aio e servo pessoal 7

    Livro I

    Miroi Elfry, e eu tenho Len Miwulf e Bryn Fridar o tempo todo me seguindo, mas isso deixou de ser incômodo há muito tempo. Na verdade, nem me lembro se em algum momento chegou a ser um incômodo. Assim como Miroi, Len e Bryn são filhos de servos de confiança do meu pai, e por isso acabamos crescendo juntos. Mesmo que hoje eles sejam minhas companhias oficiais e tenham certas obrigações para comigo, como me ajudar em minhas tarefas, ainda os considero meus únicos e melhores amigos.

    Todos os dias eram exatamente iguais: acordava cedo com Bryn batendo sem parar em minha porta até que eu me acordasse, Len entrava logo em seguida e preparava meu banho - acho válido dizer que ele nunca acertava a temperatura da água - enquanto Bryn separava a roupa que eu usaria pela manhã. Apesar de originalmente eles deverem me vestir também, eu os expulsava do quarto para poder me aprontar em paz e privacidade, e, quando terminava, saía para encontrá-los e assim podermos ir tomar o café da manhã. Quando chegamos, meu irmão Tiernay e Miroi já estavam à mesa nos esperando, meu irmão sentado e o aio loiro de pé ao lado dele.

    — BOM DIA, ALTEZA! Bom dia, senhor Miwulf. Bom dia, senhor Fridar! — Sorrindo Miroi disse, com toda a empolgação que apenas ele poderia ter tão cedo.

    — Bom dia, Miroi, mas já disse que não precisa me chamar de Alteza quando meu pai não 8

    O herdeiro do fogo está presente... — respondi com um sorriso e me sentei à mesa. — Bom dia, Tiernay…

    Ele me respondeu apenas com um aceno de cabeça, sabia que o cérebro dele só acordava depois do primeiro puxão de orelha da governanta quando ela o pegasse com as roupas tortas.

    — Bom dia, Alteza, bom dia, senhor Elfry —

    foi a vez de Len e Bryn falarem juntos antes de o café da manhã ser finalmente servido.

    Quando meu pai não estava presente os cafés eram sempre animados, deixávamos cargos e honoríficos de lado, éramos só cinco adolescentes e amigos comendo até mesmo juntos. Bryn e Miroi não paravam de falar um segundo, eu e Len só conseguimos rir das histórias que contavam. Hoje foi a vez de Miroi contar uma de suas aventuras na cidade.

    — Então, um dia, Tiernay me mandou para a cidade, ele faz isso sempre, mas dessa vez foi estranho, ele me mandou comprar um buquê das flores mais bonitas que pudesse encontrar… Tenho certeza que eram para a Senhorita Caelin, filha do arquiduque de Lymeri, mas isso ele não me contou

    — ao ouvir o nome de sua prometida noiva ser citado, Tiernay acordou mais rápido do que o habitual; seus olhos se arregalaram e suas bochechas ficaram vermelhas, denunciando que Miroi tinha acertado em cheio na suposição e o fazendo sorrir por isso.

    — Chegando à cidade, andei por tudo, mas nada parecia à altura da dama filha do arquiduque, 9

    Livro I

    até que cheguei à última barraca e lá estavam as flores e a vendedora mais lindas de todo o reino…

    — Por que eu tenho um mau pressentimento sobre isso? — Bryn o interrompeu, já esboçando um sorrisinho.

    — Porque realmente deu tudo errado mesmo… — Miroi respondeu tranquilamente, o que quase me fez engasgar com o leite que tomava. Len começou a rir na hora e Tiernay parecia em choque como se estivesse ouvindo isso pela primeira vez, —

    …comprei as flores como me foi pedido e depois achei que seria uma boa ideia chamar a senhorita para sair comigo, queria parecer legal, então fui fazer uma pose e me apoiar na barraquinha dela…

    — Céus, Miroi, não me diga que você derrubou tudo… — disse Tiernay incrédulo, enterrando o rosto na mão.

    — Foi exatamente o que aconteceu, Alteza…

    — o seu sorriso ao dizer isso fez todos à mesa caírem na risada. Não sabia se achava mais engraçado o Miroi passando vergonha ou o Tiernay perguntando depois o que tinha feito para merecer isso.

    A conversa seguiu animada. Se meu pai estivesse lá, o silêncio seria sepulcral. Todos tinham que manter a pose e a etiqueta na presença do rei.

    Depois do café, fomos para a biblioteca do castelo encontrar a tutora, com quem eu e Tiernay tínhamos aula até o horário do almoço. Essa era a minha hora menos favorita do dia, mas só porque não gostava muito de estudar. A tutora em si era 10

    O herdeiro do fogo um anjo e pelo menos uma vez por semana ela me trazia um dos chamados livros proibidos que eu gostava tanto. Eram apenas inofensivos livros de histórias, sobre magia, dragões e coisas do tipo, mas meu pai não permitia que gastássemos tempo ou fôssemos influenciados lendo esse tipo de livro, por isso todos ficavam escondidos.

    Aulas terminadas, todos nós almoçamos juntos e depois de me trocar para uma roupa mais confortável era hora de aproveitar meu tempo livre.

    Geralmente ficava pelo jardim com Len e Bryn lendo o novo livro que a tutora trouxe ou então brincando com os animais, os cuidadores enlouqueciam só de nos ouvir correndo em direção as cercas… Hoje em especial, decidimos explorar a área do castelo a cavalo pela milésima vez, mas tinha uma coisa diferente… em uma das áreas que deveria ser só uma planície vazia, que, a propósito, eu conhecia muito bem porque era a vista do meu quarto, podíamos ouvir barulhos, de marretas e mesmo de espadas.

    Fomos até lá ver o que estava acontecendo e encontramos o que deveria ser uma das tropas do meu pai treinando ali em um quartel improvisado.

    Traziam caixas, montavam estruturas novas, e de um dia para o outro tudo estava completamente diferente. Nunca os tinha visto ali e agora eles já mudavam tudo o que eu já tinha me acostumado a olhar.

    11

    Livro I

    — O que fazem aqui? — perguntei enquanto descia do cavalo, sendo seguido pelos dois que me acompanhavam.

    Quem

    respondeu,

    após

    uma

    devida

    reverência, foi o primeiro escudeiro. Um rapaz de voz profunda e calma, olhos de cores distintas e a face esquerda queimada.

    — São os novos recrutas, Alteza. Nossa bandeira foi designada para vossa proteção, e enquanto não entramos em combate, não apenas nos mantemos em forma como podemos ampliar nossa força. Para tal, estamos reorganizando os aposentos e preparando o campo de treinamento.

    Creio que, pelas ordens de Vossa Majestade, esta será a nova paisagem deste campo.

    {Kalivan Kialmaceth}

    Fazia pouco mais de uma lua que aquele verme inútil do Sir Mondeverpe saiu pelos portões da fortaleza rumo à glória ao lado do maldito general que eu sempre admirei, vestindo a armadura de grão-mestre que me devia ser minha de direito e no rosto imbecil aquele sorriso que ele usava para zombar de mim. Deixaram para trás seus melhores soldados, guiados pelo seu melhor homem – eu – e iriam com certeza fracassar por suas escolhas estúpidas.

    Agora estávamos treinando, porque era o que nos restava, servir de escola para novos escudeiros e de guarda pessoal de uma nobreza patética que falava de honra, mas nunca segurou uma merda de uma espada na vida.

    12

    O herdeiro do fogo E sobre nunca ter segurado uma espada, parecia que bastava um pássaro cantar em algum lugar para esses recrutas incompetentes se distraírem. Lá estavam todos olhando para algum outro lugar que não a arena. Foi quando vi que todos pararam seus movimentos para se curvar.

    Virei meu cavalo e vi um mirrado pivete de cabelos vermelhos e roupas pomposas, cercado de seu pequeno séquito. Não consegui evitar revirar os olhos. Já o vi antes ao lado do Rei Galvyn, os dois príncipes sempre lá no alto. Virei o cavalo e cavalguei os metros até lá.

    De certo modo, sei que não devia permanecer em um cavalo à presença da família real. Por outro, fico sobre o meu durante todos os meus treinamentos, e eram eles quem não deveriam estar me incomodando. Só porque sei que devo e fiz um juramento, desci. Perante o pequeno grupo, fiz a reverência, porque o devia fazer, baixando a cabeça, sem prestar muita atenção no que via.

    — Aqui não é um lugar seguro para Vossa Alteza passear. — Virei-me mais uma vez para os vermes que eu estava treinando, de costas para o príncipe, e vituperei alto para que ouvissem. —

    Esses incompetentes não sabem sequer segurar um arco e flecha!

    Quando me voltei mais uma vez para o pequeno grupo, vi que eu ter gritado assustou os demais, mas os grandes olhos avermelhados ainda estavam com a atenção presa em mim.

    13

    Livro I

    — Não queremos que vocês se firam por causa disso. — Minha preocupação era completamente cínica e pelo olhar de canto de Feuer’eis desejei que não transparecesse o quanto, no fundo, eu os estava chamando de fracotes.

    {Eiridan Ekkehard}

    Quando perguntei do que se tratava aquilo, todos pararam e se viraram para me olhar e reverenciar, mas ninguém respondeu minha pergunta, exceto por um homem com olhos de duas cores e uma queimadura no rosto e pescoço do lado esquerdo. Ele fez uma reverência e me explicou…

    aparentemente meu pai havia enlouquecido de vez, eles iriam treinar ali e ao mesmo tempo nos proteger, mas a pergunta é, proteger do quê? Das ovelhas que podem fugir do pasto e tentar me atacar? Dos espinhos das roseiras do jardim? Ou do poderoso kraken que pode morar no riacho que passava aqui perto? Sinceramente, nada daquilo fazia o menor sentido.

    Contudo, não nego que estava curioso, seria incrível poder vê-los treinando! Quem sabe me deixassem provar as armaduras e espadas, se eles estavam ali para me proteger, então significa que estão sob o meu comando, certo? Não gosto muito de abusar de poder, na verdade nem gosto de toda essa coisa de Alteza, reverências e tudo mais, mas essa era uma chance que não se tinha todos os dias.

    Como apenas ele me respondeu, presumi que fosse o comandante, mas quando estava me preparando para perguntar se ele poderia me mostrar uma coisa ou duas, um homem de 14

    O herdeiro do fogo armadura em cima de um cavalo se aproximou. Na hora em que parou à minha frente, Bryn e Len saíram de trás de mim e se posicionaram ao meu lado. Tenho certeza de que eu devia estar com o olhar mais patético de admiração possível, ele parecia um cavaleiro de verdade igual ao dos livros que eu lia!

    Por um instante achei que não fosse descer do cavalo e me reverenciar, mas quando o fez, fiquei totalmente sem jeito, ele tinha uma aura de imponência, não parecia ser do tipo que se curva…

    Pela forma com que os recrutas o olhavam deviam temê-lo ou respeitá-lo muito, aposto mais na primeira opção, seu grito os chamando de incompetentes fez até Len e Bryn perderem a pose e voltarem a se esconder atrás de mim, mesmo que não tivesse sido direcionado a eles.

    Não me abalei, estava diante de um herói, lembro-me de que quando era criança meu pai sempre dizia que ele não tinha apenas os melhores homens, ele tinha os melhores dos melhores sob seu comando… Se eu queria aprender alguma coisa, era com ele que deveria falar.

    — É só pedir para eles não usarem arcos e flechas enquanto eu estiver aqui, assim com certeza não vou me machucar… — falei com um sorriso no rosto, não pretendia ir embora tão cedo, ainda tinha algumas horas antes do jantar e ter que ir para a cama. Entreguei as rédeas do meu cavalo para Bryn e me virei brevemente para olhar os dois. — Levem-nos de volta para o estábulo, vou ficar aqui mais um pouco...

    15

    Livro I

    Len e Bryn apenas concordaram e se retiraram, o homem à minha frente não parecia nem um pouco satisfeito com nenhuma das minhas palavras.

    — Quanto tempo vão ficar por aqui? Se importa de me apresentar um pouco as coisas?

    Acho que vamos ficar bem próximos! — Tentei não parecer tão animado quanto estava por dentro, mas não tenho certeza se consegui.

    {Kalivan Kialmaceth}

    Próximos.

    Por um momento eu realmente achei que estivesse ouvindo coisas. Eu me distraí por um momento na consideração de que realmente eu nunca tinha visto qualquer dos príncipes assim de perto e do quão estúpidas eram as suas roupas e aquele cabelo. Mas ele tinha uma doçura inesperada, irritante, nos grandes olhos pidões sob cílios imensos.

    A resposta não veio de mim.

    — Estaremos por aqui por tempo indefinido, até sermos designados para alguma campanha.

    Então estaremos sempre por perto para sua segurança. Tenho certeza de que Sir Kialmaceth não verá problema algum em mostrar o campo de treinamento a Vossa Alteza. — Foi Feuer’eis quem disse, e só então eu percebi a careta que eu estava fazendo.

    — Eu estou ocupado. — Não estava, mas qualquer ocupação seria mais importante do que servir de babá de principezinho — Feuer’eis poderá ser Vosso guia no que quiser.

    16

    O herdeiro do fogo

    — Vossa Alteza por favor perdoe o complicado senso de humor de Sir Kialmaceth. —

    De um jeito bizarro, Feuer’eis forçou uma risada que eu acho que nunca tinha visto no rosto dele na vida. Ele botou a mão no meu ombro ao se curvar e murmurou, — quer ser escorraçado de vez pelo rei, Kialmaceth?

    Agora seria isso minha vida, desgraça? Ficar lambendo bota de membro da família real para não ser humilhado ainda mais?

    Dei as costas, punhos cerrados nas manoplas.

    Então segurei-os na parte mais baixa de minhas costas, contra a placa de metal da minha armadura, jogando os ombros para trás.

    — Siga-me, então, Alteza. — Minha voz saiu um rosnar baixo.

    {Eiridan Ekkehard}

    Mais uma vez a resposta a minha pergunta tinha vindo do mesmo rapaz educado que me recepcionou assim que cheguei. Fiquei feliz por saber que eles ficariam por lá até serem designados para uma campanha porque, até onde ouvi pelos corredores do castelo, meu pai tinha acabado de mandar outro grupo a uma e não parecia estar planejando nada pelos próximos meses. Isso significava que eu teria mais tempo para observar e aprender com o Sir Kialmaceth.

    Se bem que ele não parecia nem um pouco feliz em sequer me levar para conhecer o campo de treinamento que haviam montado. Sua expressão dizia tudo… ele estava com a mesma cara feia que 17

    Livro I

    Len fazia quando eu o chamava no meio da noite e pedia para que fosse até a cozinha roubar alguma coisa para que eu pudesse comer escondido.

    Não demorou em dizer que estava ocupado e não poderia me acompanhar, claro que fiquei decepcionado, mas não seria impedido por isso, exploraria o campo sozinho ou acompanhado de Feuer’eis, a única pessoa que parecia realmente disposta a falar comigo… Assim que Kialmaceth terminou de falar ele logo interveio, rindo de uma maneira estranha e falando que era só brincadeira.

    Bem, não parecia brincadeira para mim, mas acho que cada um tem um senso de humor diferente.

    Quando Sir Kialmaceth finalmente aceitou, não pude evitar de sorrir, não via a hora de poder encher ele de perguntas, queria saber de todos os seus feitos, de tudo o que viu fora dos muros, queria saber de cada detalhe…

    — Obrigado, Sir Feuer’eis! — Assim que passei por ele, agradeci com um sorriso, antes de apertar um pouco o passo para ficar lado a lado ao Sir Kialmaceth — Obrigado por se dispor a me apresentar tudo, Sir Kialmaceth, é a primeira vez que vejo cavaleiros de verdade, treinando e tudo mais, eu sempre admirei vocês, então fico profundamente feliz por terem vindo até aqui… O

    Senhor deve ser um dos homens de confiança do meu pai, certo? Ele raramente deixa pessoas entrarem aqui, ainda é mais raro deixar ficar… —

    Tinha o péssimo hábito de começar a falar e falar sem parar quando ficava animado demais então decidi parar antes que não pudesse mais.

    18

    O herdeiro do fogo

    {Kalivan Kialmaceth}

    Confiança, certo. Era como uma ferida que eu não podia coçar.

    Bufei baixinho, apenas com as narinas, franzindo as sobrancelhas como se o sol transversal do fresco fim do dia me cegasse. Parece que o príncipe ia só ficar falando bobagem enquanto me seguia e eu teria que ouvir e responder. Pois então que soubesse quem estava ao seu lado. Ele já parecia bastante entusiasmado.

    — À exceção desses novos rapazes, esses filhos de nobres os quais estamos fazendo a gentileza de treinar, os meus homens são os melhores de Vossa Majestade. O honradíssimo Rei Galvyn não deixaria a segurança de sua própria família a menos do que os excelentes.

    Entramos no primeiro ponto do campo de treinamento e os besteiros e arqueiros encerraram suas atividades com o erguer de meu punho fechado. Ao menos estavam prestando atenção. Não que eu me importasse com a opinião de Vossa Alteza, mas que pelo menos aqueles soldadinhos não me diminuíssem e desmentissem na frente da família real.

    — Vossa Alteza deve saber, não apenas os inimigos e os bárbaros, como também os grifos e os gigantes… — Olhei de soslaio para o príncipe. Não era exatamente verdade, porque não havia nenhuma ameaça iminente, mas tampouco era uma mentira o fato de que tudo aquilo existia lá fora. Eu queria ver a reação dele. — Não há o que temer, 19

    Livro I

    estou aqui justamente para vossa proteção. E Vossa Alteza está com sorte de ter o melhor cavaleiro de todo o reino bem ao seu lado.

    {Eiridan Ekkehard}

    Entramos na primeira parte do campo de treinamento, onde estavam os arqueiros e besteiros, assim que Sir Kialmaceth levantou o punho todos pararam o que estavam fazendo na hora e isso me deixou boquiaberto. Sir Kialmaceth deveria ser alguém realmente muito forte e honrado para conseguir um posto de comando em uma unidade tão conceituada pelo meu pai, sem contar que ter a responsabilidade de treinar os filhos de nobres e futuros cavaleiros do reino era muito grande…

    Talvez ele não fosse apenas temido pelos jovens rapazes, mas também muito respeitado por eles.

    Quando o ouvi me chamando, tirei minha atenção do campo e voltei a olhá-lo com os olhos brilhantes, ainda mais quando começou a falar de grifos e gigantes, seres que sabia que existiam mas apenas ouvia falar… essas pessoas à minha frente eram os futuros responsáveis por atingir e derrubar essas bestas dos céus, eles que ficariam nas muralhas para que bárbaros não invadissem, guerreiros tão corajosos. Sir Kialmaceth continuou e pela primeira vez me vi sem palavras quando disse que ele em pessoa faria a minha proteção e ficaria ao meu lado.

    — Fico muito honrado por ter alguém como o senhor ao meu lado, acho que nunca me senti tão seguro nesse castelo. — Disse, animado, assim que consegui arrumar as palavras. Agora entendia como 20

    O herdeiro do fogo Tiernay se sentiu quando meu pai arranjou tudo para que ele conhecesse seu escritor de poemas favorito. É meio cedo para dizer que Sir Kialmaceth era meu ídolo, talvez dizer que estava começando a admirá-lo muito fosse melhor.

    Voltei brevemente minha atenção para os demais soldados e cumprimentei a todos de maneira breve e fui respondido com uma reverência. Não demorou para que minha atenção fosse capturada pela arma que um dos rapazes segurava, deveria ser uma besta. Apontei para ela e me virei para Sir Kalivan com um sorriso.

    — Posso tentar usar aquilo?

    {Kalivan Kialmaceth}

    Não, pirralho, você não pode, eu diria se pudesse, e pensei com tanta veemência que achei até que tinha dito. Consegui ficar calado, parece, e a fúria com que o encarei não pareceu afetá-lo o mínimo.

    Ainda estava lá o grande sorriso e a expressão de cão feliz. Claro, ele estava tão acostumado a ter tudo o que queria que a cordialidade dele era inútil.

    Ele não estava pedindo qualquer favor, tudo era uma ordem.

    Que fosse. O moleque ia brincar um pouco e depois me deixar em paz porque os servos do papai o chamaram para jantar. Vamos só terminar com isso.

    Aquilo é uma besta, ou balestra. Suponho que nunca tenha usado uma. — Andei até o atirador e estendi minha mão para que ele me entregasse a 21

    Livro I

    arma. Gesticulei também para que todos saíssem da frente.

    Parei à frente do príncipe Ekkehard, conjecturando o que fazer com um rapaz que não sabia segurar uma balestra de cinco quilos e que eu não poderia chutar até que aprendesse a usar e tampouco permitir que ele soltasse a corda do jeito errado e machucasse o ombro ou, sei lá, perdesse um olho. Nunca vi algo do tipo em uma situação dessas, mas não me descuidaria.

    — Venha cá. Quando vamos nos colocar em posição de tiro, devemos sempre ficar a 90 ou 75

    graus do círculo do alvo. Os pés devem ficar afastados de acordo com a largura dos ombros, paralelos um ao outro com as pontas dos dedos levemente inclinadas para fora e distribuindo o peso por igual em ambas as pernas. — Mostrei para ele, mas eu não tenho a menor vontade de ficar explicando. Quando ele estava ao meu lado, botei a arma na mão dele e fiquei segurando o braço para que ele não soltasse antes da hora. — Encaixe a soleira no ombro direito, um pouco para cima e incline o cotovelo para fora para ajustar o ombro.

    Eu não estava pensando muito quando só encostei no príncipe e ergui o braço dele daquele modo, mas ele não queria atirar com a maldita besta?

    — Posso soltar? — Vituperei e me percebi mais nervoso do que devia. Dava para sentir até que tipo de essência de erva com que ele devia ter lavado o cabelo naquela manhã. Não era postura a se ter com o príncipe, desgraça.

    22

    O herdeiro do fogo

    {Eiridan Ekkehard}

    Quando pedi, a expressão do Sir Kialmaceth parecia gritar não, mas isso não me abalava nem um pouco, no fundo eu sabia que ele me deixaria tentar… e ele realmente deixou. Pegou a besta que apontei e mandou todos saírem da frente, deixando o caminho para um dos alvos livre. Sir Kialmaceth parou à minha frente e me olhava como se estivesse se perguntando o que fazer ou por que aceitou meu pedido. Pela primeira vez pude olhá-lo de perto e fizemos um breve contato visual, estava encantado porque até mesmo a sua aparência era igual à dos heróis das minhas histórias.

    Fui puxado de volta ao mundo real quando ele me chamou para que ficasse na posição certa. Segui todas as suas instruções e quando peguei a arma em minha mão comecei a ficar um pouco ansioso, ela era pesada demais. Segundos atrás Sir Kialmaceth a segurava com tanta facilidade que parecia ser tão leve quanto um arco, agora eu estava com medo de fazer alguma coisa errada com algo tão perigoso em mãos, de acabar me machucando, mas precisava me acalmar… No final das contas, não estava sozinho, ele estava logo ali ao meu lado, dando suporte ao meu braço e ao meu ombro.

    Sir Kialmaceth me perguntou de maneira firme se podia soltar a corda, e enquanto eu respirava fundo para me preparar, percebi todos os outros soldados prenderem a respiração. Eu me acalmei um pouco, olhei para o alvo e depois 23

    Livro I

    brevemente para Kialmaceth, antes de falar que podia soltar.

    Tudo aconteceu muito rápido; no momento em que ele soltou a corda e atirou a flecha, fui pego de surpresa pelo recuo e acabei me desequilibrando.

    Sir Kialmaceth foi rápido em me segurar então não cheguei a cair. Nem preciso dizer que errei o tiro, mas pelo menos não acertei ninguém também.

    Quando a ficha do que tinha acabado de fazer caiu, não consegui segurar a euforia que me tomou.

    Tinha sido uma experiência tão nova e poderosa, não foi um sucesso, mas mesmo assim foi incrível!

    Finalmente me afastei um pouco dos braços de Sir Kialmaceth e, segurando a besta com as duas mãos, perguntei animado:

    — POSSO TENTAR DE NOVO? Só mais uma vez! Por favor… agora eu juro que vou conseguir acertar e fazer direito!

    {Kalivan Kialmaceth}

    A definição de desastre era o que eu tinha à minha frente, e em meus braços um momento antes.

    O príncipe, como eu já devia esperar, não tinha a menor habilidade para aquilo ou a menor noção de qualquer coisa, em suma.

    Bufei em um rosnado, minha paciência chegando ao fim nesse inferno. Acho que ela estava até durando mais do que o esperado. Tentei manter o foco pensando que iria bater em alguém mais tarde.

    24

    O herdeiro do fogo Em um instante, havia outra flecha tensionada contra o fio, porque para mim era natural como respirar.

    Chutei o interior dos pés dele para que ele os separasse do jeito certo. Botei a balestra mais uma vez na mão dele e devo dizer que me surpreendi que ele estava na posição certa. A outra mão, contudo, estava errada. Tomei uma posição atrás dele, já que não fui repelido de todo modo antes, e por trás ajudei-o a segurar e mirar. Quem sabe se esse maldito acertasse a merda do alvo me deixaria em paz.

    — Ajuste a postura. Ombros para trás. Solte a respiração e no final, solte a flecha.

    {Eiridan Ekkehard}

    Sem falar nada e bufando por estar perdendo a paciência, Sir Kialmaceth preparou mais um tiro para mim e ajeitou minha posição novamente, dessa vez com bem menos cuidado do que da primeira.

    Isso me causou uma certa estranheza, porque geralmente as pessoas ficavam cheias de dedos ao meu redor. Agora ele estava posicionado atrás de mim e por algum motivo essa proximidade me deixava tenso, como se meu corpo tivesse enrijecido, e tê-lo falando tão próximo do meu ouvido me causou um arrepio esquisito e sem sentido.

    Assim como me foi mandado, ajeitei a postura, respirei algumas vezes e soltei a flecha, desta vez o recuo não me pegou desprevenido e Sir Kialmaceth era um ótimo suporte. O tiro não foi perfeito, mas 25

    Livro I

    foi o suficiente para me deixar orgulhoso de mim mesmo, acabei acertando a flecha na parte maior do alvo, quase saindo dele, mas, para a segunda vez de alguém, foi fantástico!

    — Você viu? Você viu? Sir Kialmaceth, eu consegui acertar! — Comemorei saindo de seus braços e deixando a besta no chão de qualquer jeito.

    Os outros soldados aplaudiam o meu feito, mas logo pedi que parassem, não queria correr o risco de perder a pose e ficar sem graça agora — Já está escurecendo, tem mais alguma coisa para me mostrar? Se não, gostaria que, como agradecimento, fosse meu convidado no jantar de hoje!

    {Kalivan Kialmaceth}

    A alegria dele era tão genuína que quase me comoveria, se não fosse uma comemoração por um desempenho ridículo e que apenas eu consegui para ele. Os soldados batendo palmas fizeram o trabalho de fingir um interesse que eu não precisei fingir, ainda bem.

    Perante a pergunta seguida do maldito convite, eu só apontei para o campo. CLARO que tem mais para mostrar, infernos, não está vendo?

    — Tem toda uma merda de campo para mostrar, mas em suma é tudo a mesma coisa. Não está pronto, estamos montando. Mais para baixo uma maldita rota de obstáculos. O estábulo ao lado das porcarias dos antigos barracões que estamos reformando e onde guardaremos as armas e lutaremos. — Suspirei. Eu já estava soltando muito mais más palavras do que devia estar autorizado a 26

    O herdeiro do fogo fazer. A questão é que não tenho nenhuma vontade de me misturar a essa realeza indolente e patética que não sabe reconhecer seu melhor cavaleiro.

    Preferem deixar-me de castigo como a uma criança, cuidando de outras crianças como os recrutas e até fazendo sala para um príncipe mimado e deslumbrado consigo mesmo. É o cúmulo de minha humilhação, ainda me sentar à mesa com todos eles, que inferno.

    — Quanto ao convite, Vossa Alteza, sabe que eu não estou em posição de negar. — Se estivesse, negaria. — Estou- ah, honrado. Só gostaria de evitar um atrito com a realeza ao ser um convidado surpresa perante a mesa do rei. Seria desconfortável para todos nós.

    Até porque eu não consigo garantir por quanto tempo sigo me segurando sem arremessar uma taça pelo cômodo.

    {Eiridan Ekkehard}

    A escolha de palavras dele para descrever as coisas me deixou surpreso, eram palavras que desde cedo nossa tutora nos ensinou a não dizer pois não eram polidas e nem educadas. Mas estava tudo bem, porque até mesmo meu pai falava essas coisas quando achava que ninguém estava ouvindo. Ignorei totalmente essa parte e me foquei no que era importante: uma rota de obstáculos!

    Ainda não estava muito escuro, deveria ter mais uma horinha antes de alguém vir desesperado me arrastar para mesa, então valia a pena arriscar e pedir para conhecer.

    27

    Livro I

    Falando sobre o jantar, fiquei muito feliz por ele não estar em posição de recusar e se sentir honrado pelo convite, seria divertido ter mais alguém, e também seria um momento oportuno para ouvir as histórias das aventuras do Sir Kialmaceth, já podia ver Bryn fazendo todas as perguntas que por eu estar ocupado, acabei me esquecendo de fazer

    — Não vai ter atrito nenhum, meu pai não está no castelo hoje, ele provavelmente volta só amanhã, então eu e meu irmão estamos sozinhos aqui com nossos pajens e os demais servos — dei de ombros por força do hábito — não vai ser desconfortável, tenho certeza que vão adorar te conhecer. Ah, e me desculpe por assumir que seu campo era só isso, é que não vi nada sendo montado, não tinha ideia do tamanho. O estábulo já conheço, gostaria de ver o lugar onde lutam, mas acho que não temos muito tempo, então antes de encerrarmos a visita, poderia me levar para conhecer essa tal rota de obstáculos?

    {Kalivan Kialmaceth}

    No segundo seguinte me imaginei fechando as mãos naquele pescoço detrás da gola elegante e apertando-o até que aquele rostinho ficasse da cor dos cabelos vermelhos dele. Qual era o protocolo para aquela merda? O rei devia ainda estar em alguma negociação imbecil, será que seria o maldito do Irwen que o escoltaria de volta?

    Honestamente agora a vontade era de realmente não apenas aceitar jantar a comida real como vandalizar o próprio salão de jantar. Só que não consigo sequer conceber algo mais chato do que 28

    O herdeiro do fogo me submeter a um jantar com aquela criatura e seu séquito de puxa-sacos.

    Era visível que Ekkehard tentava. Eu não esperava um pedido de desculpas vindo de qualquer pessoa da maldita realeza, mas também não o quero. E isso me deixa ainda mais furioso.

    Não ligo para suas palavras, para suas cerimônias, tudo isso urra no meu tédio já gritante e estou com sono só de imaginar me sentar à mesa com esses infelizes. Eu odeio isso tudo.

    Dei as costas, punhos cerrados, minhas costas se arqueando em raiva contra minha vontade.

    Fomos andando até o final do campo de arqueiros até uma rota com obstáculos. Não tinha muito a se ver, estruturas militares são simples e práticas.

    Eram simulacros, com engenhocas simples de troncos e algumas torres baixas feitas de pedras empilhadas, retiradas de uma enorme rocha que também era usada como exercício de transposição por saltos e para ser empurrada por grupos de soldados. Os mais fortes e com a técnica certa a empurravam sozinha: além de mim, apenas Ybraak e Feuer’eis.

    — É só isso. Repetição incessante e ultrapassar seus limites. Esse é o primeiro passo de um treinamento e só depende da determinação de quem deseja lutar. Não gasto em porcariazinha de técnica com quem não consegue destruir em disposição, resistência e força bruta. Quem não é forte o suficiente já desiste e eu não perco meu tempo.

    29

    Livro I

    {Eiridan Ekkehard}

    Mesmo com punhos cerrados e visivelmente irritado com mais um de meus pedidos, Kialmaceth me levou até a rota de obstáculos. Vendo tudo aquilo, comecei a me questionar se alguém, exceto por ele, conseguiria completar aquilo sem estar totalmente exausto. Estava cansado só de imaginar ter que pular, desviar e empurrar todas aquelas coisas e troncos. Teria ficado por isso mesmo, mas algo que Sir Kialmaceth disse fez algo acender dentro de mim: Esse é o primeiro passo de um treinamento e só depende da determinação de quem deseja lutar…

    Bem,

    sempre

    me

    considerei

    alguém

    determinado e tenho bastante desejo de lutar, então se esse era o primeiro passo, por que não tentar?

    Abri um pouco a gola da camisa que usava e levantei as mangas, com uma fitinha que sempre deixava amarrada no passador de cinto da calça, prendi meus cabelos que já passavam um pouco dos meus ombros.

    — Eu quero atravessar isso, prometo que não vou te fazer perder tempo, mas vou precisar de um pouquinho de ajuda… pode me ajudar? Será a última coisa que te pedirei hoje, depois do jantar pode se considerar um homem livre de mim!

    {Kalivan Kialmaceth}

    Dessa vez eu cheguei a rir. Alguma coisa quase me entreteve naquilo, talvez a perspectiva de me ver livre do pivete, o jeito que ele se prontificava a sujar as finas vestes reais e prendia os brilhantes 30

    O herdeiro do fogo cabelos antes de estar pronto para se arrastar na poeira, não sei. Mas com minhas mãos então detrás das costas, apenas sentenciei:

    Não. Vossa Alteza, por mais que esse campo esteja fora da circunscrição específica do nosso novo quartel e seja mais uma grande montoeira de entulhos organizados, eu ainda sou responsável pelo que acontece sob meu olhar. Uma coisa é um nobre abaixo do meu título quebrar uma perna pulando essas pedras. Ninguém se importa. Eu tenho autoridade para isso. Já se Vossa Alteza tiver uma farpa que seja debaixo de vossa sedosa pele real, eu estarei com a droga do meu pescoço em jogo e para o azar de todos que tentarem me capturar por isso eu não me entrego sem luta.

    Prefiro evitar.

    {Eiridan Ekkehard}

    Agora estava dividido. Poderia muito bem ir lá e tentar fazer o percurso sem a ajuda do Sir Kialmaceth, mesmo se caísse ou me machucasse ali, não poderia ser muito pior do que uma queda de cavalo, certo? Mas, por outro lado, tinha uma certeza quase absoluta de que não conseguiria fazer nem a metade e acabaria realmente cheio de farpas e arranhões. Caso eu volte machucado para o jantar, essa notícia chegaria ao meu pai, e, além de trazer problemas aos demais, ao invés de não poder sair das muralhas da cidadela, eu provavelmente não poderia mais nem sair do castelo em si.

    Cruzei os braços e me permiti pensar para tomar uma decisão, mesmo que a resposta racional 31

    Livro I

    fosse óbvia e o Sir Kialmaceth já a tivesse me dado.

    Teria passado a noite pensando, mas uma terceira opção brilhante surgiu em minha cabeça.

    — Então por que não fazemos assim: o senhor me treina até eu ser capaz de atravessar aquilo sem me machucar! É uma ótima ideia, óbvio que faremos isso em segredo — falei com o entusiasmo de quem tinha feito uma grande descoberta, e não via motivos para que ele recusasse. Desde que ninguém ficasse sabendo, não teria problema nenhum.

    {Kalivan Kialmaceth}

    Era a gota d'água para mim. Se eu não botasse aquele moleque para correr, ele iria grudar em mim como um percevejo, iria me usar como a seus servos. Ele precisava saber que eu não era seu professor, seu pajem ou sua maldita dama de companhia.

    — Vossa Alteza, se estamos falando em segredos, vou dar-lhe um. — Andei na direção dele, estreitando o olhar, até parar bem próximo, face a face. — Para treinar comigo, um homem precisa saber o lugar dele. Que é sob meu comando. Só que alguém da realeza não precisa saber o significado de disciplina ou de submissão. O significado de sofrimento. É por isso que eu jamais serei um príncipe do mesmo modo que Vossa Alteza nunca será um cavaleiro. Não existe em seu sangue a motivação necessária para o esforço e não vejo nada pelo que valha eu me arriscar perante o rei desse modo. É a merda de um risco e de tempo perdido 32

    O herdeiro do fogo para nós dois. — Ao que terminei, estava a meio passo de distância dele.

    Tenho minhas reais suspeitas de que jamais qualquer pessoa fora sincera com ele na vida. Se ele não chorasse ou corresse para mandar o pai me castigar creio que já estou em vantagem suficiente.

    Ele nunca teria a garra para me provar o contrário ou que valesse que eu me comprometesse por sua causa.

    {Eiridan Ekkehard}

    Em todos os meus 17, quase 18 anos de vida ninguém nunca tinha ousado falar ou sequer olhar para mim daquela maneira. Só que eu não me senti ofendido, não estava irritado, mas também não estava feliz de ser recusado. Pela primeira vez senti a necessidade de provar algo para alguém e eu iria provar para ele que estava errado, eu vou sim me tornar um cavaleiro um dia. Ele me encarava e em nenhum momento abaixei minha cabeça, dei um passo para trás apenas para que pudesse arrumar minhas roupas da maneira correta.

    Poderia ter agido de maneira impulsiva e corrido em direção aos obstáculos, mas com certeza iria falhar. Só daria motivos para ele achar que estava certo em dizer que eu não tinha o necessário… então, mais uma vez, decidi apelar

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