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Teoria das Competências: Construção e Desconstrução do Discurso na Formação de Professores
Teoria das Competências: Construção e Desconstrução do Discurso na Formação de Professores
Teoria das Competências: Construção e Desconstrução do Discurso na Formação de Professores
E-book358 páginas2 horas

Teoria das Competências: Construção e Desconstrução do Discurso na Formação de Professores

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Sobre este e-book

O livro Teoria das competências: construção e desconstrução do discurso na formação de professores apresenta uma discussão crítica a respeito de dois temas bastante atuais na realidade educativa brasileira: competências e formação docente.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento17 de jul. de 2020
ISBN9788547344726
Teoria das Competências: Construção e Desconstrução do Discurso na Formação de Professores

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    Teoria das Competências - Juliana Trindade Barbaceli

    COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO FORMAÇÃO DE PROFESSORES

    A Guilherme e aos dias com vista para o Lago…

    Apresentação

    Desde o final do século XX, aspectos do paradigma econômico neoliberal estão presentes nas diversas áreas da vida social humana. Conceitos como meritocracia, análise de custo-benefício, flexibilidade e competências são utilizados para analisar e regulamentar a área educacional, inclusive no que se refere à formação docente.

    Essa realidade, apesar de aceita como ordinária na nossa vida cotidiana, causou-me estranhamento e incômodo no início da vida profissional. Ainda como estudante de pós-graduação, as obrigatoriedades de produção aliadas à diminuição ou ausência de auxílio financeiro para seu cumprimento impactou minha experiência pessoal de formação docente em um sentido nem sempre positivo ou mesmo benéfico.

    Acredito que a docência possui características peculiares – ênfase no compromisso pessoal dos professores, ideia de satisfação pessoal da atividade profissional e relativização da importância da remuneração – que, além de serem construídas socialmente, também constroem o lugar ocupado pelos profissionais na nossa sociedade. Lugar este que, infelizmente, pode se tornar oneroso para os sujeitos, tanto material quanto psicologicamente.

    Muitas vezes, ao longo da minha formação, tive que tomar decisões que iam de encontro ao meu desejo de ser professora: desvios do caminho que tinha escolhido seguir há anos, e que, além de dificultar e prolongar minha caminhada, aumentaram meu incômodo com a proposta de formação profissional docente atual.

    Comecei a pensar sobre o tipo de formação docente e os percursos que possibilitam essa formação no Brasil. Que caminhos podemos percorrer para sermos bons professores? O que é exigido de nós?

    Nessas divagações, deparei-me com o conceito de competências e suas diversas aplicações na esfera da formação docente. Percebi, dessa forma, que este conceito é utilizado ora como um fundamento para políticas públicas na área educacional, ora como elemento orientador para a microgestão da sala de aula e, portanto, diretamente relacionado a itens pontuados em avaliações nacionais e internacionais.

    Além da diversidade referente à função e utilização, a própria definição do conceito de competências me causava inquietação. Afinal: quem não quer professores competentes? Se a necessidade de competência docente é óbvia, por que elencá-la como elemento central de políticas públicas? E se a obviedade da competência docente não é o que estrutura o ideal de formação por competências, então o que é?

    Como fica a questão de profissionalização e valorização da atividade dos professores em relação ao desenvolvimento de competências? Apenas professores competentes devem ser valorizados? Em caso afirmativo, como medir a competência docente?

    Esta obra é um primeiro resultado dessas inquietações. Nela, procuro articular dois temas de meu interesse – formação profissional e educação superior – a uma discussão que a cada dia torna-se mais complexa: as relações entre formação, processos de profissionalização e construção da identidade profissional docente. Assim, apresento algumas relações entre a política atual de formação docente e o processo de profissionalização da docência baseada no desenvolvimento de competências específicas.

    Para alcançar tal objetivo, foi necessária uma análise de documentos nacionais e internacionais basilares da esfera da Educação e o entendimento de que eles constituem uma materialização de discursos oficiais, construídos em processos de disputas e negociações políticas que, apesar da aparência de neutralidade, possuem um viés histórico, assim como todos os produtos humanos.

    Nessa análise, atento para as aproximações e distanciamentos entre os modelos ideais de professor gestor e professor reflexivo – novas construções de papéis docentes – e a formação baseada no desenvolvimento de competências. Dessa forma, busco explorar o processo pelo qual a formação por competências se constitui como modelo oficial para a formação docente no país. Nessa tentativa apresento dois conceitos: aglutinação e indiferenciação, que entendo fundamentais na constituição do caráter hegemônico das teorias das competências, visto que se referem a processos discursivos utilizados tanto em documentos oficiais quanto na linguagem informal, difundida socialmente.

    Em contraponto, apresento a teoria da atividade, perspectiva teórica desenvolvida por Leontiev a partir dos trabalhos de Vigotski, como possibilidade para outra abordagem de formação docente: focada no desenvolvimento do homem-genérico e na efetiva valorização dessa atividade.

    Sem a pretensão de esgotar a discussão sobre formação docente ou apresentar outro modelo ideal e definitivo para essa formação, espero que esta obra possa contribuir para a problematização da construção de um espaço profissional docente mais complexo, que considere os múltiplos fatores que influenciam essa atividade e a fazem especificamente humana.

    A autora

    Sumário

    Introdução 13

    Capítulo 1

    A construção das competências como objeto de estudo e o contexto atual de formação docente 23

    1.1 Considerações iniciais sobre a formação docente 24

    1.2 Formação docente e competências: uma articulação entre trabalho e educação 29

    1.3 A evolução do conceito de competências 43

    Capítulo 2

    Competências e neoliberalismo: a educação no Estado gestor 57

    2.1 O contexto da formação por competências no Brasil: disputas ideológicas e construção de documentos basilares para as políticas públicas educacionais 60

    Capítulo 3

    As propostas para a Formação de professores: Profissionalização e ideais docentes 79

    3.1 Profissionalização e profissão docente 79

    3.2 Aglutinação e indiferenciação: a construção do discurso de competências e da

    profissionalização como resultado da reflexão docente 87

    3.3 A profissionalização como competência gestora 104

    CAPÍTULO 4

    neutralidade, formação docente e educação 119

    4.1 Escola sem Partido e a questão da neutralidade 121

    4.2 Reformas curriculares e a tecnicização da atividade docente 129

    4.3 Profissionalização e proletarização da docência 137

    Capítulo 5

    Ciência, desenvolvimento humano e a psicologia

    histórico-cultural 155

    5.1 A psicologia histórico-cultural e o gênero humano 157

    5.2 A teoria da atividade e o desenvolvimento humano 160

    5.3 Implicações dos conceitos de humanização, apropriação, significado e sentido para o entendimento da atividade docente 168

    Capítulo 6

    Formação docente, democracia e teoria da atividade 187

    6.1 Desprofissionalização, profissionalização e um projeto para a profissão docente... 187

    6.2 A teoria da atividade e a formação docente a partir da abordagem histórico- cultural do desenvolvimento 198

    Capítulo 7

    Temas transversais em educação como estratégia para o desenvolvimento integral do ser humano, o fortalecimento da autonomia docente e a formação de professores 207

    7.1 Desenvolvimento da atividade docente a partir dos temas transversais 211

    Capítulo 8

    Algumas retomadas, questões fundamentais e

    considerações finais 217

    Referências 225

    ÍNDICE REMISSIVO 241

    Introdução

    Como espaço de formação profissional e humana, as instituições escolares são influenciadas e constituídas a partir de interesses históricos e socialmente determinados, localizados no tempo e no espaço. Assim, pode-se dizer que aspectos relativos à área da educação ou, mais especificamente, da formação de professores dependem dos locais nos quais esta formação é pretendida e construída, das disputas, debates e visões de mundo presentes nesses locais e das condições materiais encontradas para o desenvolvimento das atividades planejadas.

    No Brasil, os programas de formação de professores ainda lutam para superar alguns desafios que constituem não apenas a ciência pedagógica, mas também o exercício profissional dos docentes formados por ela. Entre eles podemos destacar: a dificuldade em aliar conhecimentos teóricos ao desenvolvimento de habilidades importantes para a vida cotidiana, a dificuldade em elencar os conteúdos essenciais às diferentes propostas educativas, componentes dos currículos formais e informais do nosso sistema educativo e a dificuldade em estabelecer e controlar critérios de desenvolvimento e valorização da prática docente, devido à multiplicidade de atividades que a compõem.

    Construídos historicamente nos espaços educacionais brasileiros, esses desafios continuam a instigar estudos que objetivam apresentar propostas capazes de tratá-los mais adequadamente. Uma dessas propostas, que tem se popularizado atualmente, é o ensino por competências, ou Pedagogia das competências, que aparece em alguns discursos e documentos sobre a formação de professores. Mesmo quando não está explícita nos documentos legais normatizadores de políticas educacionais, a pedagogia das competências fundamenta esses documentos, como veremos nesta obra.

    Apesar da predominância dessa perspectiva no ideário e na legislação sobre educação, o ensino por competências caracteriza-se como uma entre muitas propostas na área, o que possibilita, a princípio, realizar uma divisão principal: entre pesquisadores e profissionais que se posicionam contrários a essa proposta e aqueles favoráveis a ela.

    O primeiro grupo é composto por pesquisadores contrários às teorias das competências por entenderem que essas teorias reproduzem na área educacional a lógica neoliberal existente nas relações trabalhistas. Assim, apresentam propostas críticas para a educação que visam pôr um fim a essa lógica.

    O segundo grande grupo, dos favoráveis às teorias das competências, pode ser dividido em dois subgrupos: o primeiro se identifica com a lógica neoliberal e, portanto, defende o desenvolvimento de competências como uma proposta adequada ao nosso tempo. O segundo subgrupo, apesar de criticar as ideias neoliberais, entende as teorias das competências como uma alternativa – muitas vezes a única viável – de constituição de uma educação inovadora em meio à realidade em que vivemos, ou não estabelece uma aproximação teórica entre as teorias das competências e o paradigma neoliberal.

    Minha posição enquanto pesquisadora e trabalhadora da área da educação é situada junto ao primeiro grupo apresentado. Entendo que as teorias das competências não apresentam uma proposta adequada para as políticas educacionais atuais, mas reforçam um posicionamento frente à educação que deve ser combatido: a transposição de aspectos mercadológicos para a educação, próprias no contexto neoliberal.

    Compreendo que a atual predominância do paradigma neoliberal em diversas esferas da vida social apresenta como uma de suas consequências transformações importantes na área educacional, que passa a ser estruturada em características como flexibilidade, capacidade de adaptação, meritocracia, investimentos segundo o parâmetro custo-benefício e qualificação com base em competências mensuráveis. Esse contexto de transposição dos aspectos valorizados na esfera do trabalho para a educação contribui para a constituição desse novo modelo de ensino.

    O desenvolvimento de competências passa a ser definido, então, como o principal objetivo dos processos educativos tanto em documentos oficiais de organizações globais (como a Unesco e o Banco Mundial) quanto na legislação brasileira sobre educação (como na Lei de Diretrizes e Bases e nos Parâmetros Curriculares Nacionais), o que produz reflexos também nos objetivos estabelecidos para a formação docente e atinge especialmente os cursos de formação inicial de professores.

    A Pedagogia das competências ou o ensino por competências é um desses reflexos.

    Apesar de não constituir um fenômeno tão recente, as práticas pedagógicas baseadas em competências carecem de uma definição objetiva. Assim, nesta obra utilizo os termos ensino por competências, formação por competências e pedagogia das competências como sinônimos para fazer referência a um modelo educativo composto por diversas teorias e técnicas que tem em comum o fato de ser pautado no desenvolvimento de competências específicas.¹

    A opção por utilizar o termo competências e não seu singular decorre do entendimento de que eles possuem definições distintas. Competência refere-se à capacidade de julgamento ou de realização de uma determinada atividade. Já as competências tratadas aqui são aspectos ligados a teorias específicas. Identificam assim, não uma capacidade generalista, mas habilidades específicas que, de acordo com as teorias citadas, devem ser desenvolvidas pela educação.

    A noção de pedagogia das competências ou ensino por competências emerge, portanto, a partir de transformações no mundo do trabalho atual, transformações essas vinculadas a uma necessidade maior de qualificação do trabalhador. Nesse sentido o termo competências não designa apenas uma qualidade do sujeito, mas aparece como um conceito estruturante dos novos modelos de ensino e da legislação educacional.

    O ensino por competências, portanto, integra o rol de respostas oficiais do Estado apresentadas como soluções às dificuldades decorrentes da dicotomia teórico/prática presente na área educacional, especialmente quando analisamos as propostas de formação docente inspiradas neste modelo.

    Assim, o que busco explorar ao longo desta obra é um conceito específico que se desenvolve e é implementado por políticas que determinam um tipo também específico de relação de trabalho, particularmente no âmbito da docência.

    Ou seja, o conceito de competências analisado não diz respeito apenas às habilidades específicas de cada atividade profissional, mas também a modos de relacionamento social, a exigências de qualificação e a interesses que norteiam as políticas educativas nacionais: está atrelado a um pensamento a respeito do desenvolvimento dos países que, em geral, se caracteriza pela ênfase nas relações mercadológicas de trabalho.

    A pedagogia das competências é uma entre muitas teorias que compõem uma abordagem que prioriza o desenvolvimento de competências específicas como principal objetivo da educação, educação esta entendida da forma mais ampla possível: ensino formal escolar, fundamental ou superior, educação organizacional, profissionalizante, em serviço, entre outras.

    Essa abordagem, entretanto, abarca modelos, teorias, práticas e discursos que partem de diferentes concepções do conceito de competências. Essa pluralidade conceitual amplia a abrangência da abordagem, de forma que as teorias baseadas em competências são aplicadas não apenas no campo educacional, mas também no organizacional e no governamental a partir de propostas diversas: intervenções individuais, projetos organizacionais e sistemas políticos de ensino.

    No Brasil, por exemplo, em algumas reformas educacionais decorrentes da promulgação da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de 1996, o conceito de competência é assumido não apenas como fundamento ideológico, mas também como conceito organizador do currículo tanto para a educação básica quanto para a formação de professores. Além disso, é referido como conceito nuclear na orientação do curso de formação de professores pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica.²

    A análise dessas situações de destaque do conceito de competências possibilita ao menos duas considerações iniciais fundamentais para o entendimento deste livro: a primeira é a afirmação que as teorias baseadas em competências não são restritas às áreas da educação. A lógica de predominância do desenvolvimento de competências atualmente se faz presente em diversos espaços de atuação social humanos.

    Quando encontramos alguém que consegue manifestar muito bem pensamentos e sentimentos por meio de palavras, que tem facilidade para escrever ou falar, podemos dizer que essa pessoa possui uma competência linguística ou comunicacional, termos popularizados e elaborados por teorias científicas como as teorias psicológicas de múltiplas inteligências, por exemplo, que buscam compreender o desenvolvimento humano a partir de competências específicas relacionadas à linguagem, expressão e consciência corporal, localização espacial, entre outras.

    Na esfera do trabalho as competências embasam avaliações de desempenho de funcionários, programas de treinamento e universidades corporativas. Uma grande parte da população à procura de emprego já se deparou com processos seletivos que objetivam presenciar essas competências por meio de perguntas ou dinâmicas, por exemplo.

    A segunda consideração expressa uma preocupação com o processo pelo qual a lógica das referidas teorias se desenvolve: por que a abordagem das competências se difunde tão rapidamente e em tantos espaços diferentes?

    Para além da pluralidade do conceito de competências que contribui para essa difusão, penso ser fundamental analisar a construção e difusão de teorias baseadas em conceitos de competências levando em consideração o momento histórico em que elas ocorrem, ou seja, considerar a expansão dessa abordagem em conjunto com a popularização de conceitos como meritocracia, qualificação profissional, profissionalização e certificação.

    Ao realizar essa aproximação elaborei o ponto de partida, o propósito deste livro: analisar de que modo algumas concepções específicas das teorias de ensino por competências são apropriadas e utilizadas em documentos sobre formação docente e qual a relação entre essas teorias e a profissionalização da docência.

    Procuro entender como o ensino por competências se relaciona com as políticas de formação docente e com o processo formativo do professor nos quais as certificações e as qualificações são cada vez mais valorizadas como sinônimos de boa qualidade da atuação e da formação dos professores e vinculadas à profissionalização da docência e à formação de tipos ideais de professores.

    A fim de alcançar esses objetivos esta obra apresenta duas análises iniciais: a primeira aborda a construção e o uso de algumas teorias das competências e as relaciona com um movimento atual de profissionalização da docência. A segunda refere-se à análise documental contextualizada de documentos nacionais e internacionais a respeito da formação de professores, como o Parecer CNE/CP 02/2015, que apresenta as atuais Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial e Continuada dos Profissionais do Magistério da educação Básica, além das resoluções e pareceres correlatos.

    Como material de análise de propostas globais para a área, destacam-se os livros Professores excelentes: como melhorar a aprendizagem dos estudantes na América Latina e no Caribe³, que apresenta propostas do Grupo Banco Mundial para a área, e O desafio da profissionalização docente no Brasil e na América Latina ⁴, com propostas e análises da Unesco relativas às políticas de formação docente.

    Em busca de suporte para a análise principal, recorro ao longo da obra a alguns documentos que versam sobre políticas educativas, como os relatórios da Unesco e do Banco Mundial sobre educação, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e os Parâmetros Curriculares Nacionais.

    Ao elencar um número amplo de referências documentais, entretanto, não tenho o objetivo de realizar uma análise legislativa ou histórica minuciosa dos modelos oficiais de formação docente nacional, mas sim entender o papel desses documentos na difusão do ensino por competências e a relação entre documentos internacionais e legislação brasileira.

    A análise de documentos, portanto, constitui parte fundamental desta obra uma vez que a partir dela estabeleço relações entre as concepções de educação e de formação docente e as políticas implantadas efetivamente nos espaços em que são desenvolvidas essas atividades.

    Os documentos oficiais são abordados, portanto, como fonte de dados sobre a realidade e como instruções normativas para a transformação dessa realidade.

    Esses dados, no entanto, não são apenas diretos. Ou seja: o texto documental, apesar de composto por um discurso direto, que estabelece relações muitas vezes claras com a realidade na qual é elaborado, apresenta também informações indiretas, implícitas, que expressam os ideais vigentes à época em que os documentos foram produzidos e visões de mundo compartilhadas por quem os elaborou: os documentos ‘não falam por si’ e também não são apenas fontes de informação histórica. […]. Para o pesquisador, as informações que podem trazer vão além do imediatamente observável. É necessário analisá-los estruturalmente e historicamente.

    A tarefa de análise documental, portanto, precisa atentar para o contexto histórico e social que levou à elaboração dos documentos, ao que está explícito e ao que permanece implícito nos textos oficiais, uma vez que esses textos não expressam apenas diretrizes e instruções sobre o assunto tema, mas refletem relações políticas e sociais mais amplas, que conjugam interesses nacionais e internacionais em diversas esferas da vida pública.

    Explicita-se, assim, a necessidade de olhar para os documentos como produtos da atividade humana, materiais que, por serem resultado de um processo histórico, influenciam e constituem a atividade neles embasada. Entender essa relação entre o contexto histórico e os documentos oficiais sobre formação docente é fundamental, visto que norteia os programas de formação docente desenvolvidos atualmente.

    Como elementos constituintes da realidade atual da formação docente, os documentos e textos analisados estabelecem relações diretas e indiretas com diversos temas relativos a essa realidade. Assim, apesar de abordarem diretrizes ou propostas diretamente relacionadas à organização dos sistemas escolares, eles contribuem para as discussões sobre atuação dos Estados na educação, profissionalização da docência, métodos de certificação e programas de formação de professores, por exemplo.

    Por essa razão as bases documentais são resgatadas ao longo de todo o livro, em um processo de construção do entendimento dos temas abordados a partir desses textos oficiais. Esse resgate me parece fundamental para o processo de apropriação do tema, visto exigir o retorno ao problema e sua reconfiguração/reconstrução. O mesmo processo ocorre com alguns conceitos fundamentais, como neoliberalismo, apropriação, ensino por competências, indiferenciação e aglutinação, apresentados e definidos em capítulos específicos, mas rediscutidos e aprofundados ao longo da obra, sempre em busca da relação entre eles e o processo de profissionalização docente.

    Por fim, é importante esclarecer que ao apresentar o tema formação docente e competências como questão inicial, ou seja, digno de análise e questionamento, o faço em decorrência de uma concepção de mundo e um entendimento da sociedade atual específico, embasado na psicologia histórico-cultural e no materialismo histórico-dialético. Essa concepção orienta minha compreensão de que a necessidade atual de certificação e aprimoramento profissional docente é característica de uma sociedade na qual a atividade de trabalho, atividade constituinte do ser humano⁶, é transformada em emprego, ou seja, é limitada à sua capacidade de geração de renda e responsável pela manutenção de uma estrutura social baseada na exploração do trabalhador.

    Dessa forma esta obra se insere na interface entre educação e trabalho, baseando-se na psicologia histórico-cultural e na teoria da atividade, que entendem a aprendizagem por meio do trabalho, da atividade humana, como capacidade essencialmente humana, como atividade humanizadora.

    O ensino por competências aparece, no contexto analisado e a partir dos fundamentos explicitados, relacionado a uma necessidade de formação de novos modelos docentes, especialmente os denominados professores gestores e professores reflexivos.

    Interessante observar que, apesar de serem caracterizados como modelos distintos, encontram-se referências à formação por competências tanto em textos sobre a formação do professor gestor quanto naqueles que exaltam a necessidade de formar docentes reflexivos, como destaco no decorrer da obra. Isso pode ser justificado pela generalização do termo competências, mas também pelo fato de que o ensino por competências, independente da definição apresentada, possui como uma característica fundante a preocupação com a formação de profissionais flexíveis, adaptáveis, criativos, características também destacadas nos modelos docentes citados.

    No entanto essa necessidade teórica – ideal, baseada em padrões pré-estabelecidos – de formação de professores criativos e flexíveis contrasta com a realidade atual da formação embasada em modelos pedagógicos rígidos e a falta de autonomia docente nas escolas.

    Assim, a abordagem educativa baseada em competências não exprime apenas conceitos ou uma nova atitude

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