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INFERIS
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E-book219 páginas3 horas

INFERIS

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Sobre este e-book

2025, Londres. Elena encontra-se perdida no lugar ao qual chamava casa. Por entre segredos e ilusões, Elena descobre um mundo fora da sua realidade, onde terá que lutar contra o tempo pela sua sobrevivência. Será a realidade de Elena, apenas uma ilusão?
IdiomaPortuguês
Data de lançamento20 de abr. de 2021
ISBN9791220295093
INFERIS

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    INFERIS - Andreia Pereira

    tocar.

    I

    Metáforas

    Ao olhar pela janela que me escondia do mundo e me fazia parecer, nada mais, nada menos, do que um ponto preto no meio de uma multidão, apercebi-me de que o meu tempo tinha acabado. Não que o conte, porque contar o tempo é algo que não me agrada. Não me agrada estar sob as ordens de algo que não existe e que nada tem contra mim. Entre mim e o tempo, desde a minha nascença e a continuidade da minha doce morte, podemos dizer que existe um suave caso de amor. Entendam isso da forma que quiserem, pois a maneira como pensam é diferenta da minha, e duvido que entendam o que eu tento explicar. Afinal, quem poderia entender a alma de quem não existe?

    Tranquei o carro. O volume de música de merda a ser reproduzida casas depois da qual me encontro a estacionar, soando por entre o vento que me afaga docemente os ouvidos. Tenho de concordar com o conceito de adolescentes, que subentende que não sabem o que é boa música. Não que seja alguém de cabelos brancos e pele rugosa, mas é algo com o qual concordo, bem, com algumas exceções. Guardei o telemóvel no bolso do casaco e retirei o maço de tabaco que se encontrava no bolso traseiro das calças, o qual se tornara o meu melhor amigo desta semana. Tirando um cigarro e espetando a arma por entre os meus lábios, retirei o isqueiro, libertando o fogo da sua isolação, observando como ele se tornava a pólvora do meu canhão, e inalei o tão doce fumo que iria acabar por me matar um dia.

    Pelo menos é o que dizem.

    Fazendo o meu caminho por entre o vento que me acompanha e me abandona, ao lado de incontáveis almas que trespassam o meu corpo e o cumprimentam, querendo que me junte a elas. Acreditem que, cada alma imprisionada neste corpo, de todas as vidas que outrora foram minhas e de outras, se querem juntar a elas. E irei, quando cumprir o meu proprósito. A música tornou-se mais alta e comecei a ouvir o batimento do meu coração martelar no meu peito, mas não tinha a sensação de estar viva, como outros têm. Pelo contrário, este cigarro é que me faz sentir viva. Ele consome-me e polui-me, faz-me ter noção de que o que estou a fazer é errado, e isso sim, é a sensação de estar vivo. Ou, pelo menos, a minha.

    Ao ver-me em frente da casa, uma vez pequena, e atualmente cheia de adolescentes bêbedos e com as hormonas aos saltos, caminhei pelo quintal que outrora era verde e agora se encontrava com manchas vomitadas pelo caminho. Fazendo o meu caminho, evitando as poças nojentas, entrei na casa de quem me era estranho, e agarrei uma cerveja. Em redor, as roupas que as raparigas deveriam estar a usar pareciam-me invisíveis ao ponto de distinguir as nádegas por debaixo dos calções. Mas que calções?! Cuecas, aquilo são cuecas. Revirei os olhos. Querem fazer-se de grandes, mas honestamente, só se fazem de meras putas. Não que me importe, nem quero saber.

      Elena! Ouvi o meu nome ser chamado sob a música que ameaçava fazer-me vomitar sobre a carpete, manchada de licor, e rodei a cabeça, deparando-me com alguém de cabelos longos, pretos, e olhos acastanhados, com o seu sinalzinho que me era familiar no canto do lábio. Christina. Vieste! Gritou, rindo, e consegui notar o álcool no seu hálito. Que aroma fantástico.

    Esbocei-lhe um sorriso, antes de levar a cerveja aos lábios e dar um gole.

    Aparentemente. Retorqui, bebendo.

    Christina passou a mão pelo seu cabelo enquanto olhava em redor e me puxava na sua direção, balançando as ancas de um lado para o outro, cantarolando a letra alternada do remix que agora soava.

    Vais ficar muito tempo? Perguntou ela junto ao meu ouvido, e olhei para os seus sapatos enquanto encolhia os ombros, até conseguir levantar a cabeça que, por vezes, parecia pesada como uma nuvem.

    Depende, se a festa acompanhar o meu humor, fico. Se não tiver pedalada, então vou embora. Ela olhou-me, uma gargalhada embriagada abandonando os lábios, que sentem a falta do álcool a acariciá-los.

    És mesmo estranha, Elena. Disse ela enquanto ria, puxando-me com ela para uma parte da casa, que pensava ser o jardim.

    Não se trata de eu ser estranha ou não. De facto, sou bastante normal para mim mesma, mas todos têm as suas definições de estranho. Enquanto sou estranha para a Christina, o modo como as pessoas digerem a comida, é estranho para mim. Apesar de haver uma explicação lógica, pelo que me dizem. Honestamente, prefiro ficar na ignorância do que ter tudo explicado. Que maneira aborrecida de viver. Enquanto fazíamos o nosso caminho por entre os solitários com a companhia de álcool, por entre os corações que não batem, por entre os olhos que só veem, chegámos ao mundo exterior, o ar de novo frio a dar as boas-vindas à minha pele.

      Tal como lá dentro, adolescentes encontravam-se a beber, ou a fumar, ou a dar em cobras e tentar sugar a cara um do outro. Suspiro, miúdos. Mas de certa forma, também sou assim. Penso eu. Ajustando a minha t-shirt, já um pouco velha, parei junto ao muro e encostei-me a este, mandando o cigarro ao chão e apagando-o com o pé, antes de levar a arma de diversão aos lábios e beber.

    Rodeada do grupo de amigos da Christina, ao estar sozinha, sentia-me bem.

    Olhando para os lábios de quem não fala, escutando-os sem poder ouvir, apercebi-me o quão desinteressante a conversa deveria ser para o meu olhar cair no topo da mão de alguém que guardava uma cerveja e que brincava com o polegar por cima da sua abertura, em círculos. Observando o ritmo com que o dedo acariciava o vidro, não ao som da música, mas ao som do bater do meu coração. Se tenho um. E, ao levantar os olhos que outrora eram cegos, encontrei-me focada nuns olhos verdes que pareciam cavar fundo a alma que se guarda nesta minha armadura. De repente, o som, o tato, a visão, tudo voltou.

    Dizem que Deus é rei do universo, e que é Ele que guia as nossas vidas. Temo não pensar dessa forma. Se Deus é imortal, então quer dizer que ele está morto, ou seja, nem Deus vence a morte. O que quer dizer, que quem lida com o nosso tão aclamado destino, é nada mais, nada menos, do que todos temem. Engraçado, não é?

    Tão engraçado, o arrepio calorento que me percorreu a espinha, que suporta esta armadura que me encaminha, quando o olhar de Alguém caiu em mim. Não foi romântico, como nesses filmes e romances que se fundem logo num amor (inexistente) à primeira vista, foi sim, como uma onda a embater na areia, vezes e vezes seguidas, como se lá fizesse a sua casa. Não senti faíscas, como todos dizem. Não senti nada, na realidade − e talvez esse nada seja o que abrange tudo.

    O seu olhar não era observador, mas inquiridor ao observar o meu. Dizem que os olhos são os espelhos da alma, mas na realidade tu só vês reflexos neles, ou seja, tudo o que é espelhado é a mentira, a mentira de como tudo não é como vemos. Observei a sua sobrancelha arquear, não me conseguindo obrigar a tirar os olhos dos dele. Um toque de olhares meramente físico. Com algum desgosto, desviei o olhar do dele, pousando-o na agora vazia garrafa de cerveja, tal como eu.

      ''Hummm,'' Começou Christina, e já sabia que daquela boca prostituta, não iria sair coisa boa. ''Estás a apanhar uma presa?'' Juntou-se a mim, deslocando o seu braço por cima dos meus ombros.

    ''Como se eu fosse uma predadora.'' Murmuro para mim, agarrando a cerveja dela, limpando a abertura antes de beber um gole. Voltei a levantar o olhar, os seus olhos ainda nos meus, e para ser honesta, pensei que talvez seria eu a presa. Desta vez, foi ele que desviou o olhar, e perdi a onda na qual poderia surfar. Inclinei-me, perdendo-o. Encolhi os ombros, sentindo o braço de Christina abandonar-me e, pelo canto do olho, observei-a atirar-se para um pobre rapaz qualquer.

    Revirei os olhos, tanto mentalmente como fisicamente, voltando a beber um gole da minha companhia. Os meus pés mexiam-se involuntariamente ao som da batida, que se fazia sentir até no chão, as minhas ancas acompanhando, tão calmamente que parecia em câmara lenta, uma doce, doce tortura. Ignorando o falatório de quem não conheço, meti-me por entre a casa, ultrapassando os corpos suados e hormonais, subindo pelas escadas que eram tudo menos infinitas, o cheiro a puro sexo a invadir-me as narinas no segundo andar.

    Ao encontrar uma porta meio aberta, sem sons vindos lá de dentro, abri-a, encontrando um casal deitado na cama, nus. Suspirei… Sinceramente. Passando por eles, abri a janela, sobrepondo o peso nos meus braços e subi, ajoelhando-me e indo com cuidado para o telhado, sentando-me no topo da pequena festa, como uma arte invisível. Por debaixo dos meus pés, onde as luzes artificiais e a bebida imaginária se passava de olho em mão, encontrei-me a apreciar o brilho daqueles que morreram − as estrelas. Embebedei-me na sua visão, e oh Deus, eu não queria parar.

    A música que bombardeava os meus ouvidos era inculta comparada à doce melodia que a brisa fazia ao tocar na minha pele, à sensação de arrepio que percorria a minha alma e me resguardava. Se eu fosse tão clichê como ao que estão habituados, agora o novo protagonista iria sentar-se a meu lado e iríamos observar as estrelas juntos. Mas, isso não é para mim, nem mesmo condiz com esta narração deprimente.

    No entanto, ao levar a garrafa quase vazia aos lábios e dar um último gole, olhei para o terreno de adolescentes a circularem o corpo à batida da música. Observando o suor que lhes percorria o pescoço e a solidão que trespassa por eles, encontrei-me a focar o olhar num rapaz que se encontrava no mesmo sítio. Um sorriso tolo esboçou-se nos meus lábios e abanei a cabeça, odiando a reação que um mero estranho poderia causar nos meus olhos. Mas, os olhos existem para observar, não para sentir. Pelo menos é o que se fala.

    Observei as suas sapatilhas pretas com um risco branco a percorrê-las, as calças justas nas pernas tornando-se largas junto às coxas, como a sua t-shirt abraçava o seu tronco da forma mais agradável ao olhar, e aí, encontrei-me com os olhos que me percorreram as almas com um simples trocar de olhares silenciosos. Sabia que ele sabia que eu estava a olhar, mas pouco me importei. Suspirei, de novo. Esta tão suposta festa, nem festa é, mas é sim um novo género de strip club.

    Ao aborrecer-me, entrei mais uma vez no quarto que transpirava sexo e desci pelas escadas, não me importando em me despedir da boca-prostituta-Christina, ou dos seus tão aclamados amigos. Afastando-me da luminosiodade e encontrando-me cercada de tudo e de nada, caminhei pelas casas que não me são familiares, e que nem iriam ser, com a intenção de chegar ao meu carro.

    É má educação sair de uma festa sem agradecer ao anfitrião. Ouvi uma voz rouca encaminhar-se pelos meus ouvidos, embalando-me numa doce e misericordiosa balada.

    Ao virar-me para encontrar os olhos de quem me é estranho, senti as minhas almas fazerem uma dança interior, olhando-o por entre pestanas semicerradas.

    É má educação entrar numa festa sem conhecer o anfitrião? Perguntei retoricamente, observando como na sua boca se espelhava um sorriso, a sua língua juntando-se ao seu lábio inferior, em companhia.

    Depende do propósito. Foi a sua resposta, o som rouco a fazer os ínfimos pelos das costas do meu pescoço estremecerem. Encontrei-me a espelhar o seu sorriso, como um espelho que mostra o que por vezes não quer, reflete.

    Uma mudança de rotina. Encolhi os ombros, como se fosse algo banal, o que realmente era.

    Encostou-se à cerca com as mãos nos bolsos, o seu cabelo acastanhado aos caracóis caía-lhe de forma desarrumada pelos olhos e no entanto tão, tão bem. Senti o meu corpo a aproximar-se dele em passos de pedra, hesitantes, e no entanto, tão, tão certos.

    Acho que deixo esta passar, então.

    A brisa que passava pela distância entre as nossas armaduras fazia-se sentir ao roçar-me na pele, pedindo para ir embora com ela, para deixar quem me faz ficar. Ignorando os seus pedidos mudos, relaxei os pés, que tocavam no pavimento ao se impor. Não se tratava de me impor perante algo inexistente, mas impor-me perante algo que eu considerava importante, de certa forma.

    A decisão é tua. Levantei os braços no ar, olhando para o rapaz que usava uma face de malícia, em discordo com a sua pose masculina. Um doce aroma a bebida infiltrou-se nas minhas narinas, inalando essa doce tortura. O sorriso que se espelhou nos seus lábios tornava-se um tornado incontrolável, que tencionava puxar-me para si.

      Tecnicamente, não. Retorquiu, trocando o peso de um pé para o outro. A casa não é minha.

    Então, que direito tens tu, rapaz, de me falar? Provoco-o.

    Considera isto como um pretexto. Olhou-me, e o seu olhar incentivou uma gargalhada da minha garganta.

    Um pretexto para falares comigo? Perguntei, retoricamente. O seu olhar voltou a juntar-se ao meu e todas as respostas comuns que pensava ouvir, esvaneceram-se no minuto em que os seus lábios se entreabriram.

    Um pretexto sem contexto.

    Um pretexto sem contexto, deveras interessante.

    Quando é que um pretexto não tem contexto? Inquiri o rapaz de olhos cor de perdição.

    Quando a curiosidade ultrapassa o mero conceito.

    Não era capaz de me forçar a desmentir, quando a brisa que outrora parecia estar a meu lado, dançava agora em volta do seu cabelo acastanhado, os seus caracóis esvoaçando com ela numa doce balada. Um sorriso ameaçou despontar-se dos meus lábios ao olhar para o rapaz que, dedutivamente, seria mais novo que eu.

    Engraçado, pensei.

    Aquela única frase foi um apagão de toda a cidade na qual nos encontrávamos, como um choque de eletricidade a pairar entre nós, tão perto, tão l o n g e. Arregalando suavemente os olhos, abanei a cabeça numa harmoniosa balada com o vento, antes de enfiar as mãos nos bolsos das calças, virando costas e começando a seguir o meu caminho de novo.

      ''Vai apreciar a festa, rapaz.'' Disse-lhe, ao me encaminhar para longe do íman que se sobrepunha à minha vontade.

    ''Tenho um nome.'' Ouvi-o murmurar, e olhei-o por cima do ombro, com um olhar cético.

      ''E?''

      ''O meu nome não é rapaz.'' Voltou a murmurar, como se estivesse amuado, dando um calmo chuto no passeio enquanto se afastava do muro ao qual previamente estava encostado. ''O meu nome é...''

    Com a ótima educação que tenho, interrompi-o.

    ''O teu nome não é algo que me capte a atenção e, acima de tudo, não te define.'' Encolhi os ombros para o céu. ''Não dês tanta importância a algo que não é só teu, como é também de muitos outros.''

    Pelo canto do olho consegui apanhar um vislumbre do sorriso que se lhe esboçou nos lábios, enquanto os seus dentes roçavam tão, tão calmamente no seu lábio inferior e os seus olhos estavam entretidos com a brisa invisível.

    ''Então, não tenho nome?''

    ''Não, dizem que tens.''

    ''Dizem que me chamo Jace.''

    ''Dizem que me chamo Elena.''

    E com isso, desfaço-me das forças do íman, fazendo caminho pelo passeio escuro onde as sombras brincavam, destrancando o meu carro, e com isso, segui caminho.

    (...)

    Num dia cheio de sol e claridade, sentia-me fria e escura. Depois de estacionar o carro e meter a mochila, já gasta, às costas, encontrei-me num pavimento no qual já não punha os

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