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Guerra de Corações
Guerra de Corações
Guerra de Corações
E-book424 páginas5 horas

Guerra de Corações

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Sobre este e-book

Lizzie Hepburn trabalhou muito para se tornar numa atriz conhecida. Porém, nos bastidores, receia que a sua vida se resuma a fingir sentimentos.
Henry Graham viveu sempre na obscuridade do sucesso. Reconhecido como um dos melhores argumentistas da sua geração, recusa-se a aceitar todos os prémios com que os seus trabalhos têm sido distinguidos.
Numa noite fria de inverno, a partir da janela do seu carro, Henry vê uma mulher empoleirada na Tower Bridge. Receando que ela se possa atirar às águas gélidas do Tamisa, corre pela ponte e tira-a do balaústre. O que poderia ser um aparente salvamento torna-se num momento mágico e inesquecível.
Com um início parecido a um conto de fadas, Lizzie e Henry depressa descobrem que as suas vidas públicas e o passado das suas famílias os colocam em lados opostos do campo de batalha. Só um grande amor poderá sobreviver às feridas da guerra.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento27 de mar. de 2023
ISBN9791222085517
Guerra de Corações

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    Guerra de Corações - Lauren Lewis

    DEPOIS DA GUERRA ― LIZZIE

    Quando olho para cima, vejo as torres gémeas encaixadas no céu escuro e iluminado pelo brilho intenso das estrelas. Os cabos azuis sustentam a ponte e dividem dois mundos: City Hall e The Shard num lado, a Torre de Londres do outro.

    Subo pelo lado oeste-norte com as mãos nos bolsos do casaco e numa passada tranquila. Da última vez que aqui estive a minha vida era diferente – eu era diferente. Desde esse momento, tantas coisas mudaram. Agora já não receio que me reconheçam, que questionem o que faço aqui, que o meu rosto amanhã esteja em tudo o que é manchete de jornal. Na verdade, não me importarei se nos virem juntos. Desta vez, não quero sentir algo de natural, real ou verdade, porque isso já sinto. Já vi o lado negro do amor, já travei uma guerra que nunca esperei que terminasse daquela forma. Tudo pelo qual passei amadureceu-me e cimentou as minhas certezas.

    As luzes dos carros dançam na penumbra na noite fria. Há carros a circular em ambas as vias, em sentidos opostos, o que me faz por momentos observar as pessoas que vão lá dentro. É como um impulso. Tenho-o feito muito nos últimos dias. Não disse à Dra. Angela, quando ela me visitou, que o procurava desta maneira. Na verdade, não o disse a ninguém, porque aquilo que não dizemos não nos pode ser roubado. E eu receei que me roubassem a ténue esperança à qual me agarrei, ao fio invisível que ninguém conseguia ver, mas que sempre soube que ainda existia entre nós – que a guerra não fora capaz de cortar.

    Respiro fundo, sentindo o vibrar do meu coração a soar dentro do meu peito. Estou nervosa, estou ansiosa e, mais do que nunca, estou desejosa por isto. E então vejo-o parado naquele sítio mágico – provavelmente o sítio exato onde me apaixonei por ele.

    Está debruçado sobre o balaústre a olhar em frente. Reparo que o seu cabelo cresceu ligeiramente, a barba está aparada e enverga um lenço enrolado ao pescoço. Sorrio, porque pelo menos desta vez nenhum de nós vai congelar. Não seremos lembrados na história desta ponte ou desta cidade como um símbolo de Amor. Hoje sei que fazemos parte da história um do outro e é apenas isso que nos interessa.

    Ele vira-se e vê-me, e há qualquer coisa no seu olhar que me é muito familiar. A mesma chama de devoção, respeito e amor ainda lá está a cobrir-lhe o olhar. Se por um segundo duvidei que as coisas pudessem ter mudado entre nós, que o sentimento pudesse ter esmorecido, já não tenho dúvidas de nada. O sentimento, a ligação, os sonhos… está tudo aqui, a bater entre nós. Nós que somos o batimento da nossa própria história.

    A sua mensagem desta manhã, a pedir-me para nos encontrarmos onde tudo começou, trouxe-me aqui; trouxe-nos aqui.

    – Olá – digo-lhe, a sorrir.

    O meu marido não me sorri de volta. Em vez disso, abre os braços e envolve-me num longo, ansiado e merecido abraço. Encosta a sua cabeça à minha e beija-me os cabelos, e eu fecho os olhos para viver este momento de felicidade.

    – Chegaste, Lizzie – murmura, segurando-me na face.

    – Duvidaste que eu viesse?

    Encosta a testa à minha e fecha os olhos por um segundo, as memórias passam-lhe pelo rosto, entristecem-no e abatem-no, tornando-o visivelmente mais frágil nos meus braços.

    – Eu disse-te que estaria aqui para começarmos de novo.

    – Não – interrompe-me. – Não vamos começar de novo, Lizzie. Vamos continuar em frente, porque é isso que o passado tem de bom.

    – A possibilidade de continuarmos?

    – Ter um passado é a garantia de que precisamos. Nada nem ninguém nos pode separar. Nem o passado teve essa força.

    Estremeço com a confiança das suas palavras. Era tudo o que precisava de ouvir.

    – Só falta uma coisa, Lizzie.

    – O quê? – pergunto-lhe, a voz trémula como a brisa que nos envolve.

    – Perdoas-me por não ter feito as coisas de outra forma?

    Consigo vislumbrar duas pequenas lágrimas a encher-lhe os olhos. Em breve, descerão pelas suas faces e eu poderei beijá-las. Simbolizam o que perdemos, o que ficou naquela sala, o que não podemos trazer de volta.

    – Fizeste tudo o que podias. Fui eu que escolhi entrar na guerra, Henry. Sabia que era perigoso, que o teu pai seria imprevisível, ainda assim quis fazê-lo.

    – Eu podia ter debatido mais, ter-te tirado de lá e teríamos evitado que…

    É a minha vez de o travar.

    Pouso dois dedos gelados nos seus lábios.

    – Se queres o meu perdão, eu perdoo-te – digo com sinceridade e emoção. – Na guerra, há sempre perdas e ganhos. E nós ainda nos temos um ao outro.

    – Apesar de tudo, Lizzie?

    – Com tudo o que nos aconteceu, Henry, ainda nos temos um ao outro. Isso chega-me.

    ANTES DA GUERRA ― LIZZIE

    CAPÍTULO 1

    Num acesso primordial de frustração, dou por mim a pensar que a maioria das pessoas que acompanha o meu trabalho não me conhece. Diria que 99% se baseia em factos e teorias para completar o vazio em torno da minha vida pessoal. E está quase tudo bem, porque não há nada que eu possa fazer. Devo viver com a exposição e com o mediatismo e manter-me longe das luzes que tendem a ofuscar quem sou. E se é verdade que escolhemos quem queremos ser, também é verdade que somos forçados inúmeras vezes a deixar que os outros criem a sua imagem sobre nós. Talvez sejamos cúmplices, culpados do que fazem de nós, porque não queremos mostrar quem realmente somos.

    Enquanto olho para o ecrã do meu telemóvel e leio a quantidade de factos e críticas sobre mim, pergunto-me se quero continuar a fazer isto. Se é preciso realmente sentir o coração a estalar de dor. Se é este o preço que tenho de pagar por concretizar os meus sonhos.

    «A minha vida seria muito miserável se não pudesse representar», repito como mantra no meio de toda a incerteza e dúvida, e é a essa realidade a que me agarro com as duas mãos. Saber que dificilmente seria tão realizada noutra área qualquer dá-me alento quando outras vozes se julgam no direito de me condenar.

    Oiço a porta a abrir-se, e a voz do meu irmão surge, acompanhada pelo seu sorriso familiar.

    O Joshua é o meu melhor amigo, a pessoa que melhor me conhece.

    – Ei, mana, o que queres jantar? – pergunta, sentando-se ao meu lado. Encosta a cabeça à minha e espreita para o ecrã do meu telemóvel. – Não vejas isso. Essas pessoas não te conhecem, escrevem essas coisas julgando-te a pessoa que acham que és, que viram representares. Eles não sabem, nem sequer sonham, como és completamente diferente da Diana ou da Chloe ou da Hope. Ou lá do que é que eles pensam que és.

    Não sou capaz de lhe mentir.

    – Estava só a ler.

    – Pedidos de dinheiro? Comentários maldosos? Perguntas sem lógica? Devias arranjar alguém para gerir as tuas redes sociais.

    O meu irmão também assume uma atitude muito protetora comigo, talvez porque me acompanha em muitos eventos e presenças e sabe o quão longe vão algumas pessoas.

    – Desde quando é que te tornaste tão protetor?

    Ele franze os lábios e encolhe os ombros.

    – Desde que apareceste na televisão pela primeira vez?!

    Olha para mim com bastante atenção, desvalorizando o que acabou de fazer.

    – Agora a sério, Lizzie, desativa os comentários, ignora as mensagens, finge que nada disso existe; afinal, eles não te conhecem, e, se queres mesmo saber, mesmo que lhes tentes dizer quem és, nunca vão acreditar em ti.

    Pestanejo mais do que é necessário, escondendo as lágrimas que ameaçam aparecer. É tão bom estar em casa, usar a minha roupa casual, não me preocupar com o que pensam de mim. É bom ter uma família para onde voltar quando não quero estar por baixo dos focos de luz.

    – Pizza – digo-lhe, para esconder a emoção que me domina. – Vamos jantar pizza e ver algo na Netflix.

    Ele ri com a sua expressão natural de sempre.

    – É melhor aproveitar, porque não é todos os dias que aceitas comer pizza.

    Vejo-o levantar-se e dirigir-se à cozinha para arrancar um dos panfletos que estão na porta do frigorífico. Estou quase sem palavras, estar em casa é uma sensação única. Passei os últimos quatro meses a gravar um filme entre Nova Iorque e Praga. Estou finalmente a descansar, estou em casa.

    – Amanhã acordamos cedo e vamos correr no Hyde.

    – Aguentas dez quilómetros, maninha?

    Lanço-lhe um olhar assassino e faço-lhe uma careta.

    – Não me ponhas à prova! – resmungo, fletindo o braço para lhe mostrar que tenho massa muscular.

    – Pelo sim, pelo não, levo dinheiro para o táxi.

    Sentindo o meu ego ferido, atiro-lhe uma almofada. Ele baixa-se e a almofada voa por cima dele, acabando por bater num dos armários.

    – Decididamente, tens de treinar mais esses… mini músculos – ironiza, ao agarrar na almofada. Atira-a na minha direção e acerta-me em cheio no meio da testa.

    – Joshuaaaaa! – grito, a rir, porque isto teve mesmo piada.

    Ter irmãos é uma alegria constante.

    CAPÍTULO 2

    Billie Eilish canta aos meus ouvidos, ao mesmo tempo que a madruga se desvanece no teto do meu quarto. Há um padrão de luz exposto na parede que se encaixa nas palavras sussurradas «never been the type to let someone see right through». Esta música não é sobre mim, nem a anterior, nem a próxima, mas às vezes juro por tudo que os cantores conseguem captar o que não digo, o que deixo por dizer, o que mascaro com sorrisos; que me conseguem ler. Isso justifica a relação íntima que sinto com a música.

    Assim que decido levantar-me, visto umas leggings e uma t-shirt pretas. Acordei com energia suficiente para fazer exercício físico a um domingo de manhã. Gosto de correr acompanhada, muito mais do que estar fechada numa sala de ginásio com o meu personal trainer.

    O Joshua resmunga qualquer coisa quando me vê entrar na cozinha com o boné posto, mas é o meu pai que se levanta para me abraçar.

    – A mãe viu a caixa de pizza na reciclagem – sussurra-me ao ouvido em confidência, um pré-aviso. – Fartou-se de reclamar que vocês tinham jantar feito.

    – Não comia pizza desde o Natal – desculpo-me, passando o braço por cima do ombro dele. – E, vocês, gostaram da inauguração do hotel?

    – Estava lá aquele teu amigo – resmunga a minha mãe, entrando pela cozinha. Empurra-me a pala do boné e pousa-o em cima da cadeira. Acaricia-me os cabelos como se eu continuasse a ter três anos. – Como é que ele se chama? – faz-se desentendida, o que é comum, mas não me importo. É disto que eu gosto, desta agitação de mentes logo pela manhã. – Disse que te ia ligar, já que estás cá.

    – Hmm – respondo, como se fosse resposta, e tiro uma maçã da fruteira.

    – Ele está a gravar um novo disco, talvez te queira nos videoclipes.

    O meu pai pigarreia e o Joshua ri-se.

    – Uau, espetáculo – finjo algum contentamento.

    Nem por todo o dinheiro deste mundo.

    – Elizabeth, tu não faças esse ar!

    – Que ar, mamã? Tu estás a falar do Carl, sabes bem quem ele é e também sabes que ele é comprometido – atiro como forma de me desviar do assunto. – E não é comigo.

    – E tu? És comprometida com alguém?

    A maneira como a minha mãe me olha é tudo o que eu preciso agora.

    – Claro que sou comprometida – abro a palma da mão, dando-lhe a resposta: – com vocês e com a minha carreira.

    Ela dá dois passos e segura-me na face, puxando-me as bochechas com uma carga de amor que se reproduz dentro dela.

    – Já te conheço, minha menina, é bom que não tentes dizer-me o que quero ouvir – e espeta-me um carinhoso beijo na face.

    – Então não perguntes – diz-lhe o Joshua, em minha defesa. – O que é que nos interessa com quem é que ela anda? És pior do que o Purepeople e o E! juntos.

    – Por favor, só quero saber, ora.

    O meu irmão ri-se, e eu agarro no boné. Dou um beijo na face da minha mãe antes de trincar a maçã.

    – Não há nada para saberes – sopro-lhe outro beijo e espero que ela acredite, porque é totalmente verdade.

    Saímos de casa por baixo da neblina matinal e em menos de nada estamos na Queen’s Gate. Cruzamo-nos com algumas pessoas madrugadoras que se dirigem para o Starbucks e outros espaços que começam a abrir mal o relógio bate nas oito horas.

    – Safei-te – diz-me ele, dando-me uma cotovelada.

    – De quê?

    – Da curiosidade da mãe, nem imaginas o que ela faz quando não estás.

    Fico momentaneamente assustada, de olhos arregalados, a tentar não imaginar o que pode a minha mãe fazer nas alturas em que estou fora de Londres.

    – Até tenho medo – digo a rir, mas é totalmente genuíno.

    – Lê as notícias online, até tem um alerta no Google com o teu nome – murmura com um franzir de lábios. – Preocupa-se muito, mas ainda bem que ela nem sequer sonha com metade do que dizem e escrevem sobre ti. Acho que ela nunca se vai habituar a que a filha dela seja famosa. Tens de lhe dar um desconto. É uma porcaria estar sempre a receber pedidos de amizade e a fazerem-me perguntas sobre ti, porque sinceramente é, mas de cada vez que te vejo na televisão sei que isso te faz feliz. E se te faz feliz…

    Deixo-o continuar a falar, sinto-me demasiado cheia para lhe responder.

    – A parte mais estranha é que só me importo quando te vejo na televisão, de resto é-me indiferente. Espero que a mãe consiga chegar a esse ponto.

    – Joshua, quando queres, és um querido.

    Ele põe a língua de fora num alegre gesto de ironia.

    – Eu sei. Ser irmão da Lizzie Hepburn é quase uma profissão – atira, a rir. – Gosto quando cá estás, ser filho único é uma seca. Não sei como é que aguentaste.

    – Como é que achas que aguentei? Pedi-te aos pais assim que percebi como era ser filha única – confesso, ironicamente. – Espero que a mãe não te ande a aborrecer muito.

    – Oh, claro que não – diz num tom sarcástico. – Nem sequer me envergonha quando me apanha ao telemóvel.

    Reviro os olhos, porque não o invejo. Na verdade, tenho pena dele, já passei pelo mesmo. A nossa mãe, quando quer, é o epíteto da «mãe-galinha».

    – Olha ali! – grita, apontando para a paragem dos autocarros.

    – Credo – resmungo. Nunca me vou habituar a isto.

    – Estás bonita, deixa-me tirar uma foto.

    Aproximo-me da paragem e faço um ar resignado enquanto ele me fotografa encostada ao cartaz publicitário – estou com roupa de desporto, a promover uns ténis. Por vezes, tenho de aceitar estes trabalhos. A Megan, a minha agente, diz que eu preciso destes trabalhos para mostrar o quão bonita e diversificada sou. Eu continuo a achar que representar chegava.

    – As minhas amigas ficam doidas com estes ténis – afirma, retomando a marcha lado a lado comigo.

    – As tuas amigas também são minhas amigas – lembro-lhe. – E são umas interesseiras. Tal como a nossa mãe, quando fui fotografar, no final, teve o descaramento de pedir um par.

    A gargalhada que compartilhamos é genuína.

    – Para a próxima vou contigo – continua, atirando o telemóvel para o bolso das calças.

    – Só não fotografaste a edição masculina porque não quiseste.

    – Oh, maninha, aqui a estrela és tu – diz, enrolando o braço no meu ombro e beijando-me o cimo da cabeça. – Eu prefiro ficar na escuridão.

    Agarro-lhe no braço em agradecimento pelo facto de ele – provavelmente a única pessoa no mundo – não se importar minimamente se eu apareço na televisão ou se a minha grande testa está a decorar a lateral de um prédio. Nisso, somos iguais: o Joshua vai terminar o curso de desporto em breve e não há de ficar por aqui. Quero que ele tenha um emprego de que goste e que se sinta realizado. Não quero ver o meu irmão de qualquer maneira. Hei de estar lá sempre para ele. Mesmo quando ele casar e tiver a sua própria casa, a sua família. Pensar nisso faz-me doer o estômago. Há uns anos, o Joshua era o meu pequeno Joshua, que se escondia na minha cama com medo do escuro e me dava a mão sempre que saíamos de casa. Agora é o meu melhor amigo, a pessoa que se levanta cedo a um domingo para correr comigo.

    – Mas olha que a mãe não vai descansar enquanto não souber com quem namoras, isso não vai – continua a falar, afastando os meus pensamentos.

    – Quando aparecer no Instagram, ela saberá.

    Ele arqueia as sobrancelhas sem abrandar o passo e começa a rir alto.

    – Desde que não seja com um contrabandista ou com um serial killer.

    – Agora parecias a mãe a falar – Dou-lhe um safanão na pala do boné. – E tu? Ainda estás de coração partido? Como é que ela se chama mesmo… Lisa… Laura… Louise?

    Ele força o sorriso, tecnicamente não gosta da conversa.

    – E se começasses a correr? Já me doem as pernas de andar tão devagar.

    Iniciamos a nossa corrida e mal damos pela nossa entrada na Kensington Rd, que nos leva diretamente para o parque. Há inúmeras pessoas a correr a esta hora, desportistas de bicicleta, algumas donas de casa a passear o cão e outras a empurrar carrinhos de bebé.

    Com o aquecimento praticamente feito, ligo os headphones e corro por dentro das músicas, por dentro dos meus próprios pensamentos. Sinto-me segura, sinto-me em paz, escondida atrás de um boné e de uns óculos de sol. Ninguém me reconhece. A probabilidade de me reconhecerem é mínima.

    Uma hora depois, estou de rastos e resmungo que não aguento mais. O Joshua parece ter acabado de acordar, nem sequer coxeia. A mim, dói-me tudo. Ele é muito mais duro do que o Sam, o meu personal trainer.

    – Não digas nada – tento falar, a muito custo.

    – Nem sequer pensei em fazê-lo, maninha – murmura, erguendo os braços no ar. – Ia lá dizer alguma coisa, sabendo que te custa responder.

    A gargalhada é sofrida, e quando paro de rir vejo-o: vem na minha direção, pousa o olhar frio em cima de mim, tornando-me estátua, prendendo-me ao chão.

    A minha mãe sempre me disse que eu ia cometer erros, falhar, julgar as pessoas por aquilo em que eu acredito e não pelo que elas são realmente. É nela que penso agora, enquanto ele avança na minha direção. Traz consigo uma capa de plástico. Sei o que lá tem dentro. Pensei que me tinha entendido, pensei que me ouvira, que compreendera cada uma das minhas palavras. Nunca, nem uma única vez, recusei uma palavra a alguém que quisesse falar comigo. Não recuso fotografias, nem assinar capas de revistas, só detesto – mais do que tudo – que me façam isto. Que não acreditem em mim.

    – Olá, Lizzie, Lizzie, Lizzie – repete o meu nome continuamente, invadindo o meu espaço pessoal. – Lizzie, lembras-te de mim?

    Dou dois passos atrás, o que leva o meu irmão a desviar o olhar do telemóvel e a aperceber-se da situação.

    – O que queres? – pergunta-lhe o Joshua, pondo-se entre nós.

    – A Lizzie sabe. Já tenho aqui os papéis – profere, num tom assustador.

    Da primeira vez que o vi, há umas semanas, não tive medo, mas agora estou aterrada, em pânico, quero gritar e não consigo. A minha garganta não colabora.

    – Nós vamos casar, estamos noivos.

    – Tu estás doido! – grita-lhe o meu irmão. – Vai-te lá embora antes que seja preciso tomar medidas.

    Vejo-o ignorar completamente o Joshua. Olha-me de uma maneira tão profunda que me sinto a ser roubada. Está a levar-me tudo, por dentro não sobra nada.

    – Lizzie, vem comigo – pede, agarrando-me no pulso.

    – Larga-a!

    É tudo tão rápido. Num momento estou apoiada nos joelhos, a tentar não me rir; no momento seguinte, há pessoas a agarrar um fanático, enquanto sou escoltada por dois polícias.

    Não consigo, sequer, pensar no que poderia ter acontecido se o Joshua não se tivesse posto à minha frente, se os agentes não estivessem por ali.

    Abano a cabeça, respirando o mais fundo que sou capaz.

    – Lizzie – clama a minha mãe, assim que saio do carro.

    Está à porta de casa amparada pelo meu pai. Mal me aproximo, abrem os braços e envolvem-me.

    – O que vos aconteceu? – pergunta o meu pai ao Joshua e ele encolhe os ombros, está zangado.

    – Miss Hepburn, de certeza que não quer apresentar queixa?

    Abano a cabeça, recusando olhar novamente para o polícia.

    – Qual dos dois me explica o que aconteceu? – pede o meu pai.

    – A sua filha foi agarrada no parque. Um homem não queria afastar-se, julgamos que a reconheceu – conta o que parece óbvio. Nem sequer é a primeira vez que tal coisa me acontece. – Foi levado para identificação, mas se não apresentar queixa, não podemos fazer muito mais.

    Afasto-me rapidamente e entro em casa, mas consigo ouvir o meu pai dizer que vai telefonar aos advogados, que vai contratar seguranças, que não vai deixar que eu viva no mesmo trampolim que a minha avó.

    Repito insistentemente as mesmas palavras, agarrando com força uma garrafa de água que não consigo abrir.

    «Estou segura. Vou ficar segura.»

    Os polícias entram na cozinha, querem anotar as nossas declarações, querem ouvir a minha versão, as palavras que foram ditas.

    – Precisamos de garantir que está ciente da situação – explica-me um dos polícias. Na lapela tem um pin com o seu nome escrito, mas estou tão nervosa que não consigo ler.

    – Obviamente que estamos cientes da situação, mas isto nunca aconteceu antes – comenta o meu pai.

    O Joshua incrimina-nos, olhando-me de soslaio como quem diz «temos de contar». Ele não sabe disfarçar, é transparente como água.

    – Aconteceu, sim. Inúmeras vezes.

    Fecho os olhos, não quero dar importância a isto, se ignorar desaparece.

    – E vocês não nos contam? – exige o meu pai, transtornado.

    – Não foi nada de especial – diz o Joshua. – Quer dizer, nada como isto. Foi quando estivemos em Berlim, quando eu fui com a Lizzie àquele evento de moda. Houve lá um tipo que andou atrás dela no evento e depois no hotel. Foi expulso e voltou mais do que uma vez. Chamámos a polícia e pronto.

    E pronto – repete a minha mãe, voltando-se para mim. O seu olhar fulmina-me, há deceção a sair-lhe por todos os poros. – Quantas vezes falámos disto, Lizzie? Quantas vezes te pedi que tivesses cuidado, que desconfiasses das pessoas que se aproximam? – A desilusão na sua voz é palpável. – Meu amor, as pessoas são más. Fixam-se numa coisa e não há quem as consiga parar.

    Não sei que expressão está a fazer, porque não consigo olhar para ela, mesmo tendo-a a segurar-me na face. Não consigo enfrentar o seu olhar raiado de medo, a sua legítima preocupação. Apenas não deixei que o Joshua lhes contasse, porque não os queria ver assim, porque não queria que isto acontecesse.

    – Miss Hepburn? – chama-me o polícia. – O indivíduo identificado tinha uma pasta com formulários de pedido de certidão de casamento – murmura, constrangido, parece-me. – Com os vossos nomes. O dele e o seu.

    A minha mãe geme, erguendo as mãos à boca.

    – Eu sei – acabo por dizer, segundos depois. – Há quatro meses, quando estive em Londres para o aniversário de uma amiga, ele estava na festa. Entrou com um convite falso. Mostrou-me os papéis.

    – O que fez na altura?

    Engulo em seco, sabendo que devo falar, mas só de pensar no que fiz sinto-me patética.

    – Chamei-o à razão, expliquei-lhe que tal coisa nunca iria acontecer, que ele me estava a confundir com a Hope, uma personagem, que eu era a Lizzie, não a Hope, e que nós… que nada daquilo era real.

    Todos olham para mim, incrédulos. Sinto-me patética.

    – Miss Hepburn, estes indivíduos não vão lá com esse género de apelos.

    – És tal e qual a tua avó! – resmunga a minha mãe. – E olha o que lhe aconteceu, Lizzie, devias aprender com a história dela. Devias saber que tens de construir muros muito altos, grandes e fortes, se quiseres mesmo ter uma carreira.

    Engulo em seco. Por muito que conheça a história da minha avó, por muito que saiba que ela desvalorizou sempre a loucura dos fãs, não consigo, simplesmente, ser diferente. As pessoas deixam-se levar por aquilo em que acreditam, por aquilo em que as faço acreditar quando dou vida às personagens.

    – Os nossos advogados vão garantir que ele não se aproxima mais.

    – Certo – diz o agente ao meu pai. – Trataremos das burocracias com os vossos representantes.

    O meu pai leva os agentes à porta, enquanto a minha mãe me envolve no casulo dos seus braços.

    – Podias ter-nos dito, querida. Podias ter-nos contado tudo. Tens de o fazer. Estás em segurança, ninguém te vai fazer mal.

    Fecho os olhos, inalando o odor característico da pele da minha mãe, e impeço-me de lhe contar as dezenas de vezes que já fui assediada, que as minhas redes sociais já foram alvo de críticas severas, ameaças e ofensas gratuitas. Da quantidade de vezes que já pensei desistir, tirar um curso noutra área qualquer e parar de ser famosa – se é que isso se consegue. A minha avó nunca conseguiu. Talvez eu também já vá tarde.

    – Adoro-te, Lizzie, não quero que nada de mal te aconteça – oiço o meu irmão dizer, beijando-me a cabeça, enquanto me mantenho de olhos fechados.

    – Amamos-te muito, querida – concorda a minha mãe.

    Desvalorizar o facto de as pessoas olharem para mim e só verem aquilo que querem devia ser o meu apanágio, mas é provavelmente a minha ruína.

    CAPÍTULO 3

    As portas do St. James’s Hotel, um imponente edifício em tons de branco e cereja, abrem-se quando entro. Um dos seguranças contratados pelo meu pai e pela Megan acompanha-me pelo interior do majestoso hotel.

    Estou atrasada cerca de vinte minutos, afinal, por motivos sobre os quais não quero pensar. Andámos às voltas pelas ruas até o carro parar no parque privativo do hotel. Chamam-lhe manobra de diversão para possíveis perseguidores e paparazzi, mas, para mim, é apenas e só uma fraqueza. Uma forma indireta de reconhecer que tenho medo, que preciso de proteção para os despistar, para me manter na penumbra o máximo de tempo possível.

    Somos conduzidos por um dos corredores até uma saleta com vista para o Green Park. Faço sinal ao segurança para que fique do lado de fora, afinal venho a uma consulta e não a um evento privado.

    A Dra. Angela Max está sentada numa poltrona e levanta-se assim que entro.

    Ela é adorável, afetuosa e humana. Não foi fácil encontrá-la, mas tornou-se muito fácil mantê-la por perto, sobretudo quando preciso dela. O seu consultório fixo é em Manhattan, mas ela não se importa de vir pontualmente a Londres falar comigo. Talvez eu lhe pague o suficiente para que se mantenha bem-disposta e sorridente, mesmo longe de casa. Não sei. Detesto pensar em números.

    – Lizzie, está com melhor ar – diz-me, assim que me encontro sentada e aparentemente relaxada. – Como se tem sentido desde que conversámos, na segunda-feira?

    Tinha-lhe telefonado por videochamada. Provavelmente disse-lhe algo que a fez querer estar aqui, frente a frente comigo. Apanhou um avião e aqui está, a meio da semana, deixando para trás uma lista imensa de outros pacientes.

    – Melhor, claro, os dias estão a passar…

    – Sim, mas o que lhe perguntei foi como se sente, não como quer que os outros pensem que se sente.

    Pestaneja, esperando que eu responda. Ela conhece-me há três anos, acompanhou os meus altos e baixos, e eu acompanhei a matiz do seu cabelo outrora cinza a tornar-se quase branco. Nunca lhe perguntei a idade, mas sei que não poderei contar com ela

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