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Marx: Estado, partidos e sindicatos
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Marx: Estado, partidos e sindicatos
E-book226 páginas2 horas

Marx: Estado, partidos e sindicatos

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Sobre este e-book

Marx é considerado por muitos como um autor “estatista”, que seria um defensor da estatização da sociedade e dos meios de produção e também defendia a necessidade de um partido centralizado que deveria assumir o poder estatal. O que a coletânea organizada por Matheus Almeida e Rubens Vinicius da Silva faz é desmentir essa deformação do pensamento de Karl Marx. A obra apresenta detalhadamente a concepção de Karl Marx a respeito do Estado, dos partidos políticos e dos sindicatos. Retomando os escritos do fundador do marxismo, os autores apontam para a compreensão mais profunda e fundamentada do pensamento de Marx, que se revela um crítico da burocracia, do Estado, dos partidos e dos sindicatos. Essa é uma leitura fundamental para todos que se interessam pelo pensamento de Marx e queiram conhecer sua verdadeira concepção política.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento16 de jul. de 2021
ISBN9786586705317
Marx: Estado, partidos e sindicatos

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    Marx - Matheus Almeida

    PREFÁCIO

    Matheus Almeida*

    Rubens Vinícius da Silva**

    Muita tinta já foi derramada acerca da relação entre a obra de Karl Marx e a questão do Estado ¹, dos partidos políticos e dos sindicatos. Diante de tal constatação, o presente livro poderá soar como algo repetitivo e até desnecessário, especialmente para os leitores familiarizados com as ciências humanas ou aqueles que fazem ou fizeram parte de partidos políticos e outras organizações vinculadas ao bloco progressista ². Isso porque persiste no conjunto da sociedade moderna uma determinada interpretação hegemônica do marxismo, cuja repetição enfadonha pode ser brevemente resumida no esquema descrito a seguir.

    Seguindo esta interpretação, teríamos num primeiro lugar que para Marx haveria uma etapa inevitável entre o capitalismo e o comunismo, chamada de socialismo – que possuiria um Estado de transição, o qual não poderia ser outra coisa senão proletário ou operário. Este último seria administrado por uma vanguarda na forma de partido político, entendida como legítima representante dos interesses da classe operária. Uma vez em posse do poder do Estado, as medidas de estatização dos meios de produção seriam um dos instrumentos visando à transformação socialista da sociedade rumo ao (nunca alcançado) comunismo. Esse raciocínio nos conduz à percepção de que há uma indissociabilidade entre a ação do partido (via tomada do poder estatal) e o fortalecimento da organização do Estado (que embora seja um aparelho de dominação de classe pode ser supostamente usado segundo os interesses revolucionários): para tal libertação, as duas organizações são indispensáveis. Enquanto não é possível atingir tal estágio, é preciso usar da disputa institucional burguesa (democracia partidária) e arrancar concessões dos capitalistas, mediante o ingresso nas eleições.

    Ao lado disso, os sindicatos são reconhecidamente entendidos como organizações de representação dos interesses do proletariado: a disputa pela direção (ou uma oposição sindical de luta), com sua consequente manutenção é outra arma indispensável na luta pelo socialismo, aqui entendido como produto da ação do partido revolucionário. Deste modo, a construção de direções combativas é um dos meios visando educar os operários, sendo os sindicatos nesta concepção sinônimos de escolas do comunismo.

    Qual a relação entre esta interpretação e o que realmente Marx escreveu a respeito do Estado, dos partidos políticos e dos sindicatos? Uma análise aprofundada de seus escritos aponta para conclusões antagônicas às aludidas nos parágrafos anteriores. Noutras palavras, o esquema acima exposto manifesta uma deformação do verdadeiro conteúdo da obra do fundador do marxismo. Embora seja preciso admitir que Marx não nos legou nenhuma teoria do Estado e dos partidos políticos (muito menos produziu uma teoria dos sindicatos), tal ponto de partida remete para uma apreciação rigorosa de sua concepção a respeito destes fenômenos sociais.

    A interpretação dominante do marxismo (isto é, a bolchevista) é aquela que melhor serve aos interesses da classe dominante, pois ofusca o real caráter das ideias de Marx e com isso usa de seu arcabouço teórico para justificar seus próprios interesses de classe. Porém, praticamente todas as posições políticas mais amplas, desde as mais conservadoras até as mais progressistas, passando por concepções ambíguas ou semiproletárias (como algumas tendências do anarquismo) chegaram à errônea conclusão de que Marx defendeu tais formas organizacionais – Estado, partidos políticos e sindicatos – como instrumentos indispensáveis, passíveis de utilização segundo os interesses do proletariado. Nesta obra busca-se demonstrar que a posição de Marx é antagônica àquela propagada por tais posições políticas. Marx, denunciando os limites das interpretações de seu tempo e por vezes refutando antecipadamente futuras deformações dos seus escritos, realizou uma crítica desapiedada do Estado, dos partidos políticos e dos sindicatos.

    Em todas as experiências históricas nas quais um partido político (independente de sua autoproclamação ideológica e composição de classe ser de esquerda, de centro ou de direita) se apossou do poder de Estado houve a continuidade e o aprofundamento das relações de exploração e dominação de classe próprias do capitalismo. Outrossim, em tais momentos da luta de classes as formas de auto-organização constituídas pelo proletariado e demais setores contestadores do capitalismo foram paulatinamente esmagadas, esvaziadas e mediante sua estatização foram postas ao serviço dos regimes de capitalismo estatal nascentes: tal como ocorreu com os sovietes (conselhos operários) na Rússia, os sindicatos não escaparam deste processo.

    A sociedade capitalista é marcada por uma historicidade expressa na sucessão de regimes de acumulação, que são formas relativamente estáveis da luta de classes caracterizadas basicamente por um determinado processo de valorização, determinada formação estatal e determinada configuração da exploração internacional. Cada regime de acumulação promove um contínuo e irreversível processo de mercantilização e burocratização das relações sociais (que em conjunto com a competição social estruturam a mentalidade dominante), e fornece as bases da sociabilidade capitalista. Tal processo tende a transformar tudo em mercadoria ou mercancia, além de estimular a criação de organizações burocráticas (fundadas na relação social entre dirigentes e dirigidos) e aumentar o controle social: a cada sucessão de regime de acumulação, a mercantilização e a burocratização das relações sociais avançam, invadindo a quase totalidade das relações sociais e das organizações, inclusive o Estado, os partidos políticos e os sindicatos.

    É com o duplo objetivo de resgatar o conteúdo autenticamente revolucionário da concepção de Marx e combater suas deformações promovidas pelas mais distintas ideologias pseudomarxistas³, antimarxistas e não marxistas que os textos aqui reunidos foram produzidos. Neste sentido, o primeiro trabalho desta coletânea, de autoria de Matheus Almeida, intitulado Marx e o Estado: Concepção e Deformações, promove este processo enfocando a questão do Estado em Marx.

    Retomando alguns dos principais escritos de Marx sobre o tema, Almeida apresenta a abordagem de Marx a respeito do Estado no decorrer de suas sucessivas obras, destacando o desenvolvimento da concepção de Marx sobre o Estado, seus principais elementos e suas especificidades políticas e lexicais. Algumas das questões mais incompreendidas na teoria de Marx, como o poder político, as funções de Estado, a Comuna, o comunismo etc. são brevemente⁴ esclarecidas, de modo a subsidiar o entendimento sobre o Estado em Marx.

    Em seguida, Almeida aponta criticamente as principais deformações da concepção de Marx sobre o Estado. Inicia pela apresentação da primeira deformação e ideologia equivocadamente associada ao pensamento de Marx, que foi o socialismo de Estado de Lassalle. Expoente de um estatismo supostamente favorável à luta proletária, Lassalle e o lassallianismo foram duramente criticados por Marx, defensor que era da necessidade do autogoverno dos produtores livremente associados. Mesmo assim, o antiestatismo de Marx e o estatismo de Lassalle ainda foram interpretados como um pensamento compatível, e Marx foi falsamente associado a tal ideologia que tanto criticara.

    A segunda deformação trazida se refere à posição cada vez mais problemática que o velho Engels passou a possuir, após a morte de Marx, no que diz respeito ao Estado. Dando uma ênfase cada vez maior à importância dos partidos e sobretudo das eleições não somente para as lutas imediatas, mas para a revolução proletária, Engels se distancia progressivamente da teoria de Marx de defesa da auto-organização proletária, da revolução social a partir do modo de produção e da Comuna como forma de antagonismo à organização burocrática do Estado, ao passo que se aproxima do eleitoralismo, do estatismo e da burocracia partidária.

    A última ideologia deformadora trata-se do kautskismo-leninista. Partindo da análise crítica do pseudomarxismo em voga no Partido Social-Democrata da Alemanha, vemos o caráter burocrático das ideias de Kautsky e de seu discípulo mais ilustre e herdeiro ideológico, Lênin, que desenvolveu a deformação iniciada por Kautsky e deu a ela novos elementos inteiramente antagônicos à teoria da abolição do Estado e da autoemancipação proletária de Marx. O leninismo e o bolchevismo são colocados em sua essência: expressão ideológica da classe burocrática e ideologia hegemônica do pseudomarxismo, ofuscando a real concepção de Marx sobre tantas questões, inclusive sobre o Estado.

    O segundo texto da presente coletânea, Marx e os Partidos Políticos, de Rubens Vinícius da Silva, aprofunda o debate marxista sobre as organizações, em especial sobre a organização partidária. Apresentando a expressão contemporânea do marxismo (o marxismo autogestionário) a respeito do fenômeno das organizações, Silva discute como pensá-las, como analisá-las e como defini-las a partir de seus objetivos, processos de tomada de decisões e critérios decisórios. As organizações são colocadas em toda sua multiplicidade, podendo ser burocráticas ou autárquicas, heterônomas ou autônomas, autocráticas, democráticas ou coletivas.

    Retomando as teorias das classes sociais, dos regimes de acumulação, das ondas de burocratização, das organizações burocráticas e auto-organizações, Silva percorre expositivamente alguns dos principais textos de Marx onde sua concepção sobre os partidos é apresentada. Após vermos as especificidades da expressão partido para Marx, observamos a crítica de Marx aos maiores partidos de sua época, seja na Inglaterra, na França ou na Alemanha.

    Esta crítica de Marx não vem desacompanhada da contextualização do que era a organização partidária no período em que ele viveu, marcado pelo surgimento e pela transformação desta forma organizacional. Assim, é demonstrado o processo de emergência dos primeiros partidos vinculados ao proletariado, bem como o processo de sua gradual e irreversível burocratização, levando à passagem das burocracias partidárias informais para as burocracias partidárias formais, isto é, completas. É diante destas mutações que a crítica de Marx é apresentada.

    Deste modo, vemos como Marx identificou a tendência à perda do caráter proletário da organização partidária, na medida em que estas organizações abandonavam a perspectiva do proletariado e se tornavam uma associação de dirigentes comprometidos com os valores burgueses e com os interesses de outras classes, como a burocracia e a intelectualidade. Diante da inevitável consolidação da burocratização destas organizações, é destacado o dever dos revolucionários em combatê-las, as ideologias obstaculizantes da radicalização da luta proletária (como o vanguardismo e o reboquismo) e a necessidade de levar elementos de cultura revolucionária para o proletariado, visando contribuir com a sua passagem das lutas espontâneas e autônomas para as lutas autogestionárias.

    Por fim, o texto de Nildo Viana, Marx e os Sindicatos, fecha esta coletânea retomando analiticamente a perspectiva de Marx sobre a organização sindical. Após esclarecer que o objetivo deste texto não é o de fazer um histórico dos sindicatos, mas sim discuti-los na época de Marx, Viana relata o processo de formação dos primeiros sindicatos, advindos das organizações artesãs e das coalizões operárias. Além disso, apresenta uma definição de sindicatos e coloca a passagem dos sindicatos independentes para os sindicatos institucionalizados, revelando seu processo de burocratização.

    O autor demonstra a heterogeneidade que existe no interior de diferentes sindicatos, tanto em nível de abrangência quanto de grau de desenvolvimento, concepção política etc. O fenômeno da burocratização dos sindicatos é historicamente relatado ao vermos a passagem das coalizões para os sindicatos profissionais e depois destes para, predominantemente como forma organizacional, os sindicatos industriais, o que significou a passagem das organizações não burocráticas para as burocracias informais e depois destas para as burocracias sindicais. Trata-se da passagem dos sindicatos independentes aos sindicatos institucionais, em que os dirigentes destas organizações deixam de ser operários e se tornam burocratas sindicais.

    Feita essa exposição teórica e histórica sobre os sindicatos, vemos os textos de Marx que trataram sobre estas organizações em diferentes países, sobretudo na Inglaterra, mas também na França. Naquele país, diante do processo de substituição das coalizões pelas trade unions, Marx entende que os sindicatos surgiram espontaneamente na luta do proletariado contra a superexploração capitalista e pelos interesses imediatos da classe operária. Assim, verificamos que Marx não considerava os sindicatos como organizações revolucionárias (muito menos como escolas do comunismo conforme a ideologia bolchevista) e sim como organizações defensivas da classe proletária. Neste sentido, não podem ser entendidos como única forma organizacional do proletariado, mas como uma das formas existentes.

    A posição de Marx sobre os sindicatos torna-se cada vez mais crítica. Desta forma, da aspiração e tentativa inicial em contribuir para que os sindicatos avançassem e se tornassem organizações revolucionárias (tentativa esta logo frustrada) temos a passagem para uma posição crescentemente crítica aos sindicatos, diante do crescente conservadorismo desta organização através da passagem dos sindicatos independentes para os sindicatos institucionalizados. Tal processo conduz necessariamente à submissão dos dirigentes aos moldes da política burguesa, levando à sua moderação, cooptação e corrupção.

    Em todos os três textos desta obra, não somente se reconstitui a real concepção de Marx sobre estas organizações – Estado, partidos e sindicatos – como também observamos as irreconciliáveis diferenças entre a teoria de Marx e o marxismo autêntico com as ideologias pseudomarxistas. Outro elemento comum a todos os artigos é a contextualização realizada acerca dos temas tratados, de modo a reconstituir historicamente o estágio do capitalismo, a forma concreta das organizações existentes, as especificidades da abordagem de Marx e o processo de gênese e desenvolvimento das ideologias deformadoras associadas ao seu pensamento.

    Os textos não somente retomam Marx e o seu tempo de maneira rigorosa, como também vão além dele, trazendo contribuições do marxismo posterior à sua fase original, tanto a partir do comunismo de conselhos quanto do marxismo autogestionário. Essas concepções vêm de modo a fornecer elementos conceituais que auxiliem na explicação destes fenômenos sociais e contribuam com a reconstituição teórica do desenvolvimento capitalista, isto é, do conjunto da sociedade, e de forma relacionada a ela, do desenvolvimento do Estado, dos partidos políticos e dos sindicatos, assim como da concepção e das críticas de Marx a estas organizações. Críticas que servem de base para todo o marxismo posterior, para toda a teoria revolucionária do proletariado e para a luta pelo fim do capitalismo via constituição da autogestão social, a sociedade comunista proposta por Karl Marx.

    Referências

    ALMEIDA, Matheus. Marx Crítico do Estado. Goiânia: Edições Redelp, 2020.

    VIANA, Nildo. Blocos Sociais e Luta de Classes. Revista Enfrentamento, ano 10, n. 17, jan/jul. 2015a. Disponível em: https://redelp.net/revistas/index.php/enf/article/view/960/830. Acesso em: 9 ago. 2020.

    VIANA, Nildo. Estado, democracia e cidadania: a dinâmica da política institucional no capitalismo. 2. Ed. Rio de Janeiro: Rizoma, 2015b.

    VIANA, Nildo. Marx não é Marxista: As Origens do Pseudomarxismo. [S. l.]: Informe e Crítica, 26 mar. 2020. Disponível em: https://informecritica.blogspot.com/2020/03/marx-nao-e-marxista-as-origens-do_26.html. Acesso em: 6 ago. 2020.


    * Mestrando em Antropologia Social pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS) da Universidade de São Paulo (USP).

    ** Mestre em Sociologia pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia (PPGS) da Universidade Federal de Goiás (UFG). Doutorando em Sociologia e Ciência Política pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Ciência Política (PPGSP) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

    1 Embora os autores sejam conscientes do fetichismo da linguagem, bem como da naturalização de determinadas relações sociais na escrita com letra maiúscula de determinadas organizações burocráticas, o uso do termo Estado com a letra maiúscula foi adotado em virtude de evitar a pseudocrítica dos formalistas linguísticos. Ademais, é necessário aqui reforçar que a mera mudança terminológica não altera o conjunto das relações sociais (como ultimamente se observa nos círculos sociais hegemonizados por uma das alas moderadas do bloco progressista), uma vez que a linguagem é produto social e histórico, uma criação humana e não o demiurgo da realidade. A este respeito, consultar Viana (2015a).

    2 Os blocos sociais são as formas mais organizadas, conscientes e ativas das classes sociais, no caso das classes fundamentais (burguesia e proletariado) ou de seus setores mais autonomizados (burocracia e suas aliadas), não se confundindo com as classes sociais. Na sociedade capitalista há três blocos sociais, com suas respectivas alas: o

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