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Processo coletivo sistematizado
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E-book543 páginas3 horas

Processo coletivo sistematizado

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Sobre este e-book

Tradicionalmente, desde os primórdios da ciência processual, sempre se estudou o processo civil de maneira individual, buscando-se soluções individualizadas dos conflitos, contudo, essa visão começou a se mostrar insuficiente, surgindo a necessidade de se desenvolver a tutela coletiva. Assim surgiu o denominado direito processual coletivo, que busca a tutela jurisdicional para além do indivíduo. Uma das maiores dificuldades para o estudo do processo coletivo no Brasil é a dispersão legislativa, sendo certo que alguns Projetos de Lei foram, brilhantemente, elaborados há algum tempo pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual, entre outros, contudo, os mesmos se perderam com o passar dos anos, contudo, recentemente, mais dois novos projetos foram apresentados.
Nessa linha, para proporcionar uma melhor e mais didática compreensão sobre o tema, dividimos o estudo em duas partes: teoria geral do processo coletivo e, posteriormente, o estudo isolado das principais ações, como a popular, ação civil pública, improbidade, mandado de segurança e de injunção. Sendo certo que, uma boa assimilação da teoria geral, proporciona ao leitor uma visão ampla sobre o assunto, porém, como são inúmeras leis, sendo que muitas se conflitam, há necessidade de um estudo isolado.
Realmente, o Brasil, não obstante a boa qualidade das legislações, urge por uma sistematização, o que poderia se dar por meio de um Código Brasileiro de Processo Coletivo.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento18 de ago. de 2021
ISBN9786555153392
Processo coletivo sistematizado

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    Processo coletivo sistematizado - Haroldo Lourenço

    Parte 1

    TEORIA GERAL DA

    TUTELA COLETIVA

    Capítulo 1

    DIREITO PROCESSUAL COLETIVO

    1.1 Noções gerais. Proposta dA presente OBRA

    Tradicionalmente, desde os primórdios da ciência processual, sempre se estudou o processo civil de maneira individual, buscando-se soluções individualizadas dos conflitos, contudo, essa visão começou a se mostrar insuficiente, surgindo a necessidade de se desenvolver a tutela coletiva. Assim surgiu o denominado direito processual coletivo, que busca a tutela jurisdicional para além do indivíduo.

    Uma das maiores dificuldades para o estudo do processo coletivo no Brasil é a dispersão legislativa, sendo certo que alguns Projetos de Lei foram, brilhantemente, elaborados há algum tempo pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual, entre outros, contudo, os mesmos se perderam com o passar dos anos, contudo, recentemente, mais dois novos projetos foram apresentados¹.

    Nessa linha, para proporcionar uma melhor e mais didática compreensão sobre o tema, dividimos o estudo em duas partes: teoria geral do processo coletivo e, posteriormente, o estudo isolado das principais ações, como a popular, ação civil pública, improbidade, mandado de segurança e de injunção. Sendo certo que, uma boa assimilação da teoria geral, proporciona ao leitor uma visão ampla sobre o assunto, porém, como são inúmeras leis, sendo que muitas se conflitam, há necessidade de um estudo isolado.

    Realmente, o Brasil, não obstante a boa qualidade das legislações, urge por uma sistematização, o que poderia se dar por meio de um Código Brasileiro de Processo Coletivo.

    1.2 ALGUNS ANTECEDENTES HISTÓRICOS

    A tutela coletiva, com a Constituição de 1988, ganhou configuração de direito fundamental (art. 5º, XXXV, LXX, LXXIII e 129, III). O tema é uma constante na história da humanidade, todavia, no Brasil, somente há poucas décadas que rendeu atenção dos estudiosos.

    Um dos primeiros antecedentes da tutela coletiva tem origem romana, o que originou a nossa ação popular – defendia-se a res sacrae, rei publicae. Ao cidadão era atribuído o poder de agir em defesa da coisa pública, em uma noção que a República pertencia ao cidadão romano, portanto, era seu dever protegê-la.²

    Há, ainda, profundas raízes no estudo desenvolvido por Mauro Cappelletti e Bryant Garth, na clássica obra Acesso à Justiça, na qual demonstra-se que, entre as três propaladas ondas de acesso à justiça, a segunda representava a melhor representação jurídica para os interesses difusos, especialmente na proteção ambiental e do consumidor.³

    Posteriormente, encontramos o surgimento das ações coletivas no seio da equity do direito inglês, mas seu mais importante desenvolvimento foi nos EUA.⁴ As class actions norte-americanas geraram o modelo de ação coletiva adotado pelo CDC, fruto da prática jurídica anglo-saxã nos últimos oitocentos anos, sendo o principal ponto de tal sistema a adequada representação, a ser aferida pelo magistrado.

    1.3 CODIFICAÇÃO, RECODIFICAÇÃO, CPC/15 E A TUTELA COLETIVA

    Ocorre que, no Brasil, com a edição do CC/16, Clóvis Beviláqua, influenciado pelas ideias do iluminismo, fomentou a era dos códigos, em que um diploma legal único regulamenta todas as relações jurídicas de direito privado civil, não admitindo a intervenção de nenhum outro diploma nessa regulação.

    O art. 76 e seu parágrafo único do CC/1916 foi arquitetado para uma limpeza do sistema, ou seja, trouxe uma extrema marca individualista, centrando-se no proprietário e na autonomia da vontade, com nítida intenção de extinguir as ações populares que remanesciam no nosso sistema jurídico a partir do direito romano.⁵ Vejamos:

    Art. 76. Para propor, ou contestar uma ação, é necessário ter legítimo interesse econômico, ou moral. Parágrafo único: O interesse moral só autoriza a ação quando toque diretamente ao autor, ou à sua família.

    A intenção foi de purificar o sistema, característica natural em codificações fechadas, retirando qualquer resquício de direito público. O próprio Beviláqua, ao se referir ao mencionado artigo, afirma que tal dispositivo pôs termo à persistência das ações populares, que, no direito romano, tinham por objeto a defesa dos bens públicos, eis que na organização jurídica da época, os atos que permitiam a propositura da ação popular passaram a ser crimes, tipificados no Código Penal, sendo a matéria, ora de leis de polícia, ora de posturas municipais e, algumas vezes, ofensivas a direitos individuais.

    Assim, foram suprimidas quaisquer tutelas cíveis de interesses não individuais.

    Por outro lado, o art. 75 do CC/1916 determinava que a todo direito [individual] corresponde uma ação que o assegura. Tal artigo, lido sob uma ótica imanentista (Savigny) ou concretista (Wach), fixava uma relação entre lesão e direito de ação, impedindo a adequação e a efetividade da tutela jurisdicional.

    Com a CF/88, vale ressaltar que a norma que assegura o acesso à justiça garante tanto os direitos individuais como os coletivos, eis que inserida dentro do título dos direitos e deveres individuais e coletivos. O art. 5º, XXXV, assegura a apreciação pelo Poder Judiciário não só do direito individual e não só uma ação para cada direito, mas direitos coletivos e todas as ações cabíveis para assegurar a sua adequada e efetiva tutela.

    A redação do art. 83 do CDC (Lei 8.078/1990) e o art. 82 do EI – Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003), entre outros diplomas legais, evidenciam e confirmam essa leitura, porque, ao contrário do que estabelecia o art. 75 do antigo Código Civil de 1916 (não repetido no CC/2002, tampouco pelo CPC/73 e pelo CPC/15), determinam cabíveis todas as espécies de ações (tutelas jurisdicionais processuais) capazes de propiciar a adequada e efetiva tutela dos direitos afirmados perante o Judiciário.

    Com tal ótica, tornou-se possível o ajuizamento, a partir de um mesmo fato, da mesma lesão ao direito abstratamente considerado, uma ação civil para tutela de um direito difuso, coletivo ou individual homogêneo.

    Com o CPC/15 algumas novidades foram trazidas, onde demonstrou uma preocupação com recodificação, sendo uma legislação mais próxima da CF/88 e dos microssistemas⁸, de onde se observa, por exemplo, o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), tido por muitos como um processo coletivo opt in⁹ para defesa dos direitos do grupo¹⁰, pois formado o IRDR, no qual a situação jurídica coletiva é a discussão de uma tese de direito material ou processual.

    1.4 A MUTAÇÃO DA ÓTICA INDIVIDUALISTA PARA A COLETIVA

    Na década de 1970, vários processualistas italianos deram início a intenso estudo sobre as ações coletivas, com a realização de congressos e publicação de inúmeros artigos e livros sobre o tema. É a consagrada segunda onda de acesso à justiça, na propalada visão de Mauro Cappelletti.¹¹ Tal iniciativa forneceu elementos teóricos para a criação das ações coletivas brasileiras e para uma melhor delimitação das ações coletivas já existentes, como a ação popular.

    No Brasil, posteriormente ao período da ditadura, surgiu um ambiente propício para a tutela dos novos direitos, vivíamos a redemocratização e a valorização da atividade do Ministério Público nos pleitos cíveis.¹² Nesse sentido, por exemplo, em 1985 foi aprovada a Lei 7.347, que até hoje regulamenta a ação civil pública (LACP).

    Nesse sentido, a doutrina brasileira foi fundamental para o desenvolvimento dos processos coletivos no Brasil, em que a ação individual era o centro e a base de todo o sistema.

    Para fins de constatação, basta conferir o art. 18, caput do CPC/15, que disciplina a regra geral da legitimidade ordinária nas ações individuais, eis que, somente por expressa previsão do ordenamento, autoriza-se alguém a ir a juízo em nome próprio pleiteando direito alheio. O processo civil, historicamente, é individualista e privatista, onde tal regra se encontrava no art. 6º CPC/73¹³, ainda mais restritiva do que o atual CPC.

    Muito embora o CC/16 estivesse próximo das teorias imanentista e concretista da ação, atualmente, estas já se apresentam completamente superadas, adotando-se a teoria abstrata da ação processual.

    Com o passar dos anos, esse dogma mostrou-se ineficiente para a tutela de direitos com titulares indeterminados e para a litigiosidade de massa, principalmente para aquelas ações em que apenas um legitimado as movem em benefício de um todo coletivo, determinado ou não (ações coletivas).

    Kazuo Watanabe¹⁴, um dos grandes responsáveis pelo movimento da tutela coletiva, afirma haver um confronto entre se tratar o conflito de modo atomizado (ou seja, como se fosse um átomo, fragmentando-o, como disposto no art. 18 do CPC/15) e a ideia molecular¹⁵ dos conflitos coletivos lato sensu, disposta no CDC e na LACP.

    Determinados interesses estavam pulverizados entre os integrantes da coletividade que seus titulares não se sentiriam estimulados a ir a juízo individualmente, contudo, agrupados, seria relevante defendê-los. Os átomos, individualmente considerados, não são bastante para compor substâncias que interessam às pessoas; no entanto, quando agrupados, formam moléculas cada vez mais complexas que adquirem grande importância.

    1.5 Ação coletiva e litisconsórcio multitudinário

    A concepção de tratamento molecular não pode ser confundida com o exercício conjunto da ação por pessoas distintas, pois, em tal situação, ocorrerá um litisconsórcio multitudinário, podendo ser fragmentado pelo juiz (art. 113 §§ 1º e 2º CPC/15), o qual exerce um controle ope iudicis da estabilidade subjetiva da demanda. A ação coletiva surge de uma particular relação entre a matéria litigiosa e a coletividade que necessita da tutela para solver o litígio.

    O parâmetro é outro, no litisconsórcio multitudinário, o importante é a estrutura subjetiva; na demanda coletiva, a matéria litigiosa, que embora diga respeito a uma série de sujeitos distintos, identificáveis ou não, possa ser ajuizada e conduzida por iniciativa de uma única pessoa. É, diretamente, a transposição proposta por Watanabe de uma estrutura atômica para molecular.

    De igual modo, não é pelo fato de se ter uma ação coletiva para a defesa de um interesse individual homogêneo que se haverá uma soma das ações individuais. Na ação coletiva, pelo contrário, a pretensão do legitimado concentra-se no acolhimento de uma tese jurídica geral, referente a determinados fatos, que podem aproveitar muitas pessoas.

    Observe-se que os direitos individuais homogêneos são indivisíveis e indisponíveis, tornando-se divisíveis somente no momento da liquidação e execução, seja quando ingressarem como assistentes litisconsorciais (art. 94 do CDC) ou no momento que exercitarem seu direito individual com habilitação para a liquidação de sentença (art. 97 do CDC).

    Por outro lado, no litisconsórcio multitudinário, desde o início, há um direito individual e divisível.

    Interessante a distinção de tal circunstância realizada pelo CPC/15, quando se comparam os arts. 554 § 1º e o art. 565. Na primeira hipótese se tem uma possessória multitudinária, já na segunda hipótese há uma possessória sobre um direito coletivo.

    1.6 As motivações e justificativas à tutela coletiva

    A tutela coletiva possui, entre outros, duas justificativas e fundamentos. Uma mais ampla, amparada pela ideia de acesso à justiça, e outra de política judiciária, visando à economia processual.

    As motivações políticas mais relevantes são extraídas da redução dos custos materiais e econômicos na prestação jurisdicional, com a uniformização dos julgados e harmonização social, evitando-se decisões contraditórias e, assim, um aumento na credibilidade do Poder Judiciário como instituição republicana.

    Além disso, o aumento da litigiosidade de massa precisa ser debelada, principalmente diante da crescente industrialização, urbanização e globalização da sociedade contemporânea. A visão do consumidor do serviço judiciário passou a integrar o cenário processual e a tutela individual, para a proteção de tais interesses, mostra-se insuficiente.

    1.7 Tutela coletiva como processo civil de interesse público

    A visão tradicional de processo como um mecanismo de ajustamento de disputas entre partes privadas, a respeito de direitos privados tende a mudar, criando-se um novo modelo de litígio de interesse público.

    O processo coletivo serve às demandas judiciais que envolvam interesses além dos meramente individuais, mas os interesses constitucionais da sociedade e da comunidade, como o de consumidores, meio ambiente, patrimônio artístico, histórico e cultural, o interesse dos necessitados e dos interesses minoritários nas demandas individuais clássicas, a rigor, interesses e direitos marginalizados.

    Busca-se a defesa do interesse público primário mediante litígios cíveis, inclusive na atuação de controle e realização de políticas públicas por meio deste litígio.

    O STF¹⁶ tem distinguido o interesse público primário ou somente interesse público como um dever de atuação do Poder Legislativo, Executivo e Judiciário, principalmente no que toca ao fornecimento de medicamento para as pessoas destituídas de recursos financeiros, por ser uma imposição constitucional.

    Essa perspectiva ampla inclui os direitos coletivos lato sensu e os individuais indisponíveis, caracterizados como interesses de ordem social e pública pela legislação ou pela Constituição (arts. 127, 196 e 227, da CR/1988 e art. 81 da Lei 10.741/2003).

    De igual modo, o STF¹⁷ e o STJ¹⁸ têm permitido, em situações de extrema necessidade, a implementação de políticas públicas, mediante intervenção do próprio Judiciário.

    Enfim, o conceito de demandas coletivas deve, necessariamente, aderir à visão do processo como um instrumento do interesse público. De acordo com essa visão, entendida como um ativismo judicial, o Judiciário é um órgão colocado à disposição da sociedade, como instância organizada de solução de conflitos metaindividuais, e adota uma postura proativa, interferindo de maneira regular e significativa nas opções políticas dos demais poderes.

    1.8 Elementos necessários para a identificação de um processo coletivo

    Além do interesse público, o processo coletivo diferencia-se do individual pelas seguintes características:

    (i) A legitimidade para agir;

    (ii) O objeto do processo, pela afirmação de um direito coletivo, no polo ativo, ou a afirmação de um direito em face de um titular de um direito coletivo (ação coletiva passiva);

    (iii) A extensão subjetiva da coisa julgada.

    Nessa linha, Didier¹⁹ conceitua processo coletivo como aquele instaurado por ou em face de um legitimado autônomo, em que se postula um direito coletivo lato sensu ou se postula um direito em face de um titular de um direito coletivo lato sensu, com o fito de obter um provimento jurisdicional que atingirá uma coletividade, um grupo ou determinado número de pessoas.

    1.9 Microssistema das causas coletivas

    A existência de um microssistema é de seminal importância para a consolidação da tutela coletiva, pois cuida processualmente das regras e princípios peculiares da tutela de massa, à margem do Código de Processo Civil, em virtude do caráter individual deste.

    Nesse sentido, o CDC, surgido por imposição do art. 5º, XXXII, da CF/88 e do art. 48 do ADCT, harmonizou o microssistema das causas coletivas. Além de, por meio do seu terceiro título, disciplinar a defesa do Consumidor em Juízo, nos arts. 109 ao 117, alterou e ampliou a tutela da LACP.

    Destarte, o CDC transformou-se em um agente unificador e transformador, empregando e adequando a sistemática processual vigente do CPC/15 e da LACP, pois o art. 117 do CDC acrescentou o art. 21 à LACP, gerando, assim, um vaso de comunicação entre as duas normas.

    Com isso, cria-se um microssistema processual para as causas coletivas (Lei 7.347/1985 e Lei 8.078/1990) e, no que for compatível, seja na ação popular, na ação civil pública, na ação de improbidade administrativa, no mandado de segurança coletivo, aplicar-se-á o Título III do Código de Defesa do Consumidor, buscando construir, assim, algo próximo de um Código Brasileiro de Processos Coletivos.

    Nesse sentido, o art. 90 do CDC e o art. 21 da LACP compõe o microssistema processual coletivo, eis que um faz referência ao outro, por meio de normas de reenvio.²⁰

    Assim, aplica-se o CDC para todas as normas que prevejam processos coletivos, porque a ação civil pública é possível para estes sistemas e, de igual modo, a LACP prevê aplicação do CDC.

    Cumpre registrar que o art. 89 do CDC dispunha que as normas do Título III seriam aplicadas, no que fosse cabível, a outros direitos ou interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, tratados coletivamente, todavia, tal dispositivo foi vetado.

    A melhor doutrina, com muita ênfase, afirma que o veto foi ineficaz, pois continuaram vigentes os dispositivos dos arts. 90, 110, 111 e 117 do CDC que permitem a leitura similar mediante a ação civil pública, afirmando que o Título III do CDC combinado com a LACP fará às vezes do Código Coletivo, como ordenamento processual geral para a tutela coletiva.²¹

    Atualmente, há uma variabilidade imensa de leis prevendo processos coletivos, vejamos:

    (i) Estatuto do Idoso (art. 78-92 da Lei 10.741/2003);

    (ii) Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990);

    (iii) Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001);

    (iv) Lei de Diretrizes e Bases da Educação (art. 5º da Lei 9.394/1996), permitindo uma ação coletiva para exigir da administração pública o acesso à educação básica obrigatória;

    (v) Lei de Violência Doméstica (art. 37 da Lei 11.340/2006), permitindo o seu combate por meio de ação coletiva;

    (vi) Lei dos Deficientes Físicos (Lei 7.853/1989) e o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei n. 13.146/2015);

    (vii) Tutela dos investidores em valores mobiliários (Lei 7.913/1989);

    (viii) Proteção da ordem econômica e economia popular (Lei 12.529/2011);

    (ix) Mandado de Segurança coletivo (arts. 21 e 22 da Lei 12.016/2009);

    (x) Mandado de Injunção coletivo (art. 12 e 13 da Lei 13.300/16);

    (xi) Ação de improbidade administrativa (Lei 8.429/1992);

    (xii) Ação popular (Lei 4.717/1965);

    (xiii) Ação coletiva para tutelar o meio ambiente (art. 14, § 1º, Lei 6.938/1981).

    As leis específicas formam um sistema integrativo aberto, podendo ser usadas umas em relação às matérias das outras. Essa não compilação pode vir a gerar choques, todavia, a interpretação deve ser sempre da norma mais favorável à defesa do interesse público primário.

    Com efeito, a concepção do microssistema jurídico coletivo deve ser ampla, a fim de que o mesmo seja composto não apenas do CDC e da LACP, mas de todos os corpos legislativos inerentes ao direito coletivo, razão pela qual o diploma que compõe o microssistema é apto a nutrir eventual carência regulativa das demais normas, pois, unidas, formam um sistema especialíssimo. As leis que formam esse conjunto de regulação ímpar, sem exceção, interpenetram-se e subsidiam-se.²²

    Os diplomas que tratam da tutela coletiva são intercambiantes entre si, ou seja, assumem-se incompletos para aumentar sua flexibilidade e durabilidade em uma realidade pluralista, complexa e muito dinâmica.²³

    Frise-se que não se fala, aqui, de subsidiariedade, no máximo, aplicação residual do CPC/15, pois, verificada a omissão no diploma coletivo especial, o intérprete, antes de angariar solução na codificação processual, ressalte-se de índole individual, deverá buscar os ditames constantes dentro do microssistema coletivo.²⁴

    Nesse sentido, inclusive já se pronunciou o STJ:²⁵

    A lei de improbidade administrativa, juntamente com a lei da ação civil pública, da ação popular, do mandado de segurança coletivo, do Código de Defesa do Consumidor e do Estatuto da Criança e do Adolescente e do Idoso, compõem um microssistema de tutela dos interesses transindividuais e sob esse enfoque interdisciplinar, interpenetram-se e subsidiam-se.

    A título de ilustração, para a solução de um problema de processo coletivo, em uma ação civil pública, o raciocínio será, em regra, o seguinte:²⁶

    (i) Buscar a solução no diploma da Lei 7.347/1985;

    (ii) Não sendo localizada ou sendo insatisfatória a solução, deve-se buscar a solução no Título III do CDC;

    (iii) Ainda assim, não existindo solução a contento, deve-se buscá-la nos demais diplomas sobre processo coletivo;

    (iv) O CPC será utilizado somente como um diploma residual, tendo efeito sempre reduzido, posto que foi criado para uma tutela individual.

    Demonstrando a unidade do sistema, podemos exemplificar:

    (i) a apelação nos processos coletivos é, em regra, recebida no efeito devolutivo (art. 14, Lei 7.347/1985);

    (ii) conceito de direitos coletivos (art. 81, parágrafo único, do CDC);

    (iii) possibilidade de execução por meio de desconto em folha de pagamento (art. 14, § 3º, da Lei 4.717/1965);

    (iv) prazo prescricional de cinco anos para a execução individual em pedido de cumprimento de sentença proferida em ação civil pública, por aplicação do art. 21 da Lei 4.717/1965²⁷;

    (v) possibilidade da pessoa jurídica trocar de polo das ações coletivas em geral (art. 6º, § 3º, LAP e 17, § 3º, Lei de Improbidade Administrativa); (vi) remessa necessária (art. 19 da LAP), onde o STJ aplica o mencionado artigo para a improbidade administrativa, por exemplo²⁸.

    (vii) inaplicabilidade dos limites territoriais impostos pelo art. 16 da Lei 7.347/85, por força do art. 103 da Lei 8.078/90²⁹;

    1.10 Ações de controle de constitucionalidade como tutela coletiva

    Alguns autores afirmam a existência de uma subdivisão do direito coletivo em razão do objeto material:³⁰

    (i) Comum: o objeto material do processo é a resolução de lides coletivas, que ocorrem no plano da concretude, portanto, há uma proteção de um direito coletivo subjetivo;

    (ii) Especial: o objeto material litigioso é o controle de constitucionalidade das leis, portanto, a tutela exclusiva do direito objetivo;³¹

    Apesar de não haver interesse subjetivo, no controle abstrato de constitucionalidade das normas, tutela-se o interesse difuso, de toda a coletividade, na higidez da norma federal ou estadual comparada com o texto constitucional federal,³² portanto, um poderoso instrumento para tutelar, indiretamente, direitos subjetivos individuais de forma coletiva.³³

    1.11 Ações coletivas e os juizados especiais

    No que se refere à utilização da tutela coletiva no âmbito dos juizados especiais, há um embate entre a doutrina e o legislador:

    (i) Majoritariamente, não se admite a utilização do procedimento dos juizados especiais para veicular uma ação coletiva, inclusive a Lei 10.259/2001, no art. 3º, § 1º, inciso I, bem como a Lei 12.153/2009, no art. 2º, § 1º, inciso I, vedam, expressamente, o acesso à justiça de causas de menor complexidade por demandas coletivas;

    (ii) Há, contudo, entendimento doutrinário, que reputamos mais acertado, que entende possível a utilização da ação coletiva no âmbito dos Juizados Especiais,³⁴ consagrando direitos fundamentais. Vejamos:

    Mediante representação, constitucionalmente autorizada, das entidades associativas (CF, art. 5º, XXI), resolveria, com celeridade e economia processual, milhares de ações conexas, no bojo de um só processo, em que se realizaria o fenômeno da atomização dos interesses coletivos ou individuais homogêneos, na linha de sucesso da Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor). Esta seria, sem dúvida, uma solução normativa, urgente e racional, para se enfrentar, com ótimos resultados, o estrangulamento dos Juizados Especiais Federais, ante a proliferação acumuladora de feitos individuais, possibilitando-se, por meio da tutela coletiva, uma Justiça verdadeiramente acessível, em tempo real, aos milhares de jurisdicionados, que, no fenômeno explosivo de suas demandas contidas, padecem, ainda, de inúmeros obstáculos de ordem econômica, social e cultural, no processo de gerenciamento insensível de políticas capitalistas, em nosso país.³⁵

    1.12 Tutela coletiva como refém do autoritarismo legislativo

    Muito já se falou do progresso realizado pelo legislador, no que toca à tutela coletiva, todavia, em alguns momentos, na contramão dessa marcha em prol da tutela coletiva, foram apresentadas algumas contramarchas legislativas, no mais das vezes, com o escopo de favorecer o Estado contra o poderio da tutela coletiva.

    O objeto da tutela coletiva sofreu um enorme ataque pela Medida Provisória 2.180-35/2001, que acrescentou um parágrafo único ao art. 1º da LACP, inviabilizando eventual ação civil pública discutindo tributos, contribuições previdenciárias, FGTS ou outros fundos de natureza institucional. O dispositivo vem sendo aplicado pelo STJ,³⁶ não obstante a ressalva doutrinária no sentido de que tal vedação não pode prevalecer no caso concreto, estando presentes os requisitos previstos no art. 129, III, da CR/1988.³⁷

    O legislador, de igual modo, por meio da Lei 9.494/1997, tentou limitar os efeitos do julgado prolatado em sede de ação civil pública à competência territorial do órgão prolator, dando nova redação ao art. 16 da LACP.³⁸

    Essa restrição territorial dos efeitos da sentença vem sendo duramente criticada pela doutrina processual brasileira (o ponto será melhor analisado no capítulo sobre a coisa julgada), ao criar o risco de decisões contraditórias sobre o mesmo objeto, comprometendo a solução molecularizada dos conflitos de interesses coletivos e o princípio da isonomia, que reclama solução igual aos que se encontram na mesma situação fático-jurídica.³⁹

    Na mesma linha, como mencionado, em sede de Juizados Especiais, o legislador veda a defesa dos direitos coletivos lato sensu.

    Recentemente, além das pobres definições atinentes à coisa julgada no mandado de segurança coletivo, o legislador demonstrou, nitidamente, o temor do Estado diante de instrumentos poderosos, como mandado de segurança coletivo. O art. 22, § 2º, da Lei 12.016/2009 afirma, com todas as tintas, que a liminar somente poderá ser concedida após a audiência do representante judicial da pessoa jurídica de direito público, que deverá pronunciar-se no prazo de setenta e duas horas.⁴⁰

    O desarranjo legislativo é notório. A referida norma aponta, literalmente, a necessidade de intimação para as pessoas jurídicas de direito público, esquecendo-se, pelo que parece, das pessoas jurídicas de direito privado, pertencentes à Administração Indireta, como Sociedades de Economia Mista ou Empresas Públicas⁴¹ ou até mesmo das autoridades coatoras por equiparação (art. 1º, § 1º, da LMS).

    Como se percebe, o legislador, par e passo, tenta restringir a eficácia de instrumentos como a tutela coletiva, visando estabelecer um microssistema processual para o Estado.

    Resta a afirmação de Ada Pellegrini Grinover, em seu brilhante artigo no qual combate esse furor legislativo:

    A salvação só pode estar nos tribunais, devendo os advogados e o Ministério Público a eles recorrer, alimentando-os com a interpretação adequada das novas normas, a fim de que a resposta jurisdicional reflita as linhas mestras dos processos coletivos e os princípios gerais que o regem, que não podem ser involutivos.⁴²

    No mesmo sentido, vale transcrever o desabafo de Scarpinella Bueno⁴³ ao comentar sobre as sucessivas Medidas Provisórias que atentam contra o acesso à justiça:

    De minha parte, acredito que esta análise demonstra, com clareza, um patente desvio de finalidade na produção destas normas. O Estado, ciente de que faz ou fará parte de uma dada ação judicial, manipula, a olhos abertos, o sistema de resolução de conflitos para dificultar, impedir, atrasar ou neutralizar a pretensão do particular ou a sua efetividade.

    1.13 CONSENSUALIDADE NA TUTELA COLETIVA

    Inspirados na previsão da celebração de TAC na ação civil pública (art. 5º, § 6º LACP c/c art. 211 ECA, além das previsões contidas no art. 53 da Lei 8.854/94 posteriormente alterada pela Lei 12.519/11, arts. 9°, V e art. 85, na Lei 9.605/98, art. 79-A, art. 74, X Lei 10.741/03) se iniciou, algum tempo depois, um movimento legislativo buscando fomentar a consensualidade no Direito gerando impactos e reflexos na tutela coletiva.

    Com raízes no Direito Penal podem-se ser citadas algumas novas práticas como a aplicação de penas restritivas de direitos ou multas (art. 76 Lei 9.099/95), a suspensão do processo (art. 89 Lei 9.099/95), a colaboração premiada (Lei 12.850/13) e o acordo de leniência (Lei 12.846/13), o que demonstra, inequivocamente, uma tendência.

    Posteriormente veio o CPC/15 (art. 3 §§ 1º ao 3º), a Lei da Mediação (Lei 13.140/15) e, posteriormente, a previsão de acordo de não persecução cível (art. 17, § 1º LIA, com redação dada pela Lei 13.964/19).

    Assim, começou-se a pensar no Direito pelo prisma da solidariedade, com ferramentas conciliatórias relevantes, visando uma justiça consensualizada e se evitar uma ação coletiva.

    Obviamente que tudo isso, sob a ótica da tutela coletiva, passa por alguns dogmas, como a dita indisponibilidade de interesses públicos e transindividuais, uma margem considerável de negociabilidade e, ainda, prolação de decisões estruturantes e negócios jurídicos processuais.

    Tal tendência é encontrada, por exemplo, na Resolução 179/2017 do CNMP, em especial em seu art. 1º § 2º, que passou a se mostrar alinhado com o redação dada ao art.

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