O ensino do futebol: para além da bola rolando
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O ensino do futebol - Silvio Ricardo da Silva
O ensino do futebol:
para além da bola rolando
silvio ricardo da silva
leandro batista cordeiro
priscila augusta ferreira campos
O ensino do futebol:
para além da bola rolando
jaguatirica
© Jaguatirica, 2016
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editora Paula Cajaty
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Sindicato Nacional dos Editores de Livros,
rj
L732c
O ensino do futebol: para além da bola rolando. Rio de Janeiro: Jaguatirica, 2016.
236 p.: il.; 16 x 23 cm.
ISBN
978-85-5662-036-1
15-27342,
CDD
: 629.130981,
CDU
: 629.7(81)
Editora Jaguatirica
rua da Quitanda, 86, 2º andar, Centro
20091-902 Rio de Janeiro
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Sumário
Prefácio —9
Bernardo Buarque de Hollanda
9
Por que ensinar futebol para além da bola rolando?—15
Silvio Ricardo da Silva, Leandro Batista Cordeiro, Priscila Augusta Ferreira Campos
História do futebol—25
Sarah Teixeira Soutto Mayor, Georgino Jorge de Souza Neto
Futebol e cultura—49
Amarildo da Silva Araujo, Carlos Coelho Ribeiro Filho
Futebol e o torcer—65
Erick Alan Moreira Ferreira, Adriano Lopes de Souza
Futebol e Copa do Mundo—87
Alexandre Francisco Alves, Amarildo da Silva Araújo
Futebol e profissão—113
Marina de Mattos Dantas
Futebol e racismo no Brasil—125
Bárbara Gonçalves Mendes, Luiza Aguiar dos Anjos,
Bruno Otávio de Lacerda Abrahão
A violência no/do futebol—143
Jefferson Nicássio Queiroga de Aquino
Futebol, gênero e sexualidades—157
Bárbara Gonçalves Mendes, José Aelson da Silva Junior, Luiza Aguiar dos Anjos
Futebol e artes—175
Felipe Vinícius de Paula Abrantes, Thiago Jose Silva
Aprender a chutar com as mãos: jogos eletrônicos
e o ensino do futebol—197
Rogério Santos Pereira, Silvio Ricardo da Silva
Aspectos didático-pedagógicos no ensino do futebol—219
Leandro Batista Cordeiro, Christian Matheus Kolanski Vieira
Prefácio
Bernardo Buarque de Hollanda
CPDOC
-
FGV
Entre os estudiosos do futebol, é conhecida a frase do escritor Albert Camus: Tudo quanto sei com maior certeza sobre a moral e as obrigações dos homens devo-o ao futebol
. A sentença do célebre romancista, nascido na Argélia colonial e francês por extensão, é tocante pelo modo como expressa a importância da prática futebolística em sua formação humana, ética e, por que não dizer, intelectual.
Ao que consta, Camus (1913-1960), companheiro de existencialismo de Jean-Paul Sartre e de Simone de Beauvoir, teria sido um bom goleiro de um time amador em sua adolescência argelina, antes de radicar-se na França e de imortalizar-se na literatura e na filosofia.
Embora o próprio autor não credite sua relação com o esporte à vivência escolar, pode-se dizer que foi a escola quem permitiu a Camus a ascensão social, econômica e cultural. Como seus pais eram remediados, e precisavam da ajuda do filho no provimento de suas rendas, não era evidente que fosse concluir os estudos colegiais e universitários, nem que o colégio e a universidade iriam marcar a trajetória do menino pied-noir.
Apesar das vistas grossas da família, foram determinados professores que estimularam a continuidade dos estudos: de início no primário, depois no secundário e, por fim, no ensino superior. Camus chegou a defender seu doutorado, com uma tese sobre o filósofo Santo Agostinho, mas problemas de saúde impediram-no de seguir a carreira no magistério. Tuberculoso, faleceu de maneira prematura, em um suspeito acidente de carro no final dos anos 1950, antes mesmo de completar cinquenta anos de idade.
Contam ainda os relatos que, em sua breve visita ao Brasil no ano de 1949, foi recepcionado por Oswald de Andrade. Fato inusitado para o modernista paulista, Camus interessou-se em visitar um estádio no país, provavelmente o Pacaembu. É válido especular se o excêntrico pedido já se relacionava ao prestígio internacional adquirido pelo futebol brasileiro. Isto porque se sabe que o selecionado brasileiro impressionara os jornalistas franceses na última edição da Copa do Mundo, realizada naquele país, no ano de 1938.
A especulação, no entanto, não pode ser comprovada, pois inexistem detalhes acerca da vinda de Camus ao país nas biografias dedicadas ao ensaísta. Desconhece-se assim se de fato Camus assistiu a uma partida de futebol no Brasil e se ele já ouvira falar da Seleção Brasileira, ou do atacante Leônidas da Silva, uma década antes, durante a Copa da França.
Na frase supracitada, não obstante, fica subentendida a ideia de que o futebol é um campo moral, onde se aprendem direitos e deveres, onde se transmitem e se ensinam valores, de onde se carregam ensinamentos que marcam os indivíduos pela vida afora, no decorrer de suas existências.
As palavras e os dados biográficos do romancista vieram-me à cabeça enquanto lia e percorria as páginas do livro que o leitor tem em mãos. Trata-se de obra coletiva, fruto compartilhado por mais de uma dezena de pesquisadores que, por sua vez, oferecem um saber generoso e original, teórico e prático, manual e pedestre
, destinado ao educador, primordialmente a uma tríade de profissionais da Educação Física: o professor, o treinador e o monitor.
O presente livro tem o mérito da originalidade. Se é inconteste o aumento na produção de livros de futebol no Brasil dos últimos anos – um levantamento quantitativo feito pelo
GEFUT
/
UFMG
mostrou tal crescimento em uma publicação de 2010 –, sabe-se também que há determinados tipos e padrões na escrita sobre o tema que vêm se repetindo de um tempo para cá.
Assim sendo, ora os livros têm uma origem acadêmica específica, com a conversão da tese de doutorado para o molde livresco, em que repontam, aqui e ali, traços mais herméticos, a dificultar o entendimento do leitor comum; ora trata-se do boom de livros jornalísticos que vangloriam datas de almanaque, não problematizam curiosidades boleiras banais e empilham números, listas e tabelas de competições esportivas, sem o mínimo escrutínio analítico; ora, derivado deste último, prepondera o gênero biográfico, e não faltam variações desde que Ruy Castro publicou A estrela solitária, dedicado ao macunaímico Garrincha.
Em contrapartida, a presente coletânea, voltada à matriz escolar, parece-me um espécime novo, de que não se encontram muitos equivalentes propedêuticos. Sem abrir mão do rigor de pesquisas provenientes da Academia, sua escrita é acessível e fluente. O texto valoriza e coloca em primeiro plano o leitor – inclusive, inúmeras vezes, este é interpelado pelos autores nos capítulos, como gostava de fazer, em sua ficção, o mestre Machado de Assis.
À clareza do texto soma-se o formato sui generis do livro. Ele é didático e lúdico, sem ser superficial ou esquemático. Aporta conteúdos, reflexões e ensinamentos, sempre com a proposição de pausas benfazejas ao público que o lê. Tais intervalos, como na música, são momentos inspiradores, pois permitem meditar em torno de propostas pedagógicas de aprofundamento, por meio de atividades derivadas dos temas e das lições em jogo.
Ainda sobre o estilo da coletânea, destaquem-se os boxes, que aparecem no decorrer da leitura e que trazem uma miríade de sugestões, imagens e exercícios criativos. Eles auxiliam com complementos práticos ao seu destinatário, frise-se novamente, o professor de educação física, mas também o aluno e todo e qualquer apreciador do futebol. São filmes, livros, vídeos, links, letras de música, fotografias e pinturas que ensejam desdobramentos em sala de aula, na quadra, em casa ou mesmo na biblioteca.
É como se o livro abrisse uma gama de horizontes para além do que o próprio texto, como discurso, encerra. Neste sentido, a obra segue uma forma expositiva matricial, com efeitos inesperados e múltiplos para quem o lê. O trabalho dá, portanto, vontade de continuar a ler, dá ganas de pesquisar, dá vontade prorrogar o jogo
, por meio das atividades sugeridas e dos suportes indicados.
O conteúdo do livro também merece destaque, porquanto fertiliza o diálogo entre a Educação Física, as Ciências Sociais e as Artes. Desde os anos 1970, essas áreas se seccionavam de maneira mais rígida. Nas fímbrias de seus territórios, não faltavam até animosidades, tendências à esquerda e à direita, discursos técnico-científicos versus saber clássico-humanístico, divergências de behavioristas contra intelectualistas, entre outras polarizações antitéticas fragmentárias e pouco producentes.
Este livro dilui tais fronteiras e entra em cena para ativar as potenciais sinergias nos domínios de cada uma dessas áreas. São explícitas as interfaces que ele promove do futebol com a educação, com a linguagem e com a cultura. Os temas eleitos são plurais e dão conta da complexidade do esporte, este fato social total da contemporaneidade: imaginário nacional, pertencimento clubístico, intolerância racial, violência torcedora, identidade profissional, construção de gêneros, análise de discurso, realidades virtuais, afirmações identitárias, fruição artística – tudo isto é aqui abordado.
É bem verdade que alguns dos temas em tela não são novidade e já vêm sendo estudados nos meios universitários há décadas. Mas a preocupação especial com o leitor, partícipe e não espectador do livro, faz com que os doze capítulos que enfeixam a coletânea possuam uma capacidade de síntese e de sistematização, o que ajudará muito os neófitos, os já iniciados, bem como os que chegaram há pouco e procuram se situar no meio.
Ademais, se tomarmos o caso do capítulo dedicado à identidade nacional e à participação brasileira nas Copas do Mundo, talvez o tópico mais abordado entre os que têm sido estudados ultimamente nas dissertações e teses, vamos perceber uma justa e necessária atualização, para não dizer uma reparação. Para além do futebol masculino, vemos reconstituída a performance brasileira na categoria feminina, desde que, em 1991, a
FIFA
decidiu organizar um torneio quadrienal também para as mulheres.
Trata-se de um acerto de contas com a questão de gênero, tão em evidência no Brasil, mas também um outro modo de olhar a chamada brasilidade: se nos últimos 25 anos as competições femininas de futebol foram conquistadas pelas seleções dos Estados Unidos, do Japão, da Noruega e da Alemanha, então não há por que naturalizar a virtuosidade técnica do brasileiro. Se o critério for o da divisão entre os sexos para tal afirmativa – o homem brasileiro tem uma superioridade técnica inata, não a mulher –, então como explicar a ausência de títulos da Seleção Brasileira na modalidade olímpica masculina, em mais de sessenta anos de participação amadora nas Olimpíadas?
Enquanto as temáticas estudadas à exaustão encontram aqui novas abordagens, deve-se reconhecer de igual maneira o seu inverso, isto é, a incorporação de objetos inéditos ao âmbito de estudos acadêmicos sobre futebol. É o caso do notável capítulo dedicado aos games eletrônicos, que mimetizam à perfeição as partidas futebolísticas e os principais campeonatos internacionais. Não há dúvida de que é uma coqueluche que galvaniza milhares de crianças, adolescentes e mesmo adultos por todo o mundo.
Convém admitir que até o momento tal tópico não havia recebido a devida atenção dos pesquisadores. A crescente tendência a chutar com as mãos
traz aqui uma contribuição inestimável aos professores, com uma análise percuciente dos dispositivos de percepção e de apreensão do mundo, por meio da realidade virtual, da internet, da informática e das plataformas que vêm revolucionando o mundo digital global.
Eis, pois, um livro atual, capaz de dar conta dos desafios do ensino contemporâneo na seara esportiva. Como será bem frisado a seguir, está-se diante de um material instrumental, que se quer interdisciplinar, interativo e transversal, com a capacidade de saber que existem regras e técnicas, táticas e estratégias, mas com a sabedoria de que as normas não existem sem o entendimento mais amplo da realidade sociocultural em que se inscrevem o aluno e o professor, o esporte e o jogo.
Desde o liberal Rui Barbosa, em fins do século
XIX
, passando pelo autocrático período do Estado Novo, em meados do século
XX
, leis referentes ao ensino da Educação Física nas escolas vêm sendo criadas e prescritas, a fim de normatizar e de implementar os exercícios corporais e as práticas ginásticas para todos os alunos dos níveis fundamental, médio e superior, nos diversos quadrantes do país.
Ao longo de nossa história, também não faltaram bons intérpretes do tema, com visão institucional, como um Fernando de Azevedo, em São Paulo, ou um Inezil Penna Marinho, no Rio de Janeiro. Sob este ângulo, estes autores seguem as diretrizes mais gerais de um pensamento progressista para a educação, que, por seu turno, também foi pródigo em pontificar intelectuais de ponta. Basta lembrar um Anísio Teixeira, um Paulo Freire ou um Darcy Ribeiro.
A despeito de todos os problemas de nossa realidade social, temos hoje, portanto, uma legislação acumulada e uma galeria de pensadores que projetaram ações e planos condizentes com os anseios de uma pedagogia. Esta almeja conduzir o homem à sua emancipação por intermédio do conhecimento científico, sempre integrado à dimensão artística e ao universo desportivo.
Creio por fim que a utilidade deste livro será dupla: de um lado, ferramenta para fins didáticos do professor; de outro, artefato que contribuirá para a história da Educação Física, tendo por alvo a matriz escolarizada do futebol. Espera-se assim que ele esteja presente nas prateleiras de todas as bibliotecas das escolas brasileiras, nas bibliotecas públicas nacionais e nas livrarias de todo o país. Que ele seja lido individualmente, mas também que seja discutido por professores e alunos de maneira coletiva, gregária, solidária, com vistas à concretização de suas ideias e de seus ideais, de suas propostas e de suas sugestões inovadoras.
Por que ensinar futebol para além da bola rolando?
Silvio Ricardo da Silva
Leandro Batista Cordeiro
Priscila Augusta Ferreira Campos
Dificilmente encontraremos alguém que não tenha alguma história para contar envolvendo futebol. Ora, na condição de jogador(a), ora na condição de torcedor(a), por vezes gostando, por vezes não gostando. Em certos momentos protagonizando, em outros testemunhando. Esse esporte, que chega ao Brasil no final do século
XIX
, ganha tamanha notoriedade, que logo se consolidou em nossa cultura.
Assim, desde aquela época, passando pelo século
XX
e chegando ao século
XXI
, o futebol tem marcado, entre outros, o cenário de ambientes socioeducativos em solo nacional, sendo em muitos casos o esporte preferido do público que frequenta tais espaços. Se estivéssemos tratando dos Estados Unidos da América, muito provavelmente teríamos outro cenário, não é mesmo? Nesse país o futebol ainda não se encontra no 1º lugar da preferência nacional, visto que o futebol americano detém tal colocação.
Mas, retornando a tratar do nosso país, por aqui a paisagem é outra, com o futebol ocupando lugar especial nos corações e mentes de grande parte da população brasileira, independente de gênero, idade, cor da pele ou religião.
Todavia, não são só os/as brasileiros/as que gostam de futebol. Temos notícias recentes de que a média de ocupação dos estádios de futebol na Europa é bem alta, algo em torno de 80%. Há grande mobilização das pessoas ao redor do mundo para assistir seus respectivos times do coração ou mesmo a seleção de futebol do seu país. Para se ter uma ideia dessa dimensão, o jornal O Globo, em sua edição on-line do dia 06/05/2014, afirmou que metade da população mundial, cerca de 3,6 bilhões de pessoas, estaria ligada na Copa do Mundo
FIFA
de Futebol que ocorreu no Brasil em 2014. Mesmo países que até bem pouco tempo não tinham reconhecida tradição no futebol, como é o caso dos Estados Unidos e da China, estão fazendo investimentos vultuosos na formação de equipes.
Além disso, o futebol é um catalisador de emoções de enorme proporção. Por causa do futebol brigamos, rimos, choramos, abraçamos quem não conhecemos, sofremos, entramos em êxtase, provocamos, vivenciamos o gosto amargo da derrota e o sabor da vitória. O futebol une e separa, faz amigos e rivais, e por vezes se torna um eixo condutor de trajetórias de vidas de homens e mulheres.
Outro aspecto interessante quanto ao futebol diz respeito à linguagem, ou seja, ao uso de expressões e palavras com origens futebolísticas e que são utilizadas no cotidiano das pessoas. Assim, quem nunca fez corpo mole para cumprir uma tarefa, tirou o pé da dividida ao perceber que não teria êxito na situação, embolou o meio campo por não conseguir expressar sua ideia de forma que todos a entendessem ou pisou na bola com alguém de quem se gosta; enfim, essas são apenas algumas das expressões corriqueiras do futebol brasileiro presentes em nosso vocabulário. Também é comum ouvirmos o jargão que somos duzentos milhões de técnicos de futebol, ou seja, todos se veem na condição e direito de opinar sobre escalações e sistemas táticos dos seus respectivos times, bem como sobre os destinos do futebol no Brasil.
O antropólogo Roberto DaMatta, um dos primeiros estudiosos do futebol no âmbito das Ciências Humanas e Sociais, diz que "o futebol praticado, vivido, discutido e teorizado no Brasil seria um modo específico, entre tantos outros, pelo qual a sociedade brasileira fala, apresenta-se, revela-se, deixando-se, portanto, descobrir" (
DAMATTA
, 1982, p. 21).
Sendo então o futebol tão presente no cotidiano de diversos países e seus respectivos grupos sociais, incluindo a nossa sociedade, brasileira, acredita-se que ele deveria ser um tema tratado com finalidades mais amplas no interior da escola e de outros espaços educativos onde é praticado, como as escolinhas e os projetos sociais. Infelizmente vimos que não tem sido assim, o que vemos é na maioria das vezes, só a bola rolando.
Quer dizer que o fato de o futebol ser assunto constante na sociedade, seja através da zoação entre torcedores, seja por algo que aconteceu no fim de semana como, por exemplo, a violência entre as torcidas, ou mesmo um caso de racismo ou homofobia, não o faz tema de discussão sistematizada no âmbito da Educação Física ou das demais disciplinas escolares?
É, não o faz!
Quer dizer que o fato de o futebol ser escolha de muitas crianças e jovens, vinculados a projetos sociais e escolinhas, que estão em busca de uma formação específica (de jogar futebol), mas também de uma formação complementar (de cidadania) não lhes garante aulas que vão além do jogar bola
?
Não, não lhes garante!
Infelizmente, temos percebido que o futebol, enquanto conteúdo da educação, vem sendo tratado no interior da maioria das escolas brasileiras, projetos sociais e escolinhas de forma reducionista. Através de constatações cotidianas, ou mesmo de trabalhos de pesquisa, vemos que durante as aulas nos espaços acima citados, o futebol acontece apenas ao nível da prática (o fazer pelo fazer), desprovido de reflexões teóricas sobre o saber fazer corporal ou sobre as referidas conexões sociais que permite; também é vivenciado, na maioria das vezes, de maneira sexista, sendo oferecido como atividade apenas ao grupo masculino.
Poucas vezes é abordado na perspectiva da cultura corporal de movimento, isto é, como conteúdo cultural que deve ser ensinado pela vivência prática do movimento, como também, refletido, contextualizado e redimensionado.
DAÓLIO
(1997, p. 33) afirma que trabalhar com uma prática esportiva nas aulas de Educação Física é muito mais do que o ensino das regras, técnicas e táticas. É necessário, acima de tudo, contextualizar esta prática na realidade sociocultural em que ela se encontra
.
Entretanto, o que vem ocorrendo ao longo dos tempos é que a escola, os projetos sociais e as escolinhas ainda não reconhecem o futebol, entendido de forma mais ampla, como uma possibilidade de educação e de formação para a vida social. E talvez aquelas que reconheçam ainda não sabem como operar ou têm dúvidas sobre a escolha.
Por que a maioria não faz? Porque o futebol na escola tem a conotação do rola bola, algo para passar o tempo dos alunos? Conteúdo sem importância?
Por que o futebol, na maioria dos projetos sociais e escolinhas, vem carregado de um discurso moralista, salvacionista, que vai fazer da criança e do jovem um atleta de sucesso e redimi-los das mazelas presentes na sociedade?
Você tem alguma pista?
Diante dos nossos argumentos você também se sensibilizou com o futebol como uma possibilidade educacional para além da bola rolando
?
Entende que podemos ensinar muitas outras coisas relacionadas ao futebol, ou mesmo através do próprio futebol?
Entende que podemos ampliar o universo cultural dessas crianças ou desses jovens que estão na escola, em um projeto social ou em uma escolinha, tendo o futebol como tema?
Vamos tentar mudar esse quadro?
Cremos que um pouco de argumentos de educadores reconhecidos podem lhe ajudar a também ter argumentos para um possível estranhamento do seu local de atuação, caso você resolva aceitar nossa provocação e comece a trabalhar com o futebol "para além da bola rolando", ou seja, que a sua atuação seja condizente com aquilo que se espera de um educador que lida com o conteúdo futebol em ambientes educacionais!
Desta forma, ao pensar sobre intencionalidades no contexto educacional, entendemos tais aspectos como peças chaves no processo de ensino e aprendizagem do futebol, e que se revelam através do papel desempenhado pelo professor/treinador/monitor, a partir dos objetivos traçados, metodologias utilizadas e conteúdos desenvolvidos.
Conforme Paulo Freire (1996) o ato de ensinar é uma prática humana que denota uma intencionalidade do educador, e expõe, implícita ou explicitamente, as suas perspectivas de educação e de formação humana, traduzindo uma maneira de intervenção no mundo.
É nesse sentido que defendemos que o ato de ensinar deveria se basear em quatro fundamentos, como apontado por
CALDEIRA
(2001):
1) a intencionalidade do trabalho docente, isto é, traçar os objetivos e alcançá-los por meio de uma