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Uma História das Copas do Mundo - volume 2
Uma História das Copas do Mundo - volume 2
Uma História das Copas do Mundo - volume 2
E-book948 páginas12 horas

Uma História das Copas do Mundo - volume 2

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Sobre este e-book

Para conhecer o futebol. Para conhecer a História. Para conhecer o mundo. Em Uma História das Copas do Mundo – futebol e sociedades, Airton de Farias faz uma apaixonante análise da trajetória do esporte mais popular do planeta e suas conexões com diversas sociedades e processos históricos.“Nunca foi feito nada igual no Brasil”, escreve Juca Kfouri, em sua apresentação do livro Uma História das Copas do Mundo – futebol e sociedade, de autoria do historiador Airton de Farias, a ser lançado em abril pela editora Armazém da Cultura. O texto, em mais de mil páginas, editado em 2 volumes, aborda a contextualização política do mundo pré-Copa, de 1930, ano da primeira Copa, até hoje, quando chegamos à vigésima, insere e relaciona o esporte mais popular do planeta na vida e na política com grandes fatos e processos históricos do final do século XIX, XX e início do XXI. Em nome da bola fez-se guerras, como entre Honduras e El Salvador, em 1969. Em nome da bola, torcidas digladiar-se-iam. Em nome da bola, a paz aconteceu. Com a bola, o neonazismo se expande na Europa, aproveitando-se da crise que o mundo capitalista vive desde 2007. Em nome da bola, povos se confraternizaram, a ponto de inimigos irreconciliáveis, a exemplo de Irã e Estados Unidos, darem-se as mãos dentro de campo e ficarem lado a lado, como se fossem velhos companheiros em divertido jogo de várzea no final da tarde. Com a bola, um indiozinho argentino (Maradona) venceu um gigante inglês, vingando toda uma nação que perdera uma ilha numa guerra delirante estimulada por uma ditadura sanguinária. São relatos do autor Airton de Farias, fundamentados em pesquisa de dois anos e meio com inúmeras fontes e matérias que respaldam e conferem absoluta credibilidade ao livro.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento13 de jul. de 2021
ISBN9788584920105
Uma História das Copas do Mundo - volume 2
Autor

Airton de Farias

José Airton de Farias nasceu em Santana do Acaraú-CE, em 1973. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e em História pela Universidade Estadual do Ceará (UECE), é, também, Mestre em História Social pela mesma UFC. Atualmente é doutor em História pela Universidade Vale do Cariri/Universidade Federal Fluminense. Exerce a profissão de professor há mais de 20 anos, ministrando aula em diversos colégios e faculdades do estado. Já escreveu 30 livros sobre os mais diversos temas, abrangendo biografias, ensaios e esporte.

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    Uma História das Copas do Mundo - volume 2 - Airton de Farias

    9788584920105.jpgfolha

    Copyright ©2014 by Armazém da Cultura


    Editora

    Albanisa Lúcia Dummar Pontes

    Secretária Administrativa

    Telma Regina Beserra de Moura

    Projeto gráfico, capa e editoração eletrônica

    Francisco Oliveira

    Rudsonn Duarte

    Suzana Paz

    Foto de capa

    Alessandro Puccinelli

    Assessora de Comunicação

    Mariana Dummar Pontes

    Revisão

    Carlos Augusto Ribeiro Neto

    Paulo Bentancur

    Revisão final

    Vessillo Monte

    (Proibida a reprodução total ou parcial deste livro, por qualquer meio ou sistema, sem prévio consentimento da editora.)

    Texto estabelecido conforme o novo acordo ortográfico da língua portuguesa

    Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

    (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)


    Farias, Airton de

    Uma história das Copas do Mundo : futebol e

    sociedade, volume 2 / Airton de Farias ;

    ilustrações Daniel Brandão. -- Fortaleza :

    Armazém da Cultura, 2014.

    ISBN: 978-85-63171-93-1

    1. Copa do Mundo (Futebol) 2. Copa do Mundo

    (Futebol) - História 3. Política - História

    I. Farias, Airton de. II. Título.

    14-03735 CDD-796.334668


    Índices para catálogo sistemático:

    1. Copa do Mundo : Futebol : História

    796.334668

    Todos os direitos desta edição reservados ao Armazém da Cultura

    Rua Jorge da Rocha, 154 – Aldeota

    Fortaleza – Ceará – Brasil

    CEP: 60150.080

    Fone/Fax: (85) 3224.9780

    Skype: armazem.da.cultura

    Site: www.armazemcultura.com.br

    E-mail: armazemdacultura@armazemcultura.com.br

    front

    Bem aventurados os que não entendem nem aspiram a entender de futebol, pois deles é o reino da tranquilidade.Carlos Drummond de Andrade, in Sermão da Planície

    Para Marília, moça de livros, sonhos e lutas

    SUMÁRIO

    Apresentação

    Capítulo 1 – A Copa do Mundo da Itália, em 1990

    O Colapso do Socialismo Real

    Ditaduras Comunistas e Futebol

    Na Terra do Calcio – e do capital

    A Fogueteira

    A Era Dunga

    Alegria Africana

    A superioridade germânica

    Naufrágio Verde e Amarelo

    Onde nenhum africano tinha ido

    Poderio Britânico

    O futebol continua a política novamente...

    Capítulo 2 – A Copa do Mundo nos Estados Unidos, em 1994

    A excepcionalidade americana

    A Era Dunga Triunfa

    Eliminatórias

    A Tragédia Colombiana

    Importa é vencer

    A decepção Alemã

    Diego Cai

    Os grandes avançam

    Branco Salva

    Enfim, Tetra

    Sabe com quem tá falando?

    Capítulo 3 – A Copa do Mundo na França, em 1998

    Futebol S.A.

    Futebol e capitalismo

    O Caso Bosman

    Futebol e Televisão

    A Lei Pelé no Brasil

    Sem solução de continuidade

    Uma Copa Maior

    Tenta, Brasil!

    As Águias voam

    Fanáticos x Grande Satã

    Reggae e Futebol

    O Futebol da França

    O Brasil convence

    Afunilando

    Mais que a diplomacia

    A França entra no clube dos campeões

    Capítulo 4 – A Copa do Mundo no Japão e Coreia do Sul, em 2002

    Meia Copa é melhor que nada

    Futebol no Oriente

    A Austrália faz 31 gols num jogo

    Família Scolari

    Problemas para a Copa

    Senegal

    Maré Vermelha

    O grupo da Morte

    O Brasil Arranca

    De novo, 1966

    Acreditando no Penta

    Cinco vezes campeão do Mundo

    Capitulo 5 – A Copa do Mundo na Alemanha, em 2006

    Escolha suspeita

    Entre novos e velhos

    Afora o Futebol

    Sonhando com a Alemanha

    Como nunca antes na História deste País

    Segurança

    A Alemanha Empolga

    A Itália está em crise

    França no sufoco

    Não tão mágico

    A França renasce

    Zizou desmonta o quadrado

    Pesos-Pesados

    A Azzurra é tetra

    Capítulo 6 – A Copa do Mundo na África do Sul, em 2010

    O Apartheid...

    ...E o futebol

    Depois do Apartheid

    Sim, a África pode

    Um Mundo em Crise

    A nova Era Dunga

    Entre Jabulanis e Vuvuzelas

    A Celeste voltou

    Efeito déjà vu

    A Azzurra frustra

    Dias de Fúria

    Concentração total

    A América domina a África

    Vingança laranja

    Mão celestial

    Na lógica

    A Fúria (ou La Roja) triunfa

    Capítulo 7 – A Copa do Mundo no Brasil, em 2014

    O Brasil ganha a Copa

    Ricardo Teixeira, a queda

    Fulecos, caxirolas, brazucas e (risco) de elefantes brancos

    Números

    A FIFA continua a mesma

    Um time para ser hexa

    A Copa das Manifestações

    Fim de Jogo

    Apresentação

    Juca Kfouri

    Jornalista e formado em Ciências Sociais pela USP

    Airton e Daniel acabam de formar uma das mais perfeitas tabelinhas da história do futebol mundial.

    Airton de Farias e Daniel Brandão, o primeiro craque da pesquisa e do texto, o segundo um ilustrador de primeira.

    Farias e Brandão, dê você o nome que quiser à dupla, nos dão o prazer de ler e ver uma goleada como nunca antes, ao menos no Brasil, havia sido produzida tendo as Copas do Mundo como tema.

    Uma História que vai além das quatro linhas do gramado, sem descuidar, ao contrário, da fantasia que as coisas da bola aprontam dentro dela.

    A contextualização política do mundo pré-Copa (quase escrevi pré-histórico, como se fosse impossível pensá-lo sem futebol...) e de 1930, ano da primeira Copa, até hoje, quando chegamos a 20a, insere o esporte mais popular do planeta na vida e na política como ele merece.

    Chute certeiro no preconceito dos que o viam como alienante e na exata medida de sua importância cultural e política, até como fator de resistência democrática.

    Ora, não serei eu a enumerar aqui os exemplos, para não tomar o seu tempo e, principalmente, o prazer da leitura ricamente ilustrada.

    Ressalte-se, ainda, apenas como conclusão deste rápido pré-jogo, a abordagem da década perdida, a década sem Copa, a de 1940, para justa inconformidade dos hermanos argentinos que tinham tudo para se consagrar bicampeões mundiais em 1942/46, com o que se igualariam aos italianos que, antes da Segunda Grande Guerra, em 1934/38, alcançaram a façanha. Depois dela, como se sabe, duas seguidas, só, nós, os brasileiros, em 1958/62.

    Mas isso é História e aqui você a encontrará muito mais bem contada por dois goleadores.

    Sim, porque esta Uma História das Copas do Mundo - Futebol e sociedade é daquelas que o apresentador gostaria de ter escrito.

    Certamente não há em língua portuguesa nada igual, porque, repita-se, é muito mais que uma história futebolística das Copas, mas uma apaixonante história política e social desde os primórdios do esporte.

    Nas mais de mil páginas em dois volumes há mais citações que os gols de Pelé, todas de boas fontes e que não atrapalham a fluidez da leitura, ao contrário, a respaldam e conferem absoluta credibilidade.

    Em resumo, o que você tem nas mãos é uma obra portentosa. Nem mais nem menos.

    PREFÁCIO

    Algumas pessoas acreditam que futebol é questão de vida ou morte. Fico muito decepcionado com essa atitude. Posso garantir que futebol é muito, muito mais importante.

    Bill Shankly, técnico do Liverpool, da Inglaterra entre 1959-74

    Serei bem claro: este é um livro de síntese, com certo caráter didático, para aqueles que desejam dar os primeiros passos na tentativa de compreender melhor o futebol além dos gramados. Não é uma obra de estatísticas futebolísticas (embora as use também, eventualmente), nem uma obra rigorosamente factual e cronológica (nos capítulos, como o leitor perceberá, há muitas idas e vindas no bailar contraditório e instável dos anos). Também não visa realizar uma hagiografia de boleiros, ainda que fale bastante da trajetória dos jogadores, pois, como de se esperar numa obra deste tipo, os atletas são considerados atores sociais, alvos de grande atenção dentro do processo histórico. Igualmente, não tenho a intenção de focar nestas linhas causos pitorescos ou folclóricos e, muitos menos, detalhar todas as escalações, treinadores, lugares e horários das partidas das copas e o exato tempo de jogo em que aconteceram os cartões e os gols. Você está alertado, caso deseje prosseguir (se é um leitor igual a mim, que deixa para ler por último o prefácio, esse primeiro parágrafo é totalmente dispensável e sua frustração, caro leitor, é deveras compreensível...).

    E do que trata este livro, afinal?

    Sou um aficionado por futebol e, como professor há ٢٠ anos, um apaixonado por História, igualmente. Dito isso, fica fácil perceber o objetivo principal da obra: entender a História (ou uma parte da História) da humanidade, entre o final do século XIX e o começo do século XXI, através da modalidade esportiva mais popular do planeta. Essa abordagem, creia, é algo fascinante. É incrível a quantidade de episódios históricos e conflitos, simbólicos ou não, que podem ser percebidos nas partidas de clubes e seleções, afora indicativos, características, contradições e pormenores das sociedades. Não é temerário afirmar que a História do mundo, nos últimos cento e tantos anos, passou pelos estádios de futebol.

    É uma obra, portanto, ousada (audaciosa) e, por isso mesmo, aberta a críticas. A primeira dessas, de caráter mais historiográfico, talvez se refira à pretensão do autor de querer tratar de toda a História do futebol (e do mundo!) em cerca de 1000 páginas. Aceito o reparo dos colegas historiadores. A História do futebol vai além, mas muito além destas páginas. Certamente por abarcar mais temas, peco em não aprofundá-los devidamente (embora, digo de coração, minha intenção fosse fazê-lo e busquei atingí-lo dentro do possível). Sem esquecer que vários outros temas ficaram à margem. O profissional da História sabe que, num livro, não é por acaso a escolha de um tema e o esquecimento daquele. O Historiador, ao fazer uma pesquisa, traz, consigo, suas perspectivas ideológicas, culturais, etárias, étnicas, de gênero, etc. O pesquisador escolhe a pesquisa – mas a pesquisa também escolhe o pesquisador. Assim, saiba, amigo leitor, a História do futebol vai igualmente bastante além dos temas e abordagens aqui realizados. Este livro é apenas um leve aquecimento para quem deseja, de fato, entrar em campo...

    Há ainda o problema das interpretações de outros estudiosos. A obra não é só minha (por isso, inclusive, uso o chamado plural da modéstia). Procurei-me apoiar no que havia de mais recente na produção acadêmica (teses, dissertações, monografias, artigos, etc.), tudo devidamente citado para aqueles que desejem aprofundar a leitura e os estudos. São produções dos cursos de História, Sociologia, Educação Física, Comunicação Social e áreas afins de todo o Brasil. Igualmente fiz uma leitura das obras clássicas, produzidas por memorialistas, jornalistas, biógrafos, etc. Documentos e fontes, especialmente jornais, estão discriminados ao longo dos capítulos. No final do livro há uma gigantesca lista de referências. Sei que algumas vezes tantas citações congelam a leitura, principalmente numa obra que alimenta pretensões didáticas e gerais. Mas, por honestidade intelectual e respeito ao leitor e aos colegas pesquisadores, não poderia deixar de fazer isso. Espero compreensão.

    Assim, novamente, alerto o leitor, mormente aquele que não tem maiores intimidades com as lides historiográficas, que este livro traz uma interpretação, não a interpretação. Há muito que a História abandonou a obsessão em encontrar a verdade. A História (e suas interpretações) é fruto dos embates atuais e dos desejos futuros, e das contradições entre os vários grupos sociais. Não espere neutralidade nestas páginas. Não sou o portador da verdade. Nem o quero ser. Possivelmente, muito do que está dito aqui seja passível de contestação ou provoque acalorados debates. Isso é bom. É assim que as ciências humanas avançam. A crítica e o debate são da essência mesma da História.

    Mas por qual razão um leitor se interessaria por uma obra que gasta páginas e páginas falando do extracampo e não sobre o seu craque favorito ou da conquista memorável? Os livros sobre futebol encerram contradições. Muitos torcedores estão satisfeitos em compreender as táticas de seus times e os assuntos mais comuns das colunas esportivas dos jornais ou dos programas de rádio e televisão. Por outro lado (por muito tempo), o mundo acadêmico tratou com certo desdém o esporte das multidões. Quando não era visto como ópio do povo, ignorava-se quase por completo o espetáculo da bola em si. O torcedor e o acadêmico pareciam seres de dimensões antagônicas.

    Entretanto, cada vez mais estudiosos deixam de ver no futebol uma prática alienante. É óbvio, como veremos a seguir, que, sim, distintos regimes políticos, fossem ditatoriais ou democráticos, buscaram utilizar a modalidade na intenção de angariar apoios internos ou exibir prestígio internacional. Mais recentemente, dentro de um intenso processo de mercantilização, o adepto do futebol passou a ser visto apenas como um consumidor e, o jogo, como um lucrativo negócio. Essas perspectivas, entretanto, como normal dentro do dinamismo e diversidade das sociedades, não são absolutas. Se ditadores usaram o futebol, este igualmente serviu como estratégias de resistência e de questionamentos aos dominados. Não poucos jogadores tiveram destacados papeis políticos em seus países, questionando e expondo estruturas sociais autoritárias e viciadas. Clubes expressavam os anseios de povos por liberdades. Em estádios, multidões entoaram gritos de guerra contra governantes ou os vaiaram enfaticamente. Protestos iniciaram-se exatamente quando competições esportivas aconteciam... Alienante, como assim? Cada vez fica mais claro para os pesquisadores da área de humanas que as sociedades e suas peculiaridades e contradições passam (também) pelos estádios de futebol, mundo afora.

    Assim, questões de nossa época podem ser pensadas a partir das partidas de futebol, particularmente nas copas do mundo. A criação do próprio Mundial, por Jules Rimet, não pode ser desvinculada dos crescentes sentimentos e tensões nacionalistas que varriam o mundo, especialmente a Europa, nas primeiras décadas do século XX – e que contribuiriam para a eclosão de duas Guerras Mundiais. A seleção italiana, bicampeã em 1934 e 1938, fazia a saudação dos adeptos de Mussolini, como se fosse a materialização de um fascismo de chuteiras. Em nosso País, o futebol teve e tem forte componente na formação da identidade nacional – não por acaso, ainda hoje é popular a expressão Pátria de Chuteiras e falamos, geralmente, do Brasil jogando, e não da seleção brasileira de futebol, como se a nação fosse a onzena verde e amarela. Tal componente não escapou aos interesses variados de diversos atores sociais e políticos e por vezes teve de lidar com problemas que ainda hoje incomodam a sociedade brasileira, a exemplo do racismo. O goleiro da Seleção de 50, Barbosa, que o diga. E a Alemanha que, de certo modo, se reergueu do Nazismo e da II Guerra ao conquistar o título de 1954? Não se pode desconsiderar a conquista da Taça Jules Rimet para a autoestima de um povo arrasado como aquele. Um raciocínio parecido pode ser feito para a Argentina, que após sofrer uma dolorosa derrota na Guerra das Malvinas, em 1982, acabou sendo campeã do Mundo, em 1986, superando os rivais ingleses, o que levaria à divinização de Diego Maradona.

    Em suma, este livro fala de Histórias – Histórias de vários povos/sociedades e futebol, buscando evidenciar as intercessões, influências e tensões que apresentam, particularmente nas Copas do Mundo e que, não raro, passam despercebidas por grande parte dos torcedores e analistas. E mesmo que isso não lhe desperte a atenção, posso dizer que o livro trata de Futebol e ao mesmo tempo, de alguma coisa de História política. Ou, inversamente, aborda um pouco (não tão pouco) de História política e de futebol. Reúne duas paixões do autor. Sim, podemos aprender História através do futebol. E, sim, aquele jogo decisivo do campeonato tem muito a informar sobre nossas sociedades.

    Os dois volumes da obra somam 23 capítulos, cada um tratando das respectivas Copas em sequência e contando ainda com um tema transversal principal. Assim, na Copa de 1958, abordo o futebol na antiga União Soviética/Stalinismo; na Copa de 1966, falo do futebol em Portugal/Salazarismo; na Copa de 1970, trato da Ditadura Civil-Militar/Tricampeonato mundial brasileiro; e assim por diante. Há quatro capítulos que não tratam de Copas (pelo menos, não diretamente). O primeiro, quando abordo as origens do futebol; o segundo, que trata da chegada do futebol ao Brasil; o sexto, que tem como objetivo os anos 1940, a década sem Copa, devido à II Guerra; e o último, que foca nos acontecimentos que antecederam o Mundial brasileiro de 2014. Embora tenha tentado desenvolver uma linha cronológica tradicional, isso por vezes não foi cumprido rigorosamente, falando-se detemas e épocas soltas onde melhor se encaixassem, dentro do desenrolar das Copas e jogos das seleções. Também recorro muitas vezes a boxes ao longo das páginas, o que, a meu ver, enriquece o livro, pois trata de questões importantes que não teriam como serem abordadas no texto-base.

    Por fim, não poderia deixar de falar acerca das ilustrações do livro, feitas pelo talentoso quadrinista Daniel Brandão. Os desenhos de Brandão trouxeram a arte para dentro das páginas, tornando a leitura bem mais agradável. O leitor mais minucioso poderá perceber com os painéis do desenhista são um resumo de cada capítulo. E são desenhos maravilhosos, de grande perfeição e beleza. Diria, usando o jargão do mundo da bola, que Daniel, com muita categoria e astúcia, e fazendo tabelinhas geniais com este autor, entrosou ainda mais o livro para o deleite do leitor.

    Espero que o livro atenda as suas expectativas e que o motive a analisar o futebol – e as sociedades – com outras perspectivas.

    O autor

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    O Colapso do Socialismo Real

    Surgida com base no pensamento marxista e em decorrência da Revolução Russa de 1917, a União Soviética viveu a partir dos anos 70 uma grande estagnação econômica. Não acompanhou o intenso processo de aperfeiçoamento tecnológico vivido pelo Ocidente (que é chamado por muitos de terceira Revolução Industrial – computação, informática, etc.). As condições de vida da população foram se deteriorando. O autoritarismo, os privilégios das elites estatais (nomenklatura), a baixa produtividade, a burocratização da economia e da sociedade do País – o que se verificava também nas outras nações socialistas do Leste Europeu – tornavam cada vez mais vazios os discursos de igualdade do que foi chamado de socialismo real.

    Para complicar, no começo dos anos 80, a União Soviética elevou os gastos em armas, pois nesse período a Guerra Fria foi retomada com mais intensidade, em virtude da chegada à presidência dos Estados Unidos do radical anticomunista Ronald Reagan (1980-88), que adotou uma política belicosa, de cerco ainda maior ao bloco socialista. Os soviéticos tinham também que bancar uma desastrosa guerra no Afeganistão, país que invadira em 1979 para ajudar um governo de esquerda na luta contra os mujahedins, grupos guerrilheiros muçulmanos apoiados por americanos, iranianos, chineses, entre outros inimigos de Moscou.

    Diante da complicada situação, Mikhail Gorbacheav, no comando soviético desde 1985, tentou mudanças, propondo o desarmamento internacional e as políticas da perestroika (abertura econômica) e glasnost (democratização do Estado). A economia soviética, porém, não conseguiu retomar o crescimento – na verdade, ficou ainda mais desorganizada – e a abertura política desencadeou sérias críticas ao sistema socialista e suas contradições. Reformistas (que desejavam mais e rápidas mudanças) e nomenklatura (contrários às reformas) começaram a travar duras disputas políticas. Várias das repúblicas que formavam a União Soviética (eram 15) passaram a questionar o domínio da Rússia sobre o país, numa onda nacionalista e separatista.

    Ao mesmo tempo, os países do Leste Europeu aproveitaram para se livrar da ingerência soviética e do autoritarismo. No final da década de 80, um a um, os regimes socialistas foram ruindo, alguns com violência como na Romênia e Iugoslávia, a maioria pacificamente, como na Alemanha Ocidental. Em novembro de 1989, o famoso Muro de Berlim, maior símbolo da Guerra Fria, foi demolido festivamente pela população e, no ano seguinte, as Alemanhas foram reunificadas, evento que coincidiu com as comemorações pela conquista da Copa do Mundo de 1990 pelo selecionado germânico na Itália. Ante o fracasso das reformas, Gorbachev foi se enfraquecendo. Em 1991, ultraconservadores tentaram derrubá-lo para restaurar o regime, num golpe que, porém, fracassou e teve efeito contrário, acelerando ainda mais o fim do socialismo no país. Em dezembro de 1991, Gorbachev renunciou e a União Soviética deixou oficialmente de existir, se fragmentando em vários países e tendo na Federação Russa sua herdeira política (ARBEX JR, 1993; HOBSBAWM, 1998).

    Na União Soviética, as reformas realizadas por Gorbachev em meados dos anos 80 não deixaram de impactar o futebol, sendo discutidas com ênfase a estrutura organizacional dos clubes e a adoção da profissionalização dos jogadores. Em 1988, o amadorismo foi oficialmente extinto. Clubes passaram a receber investimentos privados e a ter na venda de atletas uma fonte de renda. Não poucos jogadores, os melhores, foram vendidos para clubes estrangeiros. Em 1986, por exemplo, Zanarov, do Dínamo de Kiev, e escolhido o destaque do ano do futebol soviético, foi vendido por cinco milhões de dólares ao Juventus, da Itália.

    O nível técnico dos campeonatos soviéticos, porém, caiu e a seleção nacional sentiu os efeitos da ausência dos melhores valores. Como em outros países da América Latina, África e Ásia, os atletas soviéticos do exterior tinham dificuldades para ser liberados pelos clubes para treinar e jogar pelo selecionado. A presença de público diminuiu nos estádios, o que pode ser associado também ao aprofundamento da crise econômica. Apesar disso, a seleção soviética seria vice-campeã da Eurocopa de 1988 (perdendo a final para a Holanda por 2 x 0) e ouro nos jogos olímpicos de Seul (ganhando do Brasil por 2 x 1).

    Com a liberdade de expressão, possibilitada pela Glasnost, veio a público a realidade do sistema totalitário. Em 1989, a revista Soviettky Sport trouxe impactante reportagem sobre a tragédia acontecida 7 anos antes no estádio Lênin, quando do jogo entre Spartak, de Moscou, e Haarlem, da Holanda, pela Copa da UEFA – um tumulto nas arquibancadas provocou a morte de 66 pessoas, segundo o governo soviético, ou de 340 pessoas, conforme estimativas paralelas. Para a tragédia, contribuiu também a postura dos policiais em dificultar o acesso às saídas. O incidente foi totalmente escondido da população soviética (noticiou-se apenas que alguns torcedores tinham saído feridos).

    Atletas vítimas da perseguição soviética começaram a escrever suas memórias. Um deles foi Nikolai Starostin, alvo da ditadura stalinista e condenado a trabalho forçado num gulag. [...] Ninguém sabe o número exato de vítimas; sabe-se apenas que o terror estalinista dizimou cinco ministros do desporto, diversos chefes de importantes ligas de futebol universitário, eminentes estudiosos e médicos desportivos e, provavelmente, milhares de desportistas de primeira linha (RIORDAM, 2006: 481).

    Ditaduras Comunistas e Futebol

    No pós-II Guerra Mundial e enquanto durou o socialismo real, as seleções de futebol de países comunistas que mais se destacaram foram as da União Soviética, Hungria, Polônia, Tchecoslováquia e Iugoslávia (a Coreia do Norte teve apenas uma única e boa participação). Nesses e em outros países socialistas, o futebol era oficialmente amador e os clubes se vinculavam a alguma instituição estatal (fábricas, cooperativas, forças armadas, etc.). O sucesso do futebol foi frequentemente auxiliado pelos patrões dos clubes, que ocupavam altos cargos na máquina do partido [comunista] (GIULIANOTTI, 2002: 118). Os jogadores de futebol e de outras modalidades eram, em teoria, empregados dessas empresas, mas na prática, dedicavam-se normalmente apenas ao esporte e eram pagos para isso (RIORDAM, 2006: 483). Os jogadores do sensacional time da Hungria de 1954, por exemplo, eram membros do exército do país, atuando no esporte apenas nos momentos de folga. Como os triunfos ajudavam a cimentar o nacionalismo e servia de propaganda para a causa socialista, os atletas desfrutavam de grande prestígio e contavam com privilégios negados a outros cidadãos¹ (JESUS, 2010).

    As distorções do regime atingiam o futebol – já falamos como o Dynamo de Berlim, da Alemanha Oriental, foi campeão consecutivamente entre 1979 e 1988, contando com o apoio da Stasi (serviço secreto) em atos de corrupção, compra de resultados, doping, coação e prisão de adversários, etc.². Na Romênia, um dos países que havia participado, inclusive, das duas primeiras Copas do Mundo em 1930 e 1934, o regime comunista vigiava e interferia na modalidade. Ali se destacariam duas equipes: o Estrela (Steaua) de Bucareste (antigo CSCA, das Forças Armadas) e o Dínamo (ligado ao Ministério do Interior). Esses times, especialmente o Estrela, eram favorecidos pela ditadura de Nicolae Ceausescu. Comumente os atletas-revelação em qualquer outro time do país eram transferidos para a equipe da capital, embora, até um time inexpressivo da cidade onde nascera o ditador, o Viitorul, de Scornicesti, tenha sido igualmente favorecido pelo regime para chegar à primeira divisão romena em 1979.

    Em 1988, o Estrela Bucareste foi campeão da Liga dos Campeões Europeus, ganhando nos pênaltis do poderoso Barcelona em plena Espanha (foi o segundo título continental de uma equipe do Leste Europeu – em 1974, o Magdeburgo da Alemanha Oriental fora ganhador da Recopa Europeia). Como grande destaque da campanha, o meia Gheorge Hagi, que ficaria conhecido como o Maradona dos Cárpatos. No jogo final, porém, o herói foi o goleiro Helmuth Duckadam, que defendeu quatro pênaltis. Sua atuação foi tão marcante que ganhou de presente do Real Madrid uma Mercedes, afinal, evitara que os catalães ganhassem seu primeiro título europeu. Não obstante, um destino trágico esperava o goleiro. Versões dizem que Nicu Ceausescu, playboy, filho do ditador e obsecado por carros de luxo, exigiu ficar com a Mercedes, o que não foi aceito pelo goleiro. Diante da recusa, Nicu teria mandado quebrar os dedos e os pulsos de Helmuth Duckadam³.

    Em 1988, a intervenção do Estado romeno no futebol gerou episódios dos mais bizarros. No jogo decisivo da Copa da Romênia, o Estrela Bucareste teve um gol anulado pelo árbitro, em virtude de impedimento, a três minutos do fim do jogo. Indignados com a marcação, os jogadores do Estrela se retiraram de campo, incentivados por Valentim Ceausescu, arrogante filho do ditador e patrono do time (outra versão fala que foi Ilie Ceausescu, irmão do ditador, que deu a ordem). Houve uma grande confusão em campo, com acaloradas discussões. A televisão estatal, atendendo ordens governamentais, cortou imediatamente a transmissão. Os jogadores do Dínamo ficaram sozinhos em campo, ganhando, assim, a Copa. Depois o impedimento foi incrivelmente anulado pela Federação Romena de Futebol, por imposição da família Ceausescu, passando o título para o Estrela Bucareste. Um ano depois, uma sangrenta revolução derrubou Nicolae Ceausescu, fuzilado com sua esposa pelos insurgentes. Passados mais alguns meses, os novos dirigentes do Estrela decidiram, devolver a taça, pois o Dínamo é que tinha sido o campeão em campo. Os diretores do Dínamo, porém, não aceitaram, por considerar o troféu um símbolo de uma época que todos queriam esquecer. Assim, a Taça da Romênia 1988 ficou, até hoje, sem ser atribuída(AGOSTINO, 2002: 130; FRANCO JUNIOR, 171).

    Para não poucos analistas de futebol, a seleção do bloco socialista que historicamente apresentou o melhor nível técnico foi a da Iugoslávia que, não por acaso, chegou a ser chamada de Brasil do Leste europeu. Com camisas azuis e calções brancos (daí a alcunha de plavi, azul, em sérvio), o selecionado iugoslavo era presença comum em competições internacionais de futebol, fazendo bons papéis, quase sempre – esteve presente, inclusive na Copa de 1930, quando eliminou o Brasil na primeira fase e só foi derrotada nas semifinais pelos anfitriões uruguaios. Participaria de outros Mundiais e em 1962 foi quarto lugar no Chile. Nos jogos Olímpicos de 1960, ficou com a medalha de ouro no futebol. Foi vice-campeã da Copa Europeia de Seleções de 1960, derrotado pela União Soviética, e de 1968, derrotado pela Itália. Os grande times do país eram o Dínamo de Zagreb e Hajduk Split, hoje da Croácia, e sobretudo, o Estrela Vermelha e Partizan, de Belgrado, ambos da sérvia e que ainda hoje fazem um dos mais disputados (e violentos) clássicos do futebol mundial. O Estrela Vermelha, como o nome sugere, mantinha relações com o Partido Comunista e ao ideário antifascista (foi fundado em 1945, no contexto da Segunda Guerra Mundial, quando o país sofrera invasão da Alemanha Nazista). Já o Partizan era clube ligado ao exército. Segundo o historiador Maurício Drumond, a princípio, não havia grandes divergências ideológicas entre as duas equipes. A rivalidade nasceu do fato de serem os dois times mais populares e mais fortes da cidade. As divergências políticas vão surgir mais tarde, no final da década de 1970 e início da de 80, com o fortalecimento das torcidas organizadas. Como o Partizan era a equipe mais identificada com o governo, a torcida do Estrela Vermelha iniciou protestos contra o regime comunista.

    A Iugoslávia, na verdade, era um mosaico de povos reunindo eslovênios, herzegovinos, montenegrinos, macedônios, sérvio e croatas. Após a II Guerra Mundial, foi mantida unida pela habilidade e a mão de ferro do dirigente comunista Josip Broz Tito, que por sinal foi inimigo ferrenho da União Soviética enquanto Stalin esteve no poder. Existia grandes tensões nacionalistas dentro do país, envolvendo especialmente croatas (cristãos católicos e ligados à Alemanha e que haviam apoiado, inclusive, o nazismo na II Guerra Mundial) e sérvios (cristãos ortodoxos, vinculados à Rússia). A morte de Tito, a crise econômica dos anos 80, a derrocada do socialismo no Leste europeu, os interesses das elites regionais e a reivindicação de forças nacionalistas por autonomia levaram a Iugoslávia ao fim no começo dos anos 90, em várias e sangrentas guerras. Croácia, Eslovênia e Bósnia declaram-se independentes, o que não foi aceito pela Sérvia, daí os conflitos. A ONU chegou em 1991 a decretar um embargo ao que restava da Iugoslávia (controlada pela Sérvia do então presidente nacionalista Misolev Slobodan Milosevic) e a Otan bombardearia o país em 1999 (OLIC, 1993; JACOMINI, 1998).

    Na Iugoslávia, torcer por um time era cultivar a identidade nacional e cultural. A 13 de maio de 1990, durante um jogo pelo campeonato local entre Dínamo Zagreb, da Croácia, e Estrela Vermelha, de Belgrado, Sérvia, as tensões étnicas e políticas entraram em campo. Dois meses antes, os croatas haviam eleito Franjo Tudman, um ultranacionalista, defensor da independência da república em relação à Iugoslávia. Para poucas semanas depois estava marcado um plebiscito em que os croatas aprovariam a separação.

    Nessa conjuntura, naquele jogo, os torcedores do Dínamo Zagreb travaram uma violenta briga em seu estádio em Zagreb contra os adeptos do Estrela Vermelha. Os croatas haviam estocado pedras para o ataque. As grades que separavam as torcidas desapareceram – teriam sido dissolvidas com ácido, sinais que tudo fora arquitetado com antecedência. A briga tomou conta das arquibancadas e avançou para o campo. Um helicóptero foi usado para resgatar do campo os jogadores do Estrela Vermelha. A polícia, controlada pelos sérvios, reprimiu com violência os torcedores do Dínamo. Revoltado, o craque do time de Zagreb e da seleção iugoslava, Zvonimir Boban, desferiu uma tesoura voadora que desmaiou um policial. O feito o transformou num herói para os croatas e inimigo declarado da Sérvia (Boban se mudaria depois para a Itália, onde prosseguiu sua carreira com sucesso no Milan). Dezenas de pessoas sairiam feridas no confronto.

    No meio da confusão, estava o líder de uma torcida de extrema-direita do Estrela Vermelha e pistoleiro a serviço dos órgãos de repressão iugoslavos, chamado Zeljko Raznatovic, conhecido por Arkan. Criminoso condenado em vários países europeus, passou a trabalhar para o governo sérvio de Slobodan Milosevic, realizando trabalhos sujos, ou seja, eliminando dissidentes. Slobodan Milosevic igualmente explorava o nacionalismo sérvio para preservar o poder. No começo dos anos 90, durante as guerras na antiga Iugoslávia, Arkan formou um grupo paramilitar, chamado de Arkan’s Tigers, de tendência fascista, e assolou os Bálcãs assassinando cerca de duas mil pessoas. Vários dos integrantes dos Arkan’s Tigers eram recrutados por Arkan entre os mais violentos torcedores do Estrela Vermelha. Como prêmios àqueles que desejassem entrar na milícia, Arkan oferecia visitas de jogadores do clube.

    Arkan nunca foi punido pelos seus crimes de guerra e virou herói nacional na Sérvia. Com os saques e contrabando para o mercado negro que fez durante a guerra, ficou rico e chegou a comprar um time de futebol, o Obilic, cujos seguranças ficaram famosos por ameaçar e agredir torcedores e jogadores adversários. Através da coação, o Obilic sagrou-se campeão na temporada de 1997-98. No ano 2000, Arkan seria assassinado a tiros por seus inimigos (FOER, 2005: 13 e seguintes).

    Na então Iugoslávia, o futebol não era apenas a continuação da política – virou a própria guerra. O confronto no estádio de Zagrebe entre Dínamo e Estrela Vermelha foi considerado por muitos analistas como o início simbólico da Guerra de Independência da Croácia. Era, porém, apenas uma mostra do que estava por vir no sangrento processo de dissolução da Iugoslávia. Após a independência, em 1993, o Dínamo de Zagreb mudou de nome para Croácia Zagrebe, numa afirmação da sua nacionalidade – o nome anterior era por demais identificado com a velha ordem comunista. No ano 2000, em meio ao saudosismo que atingiu o Leste Europeu ante a frustração com a crise econômica que atingia a Croácia, a equipe voltou a chamar-se Dínamo (AGOSTINO, 2002: 134).

    A guerra e o embargo foram bastante prejudiciais ao futebol iugoslavo também. Classificado para a Europa 1992, a seleção foi excluída do torneio pela UEFA como punição aos crimes de guerra cometidos na Guerra da Bósnia (entre sérvios e bósnios). Por ironia, a substituta da Iugoslávia, a Dinamarca, acabou sendo campeã da Euro naquele ano. No começo da década de 90, um dos melhores times do futebol europeu era o Estrela Vermelha, de Belgrado (Sérvia). Em maio de 1991, em campanha épica, o time foi campeão da Copa dos Campeões (seria o único título europeu de uma equipe iugoslava), derrotando o Marselha nos pênaltis na Itália – no plantel, jogadores da Sérvia, Montenegro, Bósnia, Croácia e Macedônia. Em dezembro daquele ano, o Estrela Vermelha foi campeão mundial interclubes, ao vencer o Colo-Colo, do Chile, por 3 x 0, no Japão. Ali acabaria o período brilhante do clube. Nos meses seguintes, o time foi desmontando devido aos riscos de segurança com guerra e aos salários atraentes pagos pelos clubes da Europa Ocidental.

    A Iugoslávia deixaria de existir oficialmente em 2003, passando a se chamar Sérvia e Montenegro. Em 2006, Sérvia e Montenegro também separaram-se num plebiscito.

    Na Terra do Calcio – e do capital

    Em maio de 1984, a FIFA escolheu a Itália para sediar a XIV Copa do Mundo, a se realizar em 1990. Era a segunda vez que o país receberia o evento – a primeira acontecera em 1934, quando da ditadura fascista de Mussolini. A Itália teve como grande adversário na disputa da sede a União Soviética, que oferecera à FIFA propostas e projetos bem superiores. A Guerra Fria, que estava bem ativa no começo da década de 80, ajudou os italianos. A decisão da FIFA aconteceu exatamente num momento em que os soviéticos articulavam um boicote aos Jogos Olímpicos de Los Angeles, em represália ao fato de os Estados Unidos e seus aliados terem boicotado as Olimpíadas anteriores, de 1980, em Moscou – os norte-americanos protestavam então pela invasão soviética ao Afeganistão em 1979. Com isso, várias federações de futebol ocidental decidiram votar na Itália para sediar a Copa de 90, derrotando as pretensões do país comunista. A decisão, mesmo não havendo obviamente como se saber ali, evitou problemas futuros para a FIFA, afinal a Copa de 90 aconteceu no exato momento em que o furacão revolucionário fazia desmoronar os regimes comunistas autoritários do Leste Europeu e a própria União Soviética marchava para fragmentar-se e extinguir-se (GEHRINGER, 2010: 326).

    A opção pela Itália também ligava-se ao processo de mercantilização do futebol local que vinha desde os anos 70 e que se incrementaria nas décadas de 80 e 90. Na Itália, na segunda metade da década de 70, perante as dívidas dos clubes com a Previdência e denúncias de uso de equipes para lavagem de dinheiro pela Máfia, o governo começou a fiscalizar mais de perto o futebol e forçou uma gestão menos deficitária dos clubes. Ao mesmo tempo, a televisão estatal (RAI) passou a transmitir algumas partidas, uma vez por semana, pagando aos clubes uma quota por transmissão. No começo dos anos 80, com o escândalo da manipulação de resultados de jogos da loteria italiana (o caso Totonero) e a crescente comercialização do futebol levaram o Estado italiano a intervir novamente no calcio (futebol em italiano), aprovando em 1981 uma legislação desportiva extremamente liberal.

    Os clubes ganharam grande autonomia, inclusive com permissão para se constituírem como empresas comerciais (sem fins lucrativos) pertencentes a grupos econômicos privados e criarem uma liga independente da Federação Italiana de Futebol. Com os investimentos privados e a ideia de tornar o futebol uma fonte de lucros, os clubes italianos conseguiram contratar alguns dos maiores jogadores de futebol do mundo, transformando o campeonato italiano no torneio nacional mais competitivo e de mais alto nível técnico dos anos 80/começo dos 90, o que por sua vez servia para atrair mais investimentos mercantis (PRONI, 1998: 168-171). A Itália era, como bem define Lycio Ribas, o Eldorado do futebol mundial (RIBAS, 2010: 294). Vários dos principais craques do futebol mundial atuavam no calcio: Platini, Boniek (Juventus), Zico (Udinese), Sócrates (Fiorentina), Rummenigge (Internazionale), Briegel (Verona), Maradona (Nápoles), entre outros – e note-se que entre 1965-80 fora proibido aos clubes contratarem jogadores estrangeiros (FRANCO JÚNIOR, 2007: 116).

    Mas o caso italiano não era único. Desde a expansão do futebol mundial nos ano 60/70 e a sua concepção como um grande negócio, para o que trabalhava o presidente da FIFA, João Havelange, empresas, grupos econômicos, emissoras de televisão, multinacionais e homens de capital passaram a investir nos clubes europeus. A experiência do futebol tornou-se cada vez mais sinônimo de placas de publicidade, patrocínio de camisas, comerciais de televisão, patrocínio de ligas e Copas e a comercialização da parafernália do clube (GIULIANOTTI, 2002: 118). Grupos empresariais assumiam a gestão ou compravam clubes. Times entravam no mercado de ações. Com o fim dos monopólios das TVs oficiais para a transmissão televisiva dos jogos e o aprimoramento tecnológico das transmissões via satélite, as redes de televisão passaram a pagar fortunas para transmitir campeonatos, tendo retornos financeiros maiores ainda. "[...] No decorrer dos anos 80, a lógica do ‘futebol-empresa’ se espraiou e fez aumentar a mercantilização dos principais campeonatos europeus, que passaram a se estruturar em virtude da demanda por transmissões televisionadas e pelo surgimento de novas opções de marketing esportivo" (BARBOSA, 2007: 174).

    Com a derrocada do comunismo, a expansão do ideário neoliberal e a maior integração de mercados/circulação de capitais/globalização nos anos 1990, tal processo intensificou-se ainda mais. O futebol virou uma lucrativa atividade mercantil. Os clubes não dependiam mais apenas de suas bilheterias (FRANCO JÚNIOR, 2007: 116). Voltaremos a falar mais sobre esse ponto no capítulo seguinte.

    A Itália prometeu investir cinco bilhões de dólares no Mundial de 1990, reformando estádios e a infraestrutura de comunicações e transportes (YALLOP, 1998: 225). A Copa tinha, na perspectiva do governo italiano, igualmente um sentido de estímulo à unidade nacional. O final da década de 70 e começo da década de 80 (os chamados anos de chumbo), o país foi sacudido pelo enfrentamento entre governo, grupos de extrema-esquerda e de extrema-direita, que recorriam, não raro, a ações armadas, atentados, sequestros e assassinatos de inimigos – gerou comoção o sequestro e morte do ex-primeiro-ministro Aldo Moro, em 1978, pelas Brigadas Vermelhas, agrupamento radical de esquerda. Para complicar, havia ainda embates e ações praticadas por organizações criminosas, como a Máfia, e denúncias de corrupção envolvendo vários estratos do Estado italiano (AGAMBEN, 2001).

    A Fogueteira

    Um total de 103 países disputaram as eliminatórias da Copa do Mundo da Itália. Em jogo, 22 vagas. Os italianos, anfitriões, e os argentinos, últimos campeões, já estavam automaticamente garantidos. Como de costume, surpresas aconteceram nas eliminatórias e forças do futebol acabaram ficando de fora do Mundial. O caso mais notado foi o da França, terceira colocada na última Copa e que estava em processo de renovação de jogadores (Platini, por exemplo, se aposentou em 1987): acabou eliminada num grupo onde estavam Escócia e Iugoslávia. A Dinamarca, sensação batizada pela imprensa de Dinamáquina em 1986, não conseguiu se classificar, bem como Portugal e Polônia, entre outros. Inglaterra, Alemanha Ocidental e Espanha classificaram-se dentro do esperado. A Holanda, ausente desde o vice de 1978, voltou a disputar o Mundial. A União Soviética, Iugoslávia e Tchecoslováquia classificaram-se igualmente e fariam sua última Copa do Mundo – os três países fragmentariam-se no começo dos anos 90. Durante a Copa, inclusive, seriam comuns nas arquibancadas dos estádios italianos torcedores com bandeiras furadas – haviam cortado fora os brasões dos antigos regimes comunistas do Leste Europeu, que então caíam ou haviam sido recém-derrubados.

    Na África, as vagas ficaram com Egito (havia participado da Copa de 1934) e Camarões, que seria uma das sensações do Mundial e daria notoriedade e respeito ao futebol africano. Na zona da Ásia/Oceania, os classificados seriam a Coreia do Sul (que desde a Copa anterior se tornaria presença frequente em Copas) e os estreantes Emirados Árabes, treinados pelo brasileiro Mário Lobo Zagallo.

    Na América, alguns problemas. A seleção Mexicana não pôde disputar as eliminatórias da Copa de 90 como punição da FIFA ao fato do selecionado sub-20 do país ter disputado o Mundial da categoria de 1989 com jogadores acima do limite de idade. Foi o chamado escândalo dos Cachirules. Para ser mais preciso, aplicou-se uma pesada multa à federação mexicana e proibiu-se por oito anos os times e a seleção local de disputar em qualquer competição internacional organizada pela FIFA. Com isso, o México também não pôde participar da Copa de 94. Os mexicanos procuraram até apelar, usando da influência de Guillermo Canedo junto à FIFA, mas não houve jeito – na verdade, a FIFA acabou usando o México como punição exemplar, visto que acusações davam conta que o uso de jogadores acima da idade era prática comum entre vários países nos campeonatos juvenis. Foi uma punição dura para os mexicanos, um povo apaixonado por futebol, e trágico para o craque Hugo Sánchez, que estava no auge da forma e era artilheiro então pelo Real Madrid. Com isso, classificaram-se da zona da Concacaf Costa Rica e Estados Unidos, os quais voltavam ao Mundial pela primeira vez desde 1950.

    Na América do Sul, se classificariam Uruguai, Colômbia e Brasil. No caso brasileiro, merece destaque durante as eliminatórias o famoso caso da fogueteira Rosinery Mello, nome da torcedora que durante o jogo entre brasileiros e chilenos no Maracanã, atirou um sinalizador dentro do gramado. Com a chama caindo perto, o goleiro chileno simulou ter sido atingido. O episódio levaria depois o Chile a ser duramente punido pela FIFA (BAGGIO, 2010; GEHRINGER, 2010; RIBAS, 2010; MAGALHÃES, 2010; NAPOLEÃO, 2004; FONTENELE, 2002).

    O Brasil chegou ao último jogo das Eliminatórias para a Copa da Itália, a 3 de setembro de 1989, com a obrigação de pelo menos empatar no Maracanã com o Chile, velho freguês do futebol verde-amarelo (embora na Copa América de 1987 os chilenos tivessem ganho dos brasileiros por 4 x 0). Assim, temendo-se que os chilenos aprontassem alguma surpresa e pela possibilidade do Brasil ser eliminado pela primeira vez de uma Copa do Mundo, havia um clima tenso antes do jogo. Foi montado um forte esquema de segurança para a delegação chilena, afinal, para muitos torcedores e parte da imprensa aquele era um jogo de vida ou morte. Aos 24 minutos do segundo tempo, quando o Brasil vencia por 1 a 0, gol de Careca, a torcedora Rosinery Mello, de 24 anos, disparou um sinalizador usado em embarcações. Ao atingir o gramado, a chama caiu muito próxima do goleiro chileno, Roberto Rojas. Este, então, jogou-se no gramado como se tivesse sido atingido. Gerou-se uma grande confusão em campo. A impressão, a princípio, era que Rojas havia, realmente, sido atingido. Em protesto e revoltados com a falta de segurança, os chilenos se retiraram do campo, com o goleiro sendo carregado bastante ensanguentado. O árbitro argentino Juan Lostau encerrou a partida após esperar a volta dos chilenos durante 20 minutos, o que não se deu.

    A torcedora foi presa em flagrante e ficou detida por algumas horas. O Brasil corria o risco de ser punido pela FIFA pelo mau comportamento da torcida e não ir à Copa. Rosinery, porém, logo foi liberta e absolvida pela opinião pública, pois constatou-se a má-fé do goleiro chileno no incidente. Imagens de tevê e fotos de jornais deixaram claro que o sinalizador não atingiu Rojas. Este na verdade, tinha uma lâmina de barbear escondida dentro da luva e, assim que o sinalizador caiu no gramado, desabou e cortou o próprio supercílio, o que foi confirmado com os exames de corpo de delito (não se encontraram vestígios de pólvora no ferimento).

    Os chilenos acabaram duramente punidos pela FIFA três semanas depois. Rojas, o técnico Orlando Avarena, o médico Daniel Rodríguez e o dirigente Sergio Stoppel foram banidos do futebol. Estes tinham conhecimento de tudo, pois o goleiro teria ido a campo com a intenção de armar uma farsa – o sinalizador foi apenas uma oportunidade surgida por acaso. O capitão da equipe, Fernando Astengo, e a Federação Chilena foram suspensos por quatro anos (assim, o Chile não pôde disputar as Eliminatórias para a Copa de 1994). Rojas, então com 32 anos, e tido como o maior ídolo do futebol chileno à época, foi execrado em seu país e não conseguiu mais emprego. Só voltaria a trabalhar no futebol a convite de Telê Santana, então técnico do São Paulo, e virou treinador de goleiros (Rojas jogava no time paulista na época do incidente). Em 2001, foi, porém, anistiado pela FIFA e chegou a ser treinador do São Paulo em 2003.

    Já Rosinery Mello, chamada pela imprensa de a fogueteira, ganhou fama imediata com o incidente, faturando um bom dinheiro ao posar nua e sair na capa da revista masculina Playboy, de novembro de 1989.

    A Era Dunga

    No Brasil, em 1989, após 29 anos, os brasileiros puderam eleger pelo voto direto seu presidente. Depois de uma acirrada disputa com Luis Inácio Lula da Silva, candidato das esquerdas, o vencedor acabou sendo Fernando Collor de Melo, ex-governador de Alagoas (e ex-presidente do time do CSA daquele estado), apoiado pelos segmentos mais conservadores. Collor tinha o discurso de modernizar o Brasil, sendo o primeiro a implementar no país o ideário neoliberal, ou seja, desmonte do Estado intervencionista, apoio ao livre mercado, livre comércio, privatizações, abertura ao capital estrangeiro, desregulamentação de direitos sociais, etc. Os governos seguintes seguiriam o mesmo modelo (FAUSTO, 2002).

    O jovem presidente gostava de associar sua imagem ao esporte, no mais puro marketing pessoal e político: fazia cooper, andava de jet-ski, voava de avião supersônico, nadava, tudo fartamente noticiado pela imprensa. Quando a seleção brasileira estreou na Copa de Mundo de 90, o presidente estava na tribuna de honra do Estádio Delle Alpi, em Turin (BAGGIO, 2010: 167). Collor desejava passar a imagem de um governante jovial, disposto, moderno, com predicativos e qualidades para mudar o Brasil conforme sua gestão estaria fazendo.

    A mesma expectativa de evidenciar a modernidade levou Fernando Collor a nomear, em vez de um político ou burocrata qualquer, o ex-jogador Zico como titular da recém-criada Secretaria de Desportos, que tinha status de ministério. Zico encerrara sua carreira em 1989 e como ministro centrou a atenção em aprovar o que foi chamado de Lei Zico, a qual objetivava, conforme o discurso da época, a modernização e profissionalização do futebol, ou seja, uma adequação da modalidade aos preceitos liberais que grassavam cada vez mais pelo mundo. Os clubes brasileiros viviam, então, dramática situação financeira e viraram quase que meros exportadores de pé de obra. Entre os objetivos principais da Lei Zico estavam o de garantir a autonomia dos times para criar ligas e campeonatos (esvaziando, assim, os poderes da CBF e das federações), tornar os clubes empresas (e como tais, que pudessem captar investimentos privados, o que por outro lado, diminuía a influência dos dirigentes nos clubes) e acabar com a chamada lei do passe (ou seja, da vinculação dos jogadores aos clubes como propriedade, então frequentemente comparada à escravidão). Os cartolas não gostaram muito das propostas e se articularam contra a Lei. Pressionada, a denominada bancada da bola, deputados e senadores ligados a dirigentes desportivos, conseguiram desfigurar a lei original – por exemplo, a lei do passe foi mantida e os times não tinham que obrigatoriamente virarem empresas. Assim, com as emendas, a Lei Zico, apesar de algumas mudanças, não alterou radicalmente a estrutura do futebol brasileiro (HELAL, GORDON, 2002: 48; PRONI, 1998: 231).

    Os grandes clubes brasileiros já tinham desde 1987 buscado uma melhor exploração comercial do futebol. Naquele ano, os principais times se rebelaram contra a CBF (então comandada por Octávio Pinto Guimarães e Nabi Abi Chedid) e fundaram o Clube dos Treze¹⁰, exigindo a modernização do futebol nacional. Os clubes criaram um campeonato próprio, a chamada Copa União, vendido a um pool de empresas (Coca-Cola, Varig e Rede Globo) (GUTERMAN, 2009: 232). Temendo alguma represália da FIFA, entretanto, o Clube dos 13 aceitou a vinculação ao campeonato brasileiro. Os times rebeldes do Clube dos 13 ficaram no chamado Módulo Verde e os demais no Módulo Amarelo (chamado por muitos meios de comunicação de segunda divisão e que atendia os compromissos políticos da CBF com as federações estaduais), devendo o vencedor de cada módulo fazer uma final. Isso, porém, não foi aceito depois pelo vencedor da Copa União, o Flamengo, que se recusou a jogar com o Sport, ganhador do Módulo Amarelo. Criou-se, assim, uma grande celeuma sobre quem seria o campeão brasileiro de 1987, o que se arrasta até hoje (2013). A princípio, o Sport, foi declarado oficialmente campeão pela CBF e disputou a Copa Libertadores da América no ano seguinte¹¹.

    Após o fracasso da Copa de 86, a CBF passou o comando técnico da Seleção para o mineiro Carlos Alberto Silva. Este buscou renovar o time canarinho, convocando revelações como Romário, Taffarel, Dunga e Raí (irmão de Sócrates), e jogadores não muito conhecidos, a exemplo de Evair, Mirandinha, Valdo e outros – apenas Müller, Careca e Branco continuaram na equipe (AQUINO, 2002: 115). O selecionado nacional ganhou ao longo dos anos vários amistosos e torneios amistosos. Foi eliminado, porém, de goleada para o Chile por 4 x 0 na Copa América de 1987 e perdeu a final dos jogos olímpicos de Seul em 1988, para a União Soviética – até hoje o torneio olímpico de futebol é a única competição internacional importante que o Brasil não conquistou. A perda da medalha agastou a imagem de Carlos Alberto Silva.

    Em 1989, mesmo ano que Collor era eleito para comandar o Brasil, o empresário Ricardo Teixeira tornou-se o novo presidente da CBF, apoiado pelo então sogro João Havelange. Teixeira [...] transformou as seleções brasileiras em máquinas de eficiência – foram 11 títulos mundiais entre 1989 e 2002 – e consolidou a hegemonia do país do futebol. Ao mesmo tempo, porém, sua gestão, a mais longa da história da Confederação, foi o período em que mais jogadores brasileiros foram vendidos ao exterior e em que a maioria dos clubes desenvolveu dependência praticamente absoluta aos desígnios da CBF e ao dinheiro pago pela TV. Além disso, Teixeira envolveu-se em diversos escândalos administrativos, sobretudo em relação a contratos de publicidade (GUTERMAN, 2009: 233).

    Ao assumir o comando da CBF, Ricardo Teixeira indicou para técnico da seleção brasileira Sebastião Lazaroni, de apenas 38 anos, mas que havia sido campeão carioca pelo Flamengo e Vasco. O novo treinador estava entre aqueles que defendiam a modernização do futebol nacional – o que importava eram os títulos, não fazer espetáculo. O Brasil deveria adotar as táticas vitoriosas europeias (no caso, o esquema defensivista 3-5-2), privilegiando a marcação e o condicionamento físico do futebol força. O folclórico Lazaroni falava um idioma próprio e cheio de filigranas, o larazonês (‘galgar parâmetros’, ‘intenção sinergética’, ‘lastro físico’). [...] adotou uma grande ‘revolução tática’ – a introdução do líbero [função a ser exercida por Mauro Galvão], figura até então praticamente desconhecida em campos brasileiros. (GEHRINGER, 2010: 327).

    O pragmatismo de Lazaroni – e do próprio comando da CBF – deu alguns frutos de imediato. Naquele mesmo ano, após quatro décadas, o Brasil voltou a ser campeão da agora chamada Copa América, o antigo campeonato sul-americano de seleções, conquistado pela última vez em 1949. A disputa ocorreu no próprio País e o Brasil, apesar do futebol questionado, foi campeão, batendo no último jogo o Uruguai por 1 x 0, no Maracanã, no que foi mais uma vez tachado por setores da imprensa e torcedores como a vingança de 1950 (o jogo aconteceu a 16 de julho, exatos 49 anos do Maracanaço). Na competição, um dos destaques foi o jovem Romário, de 22 anos, autor do gol do título. Romário havia surgido no Vasco da Gama e, igual a tantos outros craques do futebol brasileiro, precocemente fora vendido para o exterior – no caso, para o PSV da Holanda (RIBAS, 2010: 301).

    A classificação para a Copa de 1990 foi também tranquila, pela fragilidade dos adversários – 4 x 0 na Venezuela em Caracas e 6 x 0 em São Paulo e 1 x 1 com o Chile em Santiago e 2 x 0 no Rio de Janeiro (o Brasil só fez um gol, mas a FIFA estabeleceu esse placar também como punição pela farsa montada por Rojas no caso da fogueteira). Os resultados positivos fizeram quase sumir as criticas ao treinador Lazaroni e a seu esquema defensivista. Para endossar ainda mais o otimismo, o Brasil ganhou em 1989 amistosos contra Itália e Holanda, seleções apontadas entre as favoritas para o mundial do ano seguinte. O otimismo, porém, arrefeceu, quando o Brasil voltou a jogar mal e a perdeu um amistoso para a Inglaterra, em Wembley (SARMENTO, 2006)

    A relação definitiva dos atletas que disputariam a Copa da Itália era um sinal da mercantilização do futebol de então e de como o Brasil virara um grande exportador de pé de obra. Pela primeira vez, foram convocados para seleção mais jogadores que atuavam fora do Brasil – 12 estrangeiros contra 10 jogadores que atuavam em clubes brasileiros. Essa nova ordem do futebol trazia uma condição estranha para os torcedores: cada vez mais jogadores que vestiam a camisa da seleção não mais corriam pelos gramados do País; era preciso recorrer aos campeonatos estrangeiros via televisão (NEGREIROS, 2009: 313).

    A incompreensão das mudanças provocadas pela mercantilização e exportação de jogadores que então acontecia no futebol levou mesmo a posições preconceituosas por parte da imprensa e torcedores: De que maneira esses homens podem compreender o Brasil? Eles esqueceram o que é ser brasileiro. Eles não nos entendem nem entendem nosso jogo. Nós jogamos ao ritmo do samba, não de uma marcha teutônica (apud YALLOP, 1998: 229). Com a expansão do capital na modalidade, a difícil situação econômica dos clubes nacionais e a crise do próprio País, não havia como manter os melhores jogadores.

    Umas das preocupações de Lazaroni era Romário, ainda se recuperando de grave lesão – fraturara o tornozelo em fevereiro – e mesmo assim convocado. Houve também polêmicas acerca dos valores da premiação pela conquista da Copa, questionados pelos jogadores. Estes chegaram a cobrir com a mão a marca da patrocinadora Pepsi Cola na foto oficial do time (FRANCO JÚNIOR, 2007: 158). O vazamento da insatisfação deixou pasmos a imprensa e torcedores – tal comportamento denotaria uma falta de patriotismo, para muitos – embora outros questionassem: não seria uma reivindicação legítima dos atletas num momento de expansão dos investimentos e dos lucros do futebol? O capitalismo cada vez mais entrava no esporte e por que apenas empresários e entidades ficariam com os lucros, se os verdadeiros protagonistas do espetáculo estavam em campo? A CBF também não blindou o time na Itália. Na concentração da seleção, em Austi, era comum a presença de empresários e cartolas circulando quase livremente, tratando da contratação e transferências futuras de atletas ou de contratos para fazer propaganda de produtos. O clima dentro do elenco não era bom e jogadores ressentiam-se por estarem na reserva.

    A seleção parecia desconcentrada – no último amistoso do escrete nacional antes da Copa, o Brasil perdeu por 1 x 0 para um combinado da região da Úmbria, composta por atletas da terceira e quarta divisões italianas. Apesar do otimismo – na verdade, mais esperança – da torcida, muitos analistas questionavam até aonde iria o time de Lazaroni. Afora o inovador e questionável novo esquema tático do treinador, havia um complicador: apesar de contar com bons jogadores, eles eram apenas isso – à exceção do (machucado) Romário, não havia nenhum atleta acima da média. Era visível a inferioridade daquela geração em relação à anterior, de Zico, Sócrates, Falcão e Cia.

    O Brasil vivia (e não poucos dizem que ainda hoje vive) o que foi chamado pela imprensa de Era Dunga, em referência ao volante Dunga, um esforçado e taticamente aplicado jogador surgido no Internacional no começo da década. Como capitão da seleção sub-20 campeã do mundo em 1983 e medalha de prata nos jogos olímpicos de 1984, Dunga credenciou-se a ser contratado pelo futebol italiano, onde ficou entre 1987 e 1993, e a ser convocado para o time verde e amarelo. Dunga constituía-se o símbolo da modernização que Lazaroni e outros defendiam no futebol brasileiro; era atleta raçudo, capaz de correr incansavelmente 90 minutos, fazer cerrada marcação, por vezes violenta, e apresentar excelente senso tático. A habilidade era pouca e o passe não primava pela precisão. Em suma, Dunga era eficiente, sem brilhantismo, longe, muito longe de ser um craque. A seleção nacional seria do mesmo jeito: apenas um time limitado, defensivista e de pobreza técnica. E que fracassaria de forma retumbante nos gramados da Itália (MAGALHÃES, 2010: 117).

    Alegria Africana

    A Copa da Itália seguiu a mesma fórmula do Mundial anterior. Eram 24 seleções dividas em seis grupos de quatro equipes, classificando para a segunda fase os dois primeiros de cada grupo mais os quatro melhores terceiros colocados. Daí em diante, mata-mata até se conhecer o campeão.

    Os italianos também apresentaram sua mascote, inovadora, por sinal. Em vez de bichinhos fofinhos ou menininhos, um boneco estilizado, simulando um jogador de futebol, formado por cubos nas cores branca, vermelha e verdes (as cores da bandeira italiana) e cuja cabeça era uma bola de futebol. Chamado de Ciao (oi ou tchau em italiano), foi escolhido em uma votação popular. Pelo design simples, tornou-se um dos mais icônicos mascotes da história das Copas e fez sucesso à época¹².

    No grupo A da Copa do Mundo de 1990 ficaram Itália, Tchecoslováquia, Áustria e Estados Unidos. As duas primeiras, favoritas, se classificariam, sem maiores surpresas. A Azzurra, porém, era vista com desconfiança e não entusiasmava os tifosis. O destaque do time acabou sendo um reserva, que quando entrava em campo, resolvia: Totó/Salvatore Schillaci. Foi dele o gol único da vitória sobre a Áustria na estreia (entrou no jogo aos 31 minutos do segundo tempo e assinalou o tento aos 33). Schillaci só tornou-se titular a partir do terceiro jogo, fazendo dupla com um outro jogador que também não estava no time principal até ali, Roberto Baggio – por ironia (e felicidade para a Azzurra), foram deles os gols da vitória contra a Tchecoslováquia por 2 x 0, o que deu aos anfitriões o primeiro lugar da chave. Os Estados Unidos tiveram uma participação decepcionante, perdendo os três jogos – um deles, de 5 x 1 para a Tchecoslováquia. O resultado preocupou bastante os praticantes do soccer, afinal, o próximo mundial aconteceria nos Estados Unidos e havia todo um trabalho a ser feito, especialmente dentro de campo...

    A campeã Argentina ficou no grupo B, ao lado de Camarões, Romênia e União Soviética. O time de Diego Maradona fez contra Camarões o jogo de abertura da Copa no antigo Estádio de San Siro, rebatizado de Giuseppe Meazza, em homenagem àquele que é considerado o maior jogador italiano de todos os tempos. A albiceleste, embora tivesse a base da equipe de 1986, apresentava sérias limitações técnicas e estava mal fisicamente – dependia ainda mais da genialidade de Maradona, que quinze dias antes da Copa havia sido campeão italiano pelo Nápoles. O craque, porém, estava fora de forma e sofreria bastante durante a Copa com as faltas que receberia dos adversários. Já a seleção africana, que havia participado de forma notável de um único mundial antes, o de 1982, apresentou um futebol veloz, envolvente – e também violento. No jogo contra a Argentina, os africanos receberiam três cartões amarelos e dois vermelhos. Os destaques dos Leões Indomáveis (como são chamados os jogadores da seleção camaronesa) eram o seguro goleiro N’kono e o veterano atacante de 38 anos, Roger Milla, ambos remanescentes da Copa de 1982. Milla

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