Poetas, Agrícolas, Boêmios, Esportistas, Delicados: Um Jogo de Masculinidades
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Sobre este e-book
Por um lado, no campo da História e da Educação, apresenta reflexões ricas a partir de uma materialidade discursiva que registra, pelo ponto de vista dos participantes, o momento político e educacional do país entre as décadas de 40 e 60 do último século. Esses dados indiciam a potencialidade que a participação estudantil tem ao engajar-se nas reflexões sobre seu cotidiano, ainda que exposto de modo menos formal, como nos jornais estudantis – que muitas vezes circulam de forma clandestina e com pouco fomento nas universidades contemporâneas. Trazer este material como objeto de análise, de modo criterioso e cuidadoso, em uma abordagem inspirada em Foucault, torna a leitura desta pesquisa mais necessária ainda. Por outro, problematiza questões fundamentais do nosso tempo, como a diversidade de gênero e sexualidade, sobretudo o tema das masculinidades, às vezes tão negligenciado nas agendas sociais, educacionais e políticas do País. A construção de relações sociais menos sexistas e machistas perpassa, também, o convite à reflexão sobre masculinidades e sua diversidade. Nesse quesito, este livro constitui material essencial para fomentar reflexões, debates e aprendizagens sobre o tema, a todos e todas estudantes, professores e pesquisadores do campo das ciências humanas e sociais.
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Poetas, Agrícolas, Boêmios, Esportistas, Delicados - Jairo Barduni Filho
Editora Appris Ltda.
1ª Edição - Copyright© 2018 do autor
Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.
Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98.
Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores.
Foi feito o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nºs 10.994, de 14/12/2004 e 12.192, de 14/01/2010.
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO EDUCAÇÃO, TECNOLOGIAS E TRANSDISCIPLINARIDADE
Aos meus pais: Maria Luiza Siqueira Barduni e Jairo Barduni (in memoriam), agradeço tudo que fizeram pela minha educação. E, embora distantes fisicamente, agradeço o apoio dos meus irmãos: Harlley, Adryse, Jussara e sobrinhos.
AGRADECIMENTOS
Dedico este livro ao Sr. Juarez (in memoriam) e seu filho Luis e ao Sr. Geraldo (in memoriam) e seu filho Kiko Mollica, que permitiram a realização das entrevistas nas cidades mineiras de Cataguases e Viçosa.
Agradeço aos professores Frederico Assis Cardoso, Eduardo Simonini Lopes, Maria Rita de Assis César, Marcos Rodrigo Vale Caetano, Sônia Regina Miranda, Alexandre Cadilhe, Oscar Guash Andreu e Laia Folguera Cots pelas preciosas contribuições que engradeceram enormemente esta obra.
Ao professor Anderson Ferrari, que me acompanhou nesta caminhada de quatro anos na confecção deste material. Foi uma caminhada que envolveu uma dialogicidade acolhedora, generosa e paciente.
Aos amigos(as) de longa data: Oswaldo Ribeiro, Dileno Dustan Lucas de Souza, Heloisa Raimunda Herneck, Guilherme Trópia Barreto Andrade, Alessandro da Silva Leite, Wanderson Cal e Márcia Rosa.
Aos amigos da Pedagogia 2010 e do mestrado 2012, em especial Érika, Aline e Simone.
Aos familiares que me acompanharam na confecção desta obra e, claro, à Universidade Federal de Viçosa, pela confiança depositada para a publicação deste livro.
À Capes.
E não poderia deixar de ressaltar a gentileza de Valéria Vidigal, por permitir que suas pinturas enriquecessem esteticamente o livro.
APRESENTAÇÃO
Esta apresentação é um convite ao(à) leitor(a) interessado(a) em navegar pelos encontros de uma investigação multifacetada. Nessa navegação o(a) leitor(a) irá se defrontar com paisagens sociológicas, filosóficas, pedagógicas, históricas, antropológicas, construtivistas entre outras veredas epistemológicas possíveis de serem observadas.
Posso oferecer o mapa que guia essa navegação, contudo a captura da escrita ocorre de acordo com o próprio mapa subjetivo de quem se propõe a ler. Por isso, são muitos os caminhos de escolha, usos e perspectivas de embarque e o meu desejo é que a jornada seja prazerosa a ponto de o leitor querer repetir a viagem, de recomendar para terceiros, e mesmo de contar deste roteiro em viagens próprias que poderão ser escritas a partir de reflexões e apontamentos desta.
O objetivo deste livro é o de problematizar os discursos bondistas a respeito das masculinidades construídas na época em que esse jornal era escrito e divulgado. O(a) leitor(a) poderá perceber as diferentes facetas da masculinidade hegemônica ou dominante. Além do mais, há uma relação bem próxima entre o projeto de um Brasil desenvolvimentista, aquele em que o propósito governamental era o de tornar o país uma economia competitiva no mercado mundial, tornando nossa agricultura e indústria lócus impulsionadores deste ensejo nacional.
A primeira parada consiste em conhecer um pouco dos estudos das masculinidades, compreender e investigar como se configuravam as masculinidades de discentes nas páginas do jornal estudantil O Bonde, que era escrito e reproduzido na Escola Superior de Agricultura (ESA) e Universidade Rural do Estado de Minas Gerais (UREMG), entre 1945 a 1963. O jornal O Bonde foi uma invenção masculina dos estudantes da ESAV na década de XX, tendo a instituição se concretizado como sendo um local de estudo masculino no interior do Estado de Minas Gerais, com seus preceitos e ensinamentos de racionalidade e moralidade, aspectos fundantes de um espírito esaviano
, dizeres que a escola herdou do modelo americano (land-grant colleges) sob a qual foi fundada. O jornal foi inventado em meio a um cotidiano árduo de estudo e pesquisas, uma válvula de escape
dos garotos que publicizavam suas brincadeiras, vigilâncias e os foras alheios
nesse dispositivo pedagógico midiático. Trata-se de um narrar cotidiano impregnado de resistências, transgressões, táticas, estratégias, ironias e performances múltiplas. Portanto o jornal era movimentado por conflitos, aceitações e reconfigurações de sua prática discursiva, e trouxe o cotidiano esaviano imbricado pelas intimidades, práticas esportivas, namoros e reivindicações.
As problematizações do livro se deram principalmente a partir dos estudos foucaultianos, além de diálogos com outros(as) teóricos(as) dos campos de gênero, história, cotidiano, sociologia, memórias, narrativas entre outros. É preciso ressaltar também que este livro possui um caráter cambiante, no sentido de que, como fui me deixando levar pelos caminhos investigativos proporcionados sem uma direção estanque, as estratégias metodológicas foram algumas e não apenas uma. Estas ocorreram de acordo com a necessidade desse caminho investigativo. Assim, lancei mão de uma investigação bibliográfica de fontes primárias e secundárias, uma pesquisa documental com análise de conteúdo e, no caminho, foram realizadas duas entrevistas.
Tais entrevistas, eu considero como a cereja do bolo
deste livro, no sentido de que os encontros com dois ex-alunos que estudaram na Escola revelaram aspectos corroborados pelo jornal investigado, logo, a história contada se encontra com a história escrita.
A última parada desse caminho cambiante é um encontro de gênero, no caso, abordo o que encontrei descrito no jornal a respeito das garotas que estudavam na Escola Superior de Ciências Domésticas, faço uma análise de gênero referente a um contexto de época no qual podemos resgatar vários elementos contemporâneos sobre a discussão de gênero, entre eles, a amizade masculina, o apreço pela imagem corporal, o gosto pelo esporte, especificamente futebol, a sociabilidade por meio das brincadeiras cotidianas.
O jornal O Bonde é um material rico em discursos e imagens de como os garotos daquela instituição colocavam em prática a construção discursiva de uma masculinidade patriótica, heróica, envolvida em um coletivo de amizade habitando um ambiente de comunidade.
Por último, devo ressaltar que ao falar de masculinidades eu estou também me desvelando para mim mesmo, ou seja, esta é uma obra em que a confissão de si está muito presente: eu me conto e reconto, me conheço e me reconheço à medida que caminho na direção de um jornal estudantil masculino, que me reconecta com o que foi meu ambiente estudantil na Universidade Federal de Viçosa.
Jairo Barduni Filho
PREFÁCIO
Somos muitas coisas e podemos ser muitas coisas
Essa imagem do artista plástico venezuelano Daniel Arzola traz uma frase e uma imagem que nos provocam o pensamento: somos muitas coisas
. Um homem e uma masculinidade perturbadores. Uma masculinidade com a presença feminina, com aquilo que acostumamos ou aprendemos a reconhecer como do feminino e que deveria guardar distância do masculino. Existe masculino sem o feminino? Nessas relações e problematizações entre a presença do masculino e do feminino, somos muitas coisas? Podemos ser muitas coisas quando misturamos os gêneros? Essas são algumas das inquietações que o livro de Jairo Barduni Filho nos provoca, nos moldes do artista plástico. Mas o livro também nos faz pensar nesta articulação entre as masculinidades e as feminilidades presentes também na imagem. Tomando essa produção artística na sua totalidade, quero me inspirar para pensar a relação entre educação e história na constituição dos sujeitos e no investimento que fazemos (e que está presente neste livro) de pensar nas múltiplas possibilidades de ser e estar no mundo, tanto para homens quanto para mulheres.
Eu poderia dizer que este é um livro de História. Um livro de histórias entrecruzadas, que constrói histórias e que é ao mesmo tempo resultado delas. Não seria exagero algum dizer que também é um livro que faz História. De forma resumida, e para esclarecer ao leitor do que se trata nessa referência a tantas histórias, é um livro originário de uma tese de doutorado em Educação que trabalha com um jornal estudantil criado por alunos da antiga ESAV (Escola Superior de Agricultura de Viçosa) – O Bonde – que circulou de 1945 a 1963. Trabalhar com esse recorte temporal, por si só, já seria suficiente para localizar a escrita com um vínculo na História, visto que o jornal faz funcionar um Brasil e um entendimento de gênero em transformação, saindo da Segunda Guerra Mundial, sob o impacto do combate aos regimes autoritários e pela busca da democracia. A experiência do conflito foi suficiente para que, ao final da segunda grande guerra, ficasse a clareza de que ninguém queria mais vivenciar outro momento de confronto. Diferente disso, o investimento era pela construção de outro tempo histórico em busca de liberdade. Então, por meio dos discursos de masculinidades presentes no jornal, é possível olhar com atenção para este momento histórico e perceber como as relações de gênero são históricas e dizem de seu tempo histórico.
Por esse aspecto, queria reforçar e defender que esse é um livro de História, que situa as relações de gênero na História e nos ajuda a compreender um ponto fortemente defendido pelo campo dos estudos de gênero e sexualidade, ou seja, que não é possível falar de gênero como essência, mas sim como relações que se constroem historicamente. Não estamos falando de qualquer masculinidade, mas de masculinidades vivenciadas, aprendidas e ensinadas, negociadas e confrontadas no interior de uma escola majoritariamente masculina, de tradição agrária, destinada ao aperfeiçoamento científico do homem do campo, do interior do estado de Minas Gerais nas décadas de 40 a 60 do século passado. Mas falar dessa construção histórica das masculinidades, sempre no plural, não exclui as mulheres e as feminilidades. Se tivéssemos que apontar dois aspectos que marcam os estudos de gênero e sexualidade no Brasil, poderíamos dizer que são a defesa da construção histórica e social dos gêneros e seu aspecto relacional, ou seja, não há como falar de construção de masculinidades sem falar das feminilidades. Da mesma forma que não há essência no masculino, não há um isolamento desse gênero. Nesse sentido, mesmo focando as análises na construção das masculinidades, Jairo Barduni Filho não abandona as mulheres, direcionando um olhar atencioso para os atravessamentos, negociações e conflitos com as mulheres, destacadamente com a entrada delas nessa escola dominada por homens e os embates com as pica-couves
, apelido cunhado pelos bondistas às recém-chegadas do curso de Economia Doméstica. Mas as feminilidades e seus encontros com as masculinidades também nos ajudam a pensar a construção das homossexualidades. Esses embaralhamentos entre os gêneros e o que se convencionou para cada um deles e as sexualidades são discutidos no texto para colocar sob suspeita essas classificações e as consequências delas para o reforço do que é masculino e das masculinidades no plural. Por isso é um livro de História: constrói a História das ESAV, de O Bonde, das masculinidades, das relações de gênero.
A segunda definição, que apontava logo na primeira frase deste prefácio, argumentava que se trata de um livro de histórias entrecruzadas. Pensar no entrecruzamento de histórias significa dizer que Jairo está entendendo História como discurso, de maneira que o mesmo objeto de investigação – as masculinidades no jornal O Bonde – é passível de diferentes análises por diferentes instituições e discursos. A crítica da continuidade e linearidade da História está presente, recusando a ideia de origem, para dar lugar à genealogia foucaultiana, reencontrando a descontinuidade, o acontecimento e a singularidade como ecos da diversidade histórica. Assim, temos entrecruzamento do tempo histórico brasileiro com o investimento no desenvolvimentismo que afetou a experiência da produção no campo e, como consequência, o fazer do produtor. Uma história que se encontra com a história da masculinidade, das relações de gênero e das homossexualidades, de maneira que também estamos discutindo o que cabia a homens e mulheres nas suas relações com o conhecimento. Nesse caldeirão de história ainda acrescentamos o ingrediente da constituição da ESAV, com sua transformação em UREMG (Universidade Rural do Estado de Minas Gerais) e posteriormente em UFV (Universidade Federal de Viçosa), de maneira que há uma história que nos convida a olhar para esta instituição como resultado de discursos e que nos faz compreender suas definições e escolhas que definem o seu lugar na atualidade e que muitos desconhecem. Mas dizer desse entrecruzamento não significa que haja um entendimento de história como pronta e que Jairo recuperou
essas histórias, mas, ao contrário disso, significa pensar que ele as construiu e, ao fazer isso, selecionou e acionou instituições, narrativas e discursos, numa escolha política que faz com que sua tese tenha um peso e compromisso políticos inegáveis. Jairo faz uma escolha política pela relação poder-saber e pela perspectiva foucaultiana como condutoras das análises.
Ao se filiar ao arcabouço foucaultiano de análise, Jairo se situa num entendimento de História como pensamento do acontecimento
. Acontecimento, para Michel Foucault, está ligado à ideia de ruptura. Dar lugar para os acontecimentos e olhar para as rupturas é trabalhar com a ideia de uma história menor, trazendo para a discussão os traços silenciosos dessas histórias, as narrativas de vidas minúsculas, os fragmentos de existências. Jairo faz isso sem perder de vista o rigor científico, buscando conciliar o trabalho com os documentos e as entrevistas. Vai dando vida a homens e mulheres comuns, que, nos acontecimentos cotidianos, vão fazendo parte da história. A História, assim, não se trata de uma duração, mas um conjunto de durações que se misturam e se influenciam umas com as outras.
Também argumentei que estamos diante de um livro que faz História. Primeiro porque se dedica a escrever histórias necessárias e pouco exploradas até então. De imediato, a história das instituições, um campo da educação que clama por mais análises, sobretudo para que possamos pautar as discussões atuais pela perspectiva histórica de constituição das universidades brasileiras. Depois, porque dentro dessa incursão na história das instituições, Jairo vai fazer uma escolha pouco usual, ou seja, não vai olhar a história da instituição pela legislação oficial e tampouco pelos documentos oficiais de sua constituição e transformação ao longo dos anos, mas isso não significa que irá desprezar esses documentos. Sem abandoná-los totalmente, vai fazer uma escolha mais prazerosa e arriscada: olhar a história da instituição pelas posturas, ideias, pensamentos, narrativas dos estudantes presentes no jornal estudantil O Bonde, pelos discursos de masculinidades presentes na instituição e que explodem na constituição dos sujeitos bondistas. Por esse motivo, também é um livro que faz história, visto que os estudos de masculinidades no Brasil estão em franco crescimento, necessitando cada vez mais de trabalhos como esses para ampliar ao escopo de análise que coloque sob suspeita nossas maneiras de ser e estar no mundo, tanto para homens quanto para mulheres.
Mas eu dizia que este livro é resultado de histórias entrecruzadas e, nesse sentido, queria dizer também que o livro, por si só, tem uma história. Uma história que diz da constituição de um pesquisador. Tenho insistido que estar num programa de pós-graduação e fazer doutorado é muito mais do que escrever uma tese. Escrever uma tese é parte de um processo mais longo e importante de constituição de um pesquisador. O que temos em mãos agora é uma parte desse processo, que esconde o pesquisador por traz da obra e que nesse momento é possível restituir. É isso que pretendo contar um pouco e, assim, escrever um pouco, pela minha versão, a história deste livro e, mais ainda, a história da constituição deste pesquisador. No processo seletivo de 2013, me deparei com um projeto de tese muito promissor e que, de imediato, mostrava toda sua potencialidade. Para um potencial orientador é isso que importa: deparar-se com uma proposta de investigação inovadora e que conduza a uma problemática que eu nunca tinha pensado. Com Jairo foi assim. Apresentava um projeto querendo trabalhar com os alojamentos masculinos na UFV para problematizar os discursos de masculinidades e homossexualidades que organizavam aquele espaço e os sujeitos. Ao longo da escrita do projeto o jornal O Bonde aparecia timidamente como justificativa de uma certa perspectiva histórica desses discursos e como um reconhecimento do contato inicial com essas discussões a partir de uma pesquisa com o jornal em que não estava em evidência, naquele momento inicial, a atenção às masculinidades. Lendo, é possível perceber a importância do jornal para o projeto, ao mesmo tempo em que exigia um cuidado maior visto que ele dizia de outra época, de maneira que trabalhar com o jornal se traduzia em outra investigação. Na fase de defesa do projeto, essa potencialidade do jornal e a aproximação afetiva do pesquisador com ele ficaram muito fortes. Aprovado para o ingresso no programa, logo nas primeiras orientações discutimos a possibilidade do trabalho com os discursos de masculinidades no jornal, abandonando a ideia inicial da investigação tomando os alojamentos como lócus da pesquisa. Quero dizer com isso que a pesquisa foi sendo construída no caminhar, foi sendo gestada na relação com o encantamento do pesquisador pelo seu objeto
de análise e que resultou num processo de constituição do pesquisador misturando emoção, prazer e dedicação, ou seja, condições imprescindíveis para um bom trabalho.
Mas, até este momento, concentrei minha escrita numa insistência na História, mesmo se tratando de um livro resultado de uma tese em Educação. Sendo uma tese em Educação, por que a insistência na História? O campo da Educação também é resultado de construção histórica. Não é por acaso que as teses e dissertações recorrem a construção históricas de seus objetos de análise. Essa perspectiva histórica também está presente nesta tese de doutorado e agora livro. O campo das relações de gênero e sexualidade também tem uma história. Algo muito recente, potente e ameaçado atualmente. Podemos dizer que os estudos datam do final dos anos 70 do século passado no Brasil, momento em que surgiram os primeiros grupos gays organizados no contexto da luta pela redemocratização do Brasil e pela ansiedade de discutir problemas que afligiam uma parcela considerável da população. De lá para cá os estudos adquiriram um crescimento considerável de maneira que temos hoje instituições científicas reconhecidas que discutem gênero e sexualidade, como por exemplo, o GT 23 da Anped; seminários e congressos durante todo ano que visualizam a diversidade de problematizações; revistas científicas específicas e outras tantas que reservam dossiês temáticos que demonstram o reconhecimento da discussão, enfim, existe um processo que é histórico e que é, ao mesmo tempo, educativo. Mas, para terminar, é importante defender este livro como localizado no campo da educação por que, ao final, ele dá conta de um processo que é fundamental quando falamos de Educação, ele dá lugar a constituição dos sujeitos, numa defesa de que essa construção é sempre um processo de ensinar e aprender, diz de uma ação educativa em que vamos nos tornando o que somos na relação com os outros, com os saberes que nos constituem, com a instituição e seus discursos formativos, com o que vamos incorporando como lugar do verdadeiro e falso
, enfim, com conhecimentos, atitudes e imagens que nos educam, nos constituem, e nos fazem pensar e agir da forma que pensamos e agimos. O investimento deste livro é nesse processo educativo e, mais do que isso, é um convite para olhar para tudo isso como resultado de construção, como um chamativo para que possamos colocar sob suspeita nossas formas de pensar, agir, ser e estar no mundo para abrir outras tantas possibilidades de pensar, agir, ser e estar diferente.
Anderson Ferrari
Programa de Pós-Graduação em Educação
Universidade Federal de Juiz de Fora
27 de julho de 2017
Sumário
INTRODUÇÃO
UFV – A EXPERIÊNCIA QUE ME PASSA, QUE ME ACONTECE E QUE ME TOCA
CAPÍTULO 1
MASCULINIDADES: UM CONCEITO EM MOVIMENTO
1.1 Primeiras navegações pela construção das masculinidades
CAPÍTULO 2
ENCONTRANDO O BONDE PELOS TRILHOS DA ESCOLA SUPERIOR DE AGRICULTURA E VETERINÁRIA (ESAV) E DA UNIVERSIDADE RURAL DO ESTADO DE MINAS GERAIS (UREMG)
2.1 Explicando minhas ferramentas teórico-metodológicas
2.2 Desembarcando em terras viçosenses. Homens trabalhando!
2.3 Investir na ESAV é investir na força jovem masculina
2.4 Espírito esaviano: contra a indisciplina e ações individualizadas
2.5 Uma pausa na canseira
que é hora das brincadeiras, astúcias e invenções no nascimento do jornal o bonde
2.6 Estratégias, táticas, astúcias e traquinagens no cotidiano escolar
CAPÍTULO 3
OS APELIDOS NO JORNAL ESTUDANTIL O BONDE, SOCIABILIDADES MEMÓRIAS E NARRATIVAS ESAVIANAS
3.1 Encontrando as memórias-narrativas do sr. Juarez e do sr. Geraldo
3.2 Meus jovens senhores, entre árvores, passarinhos, fotografias e limonada
3.3 Apelidos e fofocas: do cotidiano ao jornal O Bonde
CAPÍTULO 4
POETAS, AGRÍCOLAS, BOÊMIOS, ESPORTISTAS, DELICADOS:
UM MOSAICO DE MASCULINIDADES NO JORNAL O BONDE
4.1 Agrícolas, boêmios e poetas
4.2 As masculinidades que se constroem por e para homens
4.3 A Marcha Nico Lopes: entre carnavais de ontem e hoje
4.4 A Marcha Nico Lopes no O Bonde
4.5 Invenções, brincadeiras de gênero e de masculinidades Marchando na Nico Lopes
CAPÍTULO 5
AS ECONOMISTAS PELO OLHAR DOS GAROTOS DE O BONDE E OS BONDISTAS PELO OLHAR DAS GAROTAS DE A PAINEIRA
5.1 A origem da escola superior de ciências domésticas
5.2 O Bonde e a paineira: um encontro relacional e reacional
E CHEGA O OUTONO, ATÉ BREVE QUERIDO BONDE!
REFERÊNCIAS
INTRODUÇÃO
UFV – A EXPERIÊNCIA QUE ME PASSA, QUE ME ACONTECE E QUE ME TOCA
FOTO 1 – LINHA FÉRREA DA LEOPOLDINA HAILWAY ACOMPANHANDO O CANTEIRO CENTRAL DO CAMPUS (UFV)
FONTE: arquivo pessoal, ano de 2012
A Universidade Federal de Viçosa (UFV) é o que me passa, me acontece, me toca e é assim, inspirado e parafraseando as palavras de Larrosa (2002), que me enxergo na experiência vivida na UFV. Como na imagem dos trilhos que desaparecem por dentro da bruma matutina, típica do inverno ufeviano, a minha história me levou rumo a um universo até então desconhecido. A imagem me representa e me faz recordar do longo caminho de dúvidas, incertezas, coragem e experiências que não se passaram, mas que me passaram, me tocaram e me fizeram acreditar que valeu a pena sair de uma cidade do interior para encarar um percurso de 10 anos de ensino e de pesquisa na Universidade Federal de Viçosa, mostrando-me outras facetas que até então não conhecia. Escrever uma pesquisa, assim como encampar na vida acadêmica uma experiência vivida, não deixa de ser uma terapia na qual nos deparamos com nossas fragilidades, medos, mas também com nossa coragem e determinação.
As minhas experiências enquanto ufeviano foram para além de conhecimento acadêmico para obtenção de um diploma. Não foi um excesso de informações que me tornaram um sujeito implicado com essa instituição, ao contrário, já que, segundo Larrosa (2002), excesso de informação não se constitui em experiência. Nesse caso, o excesso se tornaria o contrário, uma antiexperiência, uma vez que, de acordo com o autor, (...) uma sociedade constituída sob o signo da informação é uma sociedade na qual a experiência é impossível
(LAROSSA, 2002, p. 22). Ou seja, o que me fez um sujeito apaixonado pela experiência estudantil foram inúmeras experiências e encontros que a UFV me oportunizou e das quais procurei me apropriar.
Por isso, esta é uma escrita ligada a essa universidade como local de experiências e emoções múltiplas que me marcaram em sete anos que ali estive, desde o período de estudante do Cursinho Popular do Diretório Central dos Estudantes (DCE, 2005), passando pela graduação, até me tornar professor substituto, em 2012. Vivi muitas experiências extraclasses em cotidianos diversos como: morador de alojamento, ator de teatro universitário (TU/UFV - 2007/8/9), militante, participante de reuniões, de babados, gritarias e confusões, enquanto um dos membros fundadores do grupo de diversidade sexual Primavera nos Dentes (2008), atleta amador de saltos¹ e alongamentos como ginasta de trampolim da Liga Universitária Viçosense de Esportes (LUVE - 2009), frequentador assíduo do Cine Carcará, no qual pude ter contato com um excelente acervo de obras fílmicas entre outras.
Os convites e curiosidades foram surgindo e eu fui me aproveitando. Foi um tempo bom, de experiências sentidas, desaceleradas do