Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

América Latina em Debate: questões do tempo presente
América Latina em Debate: questões do tempo presente
América Latina em Debate: questões do tempo presente
E-book551 páginas6 horas

América Latina em Debate: questões do tempo presente

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

Reflexões sobre a história recente da América Latina. O fenômeno das migrações forçadas, a recorrência de golpes de Estado, e o fortalecimento de organizações sociais, partidos e lideranças políticas identificadas com práticas autoritárias consistem em acontecimentos que nos levaram a interrogar o passado-presente em busca de um melhor porvir.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento9 de mar. de 2022
ISBN9786599140280
América Latina em Debate: questões do tempo presente

Relacionado a América Latina em Debate

Ebooks relacionados

História da América Latina para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Avaliações de América Latina em Debate

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    América Latina em Debate - Rafael Araujo

    Copyright © 2021, Estudos Americanos

    Editora

    Léa Carvalho

    Coordenação Editorial

    Alexandre Belmonte

    Capa

    Design: MaLu Santos

    Imagem: Freepik

    Projeto gráfico

    MaLu Santos

    Formatação ABNT

    Celso Louzada

    CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO |  SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

    Camila Donis Hartmann - Bibliotecária - CRB-7/6472

    Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro, sem autorização prévia por escrito da Editora poderá ser utilizada ou reproduzida - em qualquer meio ou forma, seja mecânico ou eletrônico, fotocópia, gravação etc. - nem apropriada ou estocada em sistema de bancos de dados.

    Um selo da Metanoia Editora

    www.estudosamericanos.com

    Rua Santiago, 319/102 - Penha

    Rio de Janeiro - RJ - Cep: 21020-400

    faleconosco@metanoiaeditora.com

    21 2018-3656 | 21 96478-5384

    Associada:

    Liga Brasileira de Editoras - www.libre.org.br

    Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) - www.snel.org.br

    Impresso no Brasil

    Conselho Editorial

    Alexandre Belmonte

    Universidade do Estado do Rio de Janeiro

    Alexis Toríbio Dantas

    Universidade do Estado do Rio de Janeiro

    Allison Bigelow

    University of Virginia

    Christine Hunefeldt Frode

    University of California

    Claudia Salomon Tarquini

    Universidad Nacional de La Pampa

    Érica Sarmiento da Silva

    Universidade do Estado do Rio de Janeiro

    Eugenia Bridikhina

    Universidad Mayor de San Andrés

    José Luiz Valenzuela

    Universidad Andrés Bello

    Juan Marchena Fernández

    Universidad de Sevilla

    Lená Medeiros de Menezes

    Universidade do Estado do Rio de Janeiro

    Marcelo Santos Rodrigues

    Universidade Federal do Tocantins

    Maria Teresa Toríbio B. Lemos

    Universidade do Estado do Rio de Janeiro

    Pablo Quintero

    Universidade Federal do Rio Grande do Sul

    Paola Revilla Orías

    Asociación de Estudios Bolivianos

    Paulo Roberto Gomes Seda

    Universidade do Estado do Rio de Janeiro

    Thérèse Bouysse-Cassagne

    Centre National de la Recherche Scientifique

    Aos que se foram, vítimas da pandemia, e aos seus familiares.

    A Colón

    ¡Desgraciado Almirante! Tu pobre América,

    tu india virgen y hermosa de sangre cálida,

    la perla de tus sueños, es una histérica

    de convulsivos nervios y frente pálida.

    Un desastroso espíritu posee tu tierra:

    donde la tribu unida blandió sus mazas,

    hoy se enciende entre hermanos perpetua guerra,

    se hieren y destrozan las mismas razas.

    Al ídolo de piedra reemplaza ahora

    el ídolo de carne que se entroniza,

    y cada día alumbra la blanca aurora

    en los campos fraternos sangre y ceniza.

    (...)

    Ruben Darío¹


    1. Apresentamos somente uma pequena parte do poema escrito pelo poeta nicaraguense Ruben Darío. Foi criado para os festivos do quarto Centenário do Descobrimento da América, em 1892.

    Sumário

    Apresentação

    Migrações forçadas do século XXI: reflexões sobre os corpos descartáveis na América Latina

    Érica Sarmiento

    El tema del terrorismo vasco e irlandés en la prensa argentina durante la última dictadura (1976-1983)

    María Eugenia Cruset

    O tempo presente boliviano (2000-2020): uma história marcada por insurreições, conflitos políticos e protagonismo popular

    Rafael Araujo

    Rio de Janeiro: um balanço histórico até os dias atuais

    André Nunes de Azevedo

    Voto + Fusil: os dilemas do Partido Socialista chileno nos anos 70 e 90

    Carine Dalmás e Elisa de Campos Borges

    Modelo de transformação capitalista, acumulação capitalista e terrorismo de Estado na história contemporânea da Colômbia

    Ana Taisa da Silva Falcão

    La Revolución Cubana, entre la renovación socialista y el asedio trumpista

    Sergio Guerra Vilaboy

    Movimiento indígena ecuatoriano: treinta años de crisis y recomposición (1990-2020)

    Pablo Ospina Peralta

    Neoliberalismo em dois tempos no Equador: a outra volta do parafuso

    Marcio José Melo Malta

    Entre la espada y la pared: La política exterior de México en la era de Trump

    Tony Payan

    As duas mortes do fujimorismo: o Peru da Marcha de Los Cuatro Suyos aos dias atuais

    Bernardo Corrêa

    El Uruguay del siglo xxi: desde la crisis financiera de 2002 hasta la sanitaria del Covid-19

    Silvia Facal Santiago

    20 anos da Revolução Bolivariana na Venezuela: um balanço em perspectiva histórica

    Eduardo Scheidt

    Sobre os autores

    Apresentação

    la recuperación del pasado es indispensable, lo cual no significa que el pasado debe regir el presente. Sino que, al contrario, este hará del pasado el uso que prefiera. ¹

    A coletânea América Latina em debate: questões do tempo presente é fruto do trabalho coletivo de treze pesquisadores de universidades nacionais e estrangeiras. A obra apresenta aos leitores relevantes questões da história do tempo presente dos países latino-americanos que a compõem.

    Partimos da premissa que as reflexões sobre a história recente da América Latina são fundamentais pelo momento nebuloso e sombrio que vivemos. Observamos, recentemente, o fenômeno das migrações forçadas, a ocorrência de golpes de Estado e o fortalecimento de organizações sociais, partidos e lideranças políticas identificadas com práticas autoritárias que marcaram melancólicas páginas de nossa história no século XX e que devem ser constantemente lembradas e (re)discutidas para que o passado de traumas coletivos em nossas sociedades não voltem a ocorrer.

    Walter Benjamin advertiu que articular historicamente o passado não significa reconhecê-lo exatamente como foi, mas, sim, se apoderar de uma lembrança tal e como ela se apresenta no tempo presente.² É mister pensar em uma nova relação da história com o passado-presente-futuro em chave interdisciplinar e, para isso, apresentaremos, nesta obra, as reflexões e as pesquisas de inúmeros especialistas de diferentes áreas do conhecimento. Cremos na possibilidade de formular novas perguntas a partir do nosso tempo presente, do hoje, com sensibilidade e sentido crítico para compreender o nosso passado. Se queremos chorar os nossos mortos, faz-se necessário, em primeiro lugar, antes encontrá-los; e para buscá-los é preciso desenterrá-los, junto com o nosso passado, e denunciar esse passado-presente escamoteado. É preciso observar as demandas que nos exige esse verbo pretérito que nos guia, por mais que se tente apagá-lo e silenciá-lo. Há muitos motivos para que os pactos de silêncio permaneçam e para que muitos nomes sejam esquecidos. Como bem recorda a filósofa Judith Buttler, o público se formará na condição de que certas imagens não sejam divulgadas na mídia, de que certos nomes de pessoas mortas não sejam pronunciados, de que certas perdas não sejam declaradas como perdas, e de que a violência seja desrealizada e difusa.³ Portanto, estejamos sempre atentos à lógica da exclusão e à prática do apagamento e façamos eco delas.

    Além de apresentarmos considerações sobre temas vinculados à história do tempo presente de cada país nesta coletânea, almejamos contribuir com a divulgação de investigações relacionadas a esse campo. A consolidação, nas últimas duas décadas, de grupos de pesquisa no Brasil e em países latino-americanos demonstra a significância de iniciativas coletivas que possibilitem trocas de experiências, estudos e análises que se versem sobre os temas relacionados à história recente. Assim, os capítulos desse livro versam sobre temas como ditaduras, revoluções, experiências de governos de esquerdas, luta armada, populações vulneráveis, movimentos sociais, migrações e diásporas, relações binacionais e política externa, conforme pode ser observado na apresentação que realizaremos a seguir. O eixo que une os textos é indubitavelmente a história do tempo presente e as Américas, o que vivemos, e o olhar de cada pesquisador acerca do passado-presente, seus interrogantes e os debates acerca dos processos latentes, ainda pulsantes, em cada país, lugar ou região.

    Em Migrações forçadas do século XXI: reflexões sobre os corpos descartáveis na América Latina, Érica Sarmiento abordou o drama das migrações forçadas ocorridas, de forma massiva, na América Latina. Centralizando a sua abordagem no caso dos centro-americanos, que a partir do México buscam fixar-se nos Estados Unidos, o artigo nos apresenta uma crítica reflexão sobre os deslocamentos no tempo presente, a xenofobia e o problema global das populações vulneráveis.

    No capítulo sobre a Argentina, a historiadora Maria Eugenia Cruset apresentará, em seu texto intitulado El tema del terrorismo vasco e irlandés en la prensa argentina durante la última dictadura (1976-1983), um estudo comparativo da imigração basca e irlandesa a partir de uma análise das associações referentes a esses grupos no período da ditadura argentina. A autora se propõe a analisar as características próprias de cada grupo, como suas lideranças, número e compromisso dos seus membros, bem como a sua integração na sociedade de acolhida. Dessa forma, buscará compreender como se desenvolvem essas diásporas e suas possibilidades de sobrevivência em situações limites de violência e de falta de liberdade, como no caso do contexto argentino da ditadura.

    Em O tempo presente boliviano (2000-2020): uma história marcada por insurreições, conflitos políticos e protagonismo popular, Rafael Araujo aborda a história boliviana das últimas duas décadas. Nessa fase, o país andino-amazônico experienciou intensas lutas sociais e eventos políticos que materializaram significativas rupturas em sua história. A Guerra da Água (2000), a Guerra do Gás (2003), a eleição de Evo Morales (2005), a promulgação plurinacional Carta-Magna (2009), a derrota do Movimiento al Socialismo (MAS) e de Morales no referendo sobre a possibilidade de nova eleição presidencial (2016) e o golpe de Estado (2019) consistem em episódios relevantes da história do tempo presente boliviana analisada em seu capítulo.

    No caso do Brasil, apresenta-se o texto de André Nunes de Azevedo, direcionado à cidade do Rio de Janeiro. No capítulo Rio de Janeiro: um balanço histórico até os dias atuais, o autor analisará o processo histórico da cidade nos últimos sessenta anos, desde a sua destituição da condição de capital da República, em 1960. O objetivo é pensar a cidade a partir da ponderação sobre elementos centrais da sua tradição, trazendo ao leitor conceitos fundamentais como a capitalidade, derivada da liberdade de sua atuação como urbe comercial e portuária, em conexão com o mundo e com as narrativas e trocas simbólicas. Segundo Azevedo, o Rio de Janeiro viveu a apoteose dos grandes eventos, percorreu trajeto até as crises econômica e institucional que a cercam atualmente nesse início de 3ª década do século XXI, passando também pelo domínio das milícias, da segregação social e da burla sistemática aos direitos humanos pelo braço armado do estado. É o paradoxo da urbe carioca no início de século XXI que o autor abordará neste capítulo.

    Em Voto + Fusil: os dilemas do Partido Socialista chileno nos anos 70 e 90, Elisa de Campos Borges e Carine Dalmás analisaram os debates do Partido Socialista (PS) acerca da escolha da melhor estratégia revolucionária durante o governo de Salvador Allende, a saber: a luta armada, a utilização das vias democráticas e constitucionais ou a necessidade da fusão de ambas para a transição ao socialismo no Chile. As autoras abordaram, ainda, as mudanças nesse partido na década de 1990, período no qual as teses revolucionárias foram abandonadas e a adesão ao modelo democrático representativo chileno afirmou-se.

    Em Modelo de transformação capitalista, acumulação capitalista e terrorismo de Estado na história contemporânea da Colômbia, Ana Taisa da Silva Falcão explorou características estruturais do capitalismo colombiano, os impactos da concentração fundiária e a relação entre o controle da terra, grupos paramilitares e as lutas guerrilheiras. A vinculação entre a questão agrária e o conflito armado, desenvolvido pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) e o Exército de Libertação Nacional (ELN) também se destacam na narrativa empreendida pela autora.

    Sergio Guerra Villaboy em seu texto La Revolución Cubana, entre la renovación socialista y el asedio trumpista argumenta que os grandes avanços alcançados nos primeiros anos do século XXI com a integração latino-americana e caribenha, do qual Cuba era protagonista e beneficiária, retrocederam em decorrência do giro conservador registrado em muitos governos latino-americanos que estiveram em sintonia com a ascensão à presidência de Donald Trump nos Estados Unidos. Villaboy afirma ser esse período o retorno à linguagem da Guerra Fria, às ameaças e às medidas punitivas contra Cuba. Entretanto, apesar de todas as ameaças que pairam sobre Cuba, a sociedade cubana, depois de mais de seis décadas após o triunfo de 1959, continua firme na preservação das conquistas sociais fundamentais da Revolução, (que o autor faz questão de escrever com letra maiúscula!), graças às profundas e sólidas raízes fincadas no sentimento popular, e o empenho pela busca de um socialismo próspero e sustentável.

    Marcio Malta em Neoliberalismo em dois tempos no Equador: a outra volta do parafuso analisa duas fases da implementação do neoliberalismo da história recente equatoriana. A primeira, entre 1996 e 2006, período marcado por forte instabilidade política e deposição contínua de presidentes; e a segunda, transcorrida ao longo do governo de Lenin Moreno, iniciado em 2017. Em sua investigação, há uma profunda avaliação dos impactos econômicos, políticos e sociais derivados do neoliberalismo a partir da apresentação de questões pouco abordadas pelos apologistas dessa doutrina nas Universidades e nos grandes veículos de comunicação da região.

    Continuamos com as questões relacionadas ao Equador, dessa vez acerca dos levantamentos indígenas e dos movimentos sociais. O capítulo escrito por Pablo Ospina e intitulado Movimiento indígena ecuatoriano: treinta años de crisis y recomposición (1990-2020) aborda as organizações indígenas e como elas conseguem atrair uma liderança de base cada vez mais diversificada, numerosa e variada. Um novo ator político, a Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (CONAIE), surge na década de 1980 e sua mobilização foi o resultado de uma mescla de reações contra os efeitos devastadores provocados pelo ajuste neoliberal pela longa acumulação de transformações agrárias e culturais em nível local e nacional. Segundo Ospina, a consolidação de uma intelectualidade indígena, organizada em torno da CONAIE, foi um fator decisivo e consolidador para que mudanças, ainda que lentas, pudessem ocorrer no Equador, em relação ao respeito à cidadania, aos povos indígenas e contra o racismo estrutural.

    Entre la espada y la pared: La política exterior de México en la era de Trump é o capítulo escrito por Tony Payan acerca das conturbadas relações entre os dois países da América do Norte, velhos conhecidos, México e Estados Unidos, e suas continuidades e permanências no que tange à política exterior na região. De um lado, os governos mexicanos, de Peña Nieto e López Obrador, com enormes formalismos e exigindo respeito para o México e para a relação binacional, porém sempre evitando a confrontação com os Estados Unidos; de outro lado, a agressiva política de Donald Trump em vários assuntos, principalmente na questão anti-migratória, recebendo pouca resistência de parte do governo mexicano do presidente López Obrador. Para o autor, nesta difícil tarefa de lidar com o Império estadunidense, o que fica claro é que México deve deixar de alimentar a ilusão de ser um país do Norte e preocupar-se em buscar novos caminhos, um deles o de reduzir a assimetria de sua relação com Washington.

    Bernardo Corrêa em As duas mortes do fujimorismo: O Peru da Marcha de Los Cuatro Suyos aos dias atuais debateu a história peruana entre a década de 1980 e o século XXI a partir de primas relevantes. No capítulo, o autor avalia a organização da esquerda peruana e as lutas sociais nesse período e discorre sobre o esgotamento do fujimorismo em dois momentos: ao final da década de 1990 e, mais recentemente, a partir extensão das investigações da Operação Lava-Jato, iniciada no Brasil em 2014. Neste caso, as denúncias de corrupção significaram a segunda morte do fujimorismo, pois envolveram a empreiteira Odebrecht e a filha de Alberto Fujimori, Kenji Fujimori, acusada de lavagem de dinheiro por doações recebidas da empresa nas campanhas eleitorais de 2011 e 2016.

    A história do tempo presente no Uruguai será analisada pela historiadora Silvia Facal Santiago no capítulo El Uruguay del siglo XXI: desde la crisis financiera de 2002 hasta la sanitaria del COVID-19. As primeiras décadas do século XXI foi marcada nessa região do Prata pela crise econômico-financeira de 2002 e por três períodos consecutivos de governos de esquerda iniciados em 2005 e finalizados no ano de 2019. A autora apresentará ao longo do texto os principais acontecimentos ocorridos no país entre a crise de 2002 e as eleições de 2019. Neste momento histórico, a coalizão dos partidos de esquerda denominada Frente Amplio foi derrotada pela oposição, que estava aglutinada em uma coalizão alternativa chamada Multicolor, marcada pela presença de partidos de direita, centro-direita e centro-esquerda e, também, pelo o início da pandemia da Covid-19 em março de 2020 no país.

    No capítulo 20 anos da Revolução Bolivariana na Venezuela: um balanço em perspectiva histórica, Eduardo Scheidt examinou a Revolução Bolivariana em perspectiva histórica. Em sua investigação, a democracia participativa, construída no governo de Hugo Chávez, destaca-se. A relevância desse tema durante o processo revolucionário justifica essa escolha. Além disso, ressalta-se os estudos do Socialismo do Século XXI e do Estado Comunal, pois ambos os projetos também foram fundamentais para a radicalidade transformadora experenciada em nosso vizinho.

    Por fim, não poderíamos deixar de ressaltar que a coletânea foi escrita durante o lúgubre e tortuoso ano de 2020. Os impactos humanitários, socioeconômicos, políticos e psicológicos decorrentes da pandemia causada pelo vírus Sars-Cov-2 (COVID-19) afetaram, em maior ou menor medida, todos os autores. Em muitos dos textos, a temática da pandemia foi introduzida, às pressas, como não podia ser diferente, pelo seus devastadores impactos, em tão pouco tempo, em todos os países⁴.

    Assim, mediante esse cenário, esperamos lograr o êxito de apresentar aos leitores relevantes questões da história do tempo presente das nações latino-americanas que compõem este livro. Acreditamos, convictamente, que a ciência, a educação e o conhecimento são poderosas ferramentas para transformar de forma benéfica nossas sociedades. Continuaremos compartilhando nossos saberes e interrogando nosso passado-presente em busca de um melhor porvir.

    No momento que terminamos essa apresentação, a América Latina sofre com seus milhares de mortos, pois é um dos epicentros da pandemia. Embora concentremos cerca de 8% da população mundial, possuímos cerca de 20% dos casos e 30% das mortes pelo vírus⁵. Os negros, pobres, indígenas e grupos vulneráveis são os mais atingidos, pois o vírus não é democrático. Ficam, dessa forma, registradas nossas singelas homenagens às vítimas. Faremos sempre questão de lembrar daqueles que, para muitos, sempre serão invisibilizados. Boa leitura!

    Os autores

    Érica Sarmiento e Rafael Araujo


    1. TODOROV, Tzvetan. Los abusos de la memoria. Buenos Aires, Ed. Paidós, 2000. P.25.

    2. BENJAMIN, Walter. Tesis de la filosofía de la historia. Buenos Aires Ed. Agebe, 2012.

    3. BUTLER, Judith. Vidas precárias. Os poderes do luto e da violência. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2019. P. 59.

    4. Relatórios preliminares organizados pela CEPAL projetam cenários desalentadores. Vislumbram-se retrações de até 23% no Comércio Internacional e 9,1% do Produto Interno Bruto (PIB) regional. A pobreza e a extrema pobreza devem elevar-se, respectivamente, em 7,1% e 4,5%. Com isso, em torno de 327 milhões de latino-americanos (52,8% da população local) estarão na condição de extrema pobreza ou pobreza ao final de 2020. As informações aqui inseridas foram retiradas do Observatório COVID-19 en América Latina y el Caribe - impacto económico y social. Disponível em: https://www.cepal.org/es/temas/covid-19 Acesso: Nov/2020.

    5. DIAS, Marina. Fim prematuro do auxílio pode prejudicar recuperação do Brasil. Entrevista com Kristalina Georgieva. Folha de São Paulo, 16 de dezembro de 2020. P. A 18.

    Migrações forçadas do século XXI: reflexões sobre os corpos descartáveis na América Latina

    Érica Sarmiento¹

    A migração é um direito humano, não um delito.

    (Artigo 13 da Declaração Universal de Direitos Humanos)

    A reflexão acerca dos corpos

    Há algo que afugenta, que assombra, e que representa o maior desafio à ordem moral que hoje enfrentam as sociedades ocidentais: as migrações forçadas. Os milhares de estrangeiros, refugiados, asilados, indocumentados percorrem regiões de várias partes do planeta, formando corredores humanos que interpelam os Estados, desafiam suas políticas austeras e pressionam a sua vontade humanitária. É importante dizer que estamos mediante a maior crise humanitária do século XXI, e que os deslocamentos não se restringem a um problema local, mas, sim, a um problema de natureza global.

    Como devemos ver o outro? E como os estudos migratórios avançam em suas análises mediante as economias globais e a permanência dos estados-nação? As fronteiras políticas são inexistentes para as empresas, mas tornam-se uma barreira quase sempre indestrutível para os milhares de deslocados que tentam atravessá-la e romper o bloqueio. As fronteiras são consequências da economia global que promove processos de exclusão social alcançando proporções gigantescas, e, entre os processos de exclusão, encontram-se os milhares de seres humanos expulsos dos seus lares e territórios. Quem emigra perde, se perde pelo caminho, carrega sua herança, seus traumas, sua dor, sua vulnerabilidade. Está além do limite físico da fronteira e a fronteira não conseguiu assumir toda a dimensão cultural, imaginária que a experiência migratória traz consigo.

    Nas páginas que seguem, faremos uma breve reflexão acerca dos milhares de corpos descartáveis, aqueles que fogem das guerras, da servidão, da violência, e que, nessa fuga, são jogados no mar, são violentados em sua travessia, são silenciados pela história. Será só mais um corpo descartável no andar da globalização.

    O que fazer com os corpos descartáveis

    Mediante o cenário dos deslocamentos forçados, somos cada vez mais impelidos a responder sobre o que fazer com aqueles cuja mera existência não parece necessária para a nossa reprodução e que podem oferecer alguma ameaça às nossas vidas. São corpos humanos considerados excessivos, indesejados, ilegais, dispensáveis ou supérfluos. Para nos liberarmos desses corpos, nada mais natural do que os excluir do espaço ao qual eles não pertencem e não são reconhecidos como desejáveis: o nosso próprio espaço.

    Se bem, por um lado, é certo que o multiculturalismo parecia anunciar um mundo de mais tolerância, por outro, acabou por reforçar o sentido da diferença, contribuindo com maior visibilidade e projeção às identidades que desconhecemos, do outro que chega até nós em uma situação de profunda vulnerabilidade.

    O pensador africano Achille Mbembe afirma que o sistema econômico predatório se encontra em pleno funcionamento na maior parte do mundo hoje, cujos resultados são o estupro da biosfera e a destruição em escala massiva das condições básicas de vida na Terra. Seguindo Mbembe:

    Não é apenas que a economia venha se tornando o espaço proeminente das lutas pela vida. É também que as pessoas e coisas, natureza e objetos, estão cada vez mais sob o risco de serem transformados em artefatos. Então, claro está, que ao analisarmos as qualidades e propriedades das mobilizações contemporâneas, precisamos ter em conta o impacto das tecnologias de comunicação e mídia na formação da subjetividade política.²

    A política do nosso tempo, segundo Mbembe, necessita partir do imperativo de reconstruir o mundo em conjunto, e para que a ideia de descolonização tenha impacto em uma escala planetária ela não pode começar com a suposição de que a minha natureza é mais pura que a do meu vizinho.³ Dessa forma, a coisificação do ser humano traz a proposta da violência espacial, da punição dos milhares de deslocados considerados excedentes e indesejáveis, tornando-os desprovidos de decisões acerca de suas vidas, tornando-os prisioneiros de sua própria experiência migratória.

    Os alvos desse tipo de conflito não são de maneira alguma corpos singulares, mas sim grandes pedaços da humanidade julgados inúteis ou supérfluos, uma humanidade residual que é vista como descartável. As populações serão cada vez mais tratadas dentro dos limites de uma estrutura utilitária e bio-fisiológica-orgânica.

    Portanto, cabe aqui a pregunta, como pensar a imigração hoje? Como dar ressignificado a existência desses milhares de seres? Nesse sentido, vale ressaltar que o mundo vem enfrentando a sua maior diáspora e consequentemente uma crise paradigmática devido ao crescimento da intolerância. As migrações e deslocamentos internos atingem números absurdamente elevados e não existem políticas públicas que garantam minimamente a vida dos migrantes. As fronteiras tornam-se a casa de milhares de refugiados, como o caso do Norte de Brasil, com os imigrantes venezuelanos ou das fronteiras sul e norte do México, respectivamente as cidades de Tapachula e Tijuana – por citar os casos mais evidentes e preocupantes da América Latina atual. Entre deslocados e refugiados são mais de 65,6 milhões em todo o mundo, segundo dados do Relatório Global sobre Deslocamentos Forçados, divulgados pelo Alto Comissariado de das Nações Unidas para Refugiados. (ACNUR).

    Nesse cenário global, os corpos descartáveis apresentam-se como os principais desafios do século XXI, segundo a obra do antropólogo francês Didier Fassin⁵. Nesses corpos aparecem estampadas as marcas das desigualdades, se imprime neles a violência, e se inscrevem as normas de conduta que devem ser adotadas. Para Fassin, a política se exerce sobre e por intermédio dos corpos, portanto repolitizar el mundo es replantear la cuestión de la política y sus fundamentos: la vida, el cuerpo, la moral. O poder imprime a sua marca aos corpos, e nos corpos se encontra a verdade dos indivíduos.

    Existe uma morte física e social desses corpos em busca de um lugar para habitar, são corpos que exalam a linguagem da violência e do abandono, como aqueles migrantes que realizam longas travessias, enfrentando a morte e o esquecimento. Entretanto, na realidade que compromete as vidas descartáveis do século XXI existe, também, o outro lado, o da ética da sobrevivência, reivindicada por mulheres e homens ameaçados pelo desaparecimento físico ou social. Apesar de toda a violência e da possibilidade de serem descartados, eles seguirão buscando nas migrações forçadas o caminho da sua sobrevivência.

    É desses corpos que iremos tratar no próximo item.

    As migrações forçadas na América Latina:

    os corpos que se movem

    As migrações forçadas, muito presentes na América Latina, cresceram nos últimos anos, principalmente como consequência da generalização da violência social e, também, do que uma parte da literatura selecionada para desenvolver este texto denominou de neoextrativismo.

    El neoextractivismo es una categoría analítica muy productiva nacida en América Latina que posee una gran potencia descriptiva y explicativa, así como también un carácter denunciativo y un fuerte poder movilizador. Esta aparece a la vez como una categoría analítica y como un concepto de corte fuertemente político, pues nos habla elocuentemente acerca de las relaciones de poder y las disputas en juego y remite, más allá de las asimetrías realmente existentes, a un conjunto de responsabilidades compartidas y al mismo tiempo diferenciadas entre el norte y el sur global, entre los centros y periferias. Asimismo, en la medida en que alude a patrones de desarrollo insustentables y advierte sobre la profundización de una lógica de desposesión, tiene la particularidad de iluminar un conjunto de problemáticas multiescalares, que definen diferentes dimensiones de la crisis actual.

    Este processo se encontra muito latente, no caso que iremos tratar com especial atenção, o da América Central, produzindo impactos sociais e ambientais negativos nos países, com a conseguinte saída massiva até a fronteira sul mexicana. Encontra-se na política econômica dos governos progressistas a proposta de um capitalismo de Estado que aprofunda o capitalismo em suas diversas expressões:

    La expoliación de los territorios, el desplazamiento de las comunidades y la venta al mejor postor de recursos no renovables, atentando así contra las posibilidades de reproducción de los pueblos en su multietnicidad y contra la salud medioambiental, ya tan precarizada y comprometida, continúa.

    Segundo os especialistas em migrações forçadas na América Central, Coraza e Arriola, é importante não circunscrever as mobilidades forçadas somente ao âmbito das violências. As pessoas também desenvolvem suas próprias estratégias de mobilidade para fugir de situações de extrema vulnerabilidade ou para salvar suas vidas ou a integridade física em circunstâncias que não estão diretamente relacionadas a violência de origem humana (sejam de atores privados ou públicos). A mobilidade forçada pode ser , também, consequência de desastres produzidos por acontecimentos de origem estritamente natural (um terremoto, uma erupção vulcânica), assim como de outros provocados por causas socioambientais (desertificação, inundações etc.), associadas, em maior medida, ao câmbio climático ou outros fatores que são de perfil antropogênico (catástrofes tecnológicas, pandemias.

    Os fatores causais apresentam-se de natureza diversa. As migrações forçadas reúnem, por um lado, elementos tradicionais, fruto de um passado histórico, ainda pulsante, associado aos constantes conflitos fronteiriços envolvendo México-Estados Unidos, além da América Central e México, e por outro lado, conflitos e dramas recentes envolvendo grupos específicos como gays, lésbicas, bissexuais e transexuais. Se os migrantes forçados tornam-se vítimas em potencial da violência, da ausência de direitos humanos e da incompreensão (do Estado e da sociedade), os LGBTS encontram-se em uma situação de dupla vulnerabilidade: pelo fato de serem migrantes forçados e pela ausência de proteção estatal em seu próprio país, devido ao sistema histórico, social e institucional de discriminação pela orientação sexual e de identidade de gênero.

    Refletir sobre as migrações forçadas torna-se, assim, uma tarefa importante e necessária no momento de analisar o passado recente de certas sociedades que viveram processos traumáticos, decorrentes de guerras, governos autoritários e ditatoriais. Para os novos estudos, as migrações forçadas estão associadas à violência direta ou potencial da integridade física, moral ou até mesmo dos meios de vida dos indivíduos, família, filhos ou grupos de pertencimento. A sensação de trauma vivida por essas populações é enorme, vítimas que são muitas delas de despejo de seus lares, abandonando o lugar onde nasceu, e o seu meio de vida.

    As migrações forçadas do século XXI possuem peculiaridades que as diferenciam de fluxos migratórios anteriores. Segundo Coraza e Arriola, o fenômeno se dá em todas as escalas, estando o local e o global cada vez mais interrelacionados e conectados. Outra característica é a existência de várias classes de mobilidade que envolvem origens, trânsito, destino e retorno (voluntário ou forçado), e por, último, vale ressaltar que os fluxos das migrações forçadas caracterizam-se como mistos, ou seja, se dá a partir da combinação de causas estruturais e conjunturais, pessoais e familiares. Um indivíduo que se desloca de maneira forçada pode se encontrar em diversas situações, como pobreza crônica, exclusão social, racismo, corrupção, desastres socioambientais, conflitos vinculados à luta contra multinacionais e pela defesa do território contra as empresas, entre outras classes de violência.

    Os diferentes tipos de violência, responsáveis pelos deslocamentos de muitos indivíduos da América Central, podem ser de natureza estrutural (as que emanam do sistema), simbólicas (a que naturaliza e dá legitimidade a violência sistêmica), microssocial (cotidiana e que se dá entre gênero, homofobia, etc.) e a violência criminal (como a delinquência nas ruas, crime organizado, etc.). Todos esses tipos de violência derivam de problemas correspondentes à falta de segurança cidadã e a ineficiência de segurança pública mesclada às causas políticas, sociais, econômicas e até culturais que alimentam o círculo da violência.¹⁰

    Na América Latina, o drama das migrações forçadas tem suscitado intensos debates em organizações não governamentais, órgãos de apoio humanitário e espaços acadêmicos. Trataremos aqui de apresentar brevemente dois temas vinculados às migrações forçadas: a migração infantil e as discussões acerca das ações do governo mexicano em relação às questões migratórias. Para desenvolver os temas propostos utilizaremos dois tipos de fontes: 1) materiais técnicos produzidos por organizações não governamentais (ONGs), governos e centros de pensamento 2) informações, relatos e análises veiculados pela mídia e pela literatura acadêmica.

    O primeiro tema a ser tratado e de grande comoção social envolve a imigração infantil e a separação dos menores de suas famílias. Segundo o Estudo Global das Nações Unidas sobre os meninos e meninas privadas de liberdade, Estados Unidos possui a maior taxa de crianças detidas no mundo, com mais de 100 mil menores sob custódia do governo por temas relativos à imigração. A cifra se refere tanto a menores imigrantes que chegaram na fronteira dos Estados Unidos sozinhos, quanto àqueles acompanhados de familiares e que foram separados de seus pais no momento da detenção.¹¹

    En todo el mundo, más de 7 millones de personas menores de 18 años están detenidas en prisión y bajo custodia policial, incluidas 330.000 en 80 países detenidos por razones relacionadas con la migración, lo que significa que Estados Unidos representa casi un tercio de esas detenciones.¹²

    A detenção dos menores de idade só deveria acontecer como último recurso e pelo menor tempo possível, segundo indica o Estudo Mundial de Nações Unidas sobre Meninos e Meninas Privados de Liberdade.¹³ Segundo Manfred Nowak, os Estados Unidos ratificaram importantes tratados internacionais como os que garantem os direitos civis e políticos e proíbem a tortura, mas é o único país que não ratificou o pacto sobre os direitos da infância.¹⁴

    Desde luego que separar niños, como lo hizo el gobierno de (el presidente Donald) Trump, de sus padres e incluso a niños pequeños en la frontera entre México y Estados Unidos está absolutamente prohibido

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1