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Um herói para mim
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E-book247 páginas3 horas

Um herói para mim

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Sobre este e-book

Famílias felizes realmente existem?
Carley Connors tem doze anos e é uma garota muito forte. Crescendo em Las Vegas com sua mãe, que gostava de se divertir até demais, ela aprendeu a ser dura. Mas Carley nunca esperou pela traição que a faria parar em um lar temporário.
Quando ela é levada para os Murphy, uma família animada com três meninos, ela se surpreende. Carley sabe que nunca poderia pertencer ao mundo deles, então mantém distância. Esse é um mundo que ela simplesmente não entende. Um mundo que a assusta.
É fácil desconfiar de Daniel, o irmão que tem quase a idade dela e que logo fica ressentido por ela estar ali. Mas a sra. Murphy a faz se sentir ouvida e vista pela primeira vez, e os dois meninos mais novos parecem decididos a abrir caminho para seu coração.
Com a ajuda de Toni, sua nova amiga imprevisível e obcecada por musicais, os Murphy fazem o impossível para mostrar à garota como é pertencer a algum lugar. Antes que ela mesma perceba, Carley começa a proteger os meninos de um valentão do bairro e passa até a ensinar Daniel a jogar basquete.
Mas, quando sua mãe a quiser de volta, ela perderá a única família que já conheceu?
IdiomaPortuguês
Data de lançamento28 de mai. de 2021
ISBN9786555950656
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    Pré-visualização do livro

    Um herói para mim - Lynda Mullaly Hunt

    Capítulo 1

    Sortuda

    No banco de trás do carro da assistente social, tento me lembrar de como minha mãe sempre falou para nunca demonstrar medo. Ela ficaria decepcionada se me visse agora. Tremendo. Simplesmente indo sem oferecer resistência.

    A assistente social, sra. MacAvoy, sai do estacionamento do hospital enquanto eu brinco com a trava elétrica da porta do carro. Trava. Destrava. Trava. Destrava. Do espelho, ela me fuzila com o olhar e diz:

    — Por favor… pare com isso. A porta precisa ficar travada.

    Amo quando as pessoas usam por favor mas soam como se quisessem arrancar seu rosto. Eu paro. Mas não estou fazendo isso para incomodá-la, como ela pensa. É só que não consigo me aquietar. E é melhor fazer isso do que saltar de um carro em movimento.

    Meus dedos brincam com a pulseira hospitalar. Encaro meu próprio nome. Carley Connors. Treze letras. Quão pouca sorte uma pessoa pode ter?

    Penso na minha mãe. Parada lá, deitada na cama do hospital que nem uma berinjela. Eu me pergunto se já está consciente. Eu me pergunto por que ninguém me conta o que está havendo com ela. E me pergunto por que eu mesma não consigo fazer esta pergunta.

    Olhando para fora da janela, conto as árvores. Connecticut está coberta delas, mas em março os galhos ainda estão nus. Parecem longos dedos cinzentos acenando para nós enquanto passamos rápido.

    — Estamos quase lá — diz sra. MacAvoy, entrando à direita mais rápido do que acho que qualquer assistente social deveria.

    Penso de novo na cama de hospital, eu me sentando nela, amontoando os lençóis nos punhos, perguntando se iriam me mandar para um orfanato.

    — Nós não chamamos mais de orfanatos — ela havia dito, balançando a cabeça e rindo. Como se esse fosse o objetivo da pergunta?

    Agora estou presa em seu carro indo a um lugar que ela escolheu. Depois do que meu padrasto fez, estou apavorada de pensar em que tipo de lar temporário posso acabar. As coisas que poderiam me acontecer.

    Penso no mural da Pequena Sereia perto da estação de enfermagem. Como a fada do dente me deu aquele CD quando eu tinha sete anos, e minha mãe deixou eu me levantar para ouvi-lo quando o encontrei debaixo do travesseiro à meia-noite. Nós dançamos pela cozinha juntas. Ela cantou Beije a moça enquanto me perseguia para dar um beijo. Eu não fugi de verdade nenhuma vez.

    — Sabe... — diz sra. MacAvoy, me trazendo de volta à realidade. — Você tem muita sorte, Carley.

    — Você está brincando, né?

    Ela franze a boca.

    — Bom. — Ela soa como uma bomba relógio. — É uma boa casa. Uma boa localização. Você tem sorte.

    — Acho que eu deveria comprar um bilhete de loteria então.

    — Um dia, Carley, você vai ter que se dar conta que ficar brava com o mundo todo só fere você mesma.

    Eu me pergunto se não é esse mesmo o objetivo.

    Nós seguimos até uma casa da cor de poeira. Árvores altas e magras a cercam, como guardas vigiando. Há um número 66 na caixa de correio. Um palíndromo.

    Sra. MacAvoy abre a porta do carro para mim.

    — Esta é uma família muito boa, Carley. — Ela coloca ênfase no meu nome como se para me alertar. — E esta é a primeira vez que recebem uma criança…

    Sei que esse é o jeito dela de me dizer para ser uma boa menina. A caminhada até a entrada parece ser como andar sobre cola. Eu li livros e vi filmes. Sei como pais em lares temporários são. Eles fumam cigarros e dão bolacha água e sal no café da manhã.

    Uma, duas, três… sete, oito, nove. Parada no alpendre, conto as folhas da guirlanda de plástico pendurada na porta. A vermelhidão brilhante das flores me lembra das luzes em espiral da ambulância. Tenho uma memória vaga de minha mãe gritando por mim e minha própria voz tentando gritar para ela. E o gosto de sangue; eu me lembro disso.

    Eu me lembro da dor cegante pelo corpo, e então de não sentir nada de verdade. Me perguntando se uma pessoa como eu poderia ir para o paraíso.

    Eu salto quando a porta abre, e uma mulher sorri. Ela é o tipo de pessoa que você não precisaria conferir duas vezes. O cabelo dela vai até a altura do ombro, liso, e em tons diferentes de castanho. O suéter gola V azul combina com seus olhos, e ela usa um colar com uma folha prateada e calças xadrez.. Quer dizer, calças xadrez? Ela estende a mão.

    — Oi, Carley. Que prazer conhecer você. Eu sou Julie Murphy.

    Não consigo cumprimentar de volta. Até o nome parece falso. Efusiva demais. Eu me pergunto por que ela tem prazer em me conhecer. Eu me pergunto o quanto ela sabe. E espero não gostar dela.

    Então a coisa toda piora.

    Sra. Murphy dá um passo para o lado. Ao lado dela estão três garotos. O menor corre até ela, estendendo as mãos, e ela o pega no colo.

    Não posso ficar aqui. Provavelmente estou aqui para ser uma babá em tempo integral ou uma Cinderela dos tempos modernos.

    O garoto mais velho olha para mim como se quisesse me enrolar em um tapete e me largar na esquina.

    Eu não choro desde que minha mãe me contou que iria se casar com Dennis. Isso faz 384 dias, mas quero chorar agora.

    A mãe dele inclina a cabeça para o lado e sustenta meu olhar até eu simplesmente não conseguir olhar mais. Ouço sua voz. Suave.

    — Por que você não entra, Carley?

    Capítulo 2

    O primeiro passo

    Enquanto sra. MacAvoy tagarela, sra. Murphy se foca nos machucados em meus braços; seu olhar de pena rasteja dentro de mim. Abraçando o corpo, as mãos atrás das costas, tento esconder os braços para que ela não veja.

    O garoto do meio começa a tirar carros Matchbox dos bolsos das calças e os aperta no peito. Ele é o mais imundo, mas parece ser o mais sério, mesmo com a cabeça cheia de cachos ruivos.

    O que está nos braços dela tem uns quatro anos, acho. Ele usa um capacete de bombeiro de plástico, um short estampado com hidrantes e imensas botas amarelas para chuva. Uma foto excelente para usar como chantagem quando ele tiver uns dezesseis anos.

    — Este é Daniel — diz ela, apontando para o mais alto. — E o carinha ruivo dos carros é Adam, e meu caçula é Michael Eric. Digam oi, todo mundo!

    Olho para esta família. Uma família que não conheço. Com quem eu tenho que ficar. Tento engolir meu pânico.

    A casa toda tem cheiro de amaciante. Ela me lembra a lavanderia de Lucky, lá em Vegas, mas não é nem de perto tão brilhante. A lareira ocupa uma parede inteira na sala de televisão num ambiente separado por um degrau; sobre a lareira, há decorações para a celebração irlandesa do Dia de São Patrício.

    Sra. MacAvoy vai embora, dizendo:

    — Boa sorte.

    Eu me pergunto para qual de nós ela está dizendo isso.

    Quando sra. Murphy fecha a porta atrás de si, ela se vira para mim.

    — Vamos acomodar você — diz ela. A ideia de me acomodar neste lugar é tão provável quanto uma macieira saltar da minha orelha.

    Ela pega a mochila que o Serviço de Proteção ao Menor me deu, que tem uma girafa de pelúcia, uma escova de dente e um par de pijamas amarelo-brilhante que me lembram de que há coisas piores que a morte. Mas a girafa de pelúcia é boa. Qualquer um que teve a vida inteira despedaçada em uma única noite deveria ter uma girafa de pelúcia.

    Sra. Murphy me guia escada acima. Há treze degraus para o topo, o décimo é um que range. Logo estamos em um quarto decorado com a temática de carros de bombeiro. Na parede sobre a cama, tem uma placa vermelha de madeira que diz SEJA O HERÓI DE ALGUÉM em letras brancas, e eu reflito sobre a ironia cruel de dormir sob essa frase.

    — Desculpe pelo quarto. Sei que não é muito adequado pra uma garota da sua idade. Coloquei Michael Eric com Adam pra você ter um pouco de privacidade. Sabe, eu imaginei que você seria um garoto. — Ela espia por cima do ombro e parece um pouco envergonhada. — Quer dizer, eu me surpreendi ao saber que você era uma garota.

    — É, eu também.

    Ajeitando o canto da cama, ela ri.

    — Que viagem.

    Eu me pergunto o que ela quer dizer. Eu gosto disso.

    — Eu estava pensando. Se você quiser me chamar de Julie ao invés de sra. Murphy, não teria problema. Não fica tão formal.

    — Certo — digo, pensando que não quero chamá-la de Julie, como se fôssemos amigas. Não quero chamá-la de nada. Ela parece legal, mas não quero a família de outra pessoa.

    — Vou dar um banho em Michael Eric e Adam e começar o jantar. A sra. MacAvoy disse que você estava pedindo por livros no hospital, então coloquei um monte que você poderia gostar na última prateleira ali. — Ela aponta com a cabeça para uma estante.

    Eu me viro para olhá-los. A melhor coisa até agora.

    — Vamos comer lasanha para o jantar. Espero que esteja tudo bem por você.

    — De que marca é?

    — Uh, não. Quer dizer, de nenhuma marca industrializada. Preparei umas semanas atrás e enfiei no freezer do porão. — Ela parece envergonhada. — Então acho que dá pra dizer que é congelada, então?

    Ela mesma fez a lasanha? Sério?

    Sra. Murphy se vira para ir, fechando a porta atrás de si.

    — Ah!

    — Sim? — responde ela, entrando de volta.

    — Você tem um marido? — pergunto, encarando a aliança de casamento e pensando em meu padrasto, Dennis.

    — Sim, tenho sim. — Ela soa como se cantarolasse. — Meu marido, Jack, está trabalhando no quartel de bombeiros hoje, mas vai estar em casa amanhã de manhã. Ele sabe que você está aqui.

    Sinto medo de novo.

    — Certo. Obrigada.

    Ela sai, e logo ouço a barulheira dos respingos do banheiro e parece que tem dez garotos na banheira em vez de dois. Paro na porta e quero entrar, mas não vou. Vejo que a porta do quarto dos Murphy está aberta, então eu entro ali.

    A cama é alta e tem um dossel. Há fotos pelo quarto todo, em mesas e estantes. Tem um homem em uniforme da Marinha. Tem também uma foto de casamento, e vejo que o noivo é o mesmo cara da Marinha. Queria que minha mãe fosse casada com meu pai.

    A porta do banheiro abre atrás de mim, e sinto que fui pega fazendo algo errado. Eu pulo para trás, esbarrando na mesa, e a foto do homem da Marinha se espatifa no chão. Falo numa vez só:

    — Desculpe.

    — Carley. Não tem problema. Limpo depois. Mas tome cuidado. Não se corte.

    Eu a encaro. Quando ela vai ficar brava?

    — Tem um banquinho aqui — diz ela. — Por que você não senta e se junta a nós?

    O que parece ser um copo de plástico cai e rola pelo chão do banheiro seguido de uma gargalhada alta de um dos meninos. Sra. Murphy enfia a cabeça para olhar.

    — Michael Eric. Deixa a água dentro da banheira, querido.

    Querido.

    Ela se vira para mim, esperando uma resposta. Consigo ver que ela fica impaciente com o olhar passando de mim para o banheiro.

    — Desculpe — digo. Eu me pergunto se minha mãe já está acordada.

    Ela parece forçar um sorriso.

    — A foto não é nada demais. Jack odeia essa, de qualquer forma.

    Minha boca fica seca. Eu sei que não estou me desculpando pela foto. Eu me desculpo por estar ali, para começo de conversa.

    Sra. Murphy me deixa pular o jantar. Diz que é só porque é a primeira noite. Ouço uma família feliz no andar de baixo, falando e rindo, e fico aliviada de não estar com eles.

    No quarto escuro que não é o meu próprio, conto as rodas nos caminhões de novo e de novo. Conto os pequenos bombeiros correndo ao redor para ajudar as pessoas. Encaro a placa do herói e conto as curvas e linhas das letras. Eu me pergunto se, em toda minha vida, eu poderia ser a heroína de alguém.

    Acho que ouço minha mãe chamar por mim durante a noite, e puxo as cobertas até o queixo. Eu me lembro de como ela me falou para nunca chorar. Como ela e suas amigas riam de mim quando eu chorava. Como minha mãe me dizia que chorar era para otários e que não dá para ser um otário em Las Vegas.

    Sei que onde quer que minha mãe esteja, ela tem que estar pensando em mim, e sei que irei até ela se precisar de mim, não importa o que o Estado diga. Espero que, se eu tiver paciência, eu tenha a minha própria mãe de novo.

    Capítulo 3

    O natural

    À noite, a casa está quieta. Quieta demais para dormir.

    O relógio digital marca 2h34; gosto dos números consecutivos. Fico olhando e espero pelo 2h35 porque dois mais três dão cinco. Às 2h36, duas vezes três dão seis.

    O número seis me faz lembrar do vaso favorito da minha mãe. Como eu o enchi com seis bolinhas de gude grandes, transparentes, com espirais azul-marinho dentro, mesmo quando ela me disse para não fazer isso. Como meu cotovelo o lançou no piso coberto de carpete, e, quando limpamos, havia seis partes. Nós colamos o vaso de volta, mas estava tão disforme que não segurava mais água dentro.

    Tenho medo de que seja assim que minha mãe e eu vamos ser agora. Tenho medo de que não importe quantas vezes eu me desculpe por estragar tudo com o marido novo dela, Dennis, a gente continue disforme e não consiga mais segurar água dentro.

    Queria tanto poder tê-la visto antes de sair do hospital. Penso na minha última noite lá — só 24 horas atrás. Em como tentei escapar do meu quarto e encontrar minha mãe na UTI. Como fiquei pensando que se eu fosse uma filha que valesse de algo, eu conseguiria encontrá-la.

    Quando a enfermeira me pegou, eu explodi contando para ela que sentia muito por deixar Dennis chateado. Como se, por contar a ela, minha mãe fosse saber também.

    A enfermeira me acompanhou de volta para meu quarto e me mandou dormir um pouco. Não sei por quê, quando as coisas estão horríveis, as pessoas sempre falam para dormir. Aposto que é porque se você está dormindo, elas sabem que você vai deixá-las em paz.

    Quando ela se virou para ir embora, eu me lembro de pensar que tinha medo de ficar sozinha.

    A enfermeira desligou as luzes antes de sair. E eu fiquei no escuro.

    Exatamente como agora.

    Na manhã seguinte, bebo suco de laranja. Suco de laranja normal, chato, sem adição de kiwi ou romã.

    Sra. Murphy saiu noite passada para comprar para mim depois de eu contar a ela que só gostava do suco normal, natural. Acho esquisito que ela tenha comprado só porque eu pedi. Sempre que eu pedia suco de laranja para minha mãe, ela me perguntava se eu era herdeira dos Rockefeller. Por anos, achei que um Rockefeller era uma pessoa que gostava muito de laranja, até descobrir que eram bilionários.

    A porta dos fundos bate e há gritos

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