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A fada desencantada (série Um conto de uma fada - livro 2)
A fada desencantada (série Um conto de uma fada - livro 2)
A fada desencantada (série Um conto de uma fada - livro 2)
E-book614 páginas9 horas

A fada desencantada (série Um conto de uma fada - livro 2)

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Sobre este e-book

Caetana Pimenta descobriu que era uma fada madrinha alada princesa sereia. Resumindo, o futuro profissional dos sonhos de uma garota de 7 anos. Só que ela não é uma sereia, ninguém nunca a coroou como princesa, e ninguém deveria saber disso! E também ninguém na sua cidade poderia saber que ela é uma fada madrinha...

Mas ela continua a ser a única fada que possuí asas de borboleta desde séculos.

Após uma tragédia, Caetana se torna a discípula de sua madrinha, que alguns acham que é sua tia, e outros foram informados que é sua verdadeira mãe. Tal treinamento a fez ficar meses sem realizar nenhum desejo, mesmo que sentisse um novo todos os dias.
Então um dia de tédio decidiu fazer uma visita para a bruxa que salvou sua vida (e com a qual já teve inúmeros pesadelos). Não a encontra, mas conhece sua meia-irmã cinza, que é maltratada por todos ao seu redor. Logo a seguir, Caetana recebeu um convite suspeito para conhecer o castelo da família real bruxa, mas na verdade era uma inscrição para se candidatar a ser a noiva de seu príncipe.
É claro que uma tragédia estava anunciada!

IdiomaPortuguês
Data de lançamento2 de jan. de 2018
ISBN9781370745319
A fada desencantada (série Um conto de uma fada - livro 2)
Autor

Valentina Linz

Valentina Linz está na casa dos vinte e é mineira de nascença, criação e coração. Quando criança teve problemas para aprender a ler e escrever, de modo que quando quando perguntavam oque queria ser quando crescer, respondia que qualquer profissão que não teria de escrever. Só que essa história mudou na adolescência, com uma paixão pela leitura e escrita, nascendo nesse momento o seu sonho de ser uma escritora de literatura juvenil. Já escreveu fanfics e esse é seu passado sombrio! É uma chocolatara em recuperação, seu bem mais precioso é o seu kindle e almeja ser a versão canina da mulher dos gatos.

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    A fada desencantada (série Um conto de uma fada - livro 2) - Valentina Linz

    Capítulo 1

    Agora nós estamos em julho, bem no seu comecinho.

    Tecnicamente sim, mas talvez não. Na história, encontramo-nos em julho, mas nesse presente momento podemos não estar fisicamente em tal data. O dia de hoje poderia ser o de ano novo, dia da independência, carnaval ou o seu aniversário, isso se você não nasceu em julho. Também poderia muito bem ser um dia corriqueiro, desde que seja um longe de julho. Ou então ser no final de julho. Junho? Contudo, coincidências podem acontecer e essas palavras podem estar sendo lidas no dia primeiro de julho. De qualquer maneira, essa é uma complicação o suficiente para demonstrar o quão falsa uma ficção pode ser.

    Ora! Falar de julho em junho!

    Infelizmente, para que qualquer história seja contada é necessário que se acredite nela, ou pelo menos isso enquanto se está com ela. Isso é uma ficção, e ficção significa que se aconteceu de verdade ou tem alguma relação com fatos reais, ao menos o autor não tem conhecimento disso. Ou não quer admitir. É só uma historinha que se passou na cabeça de alguém e por algum motivo misterioso, achou que seria interessante compartilhar.

    Caso você seja uma dessas pessoas que não gostam de histórias porque são todas falsas, não aconselho você a seguir. Afinal, ficar se lembrando que Caetana Pimenta não existe a todo momento enquanto lê pode ser considerado como uma tortura, ainda mais sabendo que terá bem mais de uma página a caminho. Então Caetana fez isso... Não, ela não fez porque ela não existe! Você acha que me engana?

    E caso você seja alguém que acredita em tudo que lê, faça um favor para todos e pare de ler agora! Pare de ler tudo! É até mesmo uma forma de preservar a própria vida... Vai que alguém decide que tem asas de borboleta e decide pular de um prédio para um voozinho...

    Então, a partir desse momento estamos em julho, e você não vai conferir isso no calendário. A partir desse momento e até fechar o livro, um personagem existe e não haverá ninguém que negará tal fato. Depois, esqueça de tudo o que descobriu, se assim desejar.

    No meio de tantas mentiras ficcionais é difícil encontrar algo que possa ser verdadeiro. Porém sempre podemos encontrar a sinceridade dos gostos puros e simples. Você pode até acreditar que a história seja falsa (e ela é mesmo falsa), mais as impressões que tem sobre ela, essas são verdadeiras.

    Dizem que o amor é algo puro, mas tenho as minhas dúvidas sobre isso depois de ler tantos romances no qual a protagonista tem uma dúvida cruel sobre quem será seu par romântico no felizes para sempre. De um lado, um mocinho com o melhor dos caráteres e do outro, um papel trágico que ilustra muito bem o mal caráter, ambos com o coração aberto para ela. Eu poderia até considerar o amor como puro, isso se houvesse um equilíbrio nessas diversas histórias de quem ela ficou no final, se não fosse por um porém. Tende muito, mas muito mesmo, para um dos lados do que para o outro. Vai ver o bem educadinho aparece melhor nas fotos, mesmo que tenha vivenciado algo intenso com aquele que correria o risco de xingar a sua família no almoço de domingo. Assim, até o amor mais puro, aquele venerado em romances, tem um quê de pouco genuíno e muito social.

    Agora, os gostos são simplórios. Vamos entender gostos como sendo a vontade de sair correndo, tanto para agarrar algo como para ficar o mais longe possível. Talvez não, vá que seja alguém que goste de frituras, assim é mais provável que você saia correndo de uma maré de óleo fervendo do que vá de encontro com ele, de braços abertos! Mas dá para entender, é uma vontade de ficar perto ou de ficar longe. O que não envolve necessariamente estar perto daquilo que gosta, porque se fosse assim, não teria esse nome, e sim o de criança-mimada-que-faz-birra-porque-a-mamãe-não-quer-dar-o-brinquedo-carríssimo-que-viu-no-shopping-e-se-ela-desse-brincaria-por-um-minuto-e-largaria. Suponho que já esteja na idade de saber que você não faz só aquilo que gosta, o que significa que tem sim de comer legumes no almoço. Por isso que desgostos existem, porque temos de ficar perto daquilo que não gostamos.

    O que isso tem haver com estarmos em julho? Oficialmente nada... Com o meio de contextualização, sim.

    Isso porque a última notícia que teve dela foi em março, naquele fatídico dia que foi obrigada a passar pela maior provação da sua vida. Na sua opinião, foi tudo culpa da garota. Naquele dia, se obrigou a ir ao funeral da sua própria mãe, também causado exclusivamente por sua culpa, isso na sua opinião. O que significa que se passaram quatro meses sem nenhuma narração de sua vida, e que não dá para começar falando que ela estava há quatro meses sem realizar um desejo sem entender que ela passou quatro meses sem realizar desejos.

    E também sem relembrar você que ela era uma fada madrinha, mesmo que, ao ter esse livro em mãos, sendo subentendido que você já sabe isso por informações anteriores. Caso não saiba disso, terá pouca diversão em tudo o que se seguirá e muitas dúvidas do que será dito. A história de Caetana começou antes dessa.

    De qualquer maneira, primeiro eu disso o fato bruto, já na segunda, há a vivência de um, dois, mais de cem dias.

    E poderia começar então com o que se sucedeu nesse meio tempo, os quatro meses sem realizar nenhum desejo. Só que ainda seria pouco, porque apesar de apresentar sobre algo que ela viveu, continua sendo bruto. Agora, sobre se ela gostou ou não disso, isso sim é algo que ajudará a entender o que aconteceu com a garota. Isso porque nós mesmos vivemos uma história, a nossa própria história, aquela que somos o protagonista, mesmo que alguns tenham esse posto quase roubado por secundários e nem se importam em reivindicá-lo. Essa história não é simplesmente contada para você, e sim sentida na própria pele. De acordo com os próprios gostos.

    E vamos começar a contar essa!

    O primeiro, e talvez maior, desgosto de Caetana nesse meio tempo, foi o ter dezessete anos. Isso sem nenhum lamento sobre envelhecer, porque era uma mocinha de só dezessete anos e envelhecer não deveria ser um problema nessa idade, só uma ansiedade para completar logo dezoito para enfim poder dirigir, beber, ir para a cadeia caso cometa algum crime... Ela não teve nenhum problema com tal aspecto, só que ela descobriu do nada que tinha uma nova idade.

    Aconteceu quando separavam a papelada para que Ana Maria obteste a sua guarda, sendo a irmã desaparecida e reaparecida de sua falecida mãe, mesmo que fosse uma mentira. O fato de ser irmã da finada dona Clarice, não de ser sua nova responsável. A mulher era a melhor amiga de infância da princesa sereia Clasori, que no momento em que fugiu de seu palácio e transformar em uma fada madrinha adotou o nome de Clarice. Logo depois se transformou em uma humana para prolongar seu tempo de vida por causa de um desejo que acabou se tornando uma maldição, e de quebra ganhou uma filha, nossa Caetana. De qualquer maneira, a garota ainda teria de manter a identidade de sua mãe em segredo. Segundo o que ouviu, tinha uma tia que não a considerava como a sua sobrinha favorita, podendo tomar o trono dela e tal... Pelo que Ana Maria contou, provavelmente Firgn a mataria caso a encontrasse.

    Sua madrinha não gostava de falar sobre a irmã de sua melhor amiga, por isso era difícil conversar sobre tal assunto com ela. Ana Maria só deixava claro sobre o caráter dela, o que bastava para Caetana criar sua opinião.

    Mesmo assim, olharam para os seus documentos, depois para a data atual e desta maneira descobriram que já tinha vivido alguns bons dias com os seus dezessete anos. Poderia até criar desculpas para o esquecimento para aqueles com quem tinha maior intimidade, que também foram abalados – e até si mesma – se fosse alguns dias depois do falecimento. Contudo, era antes dele. Esqueceu o próprio aniversário!

    Ela terá no futuro problemas em todos os aniversários, sabendo que poucos dias depois será o aniversário de morte de sua mãe. Mas estamos em julho, ainda falta algum tempo para seus dezoito anos.

    Isso, de ela mesma ter esquecido a data do próprio aniversário, poderia ser explicado pela ansiedade que precedeu aquele fatídico final de semana, nada que aquilo que veio depois não tenha intensificado. Por um bom tempo, tudo o que teve foram impressões bem pontuais. Só de lembrar de uma época desse modo já era de se esperar que fosse desgostar, mas até que a garota gostou que fosse desse jeito. Estava um lixo de pessoa, sentia-se como tal e lembranças assim não seriam boas. Seriam depressivas na verdade.

    Agia como todos esperavam. O que só comprova o fato de ser, e ainda continuar sendo, uma moça extremamente comum para quem quer que a vesse passando pela rua. Era uma daquelas sem nada de tão especial para que a odeiem ou ruim para que a amem, com aquela aparência que não era feia nem bela. O que por mais deprimente que fosse, gostava de ser assim na maioria das vezes, pois ajudou-a em inúmeros momentos a ser despercebida. E também gostou no seu luto, por causa da sua natureza de preferir se isolar ao ser assediada. Boa parte daqueles que souberam só prestaram seus pêsames e a deixaram em paz.

    Agora ela estava melhor. Não estava tão boa assim, mas digamos que por ser o que era, Caetana tinha ao menos os meios para lotar sua mente com o que não fosse fazê-la querer passar o dia inteiro emburrada na cama.

    Não digo isso só porque ela era uma fada madrinha, algo que descobriu há pouco tempo. Por mais estranho que fosse ser uma e não soubesse, isso era explicado pela sua falta de tempo livre. Vivendo longe de suas iguais e tendo de lidar desde os dez ou onze anos com a capacidade de saber o desejo das pessoas – aquilo que elas mais precisam, algo que talvez nem sequer saibam – só de olhar em sua direção, aliada a uma incapacidade de esquecer disso até que esse se realize, fez com que a garota nunca teve tempo para se perguntar o que era. Simplesmente vivia. Até encontrar com outras fadas madrinhas em uma situação nada agradável.

    De fato, todas as fadas madrinhas que conheceu, menos aquele médico que do centro de curandeirismo (que talvez devesse ser chamado de curandeiro), quase morreram por causa dela. Ainda não se reencontrou com nenhum deles, nem sequer teve um contato propriamente dito nesse meio tempo com qualquer Reino Mágico, e faria muitas coisas para que isso se esticasse. Digamos que esse reencontro era uma situação que ela desgostaria... Assim, essa distância que mantinha de todos a agradava.

    O que pode ser uma contradição, considerando que você acabou de ver uma compilação de uma conversa dela com um vampiro que conheceu no centro de curandeirismo, Ayo. Era uma situação diferente, guiada por um impulso quando ganhou sua própria caderneta de comunicação, que poderia ser explicada como uma versão em papel do celular. A dela era até bonitinha, com uma capa de couro trabalhada e uma tira de cetim que a fechava ao amarrar. Ana Maria, a atual grávida, acreditava piamente nos malefícios que um celular poderia acarretar na gravidez. Assim, tendo uma alternativa, pediu para que ela e a garota só se comunicassem por uma, assim a ganhando. Com ela em mãos, lembrou-se de que Ayo pediu para conversarem de vez em quando e decidiu contatá-lo em um impulso.

    Era um rapaz agradável, da qual gostava. Dele e um pouco do seu puxa-saquismo, já que elevava seu espírito. Escreviam regularmente um para o outro, tornando-se amigos e negava todos os tipos de convites para se encontrarem de novo.

    Possuiu uma vaga lembrança de como foi o funeral de sua mãe, com a casa funerária lotada. Nenhuma face ficou gravada na memória. A falta de naturalidade no dormir do coma em que Clarice se encontrava antes de sua morte a preparou para que não se chocasse tanto ao vê-la tendo seu sono eterno, tanto que essa imagem não foi marcante para a garota, e sim outra. Nunca vira o cabelo natural dela, que pintava sempre de loiro desde que se lembrava de existir, e que segundo sua madrinha, eram azuis. Como pode ser aprendido nas revistas de curiosidades irrelevantes, o nosso cabelo cresce cerca de um ou dois centímetros por mês, o mesmo tempo que passou em coma, impossibilitada de tingi-los. Caetana olhou bem para a raiz dos fios, em um tom diferente do restante, escurecido. Eram sim de um tom de azul marinho, tão escuro que daquele tamaninho, daria para passar por preto para um desavisado.

    Esse tempo curto foi até um alívio para que não suspeitassem de uma misteriosa nova doença que fazia entrar em coma do nada e o cabelo começar a crescer azul. A doença dela já era estranha demais para os médicos que a acompanharam. O laudo de sua morte, ou foi algo extremamente malfeito, ou então haveria algum protocolo para disfarçar magias. Mas ao menos foi em tempo de que não terminasse o feitiço que que impedia o sangramento da ferida da sua perna, nadadeiras enfeitiçadas e cortadas para parecerem pernas, aparecesse. Assim, não houve uma anomalia de sangramentos aparecerem do nada, e nem nadadeiras dilaceradas aparecessem do nada, revelando sua identidade como sereia.

    Em um segundo de rebeldia, comprou pela internet uma tintura para cabelo azul. Não, nossa protagonista ainda era uma morena com cabelos castanhos castanho, foi só algo de um segundo. Ademais, foi extraviada para algum lugar, assim nunca a teve em mãos.

    Os dias após o funeral foram passados sem perceber e quando se deu conta, tudo tinha mudado em seu cotidiano. Muito daquilo que vivia era semelhante ao seu antigo cotidiano, mas com uma tonalidade diferente. Imagine-se acordando com daltonismo.

    Para início de conversa, continuou a viver na mesma casa que compartilhava com a sua mãe, mas acordou e deu-se de cara com um rosto que era desconhecido até poucos meses atrás. E essa mesma quase desconhecida comenta no café da manhã que iriam dar uma arrumadinha naquele quartinho no qual guardavam todas as suas bagunças, para que fosse o quarto do bebê. Enquanto tentava encaixar uma criancinha na história, ela fala que logo o seu pai iria trazer o seu antigo guarda-roupa para que ele seja todo reformado para as medidas Caetana, ajustando-o ao seu corpo e retirando tudo o que impedisse as suas costas de ficarem livres. E que tinha descoberto um lugar seguro para que praticassem voo.

    Nesse momento, algumas coisas ficaram evidentes. Para começar a barriga de grávida que começava a se tornear em Ana Maria. Percebeu que usava uma regata com um grande decote nas costas por baixo da blusa do seu uniforme como roupa íntima.

    Mas foi a parte do voo que a despertou da melancolia de seu luto. Daquela fase de não entender o que se passa ao redor, de fazer tudo de modo mecânico.

    O que significava que já estava blindada o suficiente para retornar aos seus afazeres de fada madrinha, de realizar os desejos de alguns conhecidos e, principalmente, desconhecidos. Mas como já mencionei, isso não aconteceu, mas seu corpo já estaria apto para tal. Foi então que se deu conta que nesse meio tempo não sentiu qualquer desejo.

    Detestou mesmo o seu luto, gostou um bocado de sair dele, mas só pouco. Não gostava de muitas coisas naqueles dias.

    Naquele momento se deu conta de que boa parte das suas blusas que usou foram reformadas, e várias eram novas. Todas com as costas estando o máximo descobertas. Sua nova realidade.

    Isso porque Caetana era uma fada madrinha pouco comum. Tinha asas, não simples asas, mas asas de borboleta que a faziam parecer como uma, com aquele corpo tão minúsculo ao ser comparado com as asas de vários metros. Certo que a imagem de uma fada com asas pode ser comum ao se pensar numa fada, mas era um erro de divulgação. Para ter um par dessas, era necessário ser pura, ter pai e mãe fadas, mas devido ao fato de nascerem poucos homens sendo como tal e ainda sendo na sua maioria homossexuais, só piorando pelo fato daqueles que não eram terem um caráter o qual não se deseja para o pai do próprio filho, além de ser uma concepção difícil de ocorrer por alguma complicação. Não era de se espantar que tenham tão poucas por aí. Segundo informação que recebeu, era a única que nasceu há mais de um século.

    Só que não era tão bom assim. Gostava sim das suas asas, porque eram asas e era impossível existir um ser humano que não gostaria de tê-las, mas havia um porém do qual não gostava. Segundo a Lista dos Preceitos das Fadas Madrinhas, que era uma espécie de guia para ver se alguém poderia ou não ser considerada como uma fada, era necessário ter uma das três provas de magia para ser tida como uma. Isso além de uma quantidade mínima dos demais dons, como são chamados seus itens, tais quais a capacidade de sentir desejos e a bondade natural das fadas (que nada tinha de bonzinho, sendo só aquela voz que a atormentava quando não estava tentando realizar um desejo). Segundo as tais provas, além de ter asas, poderia ser considerada uma fada quem conseguisse usar magia dentro do próprio corpo para ficar resistente e bater com mais força, como expelir magia para fazer aquilo que sabemos que uma fada pode fazer. Encantamentos, poções e feitiços usando uma varinha mágica para canalizar suas energias, ou algo parecido. Não era uma opção de escolha de como usar, se nascia com isso. Aquelas que não conseguem fazer uma das três eram chamadas de caridosas, algo que ela pensava ser tempos atrás, tidas como inúteis e irritantes palpiteiras.

    O que causava tanto desgosto por ter asas era que só poderia ter uma das três provas de magia. Voar poderia ser divertido, mas asas eram indiscretas e boa parte dos problemas que já teve seriam resolvidos com um feitiço ou um corpo resistente. O mais problemático mesmo foi a falta de um dom que poderia até ser considerado banal, a capacidade de ver magia. Conseguia ver o resultado, mas acontecendo, ou ainda aquilo que era encantado, não. Assim, se alguém lançasse uma magia que dilacerasse sua pele, só a perceberia quando sentisse a dor. Sabia desse exemplo por experiência própria...

    De qualquer maneira, Caetana não se lembrava de como todas as suas roupas apareceram um dia com uma bela abertura nas costas, mas estavam lá. As difíceis de reformar sumiram, estando agora em um lixão ou em uma campanha do agasalho. Alguns casacos ficaram, aqueles de abotoar. Não seria em todos os espaços que seria permitida ficar com as costas desnudas, mas foi instruída a fechar no máximo o primeiro botão. Se por algum motivo suas asas se liberarem, provavelmente só levantariam o tecido, não causando nenhum machucado por serem espremidas. Não que fosse mostrá-las em público; uma exibição espontânea ocorreria só em uma situação de extremo desespero, mas quem sabe se um dia acontecesse... Como não entendiam bem a sua anatomia, desconheciam recuperaria de uma grande lesão. Acabou amassando a ponta dela por causa de um segundo do seu corpo sendo apertado e depois se recuperou bem, mas era só uma pequena área, não sabiam o que aconteceria se fosse na asa inteira.

    Por isso usava a tal regata como sutiã por baixo da camiseta do uniforme, que era novo e o maior que puderam encontrar. Caso um acidente ocorresse, teria o mínimo de dano possível, e o mínimo constrangimento possível, só sendo necessário levantar a camiseta. Para os dias de frio que vieram, ela usava uma camiseta que era cortada nas costas por baixo do casaco. O brasão da escola era mostrado pela abertura da frente e ninguém suspeitaria do resto. Na verdade, ninguém perceberia por causa de ser tão comum. Ninguém desconfiaria de que uma pessoa comum fizesse algo de errado, nunca chamaram antes a atenção dela por nada mesmo...

    Mas Ana Maria era uma mulher supostamente rica e que levava a tutela de sua suposta sobrinha a sério, pois isso logo a levou para comprar roupas para o seu cotidiano. Dinheiro que vinha de anos de economias e vendas de joias que Clarice trouxera do palácio e dera para a amiga, que manteve escondidas por todos esses anos do seu pai, que tinha a tendência de gastar mais do que o recomendado.

    Por tocar no assunto e mais um desgosto, Apolônio, o pai de Ana Maria, era a sua companhia menos favorita na sua categoria de pessoas que não corriam o risco de matá-la. Estava longe de tratar a garota mal, contudo, era por esse motivo que essa antipatia foi criada. Ele amava tê-la como neta, esse título ganhado porque a desculpa para os Reinos Mágicos era diferente das do Reino não Mágico. Não eram tia e sobrinha, e sim uma mãe preocupada com a segurança de sua filha, por isso a escondeu longe de todos. Nada que fuja muito da realidade, afinal estava mesmo sendo escondida para sua segurança, sua tia parecia querer matar qualquer um parente que possa querer tirá-la do título de rainha, e Caetana era a legítima herdeira em uma suposta linha de sucessão. É, ela foi uma princesa de Atlântida e agora seria primeira na linha de sucessão como rainha, com a tia usurpando seu título, mas não pensava muito disso. Ser uma fada ainda era irreal, mesmo que tenha visto suas colegas de profissão e as próprias asas. Sendo assim, uma identidade que a colocava como a rainha dos tritões e sereias, e que ao mesmo tempo era uma fada madrinha e não uma sereia, era complicar demais a própria história.

    De qualquer maneira, o seu novo avô a paparicava a todo momento e não acreditava na sorte que teve na vida. Era o pai de uma fada lendária e agora ganhou de presente uma neta mais lendária ainda! Quase acabou com vida de Ana Maria com um plano horrível, mas não aprendeu a lição. Caetana suspeitava que todas as vezes que ele olhava para a filha, começava a criar um plano de como fazê-la voltar para a terra deles e continuar sendo aquela fada poderosa Mariana, seu nome de nascença. Concomitantemente, achava que a garota tinha um ótimo futuro em suas mãos, e mesmo que ainda não tenha vindo com nenhum plano mirabolante, ameaçava soltar um todas as vezes que se viam.

    Contudo, sua filha tinha razão em algo: era impossível considerá-lo como cruel, mesmo que tenha a forçado a se casar com um homem que era a definição de mau. Apolônio, apesar de ambicioso, era estupidamente ingênuo e suas ambições também eram ingênuas. Sequer aparentava ser um adulto por alguns momentos, e sim um menininho que não sabia muito bem das coisas, e ainda assim tentava ser adulto.

    Era aquele que trazia notícias dos Reinos Mágicos, mesmo que segundo ele, já não conseguia muitas por causa do sumiço de sua filha, o que provou que boa parte do seu antigo círculo social só o aceitava por causa dela. Todavia, o mais importante era de conhecimento geral. Rupert e Dumori foram declarados como desaparecidos e ninguém procurava de verdade pelos responsáveis. Talvez tenham sentido até um alívio por ter essas duas figuras afastadas das suas preocupações. Talvez não queiram punir quem tenha dado um sumiço neles. Talvez ainda não queiram somar os acontecimentos e perceber que era muito suspeito a aparição de Caetana coincidir na mesma data. A única certeza que tinha era de que tinha bons amigos, ou pessoa que por coincidência a ajudaram, pois mesmo depois de um mês do falecimento de Rupert (e talvez de Dumori), haviam algumas notícias que um deles estava em um lugar ou outro.

    Mesmo assim, havia ainda algum rancor entre pai e filha, o que resultava em Ana Maria odiando as suas visitas e sempre fazer uma cara de quem queria expulsar alguém quando ele aparecia na casa delas.

    Apesar de ter dinheiro e poder comprar uma casa nova e melhor do que aquela de classe média média, que estava longe de ser uma boa, decidiram ficar com aquele mesmo. Como estava fugindo e não sabia se teria de abandonar a cidade, Ana Maria viveu em uma casa de aluguel quando chegou. A fim de preservarem os disfarces, uma casa própria era sempre melhor que uma de aluguel, além de já terem uma rede de conhecidos ao redor que aceitaram bem a história dela ser a irmã que Clarice pensava estar morta. Aparentemente, toda fada precisava de uma rede de conhecidos que afirmariam de pés juntos que a tal não era uma fada, e sim sua vizinha. Ademais, mudarem-se para uma mansão causaria suspeitas.

    E viver na mesma casa, isso foi algo que Caetana até que gostou. Mesmo depois de tantas mudanças em sua vida, era sempre bom ter algo que continuasse o mesmo. Sentia-se bem ao acordar na cama de anos, no quarto que mal comparava suas poucas mobilhas. Ainda estranhava o quarto da mãe ser ocupado por alguém que andava, além dos novos objetos e móveis e eletrônicos que vieram ocupar os antigos, novos e melhores. Estranho mesmo foi viver em uma casa que começava a perder aquela característica de ser inofensiva e adaptada para ser o menos mortal possível para uma cadeirante.

    Apesar de estar falando tanto de Ana Maria, aprofundaremos nela depois. A questão com ela será longa, assim vamos terminar com o restante para que estejamos livres.

    A sua saída da Fazenda dos Ipês ocorreu sem grandes comoções. Foi logo após o funeral e todos os adultos estavam embalados naquele espírito de tentar estabelecer um novo cotidiano para que a garota se sentisse mais à vontade, por isso fingiram que estava tudo bem. Mas não estava, para começar por causa dessa ideia de criar um cotidiano e aquela culpa que todos sentem em ocasiões como essas, tentando fazer o que achavam ser o melhor para o caso de Clarice estar vendo. Dona Sônia ainda permanecia ignorante sobre quem era Caetana de verdade, mas seu Edgar sabia. Ele ao menos entendia que ela não tinha vontade de falar sobre o assunto ainda, tanto por sua atual aversão a qualquer coisa que remetesse a um Reino Mágico, como também porque entendia que ainda não era o momento para conversarem sobre os anos de mentiras para encobrir sua atividade como fada madrinha.

    Ainda os visitava em alguns finais de semana, eram visitadas na cidade no meio da semana.

    Com Marcelo teve de ser mais franca, mas esse momento só aconteceu em maio e ao menos ele respeitou-a e esperou esse tempo. O que só era compreensível pela falta de anormalidades, com nada mágico acontecendo por perto. O que não significava que ele estava parado, pois após ser atacado por um bruxo com plenas intenções de matá-lo e lutar excessivamente bem para um humano, isso não foi o bastante para ele. A garota se esquecera de que há alguns anos atrás, a luta era um hobby para ele e tinha práticas algumas vezes por semana, mas abandonara. Entretanto, no momento que percebeu que ser atacado por algo mágico era algo que acontecia e que se aconteceu uma vez, poderia acontecer de novo, não só voltou a treinar, como fazia todos os dias. Estava com um corpo mais forte e o corte que sofreu bem no meio de uma tatuagem se tornou uma cicatriz, mas ao invés de retocar a tinta, decidiu que seria uma boa cicatriz de guerra.

    Caetana contou sobre o estranho caso de Marcelo para Ana Maria, o que o trouxe para o exclusivo clube dos que tinham contato com criaturas mágicas de sua cidade, assim formando um quarteto: o próprio Marcelo, Ana Maria, seu Edgar, e ela própria. Não teve o resultado desastroso de transformá-lo em uma pessoa que devesse ser vigiada. Ao contrário de algo ruim, descobrindo que ele era uma espécie de ser mágico que não era mágico, talvez o mais sem graça de todos.

    Cavaleiros mágicos não conseguiam fazer qualquer tipo de magia e nem eram imunes a ela. Eram humanos que conseguiam ver magia e que nasceram com essa capacidade sem nenhuma descendência mágica ou se tiverem, poderia ser uma distante.

    É, até Marcelo tinha o dom que ela não tinha...

    Nos tempos que a magia era mais livre e a linha entro o mágico e o não mágico era tênue, aqueles que possuíam essa capacidade costumavam ajudar as fadas em uma ou outra dificuldade. E como algumas vezes era necessário lutar e algumas fadas não tinham um treinamento para isso, era dever do cavaleiro mágico lutar por elas. Daí vinha a imagem do cavaleiro nos contos de fada. Deveria ser um bom trabalho, afinal muitos deles acabaram casando-se com princesas e foram elevados a reis, o contrário também aconteceu com as amazonas.

    Ao saber disso, Marcelo intensificou o seu treinamento. Talvez fosse algo inato aos cavaleiros, tal gana de lutar por já se interessar antes de saber que deveria. E também de bom grado, porque não era qualquer um que depois de uma experiência de quase morte com o desconhecido, decidia se entregar de corpo e alma para se preparar para mais uma rodada. Ao menos ele era o antônimo de inconsequente, já que pediu a Caetana para ficar longe de complicações por um tempo, porque não estava pronto ainda.

    Assim, Marcelo não será muito presente.

    Aliás, foi com esse grupinho que a garota descobriu porque ninguém acreditava mais nessas criaturas mágicas, porque eles não se revelavam para o mundo. Algo como terem medo daquilo que desconhecem de um lado, a lembrança da caçada das bruxas ainda estava fresca do outro. Cada um tinha as suas razões. A natureza selvagem e a possibilidade de perigo real que traziam a existência dos lobisomens e vampiros os faziam ser indesejáveis. Os bruxos gostavam mais do isolamento e sempre tiveram receio que caso se revelassem, seriam chateados com pedidos de feitiços ou ainda seriam isolados. O povo do mar já não teria grande contato por causa de sua localização e lidava bem com o arranjo do resto. Basicamente o que tinham em comum era o medo do que poderia acontecer se descobrissem sua existência, esse sendo alimentado pelas histórias ao longo dos séculos de que eles comiam criancinhas. Tinham medo de que acabassem criando uma guerra, no qual seriam obrigados a lutar.

    Já as fadas, sempre retratadas como boazinha, tinha nos seus afazeres o motivo da sua reclusão. Se as soubessem que poderiam ter desejos, algo que mudaria sua vida, e que teria alguém disposto a se desdobrar só para que isso acontecesse, poderiam se tornar preguiçosas. Quererem tudo de mão beijada, como se tal ajuda fosse um direito e não uma gentileza, ou uma bondade natural. Na experiência de algumas que tiveram suas identidades reladas, por vezes os seus afilhados geravam raiva. Não só as chateava, como também faziam reclamações mesmo quando o desejo já fora realizado, como se fossem criadas faz-tudo para todos os momentos. Não que fossem todos, mas era mais seguro continuarem escondidos.

    Obviamente continuou a ir para a escola, tendo só uma semana de luto e menos tempo ainda de pêsames dos outros alunos. Era colega de todos, o que significava que não havia ninguém que fosse empático de verdade com sua dor, todos tendo pessoas mais importantes para se importar com amenidades bem mais graves, em suas opiniões. Como determinar se o olhar que fulano deu no ciclano significava algo a mais, ou porque o seu melhor amigo foi flagrado aceitando um doce do seu inimigo mortal. Coisas que se ela fosse um pouco crítica, faria com que repensasse seriamente sobre sua vocação como fada. Afinal, qualquer criatura não mágica poderia ser um afilhado em potencial.

    Acabou de entrar de férias sem ter que se preocupar com uma recuperação, o que ela amou. Não se transformou em uma gênia de um dia para o outro e agora talvez tenha menos tempo que antes para estudar, de modo que as suas notas aceitáveis não vieram de modo honesto. Era uma vantagem ser uma fada madrinha caso sua vocação não esteja no campo acadêmico, e sim na esperteza.

    Existem colégios especiais nos Reinos Não Mágicos para as fadas fingirem que estudam como qualquer criança de sua idade. Mas como essa era uma descoberta recente para ela e nem morava em uma cidade na qual possuísse um deles, teria de continuar com o seu antigo. No entanto, tendo um futuro profissional garantido e que independia de um diploma, já não tinha que se preocupar com aulas, provas e notas. Depois, foi presenteada por Apolônio, a pedido de sua filha, com uma caneta mágica que era o que tinham mais avançado à nível de cola. Basta ler a pergunta, colocar a ponta dela no papel e segurá-la que começava a escrever a resposta certa na sua própria caligrafia. Para que não suspeitassem, tinha outra normal, para ao menos aparecer alguns erros. Teria de continuar a ser discreta, e uma genialidade surgindo do nada era sempre um sinal de coisa errada, que precisavam manter um olho nela. Preciso dizer que gostou dessa caneta trapaceira? Qualquer um que já foi estudante um dia gostaria de ter uma dessas!

    Não que o que ela receberia como uma fada fosse superior ao que ganharia dependendo da carreira que seguisse. Era modesto e ainda dependia da quantidade de desejos realizados, indiferentemente se era um dos fáceis ou difíceis. Coitada daquela que dependesse dessa renda para sobreviver ao pegar um caso que gastaria meses! Compreendeu assim o que ouviu sobre as fadas madrinhas costumassem serem donas de casa de uma família rica, ou ainda vivessem na Floresta Encantada. Pelo pouco que ouviu, era um lugar bem barato.

    Pouco dinheiro ao longo dos anos era muito dinheiro, assim de algum modo, a garota agora tinha um pé de meia. Tinha. Demorou algum tempo para que juntasse provas do máximo de ajudas que conseguiu. Era uma quantia que tinha um número considerável de dígitos. Felizmente eram tidas no Reino das Fadas como maiores de idade só aos dezoito anos, podendo contar com sua mãe para que recebesse e a repassasse. Ao menos Ana Maria entendia sua falta de vontade de ir para a Floresta Encantada, sabendo o nível de complicação que Caetana poderia encontrar e tendo pouco vontade de sair ostentando a sua filha campeã por aí. A mulher sempre foi uma figura discreta, reservada, não sendo uma fã de exibições públicas.

    Era a quantidade que deveria ficar longe de qualquer adolescente. Alto risco de dar uma escapulida para o Rio de Janeiro, a cidade praiana que teria a mais probabilidade de encontrar um joalheiro talentoso que fosse aceitar a desculpa de que aquela pérola negra enorme foi fruto de um mergulho. Talvez não acreditou e tentou comprá-la por menos de mil reais, mas depois de pagar por seu serviço à vista e de algumas insinuações, deve ter achado que não era prudente se meter nos negócios do tráfico, da máfia, qualquer instituição misteriosa, rica e poderosa e que poderia apagá-lo do mapa.

    A pérola negra foi amaldiçoada e depois enjaulada, ficando por anos no pescoço de Clarice, originalmente presentada a mulher em um anel e depois virando um pingente de um colar feio na opinião de alguns muitos, agora voltou a ser um anel. Desconhecia a forma original, que foi dado pelo seu avô no aniversário de maioridade de sua mãe, que na terra dela era dezessete anos, e ela também completou dezessete anos, então achou uma boa ideia recriar uma relíquia de família. E ela era uma sereia, para depois virar uma fada madrinha, para então ser humana, você já sabe, mas enfim... nasceu como uma sereia. Saiu satisfeita da oficina do joalheiro com a peça, de uma sereia em ouro enrolada em seu dedo e segurando uma pérola que era maior do que ela, além de um vazio nas suas finanças. Apesar dos diamantes gordos que envolviam e justificavam tal perda monetária, a pérola era tão grande que poderia ser chamada só de anel de pérola. Nada que não fosse o normal, mas depois de ter muito dinheiro só por alguns dias, ainda assim era um vazio. Mas compensou, o melhor presente que já teve na vida.

    Estava em posse do anel há pouco tempo, por isso não tinha uma história com ele, mas ainda tentava evitar o seu uso. Apesar de estar lidando bem com as diversas mudanças de sua vida e, principalmente, com sua nova situação de órfã, ainda tinha um dor que não precisava ser relembrada. Guardava-o sempre consigo de alguma maneira, no bolso ou bolsa. Ainda que fosse uma joia cara, algo que supostamente não deva usar no cotidiano, dias atrás experimentou usá-la e comprovou que ninguém mesmo usava uma daquelas para comprar um fone de ouvido. Sequer houve um comentário, o que mostrava que a diferença entre uma joia e uma bijuteria não estava no material, e sim em quando usava, e quem usava.

    Uma princesa sereia que era uma fada madrinha em vez de uma sereia, por exemplo. O que não impedia que amasse o anel. E que o odiasse também...

    Entretanto, não poderia reivindicar devidamente esse posto de fada madrinha pela falta de desejos a serem realizados. Nenhum há quatro meses, realizando o seu último naquele fatídico final de semana. Com Ana Maria. Mas o caso dela era tão especial, tão pelicular, tão entrelaçado com o que Caetana fazia nesses quatro meses que ela merece um capítulo especialmente para ela.

    Só posso adiantar que não estava gostando nada, nada de ficar sem realizar nenhum desejo. E de vez enquanto, nada também de Ana Maria. Era um sentimento cada vez mais frequente.

    Capítulo 2

    Ana Maria era a razão por Caetana estar há tanto tempo sem realizar nenhum desejo e não por falta desses. Sendo que o único requisito para que se forme esse laço, entre ela e um afilhado, fosse ter um desejo quando a garota olhasse em seu rosto, e ainda conhecendo a quantidade de pessoas que necessitavam que algo acontecesse com elas, falta era o que nunca haveria. Como continuava a viver sua antiga vida, aquela que fingia ser a pessoa mais comum possível, era inevitável que cruzasse com alguém em uma esquina e soubesse algo a mais do que sua fisionomia.

    Desejos sabia aos montes, apareciam quase todos os dias. Todos os dias, para ser sincera. Assim como aparecia uma colherada da maravilhosa poção que anulava a sua bondade natural em todo jantar.

    Segundo Apolônio, a quantidade absurda que ela andava tomando daquele treco ruim – que mostrou que nem todas as poções tinham gosto de flores açucaradas, mas também poderiam ter gosto de gema de ovo podre cozida, e posteriormente defumada – não causaria nenhum dano. Desconfiava nele nesse quesito, sendo que trazê-la era a única desculpa que sua filha aceitava para a sua presença, além de que machucá-la pode ser parte de algum plano mirabolante com sua nova neta. Ao mesmo tempo, podia contar com a certeza de que tê-la inteira e sem nenhum comportamento bizarro era o mínimo para continuar com as visitas. E com futuras tramoias.

    Seu efeito era bem simples: sabia o desejo de alguém, devido a bondade natural das fadas ele se repetia a todo momento em sua mente. Tomava a poção. Continuava a saber qual era o desejo, mas já não repetia insistentemente na sua cabeça. Depois disso, estava pronta para olhar para outro rosto e saber mais um desejo.

    A mulher não seria só a sua nova mãe postiça, mas também foi dada a ela a tarefa de ajudar a garota a se tornar uma boa fada madrinha. Foi um pedido de Clarice a ela, antes dela nascer, que fosse a sua guia no seu trabalho.

    Esse procedimento era realizado porque, segundo sua nova tia e mãe, ainda não estava pronta para atuar. Sucedeu mesmo que tivesse dito infinitas vezes que estava mais do que apta para o serviço, que trabalhava nisso há anos e que nunca deixou sequer um sem solução. Para a sua infelicidade, o único exemplo de sua competência que Ana Maria realmente conheceu foi o dela mesma, que terminou com ela quase morrendo diversas vezes e com erros fáceis de serem enumerados. Seria como receber um trabalho malfeito, mas ao entregar, já ir logo avisando que todos que fizera antes eram diferentes desse, excepcionais. Algo que tivesse um tom de mentira.

    Ainda que devido as escassas provas do trabalho de Catana ao longo dos anos que, como o nome já diz, provavam sua eficácia, ela apontava uma ou duas falhas no que encontravam. Sempre.

    Até agora não realizou nenhum desejo porque, segundo sua nova preceptora, era ruim demais. Não usou essas palavras, foram mais... ternas.

    Deveria estar feliz por ter uma fada madrinha tida como lendária disposta a ensiná-la. Ainda mais quando aquilo que lhe deu fama foi um boato sobre a sua excelente magia, mas que na verdade era só sua competência em realizar desejos. Uma fada que não consegue fazer magia propriamente dita, como ela. Mas estava aborrecida na maior parte do tempo.

    Ana Maria era a filha do bruxo Apolônio e da fada Celeste, que também era famosa pela sua magia. Ao contrário da filha, era de fato poderosa. Para sua infelicidade, sonhava demais com a riqueza e sabendo que nunca teria isso com o salário das fadas, assim quis se casar com um bruxo de família rica, conhecendo seu futuro marido com essa ambição. No entanto, ele era Apolônio e como tal tinha ideias horríveis, que ao serem aplicadas nas finanças familiares, resultava na perda da fortuna que demorou gerações para ser acumulada. Morreu de desgosto no parto. Nasceu Ana Maria. Ela não tinha nenhuma capacidade de fazer magia, de modo que a única coisa que faria a família escapar dos credores era a fuga para Atlântida. Descobriu como ser uma boa fada sem magia e voltou com uma pequena fortuna. Essa não fruto de sua maestria com magia, mas de viagens que fez ao redor do mundo e do resto do que ela e Clarice pegaram em joias na sua fuga de Atlântida. Foi uma fada competente, que confundiam com uma magia forte, o que não foi desmentido. Viveu feliz e reservada até seu pai ter a brilhante ideia de que ela desse um golpe do baú no chefão do submundo do Oásis Mágico.

    Isso é o que você já sabe de outrora. Também Caetana não estava interessada nessa história quando tinha uma outro mais importante para ela para ouvir, mas eventualmente teve de contar o que veio dentre esse golpe e Ana Maria aparecer em sua cidade.

    O que mais a surpreendeu foi que no fundo, havia uma pequena afeição por Rupert. Acho difícil alguém fingir um amor sem que um pouco desse se torne verdadeiro. Deste modo, todas as vezes que mencionava ele ou seu nome, havia uma voz incerta, um olhar com algo oculto. Não foi o suficiente para que decidisse passar o resto de sua vida ao seu lado, muito menos para que o escolhesse como aquele que seu bebê chamará de papai. A parte de Ana Maria que tinha certeza de que Rupert era um dos piores humanos que já respirou era maior do que aquele pontinho de afeição. A garota não tinha que se preocupar com ela querendo vingar o seu amado no meio da madrugada.

    Ao menos aqueles que sabiam que a mulher estava grávida queriam o bem dela. Não haveria possibilidade de saírem ilesos tendo aquilo que ele almejava, um filho de uma mãe supostamente poderosa. A probabilidade de o golpe dar certo já não era grande coisa, Ana Maria sabia disso desde o início, o que não a impediu de continuar com o plano de Apolônio. Quando Caetana perguntou então porque continuou, respondeu:

    – Nós somos treinados lá para sermos realmente obedientes aos nossos pais desde crianças, e por mais independente que eu fosse fora do Oásis Mágico, sempre agia como todos. Era minha casa, quis voltar por tantos anos... E sempre arrumávamos uma maneira de sairmos de qualquer problema, pensava que iriamos conseguir de novo...

    Ao descobrir que engravidou, tomou uma decisão final e fugiu, sem avisar ninguém sobre a sua localização. Uma boa ideia sendo estragada por uma coincidência, pois o lugar que escolheu, uma cidadezinha nos pés de uma montanha, mostrou-se ruim quando descobriu logo no primeiro dia que uma das casas era habitada por bruxos. Um daqueles que contrariavam toda a identidade usual deles, discretos e vivendo afastado de sua gente. Eram interioranos, ficaram logo desconfiados quando viram uma fada procurar uma casa para alugar. Afinal, fadas deveriam ir e vir para realizar desejos, e não estabelecer.

    Ao menos assim ela percebeu que o principal problema para qualquer fuga era ser uma fada, facilmente reconhecida por qualquer criatura mágica que porventura passe ao seu lado. Qualquer uma menos Caetana, que era impossibilitada de notar auras mágicas. Apesar de ser sempre discreta e quase nunca aparecer em público, haveria a possibilidade de espalharem sua imagem para que alguém a reconheça. Assim, somando com sua aura mágica que a destacaria no meio de uma multidão de pessoas comuns, logo daria sua localização.

    Voltou para a sua casa no Oásis Mágico por um motivo simples, que era pegar a chave de portal que ganhara do Grande Mago da Caverna. Ele realizava três desejos de qualquer um que apareça na sua frente, porque o caminho até sua morada era tão horrível que merecia essa compensação indiscriminadamente. Foi o mais rápido possível porque era possível ver a aura de um bebê depois de um tempo. Todos têm uma, mesmo que seja impossível ver a própria. Reencontrou-se com o pai por pura coincidência, foi no horário que Apolônio usualmente saía. Acabou confessando sobre a sua fuga e onde iria, implorando para que não contasse a ninguém. A falta de certas perguntas confirmou que ainda não era possível ver a aura mágica da criança.

    Gastou o último desejo que possuía para fazer o mesmo desejo que melhor amiga fez anos atrás, enjaular a magia do próprio corpo. Contudo, o que tinha em mente era diferente do que Clarice queria, e já por experiência, sabia que poderia haver diferenças de interpretação. Foi bem clara ao afirmar que queria enjaular toda a magia que tinha e que tocava o seu corpo, e que nesse tudo incluía aquilo que estava dentro dela. Foi menos poética na hora de escolher a pedra que colocaria o encantamento, pegando um pedregulho qualquer para essa finalidade. Depois arrumou um jeito de colocá-lo em segurança: estava junto com uma coleção de pedrinhas semipreciosas na sala de estar.

    Ao perguntar porque essa pedra estava livre, e não envolvida em uma malha de ferro como sempre viu no colar de sua mãe, sendo que ambos eram enjaulamentos, respondeu que eram diferentes. Existiam vários tipos de enjaulamentos, sendo um mais simples como o caso de Ana Maria, tirar algo do corpo e prender em um objeto, mas também de prender o que está nesse objeto. No caso de Clarice, tinha um enjaulamento na pérola, que teve de ser enjaulada.

    Com a retirada da magia de tudo, seu bebê também iria perdê-la. Havia algumas teorias que diziam que as fadas só nasciam como tal porque a magia não era passada dos pais para os filhos em sua concepção, mas sim ao longo da gestação. Os filhos de um fada e uma humana não eram fadas. Assim, seria só uma precaução.

    Todavia, por boa parte da gestação Clarice foi uma humana, e ainda assim sua filha era uma fada. O que só mostra que por mais que especulem sobre a magia, continuava a ser mágica e continuava sendo uma idiotice tentar racionalizá-la. Existia e ponto final.

    Assim, assustada e sem ser mais uma fada madrinha, Ana Maria acabou se encontrando na cidade média média de Caetana, caçando a antiga amiga. A comunicação entre elas depois de sua separação não era uma das melhores. Sabia a cidade, não o endereço. Uma das maiores coincidências do mundo aconteceu quando a garota cruzou com ela na rua, pois se não fosse ela e suas desculpas para reencontrá-la para que realizasse o seu desejo, nunca saberia o que aconteceu com Clarice, nem onde estava. Combinaram que se reencontrariam quando Clarice sentisse que sua maldição enjaulada começasse a se libertar, mas desconheciam como isso ocorreria, entrando em coma sem aviso prévio e pessoas em coma não conseguiam mandar mensagens para antigas amigas.

    Chegou tarde demais para um reencontro. Graças a Caetana, sabia qual hospital ela estava, visitando-a nos horários que sabia que ninguém faria isso, tendo a facilidade de ser a dona da loja de doces que ficava ao lado, Açúcar & Açúcar, para conhecer o tráfego de visitantes. Apesar de Ana Maria ser Mariana, e Mariana ser uma mulher durona em certos aspectos, estava fragilizada pela situação, tendo de fugir de um noivo para que seu filho pudesse ter uma vida digna, ficou chocada com o destino da amiga. Ademais, não estava pronta para colocar a afilhada em sua vida. Se revelasse sobre si

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