O cearense mora ao lado
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Sobre este e-book
Egoísmo, crueldade e desesperança apresentam-se com múltiplas faces em diversas histórias. Revelam-se tanto em atitudes cotidianas quanto em acontecimentos que beiram o absurdo. Por outro lado, o autor não se deixa abandonar em meio ao caos e também proporciona momentos de respiro, delicadeza, sensibilidade, doses de humor e esperança em algumas de suas narrativas.
Cada um de seus contos provoca uma emoção singular, desperta questionamentos e motiva um encantamento pelo todo da construção literária, fruto de um trabalho de muitos anos do autor.
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Pré-visualização do livro
O cearense mora ao lado - Walldecy de Almeida
Walldecy de Almeida
O cearense mora ao lado
Logo. Retângulo vertical preto. No canto superior esquerdo um retângulo branco com aspas pretas, como marca-página. Quatorze VinteUm escrito em branco no lado inferior direito.O cearense mora ao lado
© Walldecy de Almeida
Este livro foi revisado segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, que entrou em vigor no Brasil em 2009.
Preparação e edição | Maribel Lindenau e Denise Waskow
Capa, projeto gráfico e diagramação | Camila Provenzi
Arte da capa | Adaptação de Freepik (gstudioimagen, rawpixel.com) e Shutterstock
Foto do autor | Marcos Daldegan
Revisão | Raquel Escobar
Catalogação na publicação
Elaborada por Bibliotecária Janaina Ramos – CRB-8/9166
A447
Almeida, Walldecy de
O cearense mora ao lado / Walldecy de Almeida – Canoas-RS: Quatorze Vinte Um,
2021.
Epub3
144 p., il.
ISBN 978-65-89153-06-1
1. Conto. 2. Ficção. 3. Literatura brasileira. I. Almeida, Walldecy de. II. Título.
CDD 869.93
Índice para catálogo sistemático
I. Contos : Literatura brasileira
Quatorze VinteUm é um selo da editora Palavra Bordada dedicado a publicações de novos autores e de escritores independentes.
Todos os direitos desta edição reservados à
Palavra Bordada Edição de Livros e Revistas Ltda.
Rua Taurus, 268
92031-080 — Canoas — RS
55 51 99100-6302
contato@palavrabordada.com.br
www.palavrabordada.com.br
www.quatorzevinteum.com.br
Novembro de 2021.
Dedico este livro aos brasileiros e estrangeiros
que de alguma forma conhecem ou têm
um cearense como vizinho.
Sumário
Capa
Folha de rosto
Créditos
Apresentação
A caçada
O jumento
A roupa mágica
O velório
De volta à rotina
Execução em praça pública
O primeiro suposto caso
Pau-de-arara
Singela despedida
O cearense mora ao lado
O vendedor de chocolates
Ressaca
Dinheiro sujo
Ego inflado
O lobisomem
Estacionamento proibido
Companhia indesejável
A formiga
A hora certa de jogar a toalha
A chacina do 421
Contatos
Apresentação
Publicar textos que desacomodem, que façam refletir e que provoquem emoções é algo que buscamos a cada leitura de originais. Quando recebemos os contos de autoria de Walldecy para uma avaliação, ao longo da leitura fomos sendo provocadas por tantas reflexões que, para nós, ficou clara a necessidade desta obra. E em cada história deste livro encontramos um ponto de partida para nos questionarmos sobre situações reais, potencializadas pela luz da ficção, tão bem desenvolvida pelo autor.
Com uma escrita fluida, de leitura fácil e compreensível aos mais diversos públicos, Walldecy nos conduz a sentimentos distintos que vão desde a tristeza à solidariedade, passando pela desconfiança, a alegria, a comoção e o riso. As tramas e personagens que ele nos apresenta carregam alguns elementos de sua trajetória pessoal. Muitas vezes, refletem contextos que eram mais evidentes em outras épocas, já que as histórias que compõem a obra foram escritas e aprimoradas ao longo de mais de 20 anos. Em sua jornada de formação, o autor se aprofundou no gênero conto, de modo a apresentar ao leitor uma ficção que o surpreenda.
O que mais chama a atenção nesses textos é a crueza do ser humano e suas relações. Retratando cenas do cotidiano, desde o interior nordestino até situações em áreas urbanas, Walldecy nos mostra, por exemplo, já na primeira narrativa, A caçada
, o desrespeito pelos sentimentos alheios, a vergonha e a inocência. Em O jumento
, ele apresenta a solidariedade e a benevolência, que afloram na comunidade que se encontra diante do desaparecimento de uma criança. O velório
, por sua vez, retrata a questão de como as pessoas tendem a santificar o falecido, o que, aliás, é um sentimento recorrente em nossa sociedade. Pau-de-arara
descreve em detalhes a desconfortável viagem, muito praticada no interior nordestino, na carroceria de um caminhão, bem como as mais diversas realidades das pessoas que por ali são transportadas diariamente. No conto que dá título ao livro, O cearense mora ao lado
, o autor demonstra, com muita perspicácia, o perfil alegre, festeiro e descontraído pelo qual os nordestinos são conhecidos, e a postura sisuda, retraída e até preconceituosa do homem de uma grande cidade como São Paulo. É possível identificar comportamentos muito comuns nos contos O vendedor de chocolates
, Estacionamento proibido
e Companhia indesejada
, porém todos eles têm questões inusitadas que certamente vão surpreender o leitor. Por fim, A chacina do 421
é uma história fantasiosa muito bem elaborada, que prende a atenção e, em diversos momentos, se assemelha com alguns fatos da vida real.
Para nós, editoras, não passou despercebido o fato de as mulheres não serem protagonistas em nenhum dos contos, inclusive, dentre as poucas que aparecem, algumas possuem papéis bem submissos. Mas isso não significa que o autor pense dessa forma a respeito delas, tampouco que estamos reforçando um contexto que, atualmente, lutamos para modificar. Podemos dizer o mesmo da violência presente em quase todas as histórias. Entendemos que, apesar de ficcionais, as narrativas têm muita verossimilhança e sinalizam realidades sobre as quais é importante refletir. Por isso, merecem ser divididas com o público leitor, que tirará suas próprias conclusões.
As editoras.
A caçada
Para Marcelo Silva Costa
Cansado, Toinho chegou, já estava escuro, à casa do seu amigo Neto. Apeou-se da bicicleta, encostou-a num mourão do terreiro e bateu palmas:
– Neto! Ô, Neto, cheguei!
Sustentando uma lamparina na mão, Neto apareceu na janela. O feixe de luz alumiou o outro lá embaixo, no batente da calçada. Ele olhou, intrigado, para o companheiro, sobretudo prestando atenção ao modo como Toinho estava vestido:
– Você está maluco, rapaz?
– O que foi? – disse, confuso.
– Que roupas são essas? – perguntou, incrédulo.
Toinho olhou-se a si próprio. Examinou a camiseta, o short e até os chinelos de dedo:
– Ora! O que tem a minha roupa? Você queria que eu vestisse o quê, um pijama?
– Meu amigo – explicou Neto –, nós vamos passar a noite no mato, caçando. Você acha mesmo que vai aguentar a madrugada fria, os espinhos e os insetos da caatinga, usando essa roupinha de nada?
Houve um curto silêncio, durante o qual Toinho processava as informações. Eles haviam combinado uma caçada. Neto estava empolgado, preparara o material, as ferramentas, os sacos de estopa para colocar as caças que porventura pegassem, fez o necessário para que o cachorro descansasse bem. Sabia tudo. Tinha apenas 12 anos, mas já era experiente na arte de caçar. Por outro lado, Toinho, apesar de ser um pouco mais velho, nunca havia caçado. Essa seria sua primeira tentativa. Aliás, ele mesmo se perguntava por que aceitara o convite, uma vez que jamais tivera interesse no assunto. Não fazia ideia, portanto, do tipo de roupa que deveria usar. Neto veio lá de dentro, a lamparina suspensa à altura da cabeça, coçando o queixo:
– Olha, só tem um jeito…
– Isso mesmo – Toinho, alegre, interrompeu –, a gente vai outro dia.
– Não, não é isso. Eu pensei em algo melhor. Meu pai tem aí algumas roupas velhas, elas são grandes para um garoto do seu tamanho, mas acho que podem servir.
Neto não esperou reação ou resposta, simplesmente desapareceu na penumbra da casa e daí a pouco retornou, trazendo em uma das mãos um par de sapatos furados, um chapéu de palha e calça e camisa, as quais, num bolo só, jogou no chão junto aos pés do outro:
– Troque a sua roupa por essa aí. Ande, não temos tempo a perder.
Toinho agachou-se, pegou as roupas, os sapatos velhos e se afastou um pouco, indo trocar-se atrás do oitão, onde particularmente se sentia mais à vontade. Neto pensou em contestar. Era noite, a escuridão dominava tudo. Não havia necessidade de sair. Ninguém, além deles dois, é claro, iria presenciar a cena. Entretanto, preferiu calar-se, talvez assim a coisa andasse mais depressa.
Instantes depois, o garoto surgiu na indumentária nova, ou melhor, velha, pois a tal roupa parecia mais um monte de traças. Neto, ao dar pela presença do amigo, ergueu ainda mais a lamparina e desatou a rir.
– Hahaha! Ficou muito engraçado.
– Você acha engraçado, é?
– Desculpe, não foi por mal.
Irritado, Toinho olhou-se com mais atenção. Estava, de fato, ridículo: a calça era maior que as pernas; a camisa tinha remendos por toda parte; o chapéu esfiapado cobria-lhe a cabeça até os olhos; e os pés, sacolejando dentro dos sapatos enormes, pareciam badalos de sino.
– Não, não – Toinho balançou a cabeça –, vou já tirar essa droga.
– Calma, rapaz, calma! Estou brincando, só isso – retrucou Neto.
– Nada disso, meu irmão. Eu é que não vou sair por aí com esses molambos.
– Bobagem, Toinho. Esqueceu que nós vamos caçar? Você acha que os bichos vão se ligar na sua roupa?
As palavras de Neto faziam sentido realmente, já que a capoeira, como se sabe, é reduto apenas de animais. As pessoas, óbvio, preferem as povoações.
Não houve mais conversa. Os dois saíram. Antes de entrarem no mato, porém, Toinho olhou para trás. Tinha a impressão de que alguém os observava. Talvez fossem os pais de Neto. A casa