Uma caixinha de surpresas

De Aldir Blanc e Gustavo Duarte

Não se fala de nenhum time aqui, grande ou pequeno. Só de dois garotos. Cigarrilha, alto, calmo, de família mais remediada, e Condensado, atarracado, cabelo espetado, sempre tenso. Um goleiro, um atacante. Vizinhos, numa dessas histórias que o subúrbio carioca tem o dom de montar e que o compositor Aldir Blanc teve o talento de contar.
A caixinha de surpresas do título, não resta dúvida, é o destino. É ele que vai juntar os dois no início, entediados com a mudança das respectivas famílias, no mesmo dia, para casas que dividem muro. É ele que vai juntá-los novamente no final, em lados opostos de um muro muito maior que aquele da infância. Blanc usa a bola pra quase falar de metafísica, dando olés consecutivos na chatice.
Não que seja uma surpresa total, sendo o letrista inigualável que é, Blanc exibe um controle do texto de escritor veterano. Mais que isso: inventa como se fosse um estreante cheio de fome, querendo marcar presença. Seu texto é ousado, a estrutura da história é surpreendente – dividida em dois tempos, com um intervalo cheio de retalhos das vidas dos dois garotos, como é a vida de todo mundo – e tudo em outras mãos (pés?) desmoronaria. Blanc sai invicto, sem um tropeço.
Blanc prova que é mestre de blefe e drible, esticando o realismo do livro até o máximo para, na última hora, sem aviso, estonteando, sair-se com uma solução do mais puro fantástico. Mágica de futebol.

• Idioma: Português
• Editora: Rocco Digital
• Data de lançamento: 1 de jul. de 2010
• ISBN: 9788581222226

Pré-visualização do livro

Para meus netos Pedro, Joana, Milena e Vinícius

e para Arthur Dapieve

Sumário

Preliminar

Primeiro tempo

A mudança

Calígula

Leite derramado

Peladas

Gooollll!!!

Supergoleiros

O bilhete

A peleja

Intervalo - Os principais lances

Fuga

Perfumes

Guerra

Foto

Festa

Dominó

Alvos

Rio

Lembrança

Cerol

Foco

Judas

Cinzas

Figurinha

Ecologia

Elos

Desfecho

Segundo tempo

O fenômeno

Prorrogação

Quem conta um conto

Créditos

O autor

Preliminar

Vejo meus netos jogando bola.

Existe um dia, uma hora, um instante, uma fração de segundo em que a memória se volta para momentos felizes, que talvez não tenham sido vividos como são recordados, enquanto a mente torna escuro o aqui e agora, por melhor que seja, invejando sem parar ilusões que não afirmarei passadas, já que podem não ter acontecido – ou seja, todas as nossas lembranças, as reais e as falsas, são falsas e reais –, daí seu colorido inesquecível.

Por isso pergunto aos jovens leitores: essa história que passo a lhes contar é verdadeira de ponta a ponta por ser inventada ou andaremos pela Terra do Nunca justamente por ter acontecido tim-tim por tim-tim?

Isso veremos mais tarde. Ou não...

Primeiro tempo

A mudança

As amizades nascem da mistura de acaso e destino, sendo impossível dizer qual desses dois fatores contribui para torná-las mais duradouras.

Os dois meninos se conheceram numa bela manhã, durante a mudança das respectivas famílias para casas vizinhas. Coincidência?

Os dois meninos se mudaram para um bairro onde ninguém espalhava mentira – ou será que espalhava?

Um garoto era alto, muito magro, com mãos de pianista