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Em busca do rei - Volume 2
Em busca do rei - Volume 2
Em busca do rei - Volume 2
E-book347 páginas5 horas

Em busca do rei - Volume 2

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Sobre este e-book

A vida de Dora e de seu melhor amigo Estevão se transforma em uma grande aventura quando o pai da garota, o rei de Pragadasa, desaparece sem deixar nenhuma pista. Ao tentar desvendar esse mistério, os jovens encontram um reino de cabeça para baixo, imerso em uma crise política e refém de uma revolução eminente. Passam, ainda, por uma verdadeira odisseia, repleta de perigos, na floresta ameaçadora. Conhecem Iara, deusa das Águas, enfrentam os selvagens Pererês e o temível Honorato Boiuna, líder da Tribo dos Antropófagos além de confrontar o horror que só a Cuca é capaz de provocar. "Em busca do rei" é um romance de ação que mistura elementos da cultura nacional com o mundo pop, em uma quebra-cabeças montado de maneira que a última peça seja revelada somente no final. Descubra os mistérios de Pragadasa e se perca nessa trama de tirar o fôlego.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento22 de mai. de 2018
ISBN9788584880577
Em busca do rei - Volume 2

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    Em busca do rei - Volume 2 - Thiago de Barros

    Thiago de Barros

    Em busca do Rei

    Vol. 2

    Copyright © 2018 by Thiago Barros

    Capa: Thiago Barros

    Revisão: Carolina Medeiros

    Produção de ebook: S2 Books

    DADOS INTERNACIONAIS PARA CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)

    B277t     Barros, Thiago, 1981 -.

                  Em busca do / Thiago Barros. – vol. 2

                  Rio de Janeiro : Outras Letras, 2018.

                  319 p.

                  ISBN 978-85-8488-051-5

                  1. Literatura infanto-juvenil brasileira. 2. Ficção brasileira.

                  I. Título. Folclore

    CDD – B869.3

    2018

    Todos os direitos desta edição estão reservados à

    Outras Letras Editora Ltda.

    Rio de Janeiro | RJ

    Tel. 21 2267 6627

    contato@outrasletras.com.br

    www.outrasletras.com.br

    Apresentação

    A vida de Dora e de seu melhor amigo Estevão se transforma em uma grande aventura quando o pai da garota, o Rei de Pragadasa, desaparece sem deixar nenhuma pista. Ao tentar desvendar esse mistério, os jovens encontram um reino de cabeça para baixo, imerso em uma crise política e refém de uma revolução eminente. Passam, ainda, por uma verdadeira odisseia, repleta de perigos, em uma floresta ameaçadora. Conhecem Iara, deusa das Águas, enfrentam os selvagens Pererês e o temível Honorato Boiuna, líder da tribo dos Antropófagos, além de confrontar o horror que só a Cuca é capaz de provocar.  Em busca do Rei é um romance de ação que mistura elementos da cultura nacional com o mundo pop em uma quebra-cabeças montado de maneira que a última peça seja revelada somente no final.  Descubra os mistérios de Pragadasa e se perca nessa trama de tirar o fôlego.

    O volume 1 pode ser encontrado na Amazon, para free download.

    Sumário

    Capa

    Folha de Rosto

    Créditos

    Apresentação

    Capítulo I Matinta

    Capítulo II Colisão

    Capítulo III O observador indômito

    Capítulo IV Haverá luta

    Capítulo V O diabólico Honorato Boiuna

    Capítulo VI Antropofagia

    Capítulo VII Inevitável como a morte

    Capítulo VIII Camélias Brancas

    Capítulo IX Levantem e lutem

    Capítulo X Cuidado com a Cuca

    Capítulo XI Guerra em terra de paz

    Capítulo XII O Rei

    Epílogo

    Capítulo I

    Matinta

    Dora abriu os olhos, ainda embriagada pelo efeito dos sedativos, a vista estava turva e pouco mais do que vultos apareciam à sua frente. Sentia a dureza do chão acomodando seu corpo débil, folhas secas grudadas em seu cabelo e em seu rosto. Muito fraca, tateou o solo e sentiu a base das sólidas toras de madeira dispostas lado a lado, servindo de prisão. Não fazia ideia do que estava acontecendo, muito menos de onde estava. Até que ouviu uma voz conhecida.

    — Você dorme como uma pedra, mon petit. — Era Antoine em outra cela, logo à frente, sentado no chão, aparentemente conformado com a situação.

    — Antoine? — Recuperando parcialmente a visão, Dora espremia os olhos para conseguir enxergar melhor o amigo e o local onde os dois se encontravam. — Onde estamos? O que aconteceu? Você estava me olhando? Quanto tempo dormi?

    — Calma, calma, princesse. Não use toda sua energia assim, procure descansar. — Chegou perto da jaula e esticou o braço. Segurava uma maçã. — Tome, você deve estar faminta, isso deve te ajudar a recuperar as forças. — Jogou a fruta nas mãos de Dora.

    A princesa, comendo como se não houvesse amanhã, ainda tentava agradecer e perguntar, agora por partes.

    — Obrigada, Antoine. Onde estamos?

    — Na Aldeia dos Pererês. Fomos capturados ontem à noite, não se lembra de nada?

    —Lembro-me, sim, de ter sido picada.

    — Não era maribondo, era uma zarabatana talvez, com um tipo de veneno. Acertaram em cheio você, por isso, o efeito demorou mais.

    — E você?

    — Eu aprendi com seu amigo Estevão. Fingi que estava desmaiado. Em mim, acertaram de raspão. Fiquei bem grogue, mas não cheguei a perder os sentidos como você. Vi tudo acontecer.

    — E o que aconteceu? — perguntou Dora já se sentindo um pouco melhor e vendo melhor a região.

    Estava em uma jaula de frente para a outra onde se encontrava Antoine, todo sujo, sem a jaqueta que levara. Apenas a calça jeans, a camiseta de algodão surrada, sem sapatos. Próximo a eles havia muitas árvores, do tipo centenárias, tão grandes que quase bloqueavam a luz do sol. Dora podia ouvir o som da aldeia, mas não sabia identificar de onde exatamente estavam vindo os sons. O mais estranho é que não havia ninguém próximo, ninguém para tomar conta dos dois. Puderam conversar sem serem perturbados.

    — Antes de cair no chão eu procurei por algo que pudesse usar como arma para me defender. Acabei achando uma lasca de pedra pontiaguda e guardei dentro da calça. Mas eu fiquei mais incapacitado do que eu esperava, então preferi fingir que estava desmaiado.

    — Como nos trouxeram? E o Estevão, a Sasha, o Virgílio? — O fato de Dora sempre perguntar primeiro por Estevão estava começando a irritar Antoine.

    — A última vez que os vi, eles estavam suspensos em uma rede. Outra armadilha na certa. Mas os Pererês só trouxeram nós dois. Nos colocaram em uma lona amarrada em uma tora de madeira e quatro dos mais fortes nos carregaram em seus ombros. Foi aí que eu decidi fazer algo melhor com a pedra que eu havia escondido.

    — O quê?

    — Sabe, Dora, — Antoine parou por um tempo antes de prosseguir. Se desfez da pose e do sorriso — eu menti para você. Estou mentindo para todo mundo. Vivendo de aparências.

    — Não entendo, Antoine. Onde quer chegar?

    — Eu não fui embora de Pragadasa para estudar, como todos pensam. Nasci aqui, assim como você, assim como Sasha. Mas nunca me ajustei a esse tipo de vida. Dei muito trabalho para meus pais. — Sentou-se no chão e pôde olhar Dora melhor — eu era muito novo para entender algumas coisas. Vivia como filho de uma família milionária, me entediava fácil com as coisas. Nada tinha valor para mim. A qualquer sinal de depressão meus pais me enviavam para o psiquiatra, psicólogo, nem sei. Os dois.

    — Por que você está me falando essas coisas Antoine? — Dora podia sentir a verdade querendo sair por cada poro daquela máscara que Antoine usava.

    — Por que talvez não tenhamos mais um momento como esse para conversar ma petit, — prosseguiu. — antes de me mudar para as abas de lá, eu estava roubando os remédios de minha mãe. Para abafar o escândalo, meus pais me mandaram para fora para estudar. Não voltei por conta das férias. Voltei porque aconteceu algo terrível.

    — Meu Deus, Antoine!

    — Era o primeiro ano de faculdade, estava morando com minha avó. Em um apartamento bacana, em um bairro bacana. Sempre saía com alguns amigos. Sempre exagerava na bebida. Em uma dessas, voltando sozinho de uma festa, consegui capotar com o carro e destruir seis automóveis que estavam estacionados próximos ao meio fio. — Antoine não conseguiu segurar as lágrimas. Deixou que a princesa as visse. — O pior de tudo é que eu nem me lembro disso. Eu tento buscar na memória o que aconteceu naquela noite e nada. Acordei no outro dia no hospital, minha vó, pobrezinha, estava inconsolável me vendo na cama com a glicose na veia. Quando eu soube o que tinha feito, procurei noticias, para saber se — enxugou as lágrimas — se havia matado alguém.

    — Pobre Antoine

    — Não encontrei nada. Um acidente daquele tamanho e nenhuma nota no jornal? Os advogados do meu pai agiram rápido para abafar tudo. Quando saí do hospital, procurei pelos proprietários dos carros. Não havia ninguém em nenhum deles. Devo ter apagado e perdido o controle.

    — O que aconteceu depois?

    — Meu pai pagou por tudo, pelos carros e pelo silêncio daquelas pessoas. Doou um bom dinheiro para a prefeitura para obras de urbanismo. Larguei a faculdade e voltei. Não estou de férias. Meus pais ainda não sabem o que fazer comigo. Talvez, dessa vez, eu devesse saber o que fazer da minha vida.

    Dora ficou algum minutos em silêncio depois de ouvir a trágica história do amigo. Percebeu a entrega do jovem, mas não sabia ao certo o que fazer com aquilo. Ofereceu mais de sua atenção.

    — Tive muito tempo para pensar enquanto você dormia. Pensei muito em quem eu era, pensei nos amigos que eu tinha. Sabe quantos foram me ver no hospital? Nenhum. — Levantou-se e encostou as costas nas grades. — Sempre assim. Quando as pessoas descobrem quem eu sou, de quem eu sou filho, as coisas mudam. Eu não bebia de felicidade. Bebia por não saber o que fazer. Bebia para deixar de ser eu, mesmo que por algumas horas.

    — Antoine...

    — Sabe o que mais eu fiquei pensando? Nessa ironia da vida. Antes de voltar pra cá, enquanto estava na Estrela Brilhante, eu pensava em seu avô. Pensava no seu pai, no Rei. — Voltou seus belos olhos repletos de sentimentos para a princesa — Meu pai me mandou embora de Pragadasa para não manchar a imagem de lugar perfeito, entende? Ninguém do reino pode saber que existe um jovem rico depressivo. Precisamos manter a magia do lugar. A propaganda. E meu pai me trouxe de volta para não estragar a imagem da empresa. Que dilema.

    — Antoine, eu posso imaginar o peso que você carrega nas costas. De certa forma, eu até entendo. Meu pai escondeu muitas coisas de mim e das pessoas que vivem aqui. Mas acho que Pragadasa não é sobre ser feliz. É sobre segundas chances. Nossos pais vieram para cá procurando por uma segunda chance. E nós, que nascemos aqui? Que segunda chance temos? — A princesa sentou-se e também se desfez de sua pose. Presos daquela forma, não existiam princesas nem garotos ricos. — Você está entre amigos agora, Antoine. Nós sabemos quem você é.

    — Eu sei disso agora, Dora. Desde que embarquei nessa jornada com vocês eu me sinto bem. Até mesmo com Estevão. Ele é o mais próximo de melhor amigo que eu tenho. — Os dois deram uma boa risada. — Com vocês eu aprendi algo muito valioso.

    — O que, Antoine?

    — Aprendi a confiar. Com a pedra, mesmo sedado, eu consegui fazer marcas nas árvores por onde passávamos. Confio na capacidade de Virgílio de nos rastrear. Eu sei que eles estão vindo nos buscar.

    * * *

    Estevão abriu os olhos lentamente. Sentiu os cabelos grudados e enrijecidos pela ação da lama. Todo seu corpo doía, doíam-lhe os ombros, as costas, os joelhos. Tentou levantar-se e com dificuldade colocou-se de joelhos na terra suja. Sujo estava ele, inteiro. Lama em todo o corpo, no rosto, na roupa, na meia. Ainda lerdo pelo efeito do sedativo, tentou olhar à sua volta, mas sua visão não acompanhava o movimento dos olhos. Com o atraso de alguns segundos, Estevão pôde perceber que estava no mesmo acampamento, mas no chão e livre das amarras que os prendiam.

    Reconheceu Sasha, que estava em estado tão deplorável quanto o dele. Ajudou-a a se levantar, ela se apoiou nele e ele a segurou pela cintura, estavam fracos, cambaleantes e bastante temerosos.

    — Eu preciso de vocês dois em sua plenitude, revigorados. De nada vocês vão me adiantar nesse estado. Descansem mais um pouco, tomem um banho, tirem a lama do corpo, enquanto eu termino de preparar nosso desjejum. — Era a voz inconfundível de Virgílio, sentado pensativo em uma pedra, olhando o que poderiam ser rastros deixados pelos índios infanto-juvenis.

    — Por que eles fizeram isso, Virgílio? Quem adormece uma pessoa que já está presa em uma armadilha? Quem são essas pessoas? — Perguntou Estevão, sem saber ao certo para qual borrão olhar.

    — Por incrível que possa parecer, jovem Estevão. Eles estavam nos protegendo. Aqueles eram os Pererês. Agora tudo faz mais sentido. As armadilhas, o desvio do trajeto. Mas ainda não sei o que eles estão tramando.

    — Protegendo? Não me pareceu, Virgílio. — Disse a jovem Sasha sentindo-se mais confiante para ficar em pé sozinha.

    — Enquanto vocês dormiam, a onça passou por aqui. Não sentiu cheiro porque a lama em seus corpos o encobriu. Não ouviu nada de suspeito porque vocês estavam apagados. Eles sabiam que a onça iria aparecer e nos deixaram a salvo dela.

    — E como conseguimos sair da armadilha? — Perguntou Sasha.

    — Por essa nem mesmo eu esperava. Tive a ajuda de um sapo. Não como eu. Um outro tipo.

    — Que sapo? — Perguntaram os dois intrigados.

    — Talvez o sapo que os ajudou a entrar no Palácio Monroe. Ele apareceu e ajudou a descer a rede. Depois, se mandou pela floresta. Tinha um olhar diferente. Parecia até que eu o conhecia.

    — Que coisa maluca. Esse sapo parece o Gandalf. — Disse Estevão. — Mas por que a Dora? — Perguntou o garoto. — O que eles iriam querer com a princesa?

    — Esse é o grande desafio quando nos deparamos com os Pererês. Nós nunca saberemos o que se passa naquelas cabeças.

    * * *

    O delegado Mendes acordou cedo como sempre; na verdade, nem dormira. Como de costume, às 5h30 tomou seu café com um pingo de leite em um copo de requeijão. E partiu para a delegacia. Havia muito a ser feito. Aguardava o cruzamento dos dados da Estrela Brilhante com os registros de Pragadasa. Esperava por mais informações sobre o rapaz que sabotara a rádio. Esperava por notícias de Virgílio. Esperava pela repercussão da estratégia de Diadora. Esperava. Esperava até pelo pior. Esperava que algo terrível pudesse acontecer.

    Depois das 10 horas, recebeu o aviso pelo rádio de comunicação. Um de seus homens, do outro lado, falava com a aflição de quem não sabe como agir.

    — A TV, seu delegado. — A voz trêmula chiava no aparelho.

    — O que tem a TV? Diabos!

    — Invadiram a TV. — A alma gelou. Mais um ataque terrorista.

    — Como invadiram a TV?

    A TV Pragadasa era a única emissora de canal aberto de todo o reino, concedida a um grupo bem-sucedido das abas de lá. Acreditava que a comunicação podia muito mais do que entreter e vender coisas que as pessoas não precisam. A comunicação podia inspirar as pessoas, propagar novas ideias, contribuir para uma sociedade mais crítica e mais rica em seus valores, não só em seus bens.

    Agora pela manhã essa mesma emissora de TV se encontrava nas mãos de quatro revolucionários.

    Com a ajuda de um gás sonífero, colocaram para dormir os seguranças e recepcionistas do recinto. Em seguida, caminharam tranquilos para a sala de transmissão. Renderam os funcionários responsáveis pelo setor, anunciaram o ataque e trancaram as portas de aço.

    Os revolucionários usavam máscaras de gás que ocultavam seus rostos, a jaqueta verde militar uniformizava a todos e não portavam nenhuma arma.

    O delegado Mendes saiu correndo, ligou seu Fusca 86 branco e dirigiu o mais rápido que pôde com a sirene ligada para o local do atentado. Tomou as providências com os demais homens que estavam no aguardo e isolou o perímetro. Chamou a equipe médica para cuidar dos que se encontravam desacordados na recepção. Com um lenço cobrindo o nariz, chegou até a porta de aço e viu que seria impossível arrombá-la. Talvez com algum explosivo ou equipamento mais sofisticado, indisponível naquele momento.

    — Aqui é o delegado Mendes. – Disse com o megafone em punho. — Vim interceder pelas vidas dos reféns. Liberte-os e podemos entrar em algum acordo de forma pacífica.

    — Ninguém aqui corre riscos, delegado. — Ouviu-se uma voz de dentro. — Vamos liberar todo mundo quando terminarmos o que viemos fazer.

    Logo em seguida, sem mostrar agressividade, de forma muito educada até, o homem com a máscara, pediu para um dos funcionários que colocasse um flash drive no aparelho de transmissão.

    Sem alternativa, o funcionário da TV atendeu ao pedido. Inseriu o dispositivo e imediatamente, em todos os televisores ligados em Pragadasa, inclusive os que estavam nos corredores da emissora, onde se encontrava o delegado e sua equipe, o programa local de receitas deu lugar à mensagem dos revolucionários.

    Uma tela preta com a mesma música e a mesma locução a que todos estavam acostumados e que dizia Bom-dia, Pragadasa ao mesmo tempo em que as palavras surgiam em letras grandes. Em seguida, a imagem da Sala do Trono, habitual local de onde o Rei proclamava suas palavras para a nação. Mas, em seu lugar não estava o Rei e sim outro homem, bem conhecido pelo povo de Pragadasa. Tinha estatura mediana, cabelos ondulados e grisalhos penteados para trás. Tinha barba bem-aparada, olhos expressivos e o semblante sério. Impunha respeito. Usava uma camisa militar, não as que o povo de Pragadasa estava habituado, a camisa não possuía botões que chamassem atenção nem ornamentos desnecessários. Era lisa, verde musgo com dois bolsos no peito. Nenhuma insígnia ou medalha. O homem sorriu.

    O delegado de pronto já ligou seu rádio e mandou homens para a Sala do Trono. Diadora, que já estava no palácio, desceu correndo as escadas, e procurou pelo local, localizado na parte destinada a visitações do palácio, mas não havia ninguém lá. As luzes estavam apagadas e a coroa permanecia ao lado do trono do Rei.

    — Bom-dia, Pragadasa, — disse o homem. — com essas palavras, o Rei se dirigia a todos vocês. Cada vez que ele aparecia em seus pronunciamentos, ele colocava mais um tijolo em um muro de mentiras, construído lentamente, ao longo dos anos, com o único propósito de separar vocês da verdade por trás do reino perfeito de Pragadasa. Com palavras, eles construíram um reino e enganaram todos vocês. Com palavras, eu vou derrubá-lo. Hoje, eu e vocês teremos uma conversa e todos vão saber a verdadeira história de Ciro Ventura e os 49 de Coragem.

    — Antes de mais nada, peço desculpas por essa interrupção no conforto da vida diária de todos. Eu, mais do que ninguém, sei o quanto valorizam seus afazeres rotineiros, a companhia dos amigos, o trabalho, a escola, o passeio de bicicleta. Enfim, detesto ter que interromper a vida tranquila que todos aqui lutaram tanto para conseguir desfrutar. — A imagem do trono desapareceu atrás do homem que ainda não havia se apresentado. Em seu lugar, uma imagem aérea de Pragadasa em preto e branco, foto antiga.

    — Para nossa conversa ter início é preciso que eu me apresente devidamente. Vocês já conhecem meu nome, já ouviram minha voz no pronunciamento da rádio, mas, agora, me apresento a todos. Sou Salvador Magalhães. Como vocês, eu também amo Pragadasa.

    Conforme ia se espalhando a notícia de que a estação de TV havia sido invadida, Pragadasa, aos poucos, parava mais uma manhã em frente a qualquer aparelho. Nos bares, domicílios, lojas, Pragadasa parava para ouvir Salvador Magalhães mais uma vez.

    — Existem, é claro, há os que não querem que essa conversa aconteça. Existem aqueles que se beneficiam de suas vidas felizes. Sabem por quê? Porque eles temem nossas palavras. Recentemente, fui chamado pela ex-esposa do Rei, que vocês carinhosamente chamam de Rainha do Povo, de terrorista. Terrorista, senhores, é quem aplica o terror, quem carrega armas, espalha o medo. Desde sempre, nossa únicas armas foram garrafas vazias e palavras cheias de verdades. A única coisa que queremos espalhar é a lucidez. Meus caros, existe muita coisa errada acontecendo. Precisaremos de alguns efeitos especiais, já que a história que quero contar é um pouco longa.

    Ainda em preto e branco, surgiu a imagem daquele que todos conheciam dos livros de história de Pragadasa. O pai do atual Rei, Ciro Ventura: o fundador de Pragadasa em sua juventude. Tinha pouco mais de vinte anos. Era magro, cabelos pretos e lisos, curtos e sem nenhuma barba ou bigode. Usava camisa branca e uma calça jeans. Repousava um dos pés em uma pedra. Ao fundo, uma propriedade rural, algumas cabeças de gado ao fundo.

    — Todos devem saber quem é esse homem. — Disse Salvador. — É o grande Ciro Ventura, muito antes de ser coroado. Essa foto é de sua juventude, na época em que teve o sonho. Era nobre nas abas de lá da vida, tinha títulos e posses. Todo mundo sabe a história: com o final da segunda guerra, com o mundo divido em dois, com tanto racismo, preconceito, violência e intolerância, esse visionário decidiu procurar um lugar onde a vida pudesse ser plenamente feliz. Um lugar onde liberdade, esperança e igualdade pudessem deixar de ser utopias. Partiu em seu barco sozinho em busca de uma lugar ideal para se realizar.

    —Ficou ausente por dois longos anos, foi dado como morto, mas ele voltou. Disse aos amigos que havia encontrado um lugar incrível. Alguns achavam que estava louco, outros acreditaram em suas palavras.

    A imagem mudou mais uma vez e mostrou Ciro cercado de amigos em frente a um enorme navio.

    — Aos poucos, ele foi convencendo os amigos de que era possível viver esse sonho. Tinha muitos amigos. A quantidade de amigos era suficiente para encher uma cidade. Essa era a ideia. Venderam tudo, investiram em um grande navio e partiram em direção a Pragadasa. No navio, cada amigo tinha uma função específica: médicos, arquitetos, engenheiros, professoras, advogados, empresários... Assim como uma grande arca de Noé, o pai do Rei encheu sua embarcação de várias espécies de amigos, mas não só isso.

    Em outra imagem em preto e branco, destruída pelo tempo, vários homens e mulheres da classe operária se apertavam em acomodações precárias, aparentemente em outra parte do navio.

    — Trouxeram também o braço forte, os operários e suas famílias, que iriam erguer aquela cidade, os promoveram a amigos, e os convenceram de que uma vida melhor os aguardava. Pois bem.

    O delegado Mendes parou de tentar abrir a porta. Já estava hipnotizado com o discurso. A única pessoa que talvez não estivesse interessado no acontecimento era o dono do jornal O Observador. Líbero Batista estava trancafiado na sala de arquivos revirando as matérias de três anos atrás, procurando por pistas. Dois de seus melhores jornalistas, Diego e Clara, resolveram assumir a responsabilidade do jornal, já que o dono parecia estar fora de si.

    — Ninguém tira o homem de lá, precisamos cuidar dessa cobertura nós mesmos. — Disse a jornalista, que era encarregada pessoalmente de Sasha durante seu estágio.

    — Concordo, vou levar um fotógrafo até a emissora. — Quando disse isso já estava em pleno corredor que levava para a porta de saída. — Conseguiu falar com a Sasha?

    — Não encontro essa menina, já estou ficando preocupada.

    — Reserve a capa. Isso é uma bomba. — disse o profissional ávido por grandes acontecimentos na pacata vida de Pragadasa.

    Clara, antes de tomar as providências, pensou em uma estratégia melhor. Agarrou-se ao primeiro bloco de papel e uma caneta e enfiou por debaixo da porta trancada dos arquivos, um pedaço de papel manuscrito.

    Você precisa ligar a TV, dizia o papel. Tomado pela curiosidade e pelo medo de que algo terrível estivesse acontecendo, Líbero Batista ligou seu laptop e acessou a página de transmissão ao vivo da emissora, e lá estava ele. O líder dos revolucionários tomando de assalto a TV de Pragadasa e falando palavras convincentes. Líbero, mais do que ninguém, entendia da força das palavras.

    Na TV, Salvador Magalhães, continuando seu discurso, mostrava a imagem de seu pai. Tinha traços de nordestino, era baixo, mas de estrutura forte, humilde em suas vestes e expressivo no olhar. Estava entre os trabalhadores amontoados no navio.

    — Esse é meu pai, era mestre de obras. Ele viu o que aconteceu na terra prometida. Desde o seu princípio, ela foi planejada da forma errada. Enquanto os amigos de Ciro desfrutavam das melhores condições que a vida podia oferecer na parte de cima do navio, meu pai e os demais operários sofriam, com a pouca comida, a falta de higiene e as doenças. A viagem naquela época era longa e só conseguiram chegar com muito custo. Por um milagre não houve nenhuma baixa no navio, e os pioneiros, fundadores de Pragadasa, estavam, enfim, em casa, onde nenhum mal lhes afligiria.

    A imagem mudou novamente e mostrou fotografias conhecidas de todos, os fundadores com roupas de exploradores rodeados por matagais, alguns homens levavam mapas e outros tipos de instrumentos. Ao fundo viam-se as primeiras casas sendo construídas.

    — Eles exploraram esse lugar e encontraram muito mais do que uma terra prometida. Encontraram ouro, e não o distribuíram. Usaram para concluir as obras dos palácios faraônicos. A cidade, aos poucos, foi se formando, e os amigos sonhadores decidiram, por meio do voto livre, qual a forma de governo, e para a surpresa de todos escolheram a monarquia, fizeram de Ciro, o dono do sonho, o descobridor de Pragadasa, o dono da bola, Rei. Para que a sociedade pudesse realmente usufruir de uma vida digna e sem crimes, eles criaram a Sociedade dos Amigos do Rei. Essa sociedade criou a premissa básica de que somente os amigos do Rei teriam o direito de conhecer Pragadasa, e que Pragadasa deveria permanecer desconhecida do resto do mundo.

    Não havia mais imagens históricas, o trono real voltou a aparecer. Salvador fixou os olhos na câmera, era como se olhasse para cada um dos homens e mulheres de Pragadasa.

    — Vocês sabem que existe algo de muito errado nisso. Nessa forma de se governar. Meu pai e outros operários voltaram para suas casas. Não concordaram com aquela decisão, da qual foram excluídos. Eles sabiam que Pragadasa não seria uma sociedade plenamente justa.

    Salvador respirou fundo, manteve os pulsos firmes e não tirou os olhos de dentro da alma das pessoas.

    — Eu, assim como vocês, sou amigo do Rei. Amigo do filho, não do pai. Conheci-o nas abas de lá e conversávamos muito sobre política. Ele conheceu meus ideais e me fez um convite. Ele sabia quem eu era, de quem eu era filho. Aceitei o convite e desembarquei aqui. Precisava ver, precisava acreditar.

    A tela ao fundo mudou novamente, agora com imagens atuais de Pragadasa, as pessoas, mães brincando com filhos a céu aberto e casas sem grades ou cercas. Amigos se abraçando, pescadores felizes lançando a rede ao mar. Imagens dignas de propaganda.

    — Essa é a felicidade que ele me vendeu. Eu a vi aqui e me assustei. Sabem o que eu achei? E aqui está uma verdade inconveniente: Eu achei muito estranho. Achei falso.

    As imagens ao fundo se apagaram e a câmera se aproximou do rosto de Salvador Magalhães.

    — A felicidade pregada aqui nunca será plena. Sua liberdade teve preço, a igualdade não vale para os que mandam. A vida besta de que vocês se orgulham tanto, ou fingem que se orgulham, não é real. Pois não se pode apagar o que foi feito nas abas de lá da vida. Quantos de vocês fugiram de erros do passado? Quantos de vocês abandonaram amigos e familiares para viver um sonho, que, no fundo, vocês acham pesado demais. De quem é a culpa de obrigar os cidadãos de Pragadasa a acreditarem na felicidade plena, quando ela não existe. De quem é a culpa de manter um regime tão cego e obediente, temente a um só homem e suas palavras, sua rede de amigos?

    Se vocês procuram culpados, eu digo que todos nós somos culpados. A vida é dura e não adianta se esconder dela. Prometeram um sonho, uma utopia, cobriram a realidade a sua volta, fizeram vocês usarem máscaras de alegria, mas suas almas são tão atormentadas quanto a de qualquer um das abas de lá. Quem não entregaria sua vida na mão de um

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