Ambiguidade: Os Sentidos do Trabalho Gerencial em Bancos Públicos
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Sobre este e-book
O livro Ambiguidade: os sentidos do trabalho gerencial nos bancos públicos emerge da realidade de jovens que trocam sonhos de exercer profissões como piloto de avião, político, médico ou outra, que realmente desejam, por salários bons e uma suposta estabilidade.
Alinhado à corrente humanista das teorias organizacionais, o texto mostra as representações do trabalho para o grupo pesquisado. Tanto evidencia o sofrimento quanto exalta a reflexividade, a capacidade de fazer escolhas desse tipo de profissional. Mesmo submetidas a cobranças e a elevado nível de estresse, essas pessoas optam por aderir à "quantofrenia" que permeia o sistema produtivo, não raro negociando valores pessoais e, muitas vezes, negando conflitos internos. Mas até que ponto
o salário mantém o brilho no olhar?
As organizações, especialmente as financeiras, impõem às pessoas o ritmo alucinante do desenvolvimento tecnológico para além do suportável. Ainda provocam uma inversão de leis naturais segundo as quais a existência delas – as organizações – se justifica pelo atendimento a necessidades humanas, não o contrário. Elas não são senão lugares de encontros e intersubjetividades, de trocas e produção de sentidos que extrapolam o trabalho: são fios entrelaçados de diferentes realidades em cuja dinâmica são elaborados sentidos para a vida.
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Pré-visualização do livro
Ambiguidade - Elena Bandeira
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS SOCIAIS
À minha filha Renata, representação de amor incondicional, com desejo de que sempre encontre sentido e realização no trabalho.
AGRADECIMENTOS
A conclusão deste livro representa o engajamento de muitas pessoas que doaram recursos pessoais tão nobres como o tempo, a inteligência e a energia para a realização deste projeto. Nomeá-las seria correr alto risco de esquecer alguém. São teóricos renomados que forneceram a trilha capaz de organizar o pensamento; professores, que estimularam e orientaram a pesquisa; amigos, que auxiliaram tecnicamente, ou outros, que apoiaram o esforço e, evidentemente, participantes que abriram um parêntese na correria cotidiana para viabilizar a pesquisa. O mérito é compartilhado, e o laço delicado, porém forte, da gratidão, manter-nos-á unidos para sempre. Que a semente da reflexão frutifique e resulte em trabalho com sentido para todos.
[...] é tipo uma falsa ideia de segurança. As pessoas ficam presas por medo de tentar alguma coisa melhor, porque acham que não vão ser demitidas, mas sempre tem essa questão, se você não cumprir as metas, sempre tem a ameaça, pode perder sua comissão [...] ... é tudo pra ontem, é tudo com ansiedade, tudo com agonia, tudo é um problema enorme ... esse aprisionamento nesse ritmo, que não é meu ritmo natural, esse ritmo é do gerente [...]
(PARTICIPANTE 12)
PREFÁCIO
O sentido do trabalho é um tema destinado, talvez, a não se esgotar. Enquanto houver trabalho e seres humanos nele engajados, sentidos serão construídos, experiências subjetivas e intersubjetivas serão vividas, sujeitos se constituirão. No momento presente, em que o trabalho passa por transformações significativas, destacadamente pelo impacto das novas tecnologias, a reflexão a que Ambiguidade: os sentidos do trabalho gerencial em bancos públicos nos convida é oportuna e muito bem-vinda.
Em vários aspectos o livro constitui uma contribuição valiosa para quem se interessa, por pesquisa ou prática profissional, pelo lado humano das organizações e do trabalho: pelo método que inclui técnicas projetivas, ainda relativamente pouco empregadas no campo da Administração, pelo foco em um grupo que experimenta intensamente as pressões de transformação do contexto de trabalho contemporâneo (nível gerencial, setor bancário e organizações públicas), pela grande experiência da autora como executiva de banco público e por seu olhar abertamente humanista, alinhado às abordagens críticas do campo – abrindo assim, novas perspectivas para a compreensão teórica da construção dos sentidos do trabalho, bem como para o desenvolvimento de políticas e estratégias de gestão de pessoas bem embasadas no que se refere ao entendimento da relação dos sujeitos com o trabalho.
Ao longo do livro acompanhamos os gerentes desvelarem suas ansiedades, triunfos, valores, medos e realizações, evidenciando a experiência insubstituível, como sustenta Yves Clot, que é o trabalho para a constituição dos sujeitos. Assim, se a construção do sentido do trabalho é um fenômeno subjetivo e intersubjetivo em face a um contexto que se transforma, a obra nos convida a refletir sobre que aspectos emergem da cultura organizacional, do contexto econômico e social, das expectativas individuais e dos grupos que moldam o ambiente em que o trabalho acontece, e quais aspectos poderiam ser transformados pela intervenção de indivíduos e organizações.
Nesse sentido, os achados mostram, entre outros pontos, o caráter instrumental e utilitário do que o trabalho assume para os gerentes, ganhando conotação positiva à medida que proporciona boa remuneração. Individualismo e competição, pressão e cobrança, associados à percepção de que o ambiente bancário não permite a manifestação de emoções estão na raiz de problemas de saúde diversos. No entanto, admiram os bancos e dedicam-se intensamente ao trabalho, convencidos de que o sucesso depende do próprio desempenho. As representações do trabalho revelam uma realidade complexa em que os indivíduos equilibram significados contraditórios, mas na qual se manifesta, persistentemente, a centralidade do trabalho na vida dos sujeitos.
O olhar sensível da autora sobre o trabalho, atividade essencialmente humana, remete-nos a Gaulejac, ao defender que as organizações existem para servir aos homens e à sociedade, e não o inverso.
Boa leitura e boas descobertas!
Isabel de Sá Affonso da Costa
Doutora em Administração pela Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas, Fundação Getúlio Vargas (EBAPE/FGV)
Professora da Escola de Negócios e Seguros (ENS), Rio de Janeiro
APRESENTAÇÃO
Entendendo-se trabalho como atividade de produção dos meios de subsistência, pode-se dizer que ele sempre esteve presente na vida das pessoas. Em outras palavras, é parte importante da existência humana, mas não apenas pela subsistência. Não é obrigatório que quem vive trabalhe – pode-se viver do trabalho de outros, mas, certamente, quem trabalha, vive. Vive durante o trabalho. Vive bem ou vive mal, mas ali, durante as horas em que se dedica ao ganha-pão, a vida se realiza, emoções e sentimentos afloram, pensamentos fluem, decisões são tomadas, serviços se concretizam, pessoas se encontram e realidades são criadas ou transformadas.
Instigou-me especialmente um posto de trabalho: o de gerente de banco público. Já se vão mais de duas décadas de quando exerci esse cargo por sete anos e não entendi bem a relação que se estabelece entre o sujeito e o trabalho nesse lugar. Apostei que seria bom ver de perto a compreensão que esses profissionais têm da própria condição como minipeça no sistema complexo do modo de produção vigente. Quis saber por que se submetem à exigência de metas inatingíveis de produtos que os clientes muitas vezes não desejam, a classificações por resultados, à ameaça constante de destituição, e agora, ao risco de substituição por softwares cada vez mais eficientes. Quais sentidos eles elaboram para o trabalho?
Escolhi pesquisar os mais jovens, porque me inquietam as afirmações frequentes de que eles priorizam a liberdade, a autonomia, o respeito pelas diferenças e o engajamento em questões sociais, deixando valores como a segurança e a renda em segundo plano. Não sei até que ponto os jovens escolhem livremente seus percursos profissionais ou se eles apenas reagem ao contexto que lhes é dado.
Empolguei-me pelo desafio de trazer à tona sensações e percepções não raro reprimidas, as quais, explicitadas, amenizam a dor, aumentam a lucidez e mudam a lente pela qual se vê um quadro, ou através dele, ou, ainda, além dele. Desejei, sim, gerar um pontinho inicial de uma crise. Crise de crescimento.
São apenas cinco capítulos, resultado da minha dissertação de mestrado defendida no Rio de Janeiro em 2018.
O primeiro é uma visão panorâmica das minhas ideias, a fim de localizar
o leitor. No segundo, apresento o referencial teórico que orientou minha pesquisa, pois nunca se começa do zero e nunca se esgota um assunto, sempre é possível outro ponto de vista.
O capítulo III descreve o caminho percorrido até chegar a este livro. Tendo conhecido eu mesma as agruras de um trabalho científico, escolhi manter a descrição detalhada da metodologia utilizada. Antecipo pedido de compreensão aos mais experientes, pois desejo que isso possa, de algum modo, ter serventia para os marinheiros de primeira viagem.
No capítulo IV organizei e apresento as informações colhidas, as percepções e interpretações.
Por fim, no V, finalizo. Penso que a ousadia deste livro é abalar o charme, a sedução e o suposto poder do gerente de banco, que colore o imaginário de muitas pessoas. Contrapõe-se ao poder de organizações financeiras gigantes o poder pessoal, sem fomentar papéis de vítimas e/ou algozes nesse campo, porém, desnudando uma subjetividade que se revela externa. Espero que esta publicação seja útil ao público acadêmico e a todos os interessados no tema.
LISTA DE ABREVIATURAS
Anbima Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais
Caged Cadastro Geral de Empregados e Desempregados
CPA 10 Certificação Profissional Anbima Série 10
CPA 20 Certificação Profissional Anbima Série 20
Dieese Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos
Febraban Federação Brasileira de Bancos
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
MTE Ministério do Trabalho e Emprego
PIB Produto Interno Bruto
PLR Participação nos Lucros e Resultados
Rais Relação Anual de Informações Sociais
TRS Teoria das Representações Sociais
Sumário
I
INTRODUÇÃO 19
II
MACRAMÊ DE IDEIAS 27
2.1 A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS (TRS) 27
2.2 ABORDAGEM CRÍTICA NA TEORIA DAS ORGANIZAÇÕES 34
2.3 OS SENTIDOS DO TRABALHO 40
2.4 VÁRIOS TONS DE JUVENTUDE 43
2.5 BANCOS E BANCÁRIOS: DISCUTINDO A RELAÇÃO 45
III
A TECELAGEM PONTO A PONTO 51
3.1 OS PARTICIPANTES 54
3.2 A CAPTURA DO VISÍVEL E DO INVISÍVEL 56
3.3 TÉCNICAS PROJETIVAS 57
3.3.1 Complementação de sentenças 58
3.3.2 Desenhos 59
3.3.3 Entrevista 61
3.4 CONDIÇÕES DE INTERPRETAÇÃO 63
IV
PERCEPÇÕES 65
4.1 PERFIL DOS PARTICIPANTES 65
4.2 O CONTEXTO DE CADA AGÊNCIA 68
4.2.1 Especificidades do banco A 70
4.2.2 Especificidades do banco B 71
4.2.3 Especificidades do banco C 72
4.2.4 Especificidades do banco D 73
4.3 SONS, PALAVRAS E IMAGENS: REPRESENTAÇÕES INDIVIDUAIS 74
4.4 O CONJUNTO REPRESENTACIONAL 135
4.5 REPRESENTAÇÕES COMO FACAS DE DOIS GUMES 140
4.6 ESTRUTURA DAS REPRESENTAÇÕES 147
V
A BASE ILUSÓRIA DOS SENTIDOS DO TRABALHO DOS JOVENS GERENTES DE BANCOS PÚBLICOS 153
REFERÊNCIAS 163
I
INTRODUÇÃO
As organizações correspondem a espaços onde o homem manifesta, além da racionalidade necessária à realização de negócios, seus sonhos, medos e paixões (ENRIQUEZ, 1997). Elas emergem da interação entre pessoas, reunidas em busca de objetivos pessoais e empresariais.
Agências bancárias são alguns desses lugares de encontro entre o individual e o coletivo. Trata-se de ambientes intensivos em cobrança por resultados objetivos. Ali, o desempenho de cada empregado pode ser totalmente controlado em tempo real, tanto pelos métodos convencionais, como a presença dos gestores, quanto por meios tecnológicos, eficientes softwares, os quais funcionam ao modo da vigilância panóptica foucaultiana citada por Sennett (2006).
Gaulejac (2014) aponta que o mercado financeiro é o epicentro do capitalismo na atualidade. Nele, como em nenhum outro lugar, evidenciam-se os conflitos inerentes às relações de poder estabelecidas pela divisão social do trabalho.
Nas agências bancárias desenvolvem-se e se mesclam crenças, valores, significados, afetos, contradições e conflitos de muitos profissionais que dedicam seus corpos, pensamentos, emoções e energias às atividades laborais. Isso combina com Dejours, Abdoucheli e Jayet (2009), para quem o trabalho é um espaço de construção de sentidos, identidade e historicização do sujeito.
Construção de sentidos? Sim, sentidos não são recebidos prontos, tampouco estáticos. Embora possam resistir por muito tempo, em condições de estabilidade, estão em constante transformação. Ao nascer a pessoa recebe o conhecimento acumulado pelos humanos, cresce e se desenvolve sendo influenciada por essa cultura. Também influencia o ambiente, seja reforçando o status quo, seja transformando-o com as próprias características e comportamentos. Do mesmo modo, ao ingressar em determinado grupo, o indivíduo adentra em uma teia de interações já configurada, porém, em constante mutação, e passa a participar dessa tessitura ao seu modo, seja conservando ou alterando o modelo preexistente, construindo e reconstruindo os sentidos.
Do ponto de vista psicanalítico, as organizações ocuparam o lugar de outras instituições como família, igreja e relacionamentos na vida das pessoas. Há um distanciamento do sujeito de si mesmo, provavelmente guardado no nível inconsciente da personalidade, porém ativo, mantendo-o obnubilado quanto aos próprios desejos, necessidades e sonhos, confundidos com os das organizações. É pela cultura que a organização alcança o inconsciente do sujeito, fazendo com que ele ame as próprias dificuldades, chamando-as de desafios. Diariamente, o sujeito é condicionado para que goste daquilo, de pertencer àquele grupo, àquele mecanismo, naturalizando o viver sob tensão o tempo todo (FREITAS, 1999).
Esse pensamento nos remete ao modelo americano, que ultrapassou fronteiras e alcançou os mais distantes espaços, classificando as pessoas em dois tipos, os vencedores e os perdedores. Segundo esse paradigma, quem não alcançou o sucesso tem sido ineficiente, incompetente para realizar seu trabalho. Essa pessoa deve refletir, encontrar suas falhas e tentar mudar a si mesmo, aumentar seus esforços, dedicar-se integralmente a essa busca, talvez procurar ajuda profissional para isso. Há, inclusive, muita literatura disponível a respeito dos passos que conduzem ao sucesso, dicas de como se dar bem, métodos para enriquecer rapidamente. Sucesso é, então, conquistar uma renda suficiente para bancar o crescente consumismo que define sensações de prazer no século XXI.
Profundas transformações no mundo do trabalho, características do capitalismo flexível, já levam as atividades produtivas para longe dos valores estáveis da ética, do dever e da disciplina weberianos. Nunca antes tanta riqueza foi produzida, graças à revolução tecnológica, ao preço de maior desigualdade e instabilidade social (SENNETT, 2006).
Estudos mostram que para os brasileiros o trabalho continua central e constitutivo do sujeito (MOTA, 2012), o que justifica intensificar as