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Novelas Policiais 2: Coletânea
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Novelas Policiais 2: Coletânea
E-book316 páginas4 horas

Novelas Policiais 2: Coletânea

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Sobre este e-book

Novelas Policiais de L P Baçan, o Mago das Letras, com todos os ingredientes tradicionais que fazem do gênero um dos preferidos da maioria dos leitores.Caçador ImplacávelConvite para a LoucuraDupla Exposição.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento9 de mar. de 2022
ISBN9781526053336
Novelas Policiais 2: Coletânea

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    Novelas Policiais 2 - L P Baçan

    Caçador Implacável

    D:\- EBOOKS\MY BOOKS\NOVELAS POLICIAIS\CACADOR IMPLACAVEL\001.jpg

    Conseguida a independência, aquele povo imaginou que a vida seria melhor. Nada havia mudado, na realidade. Saíram os soldados brancos dos colonizadores que haviam dominado aquele país africano por mais de um século, entraram os soldados negros dos líderes negros que haviam prometido a paz e a felicidade.

    Para o menino negro, em pé, ao sol escaldante, o ruído dos ferrolhos dos AR 15 significava uma ameaça além da compreensão. Ele via o pai e os outros amigos surgirem à porta da fortaleza e caminharem, empurrados pelas coronhas das armas. Ali estavam todos eles. Bezoto os conhecia. Habituara-se vê-los entrar e sair de sua casa, na calada da noite, quando aquelas reuniões aconteciam. Os homens conversavam em voz baixa, mas exaltavam-se quando discutiam.

    Bezoto observava o pai, ensinando os outros rebeldes, e a mãe, fazendo curativos nos feridos, e não entendia aquilo.

    — Um dia você vai entender, filho — dizia-lhe o pai.

    Bezoto orgulhava-se dele. Era um homem forte, de braços grossos e músculos. Quando o suor escorria por seus músculos, eles brilhavam como os de um deus. Chamavam-no Manuel Janeiro, mas ele gostava de ser chamado de Oburo, no dialeto bantu.

    Bezoto agora olhava o homem que os guardas empurravam e ele em nada se parecia com a figura imponente e orgulhosa de seu pai. Estava esquelético e transfigurado. Caminhava com dificuldade, arrastando uma das pernas, traspassada por uma bala. Bezoto ficou olhando a dor no rosto do pai e tentando imaginar o que sentiria com uma bala varando suas carnes, dilacerando músculos e veias, achatando-se num osso.

    Bezoto não sabia o que seria feito de seu pai e dos amigos, mas acompanhava a multidão que os cercava em silêncio. Gritava o nome de seu pai, mas Manuel Janeiro mantinha os olhos dementes no céu, acima dele, enquanto se arrastava pelas ruas, na direção do campo de treinamento de tiro.

    O garoto, no entanto, intimamente tinha a esperança de assistir a reação do pai a qualquer momento. Sabia como ele era forte e como poderia demonstrar isso.

    Tentou se aproximar um pouco mais tropeçou, caindo entre as pernas de um soldado, que o agarrou pelo colarinho e o empurrou para o lado.

    Bezoto ficou olhando fixamente para ele, para seu uniforme vistoso e cheio de angustia. Por que ele agia daquela forma, se eram todos filhos da mesma terra? O que os diferenciava? Apenas as armas e os uniformes?

    Chegaram, finalmente, ao campo de treinamento de tiro. Os prisioneiros e os soldados foram entrando, enquanto a multidão ficava ao redor, separada pela cerca de arame farpado.

    Bezoto encontrou um ponto de observação, grudou-se à cerca, empurrando pelos que estavam atrás. Ficou observando com curiosidade e apreensão aquelas cruzes de madeira e aqueles homens com grossas luvas de couro e alicates, ao lado de grossos rolos de arame farpado.

    Os prisioneiros eram golpeados e derrubados por coronhadas impiedosas. Rolaram na poeira, que se grudou ao sangue em suas peles.

    Do lado de fora da cerca, vigiada por centenas de soldados, a multidão continuava em silencio. Os gritos de dor e angústia dos prisioneiros espalhavam-se pelo ar. Rostos se torciam em caretas de ódio. Mãos crispavam-se sobre o arame farpado das cercas sem se importarem com a dor e o sangue. Desejavam compartilhar do sofrimento dos condenados, irmanados no mesmo ideal e na mesma humilhação do castigo.

    Os homens foram estendidos sobre cruzes que se espalhavam, deitadas sobre a poeira do campo. Aquilo chocou Bezoto, que aprendera com os missionários que um homem justo e santo, chamado Jesus Cristo, morrera daquela forma para tornar-se um deus. Seu pai e os outros teriam o mesmo destino? Seriam deuses um dia e lá do alto olhariam pela terra deles, mandando punições sábias e justas para os soldados e seus líderes?

    As cruzes foram sendo levantadas, com o auxilio de cordas. Os homens gritavam insanamente, presos a elas por arame farpado, que circulava por seus braços, troncos e pernas, cravando-se nas carnes impiedosamente.

    A cena era chocante. Um pequeno pelotão armado se postou diante da primeira das cruzes. Ordens secas foram dadas. Ferrolhos estalaram. Um grito impessoal se seguiu. Rolos de fumaça projetaram-se dos canos. O homem na cruz encolheu-se todo, empurrando contra a madeira. Ele pendeu inerte como um animal sangrado sem piedade.

    O pelotão caminhou para a cruz seguinte. Novamente as ordens secas e os disparos. Sistematicamente esse pelotão foi executando sua macabra missão, até, finalmente, fazer alto diante da cruz onde estava preso Manuel Janeiro.

    Só então Bezoto compreendeu o que aconteceria a ele. Até então, a sorte dos outros rebeldes lhe parecera algo que não o atingiria. Conhecia-os, choraria suas mortes, mas logo os esqueceria como esquecera de todos os outros que haviam passado pelas reuniões em sua casa.

    O que veio a seguir, no entanto, gravou-se em sua mente, numa sequencia macabra de pesadelo que se repetiria muitas e muitas vezes em suas noites.

    A agonia lhe pareceu prolongada. Via os olhos do pai, negros e úmidos, muito abertos, fitando as bocas dos fuzis. Seus lábios ensanguentados se torciam numa careta de depressão. Se houve medo em sua face, Bezoto ou qualquer outro não viu. Estava ali apenas o heroísmo estoico dos que morrem por um ideal.

    A fumaça avançou branca e sinistra. Por entre ela, as balas voaram. Bezoto julgou ter visto cada uma delas penetrar o corpo de seu pai.

    Manuel Janeiro ficou dependurado na cruz, ofegando pesadamente, vomitando sangue em golfadas. Um oficial sacou sua arma automática e se aproximou. Outro lhe gritou qualquer coisa sobre não valer a pena desperdiçar uma bala. O oficial sorriu e voltou a guardar a arma, fazendo o pelotão marchar para a próxima cruz.

    Por momentos o homem ainda se sustentou na cruz. Depois, em espasmos, arqueou-se numa última revolta e gritou alto suas últimas palavras.

    — Liberdade!

    Pendeu, finalmente, morto.

    Lágrimas escorriam de seus olhos e dos olhos do filho, que olhava atônito, vendo apenas aquele corpo e nada mais. Os ruídos da multidão, o barulho dos tiros, as ordens, tudo se afastou mais e mais, até restar um pesado silêncio.

    Ali ele ficou olhando sempre, enquanto a noite caía, afugentando os abutres que rondavam o campo e adiando para o dia seguinte um banquete que mais aconteceria.

    Vozes veladas surgiram com a noite. Os portões do campo foram abertos. As mulheres vinham em busca de seus mortos, vigiadas pelos soldados, que barravam todos os homens que se aproximassem, levando-os para os terríveis interrogatórios que se desenrolavam nos porões da fortaleza. Em breve, esses homens teriam o mesmo destino daqueles que vinham resgatar.

    Bezoto viu a cruz oscilar e depois cair pesadamente. Como que acordando de seu transe, correu para o portão, chorando e gritando o nome do pai, empurrando as mulheres e se atirando sobre o corpo mutilado para um abraço desesperado. Braços rodearam-no, erguendo-o e afastando-o.

    Bezoto suplicou que o deixassem ficar. Só se acalmou quando o corpo do pai foi envolto num lençol e carregado por algumas mulheres. Entre elas estava sua mãe. Ela não chorava, mas a dor estampava-se em seu rosto.

    Foi uma longa noite de lágrimas e sofrimentos. Apenas ele e a mãe, velando o corpo do pai.

    Olhando a silhueta coberta pelo lençol, Bezoto revia cada uma de suas feridas. Lá fora tudo era silêncio. O toque de recolher havia sido retardado para que os corpos fossem resgatados. Depois disso, ninguém se atreveria a sair às ruas, rigidamente policiadas por tropas impacientes e assustadas.

    Por volta da meia-noite, um ataque de morteiros leves quebrou o silencio. Um incêndio aconteceu numa das dependências do quartel-general dos soldados, mas a resposta foi imediata. Tropas foram mobilizadas, holofotes foram acessos por toda parte e o medo invadiu os casebres.

    Os rebeldes haviam manifestado seu repúdio pelo assassinato em massa de seus camaradas. Era apenas um aviso para a violenta escalada que se seguiria.

    A partir daquela noite, guarnições isoladas começaram a ser massacradas pelos rebeldes. Essas notícias, porém, em nada consolavam Bezoto. O corpo de seu pai jazia num buraco sem identificação, no cemitério. A única coisa que lhe restava era ficar olhando para o céu, esperando que seu pai se transformasse logo num deus, tendo que conviver com os mesmos pesadelos todas as noites.

    Bezoto era um caçador nato, típico de sua gente, que não caçava apenas por instinto, mas considerar aquilo uma espécie de jogo e desafio.

    Simplesmente começou a tentar entender tudo aquilo. Quem era o homem que movia os soldados que faziam tudo aquilo. Bezoto entendia que não bastava cortar os galhos de uma árvore que produzia frutos ruins. Era preciso exterminar o tronco. Só assim não haveria mais galhos nem frutos estragados.

    Por isso conseguiu, na escola, uma fotografia do presidente o homem que comandava os soldados todos. Fitava longamente aquele rosto sorridente, vendo nele a crueldade e o desprezo por seus irmãos negros.

    Aquele homem tinha uma dívida para com Bezoto. O garoto sabia que cobraria aquela dívida, porque essa era a sua natureza.

    D:\- EBOOKS\MY BOOKS\NOVELAS POLICIAIS\CACADOR IMPLACAVEL\inter.jpg

    Uma tarde, Bezoto fora até o cemitério e lá se demorara, procurando a tumba do pai. Mais e mais corpos haviam sido enterrados e tornara-se difícil localizá-la.

    Ajoelhou-se, afinal, junto a um dos túmulos recentes e ali ficou. Não importava mais onde exatamente estava o pai. Bastava saber que estava ali, sob a terra, com seus companheiros, tornando-se um deus que ressuscitaria e puniria os soldados.

    Quando retornou, faltava pouco para o toque de recolher e já havia anoitecido. Aproximou-se de sua casa. Não havia luz nem fumaça na chaminé. A porta estava fechada. As janelas e portas das casas vizinhas também estavam fechadas. Havia um veiculo militar parado não muito longe.

    — Bezoto, venha para cá! Fica conosco! — convidou uma mulher, entreabrindo a porta de sua casa.

    O menino estranhou o convite. Olhou na direção de sua casa. A mulher insistiu para que ele entrasse. Ele olhou o veículo militar. Viu o medo e a resignação nos olhos da mulher à porta entreaberta. Correu, então, para sua casa.

    A porta trancada não era empecilho. Havia algumas tábuas soltas sob a janela de seu quarto. Por ali entrava sempre que se demorava na rua. Por ali passavam os amigos de seu pai para as reuniões.

    Na escuridão, o garoto ouviu o barulho de luta, o ranger da casa no quarto da mãe, as pragas e palavrões de um homem. Avançou até a porta. Divisou o vulto uniformizado debatendo-se sobre o corpo de sua mãe. Ouviu o ruído de roupas sendo rasgadas.

    — Mãe! — chamou assustado.

    — Cai fora, pirralho! — berrou o soldado, sem interromper seu ataque.

    As viúvas dos rebeldes, por um acordo tácito entre os soldados, se transformavam em mulheres livres.

    — Saia, Bezoto! Fuja daqui! — gritou-lhe a mãe, sufocada e aflita.

    Por momentos o menino ficou estático. Depois recuou até uma parede da sala. Ajoelhou-se, tateando à procura da tábua solta no assoalho. Ergueu-a. Meteu a mão na abertura e firmou seus dedos magros ao redor do cabo de um machete. Brandiu a longa e afiada lâmina. Pareceu-lhe ouvir a voz do pai ensinando os recrutas a melhor maneira de usar aquela arma.

    Era preciso atacar de surpresa e golpear na base da nuca. Firmou o facão com as duas mãos. Caminhou decididamente. O coração pulava no peito. Qualquer coisa estalou na cama. A mulher gemeu mais alto, depois silenciou. O soldado também gemeu, depois começou a mover o corpo, enquanto erguia a cabeça e murmurava palavras que Bezoto não entendia.

    O golpe foi rápido, preciso e violento. A cabeça do soldado pendeu para frente e um jarro de sangue deslizou borbulhante. Estrebuchou. Bezoto deixou cair o facão e se inclinou para empurrá-lo da cama.

    Apalpou o corpo da mãe, sem saber se aquele sangue morno que o banhava era dela ou do soldado. Ela permaneceu imóvel. Ele empurrou o soldado. Debruçou-se, pondo o ouvido sobre o peito da mulher. Nada ouvia. Sua mãe estava morta. A cabeça retorcida olhava um ponto indefinido na escuridão. O menino recuou assustado. Começou a chorar.

    Ficou ali, perdido, sem saber o que fazer, até ouvir as vozes dos soldados e pancadas na porta. Eles riam, zombando da demora do companheiro que sabiam estar ali. Bezoto correu para o seu quarto e escapou para o lado de fora agilmente.

    Escondeu-se atrás de uns arbustos. Ouviu a porta ser arrombada e a agitação dos soldados ao descobrirem o companheiro morto.

    Correu, então, para a casa de um dos amigos do pai. Foi recebido medrosamente. Contou o que havia ocorrido.

    — Você tem de ir embora, Bezoto. Tem de fugir. Conhece a trilha que começa atrás do cemitério?

    — A trilha dos rebeldes? — retrucou o menino.

    — Sim, essa mesma. Como sabe dela?

    — Meu pai me ensinou. Disse que, se eu precisasse um dia, era só ir por ela na direção dos morros.

    — Muito bem, Bezoto. Seu pai era um bom homem e muito sábio também. Tome aquela trilha e vá por ela. Ande muito. Não pare. Vá sempre em frente, não importa quantos dias tenha de andar. Procure por Raimundo. Ele o ajudará. Agora tem de ir, antes que os soldados do governo comecem a procurá-lo. Vou lhe arrumar o que comer. Não será muito, mas é o que podemos arrumar. Na selva você encontrará mais comida.

    Bezoto sentou-se a um canto, olhando alheiamente as sombras que se moviam na obscuridade da casa, preparando sua fuga.

    Sabia que iria embora e depois as tropas chegariam e os casebres seriam vasculhados, repetindo-se as mesmas cenas extremas que marcavam a vida daquele povo tiranizado por um governo ditatorial.

    D:\- EBOOKS\MY BOOKS\NOVELAS POLICIAIS\CACADOR IMPLACAVEL\002.jpg

    Fora uma longa corrida contra o medo, quase um pesadelo vivo, com imagens atormentadoras torturando seu cérebro e sombras uniformizadas perseguindo-o pela trilha da selva, aprofundando-se mais e mais no coração do país, buscando Raimundo.

    Este nome era uma lembrança muito viva em sua mente. Seu pai muito lhe falara a respeito de um dos comandantes mais conhecidos e respeitados da guerrilha na selva.

    Bezoto não sabia mais havia quanto tempo estava na selva. Amanhecia mais um dia. A região era estranha. Árvores altas e sombrias abrigavam pássaros agitados.

    Ele caiu junto a um tronco, sem forças. Bebeu um pouco de água que trazia no cantil de madeira, depois fechou os olhos por instantes. Precisava seguir em frente, mas estava cansado demais para isso. Correra toda a madrugada, aproveitando a luz da lua.

    Estendeu as pernas. Notou os vergões e os ferimentos provocados pelas plantas rasteiras e pelos espinheiros. O sangue coagulado lembrava traços de chicotadas.

    Bezoto lutou para manter os olhos abertos, mas cedeu ao cansaço, adormecendo. Seu sono foi perturbado por pesadelos cheios de tinir de metais, de ordens secas e disparos.

    Acordou sobressaltado, apertando o cantil. Olhou aturdido ao seu redor. Por instantes ficou atento. O silencio era incomum e perturbador. Observou as copas das árvores. Os pássaros haviam sumido.

    Próximo dali, galhos estalaram, denunciando o avanço de botas pesadas. Recusou na direção oposta. Começou a correr. Um braço estendeu-se, agarrando-o pelo pescoço e puxando-o para dentro de uma moita de arbustos.

    Antes que pudesse gritar ou esboçar qualquer reação, a mão forte pousou sobre sua boca, comprimindo-a e ameaçando-o. Seus olhos esbulhados fitaram o rosto do negro que levou o indicador nos lábios, ordenando silencio.

    — Quietinho agora — ordenou o homem, retirando a mão que cobria a boca do menino.

    Bezoto equilibrou os cotovelos para encará-lo com profundo respeito. Aquele rosto autoritário e severo esboçou um sorriso de camaradagem, depois se voltou para frente.

    — Sabe usar isto? — indagou, sem olhá-lo, após sacar um revolver de pequeno calibre de seu coturno e estendê-lo para o garoto.

    — Sim — mentiu Bezoto.

    Manuseara armas como aquela muitas vezes, durante as reuniões, mas jamais dispara um tiro em sua vida. Não quis, porém, admitir isso.

    Empunhou a arma, sentindo um estranho fascínio em tocar suas formas anatômicas, em deslizar o polegar sobre o cão e enroscar o indicador no gatilho.

    Ouviu novamente o ruído de gravetos quebrando e olhou para frente. Um soldado avançava cautelosamente, sondando os arredores. Parou por instantes, depois fez um sinal com a arma. Outros surgiram atrás dele, de armas abaixadas, demonstrando cansaço.

    — Vamos parar um pouco e descansar — falou um jovem oficial, comandante da patrulha, sentando-se sobre um tronco e descansando sua metralhadora nos joelhos.

    Tirou um maço de cigarros do bolso. Apanhou um e levou-o aos lábios, rolando-o de um lado para outro, antes de acendê-lo. Os outros soldados, não mais de meia dúzia, espalharam-se, estendendo-se de encontro aos troncos das árvores.

    — Estou louco para tomar um café — falou um deles.

    — Se acender uma fogueira estamos fritos — disse outro.

    — Eu tomaria um café frio, se fosse o caso.

    Bezoto olhava atentamente aquele cenário. Uns vinte guerrilheiros apontavam suas armas na direção dos soldados. O homem ao seu lado sorriu, depois apontou sua metralhadora.

    O garoto o imitou, puxando lentamente o cão da arma, até ouvir o estalido metálico.

    Tudo aconteceu numa fração de segundos. Os soldados ergueram as cabeças. Bezoto firmou a arma com as duas mãos, mirando o oficial. Acertar-se-ia ou não, pouco importava. Decidira que ceifaria o tronco, sempre que possível.

    A metralhadora do negro ao seu lado disparou. O garoto fechou os olhos e apertou o gatilho. Quando os abriu de novo, o oficial rodopiava, mostrando a jaqueta manchada de sangue.

    — Acertei! — murmurou o garoto. — Acertei! Pai! Acertei ele!

    Os guerrilheiros gritavam, assim que o espocar das armas cessou. Correram até onde estavam os cadáveres, chutando-os com profundo ódio, disparando tiros de misericórdia nas cabeças dos moribundos.

    Bezoto ficou imóvel, observando aquela trágica cena. Sentia que tinha atingido o oficial, mas não tinha coragem suficiente para ir se certificar disso.

    Tudo que pudesse ser aproveitado foi tirado dos soldados, de armas e coturnos. O comandante se aproximou e fez o garoto caminhar até o meio dos outros. O menino os olhou. Alguns eram tão jovens quanto ele e empunhavam pesadas armas automáticas. Todos traziam baionetas nos cintos e um deles exibia orgulhosamente uma granada, presa a um grampo à altura do peito.

    — Quem é você? — indagou o comandante.

    — Bezoto... Filho de Oburo!

    — O que faz por aqui?

    — Conhece Raimundo?

    — Sim, por que pergunta?

    — Eu o procuro...

    — Para quê?

    — Para ele me ajudar... Só ele pode. Matei um soldado. Meu pai e minha mãe foram mortos. Eu... — hesitou ele, incapaz de continuar.

    Um soluço travou-lhe a voz e lágrimas encheram seus olhos. Um dos homens se aproximou, examinando-o.

    — É realmente o filho de Oburo. Estive em sua casa. Seu pai foi executado há algumas semanas, na crucificação em massa. Era um homem valioso para o nosso movimento. Mas não me lembro da morte de sua mãe. Como foi isso? — indagou a Bezoto.

    Ele contou, então, como cortara a cabeça do soldado e como fugira, correndo dia e noite pela trilha da selva. Quando terminou olhou apreensivamente para o comandante.

    — Vai me levar até Raimundo? — indagou.

    — Sim, vou levá-lo — respondeu o comandante. — Agora vamos sair daqui. Essa patrulha desgarrada vai atrair um batalhão quando perceberem sua ausência.

    Bezoto estendeu a arma para o homem a sua frente.

    — Fique com ela. Você a mereceu.

    O garoto olhou a arma com orgulho. Apertou-a nas mãos. Pensou no tiro e no corpo do oficial rodopiando.

    Começava a tomar gosto pela caça.

    D:\- EBOOKS\MY BOOKS\NOVELAS POLICIAIS\CACADOR IMPLACAVEL\inter.jpg

    Nos meses que se seguiram, Bezoto participou da guerrilha, servindo inicialmente como elemento de ligação entre os guerrilheiros na selva e os contatos na cidade, encarregados de acompanhar a movimentação das tropas.

    A guerra em si não o atraía. Várias vezes havia sido convidado a empunhar armas, mas recusara em todas as oportunidades. Era-lhe mais interessante estudar a selva, aprender seus segredos, caminhando em silêncio no meio dos pássaros, evitando as patrulhas que se tornavam cada vez mais raras.

    Tornou-se frio e audacioso. Às vezes ocultava-se, observando a passagem dos soldados, ciente de que poderia matar qualquer um deles quando quisesse.

    Mas eles eram apenas galhos de uma árvore ruim. Poderia cortá-los todos, mas eles cresceriam de novo, enquanto o tronco não fosse exterminado.

    Os guerrilheiros avançavam, ameaçando cercar a capital, onde o governo concentrava forças, tornando o ataque direto algo muito controvertido.

    Bezoto aprovava um ataque maciço e frontal. Era a única forma de decepar o tronco definitivamente. Enquanto isso não acontecia, ele continuava servindo de correio.

    Sempre que

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