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Era uma vez em Ribeirão da Mata: Fragmentos do Regime Militar
Era uma vez em Ribeirão da Mata: Fragmentos do Regime Militar
Era uma vez em Ribeirão da Mata: Fragmentos do Regime Militar
E-book133 páginas1 hora

Era uma vez em Ribeirão da Mata: Fragmentos do Regime Militar

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Sobre este e-book

Após uma noite de autógrafos de seu último livro André Torres chega de madrugada em seu apartamento e enquanto bebericava um whisky, uma nuvem de fragmentos de sua estória de vida começa a aflorar. Sua infância e adolescência se fundem e misturam alegria e tristeza com o rumo dos acontecimentos. Por momentos se sentiu em uma sala de espera onde a qualquer momento uma porta se abre e outra se fecha e assim sucessivamente. Resolve elaborar um novo livro, ali mesmo, naquela madrugada. Passou parte da infância e da adolescência em Ribeirão da Mata onde seus tios moravam e tinham uma farmácia. Conviveu com o Destacamento de Operações Militares Especiais do Exército – DOMEX no regime militar. É nesse período que a estória se desenvolve entre ficção e realidade.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento31 de ago. de 2022
ISBN9781526053596
Era uma vez em Ribeirão da Mata: Fragmentos do Regime Militar
Autor

Carlos Quintal

Paulistano nascido nos anos 50, ao longo da vida viveu cercado de ilusões criadas, muitas vezes amadas. Desde pequeno a escrita sempre foi uma das suas loucuras e crenças para encontrar rumos na vida. Alguém que pelas palavras consegue interpretar vários estados de espírito, pois como disse Rousseau, infeliz é o homem que não muda. Através de seus personagens, por vezes vive vidas que não foram suas ou que poderiam ser.

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    Era uma vez em Ribeirão da Mata - Carlos Quintal

    cover.jpg

    Eram quase três horas da manhã quando o taxi estacionou diante do velho edifício próximo à Santa Casa em São Paulo. André Torres abriu a porta de seu apartamento e dirigiu-se à pequena sala. Abriu um pouco a janela para poder observar a rua e encostou a cabeça no vidro, ainda úmido pela chuva fina que caia. Apenas sirenes aflitas interrompiam o silêncio que se mantinha naquela madrugada de sábado. Fugia seu olhar ao redor das imagens que se formavam na janela através dos círculos que desenhava com as mãos para enxergar melhor, enquanto vislumbrava a chegada dos primeiros jornais e dos últimos personagens da madrugada, em busca de suas moradas, ligeiros ou trôpegos pelas últimas taças.

    Ainda sem sono dirigiu-se ao quarto ao lado da sala onde havia feito seu escritório e canto do pensamento como dizia aos amigos que o visitavam. Uma velha escrivaninha de madeira, companheira e cúmplice, um porta retrato com uma foto amarelada em que aparece junto com seu cachorro, James Bond, falecido há anos. Ao redor uma antiga máquina de escrever. São as poucas lembranças de um passado que ainda guarda consigo. Só em seus pensamentos abriu uma garrafa de whisky e começou a bebericar.

    Sempre gostei dessa estação. Minha estação favorita. No outono as pessoas deviam se comportar como as folhas. Caindo e se renovando. No outono as almas trocam de posição. A renovação da vida acontece no outono. Do descontentamento nasce a rebeldia. Da rebeldia nascem as mudanças.

    André passara a noite em uma livraria para autografar seu último livro denominado Sala de Espera. A cada gole de whisky, pensamentos fragmentados afloravam do passado. Os guerrilheiros dos nossos sonhos estão envelhecidos e sem compromisso com o passado. Quão românticos fomos. Estou assustado com o rumo das coisas. Todos os livros que escrevi falam de lutas, ideias, vidas de outono. Meus personagens nada mais podem fazer. Boris, Alonso, Alice, Pablo, Ivan e tantos outros emudecem dentro das páginas. Lembro-me do Ettore Scala e seu filme, Nós que amávamos tanto a revolução. Certa vez li uma crônica do Roberto Drummond em um jornal de São Paulo, dizia mais ou menos assim em seu final, Lamento muito ter que informar que neste exato momento, enquanto Elba Ramalho canta na loja de discos e o Brasil parece feliz, uma moça brasileira acaba de morrer, deitada na perna do pai, mas se sentindo uma flor, uma rara flor do Brasil. A derrubada do muro de Berlim. Cada pedra destruída explodiu um sonho. Velhas e cinzentas chaminés pouco a pouco se despertarão para o ocidente. Muitos não suportarão a orfandade. Tudo na vida parece ser uma imensa sala de espera onde a qualquer momento portas se abrem e portas se fecham.

    André nasceu em 1950 de uma família de classe média que morava nos Campos Elísios. Era filho único. Seu pai era professor de matemática em escola pública e sua mãe era química em um laboratório de essência de perfumes. Sua mãe, Aurora, era considerada uma mulher acima de seu tempo. Insistiu com a família em fazer faculdade ao invés de casar logo e cursou química, sua paixão desde os tempos do colégio. Era a única mulher em uma turma de quarenta homens. Só vinte e três acabaram se formando e Aurora em primeiro lugar. Logo após a formatura foi contratada por um laboratório francês.

    Seu pai dava aulas de matemática em um colégio público situado na Praça da República reconhecido como um dos melhores colégios de São Paulo. O casal era muito convidado para as festas das famílias paulistanas mais pelo prestígio que alcançaram do que pelas origens familiares. Lineu era filho de alfaiates italianos e Aurora de portugueses donos de uma loja de doces. Os pais de Aurora já na década de trinta tinham quatro filiais e uma frota de nove peruas de entrega. A irmã de Aurora era enfermeira formada pela Cruz Vermelha e morava em Ribeirão da Mata, no sul de Minas Gerais. Trabalhava no hospital municipal e seu marido era dono de uma das três farmácias da cidade. Por sinal, a maior e com mais variedade de remédios. Nas férias escolares André ia para Ribeirão da Mata e ficava na casa dos tios. Ora ajudava o tio na farmácia ora arrumava novos amigos ou cultivava os amigos das férias anteriores. Até os quase dez anos ia com seus pais visitar os tios quando a oportunidade surgia. Começou a gostar de Ribeirão da Mata nessa idade quando fez uma boa turma para jogar futebol em um terreno quase ao lado da casa dos tios. Já mais velho ia sozinho e lá passava boa parte das férias escolares até o falecimento dos tios que não tinham filhos.

    Um belo dia, já com pouco mais de trinta anos, jornalista de um grande jornal paulista, resolveu participar de um concurso literário promovido pela Biblioteca Nacional. Com um segundo lugar e menções honrosas André não hesitou. Eu sou escritor.

    1

    São quase seis horas da tarde e o sol já se escondia aguardando a lua assumir sua posição em Ribeirão da Mata, interior de Minas Gerais, cidade próxima à divisa com o Estado do Rio de Janeiro. Estudantes passeiam pela praça principal da cidade, uns ainda com as roupas escolares, outros com roupas esportivas e outros querendo lançar novas mensagens em suas roupas coloridas. A maioria costuma parar na Sorveteria do Pereira e saborear o melhor sorvete da cidade no calor que a cada dia vem marcando presença na primavera e sinalizando como será o verão.

    Rodrigo caminha pela praça e cumprimenta um grupo de estudantes seus alunos na escola municipal. Ao acabar seu expediente na escola, uma vez ou outra vai visitar a casa da Tia Antônia que está à venda para verificar se está tudo em ordem.

    A casa da tia Antônia está à venda há um bom tempo. Com uma pequena chave abre a porta ao lado do enferrujado portão central para adentrar em um passado não muito distante que um dia frequentou. Andava pelos corredores e quartos da casa sempre atento se alguém ou algum corretor chegasse com um cliente. Um dia achou uma velha garrafa de vinho fechada e algumas taças. Desde esse dia, quando lá ia, tomava uns goles. Um velho quadro de um homem montado em um cavalo, em uma grande planície em segundo plano, ainda estava em um dos quartos. Diante do quadro do velho barão absorvia o último gole de vinho de uma taça amarelada pelo tempo.

    Envolvido em seus pensamentos, ouve um barulho como se fosse uma porta se abrindo e se arrastando sobre o assoalho. Rapidamente avança em direção ao corredor, na direção do barulho que pensou ter ouvido. Percebe a porta se abrir lentamente e um vozerio bem baixinho do lado de fora. Quem poderia ser?

    Foi sorte a porta lateral estar encostada.

    Para de falar e arrasta logo esse saco.

    Onde vamos largar?

    Sei lá, vai arrastando, ali, olha, tem uma escada, vamos até lá.

    Já no andar de cima soltaram as mãos para um rápido descanso enquanto Rodrigo, do outro lado do corredor, não se atrevia nem a dar uma olhadinha quanto menos dar um passo.

    Vai, chega de conversa, abre essa porta.

    Olha, é um grande quarto! Tem uma cama lá no canto. Vamos leva-lo e por debaixo da cama.

    Pronto, vamos embora antes que venha alguém.

    Espera, acho que ouvi um barulho na madeira.

    Deve ser um rato.

    Ouvi de novo. Deve ter mais alguém por aqui. Vamos ver no fim do corredor. Vamos devagar.

    Precavido e sem fazer qualquer ruído, Rodrigo se dirigiu até a outra escada que dava para a cozinha e os fundos da casa. Com medo de fazer algum barulho desceu cuidadosamente. No meio da escada resolveu tirar os sapatos. Descalço, acelerou seus passos em direção ao pomar. Agachou-se entre os laranjais e rastejou até o muro do vizinho detrás. Olhou para trás e como não viu ninguém, de um salto alcançou o alto do muro e pulou para o vizinho. Não vendo movimentação na casa caminhou até o portão, alcançou a calçada e correu uns dois quarteirões. Encostou-se a um poste e só nesse momento percebeu que estava descalço. Desceu a rua e chegou à sua casa com os pés machucados.

    Olha, outra escada, vamos.

    Tem uma botina ali no

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