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As pessoas dos livros
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E-book136 páginas2 horas

As pessoas dos livros

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Sobre este e-book

Para Amanda Ayd, as palavras têm mais valor do que qualquer ação. É nas palavras que ela encontra sustento, sanidade e prazer. Depois de uma aclamada estréia na literatura, Amanda firmou-se como uma das romancistas mais promissoras de sua geração. Com ímpeto e fôlego de sobra, em apenas um ano escreveu dois novos livros, sendo todos muito bem recebidos.

Amanda trabalha obsessivamente em sua obra e acredita que a literatura é a vida aperfeiçoada, livre da banalidade. Porém, um debut glorioso pode ser uma das armadilhas mais cruéis para um artista. Quando o editor que antes a incensava rejeita o livro que ela acaba de concluir, Amanda inicia um longo processo de queda que transformará sua arte e também sua vida. Para completar, sua primeira grande decepção no mundo dos livros acontece simultaneamente à descoberta da traição do marido. Diante de tudo isso, é natural que Amanda busque mais do que nunca o auxílio das palavras em cartas e poemas escritos com os sentimentos à flor da pele.

Fernanda Young reflete sobre o universo literário e suas idiossincrasias, um ecossistema particular formado por autores, editores, leitores e críticos. Misturando narrativas que vão surgindo por dentro do enredo principal, Fernanda reproduz o calvário de uma devotada ficcionista diante da perda de controle sobre a realidade.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento12 de ago. de 2011
ISBN9788564126640
As pessoas dos livros

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    As pessoas dos livros - Fernanda Young

    AS PESSOAS DOS LIVROS

    Fernanda Young

    Copyright © 2000, 2011 by Fernanda Young

    Direitos desta edição reservados à

    EDITORA ROCCO LTDA.

    Av. Presidente Wilson, 231 – 8º andar

    20030-021 – Rio de Janeiro, RJ

    Tel.: (21) 3525-2000 – Fax: (21) 3525-2001

    rocco@rocco.com.br

    www.rocco.com.br

    Conversão para E-book

    Freitas Bastos

    CIP-Brasil. Catalogação na fonte.

    Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.

    Y68p

    Young, Fernanda, 1970-.

    As pessoas dos livros [recurso eletrônico] / Fernanda Young. – Rio de Janeiro: Rocco Digital, 2011.

    recurso digital

    Formato: PDF e e-Pub

    Requisitos do sistema: Windows XP ou MAC

    Modo de acesso: Adobe Digital Editions 

    ISBN 978-85-64126-64-0 (recurso eletrônico)

    1. Romance brasileiro. 2. Livros eletrônicos. I. Título.

    11-3210                     CDD-869.93                     CDU-821.134.3(81)-3

    A ideia da morte purifica e desempenha a função do jardineiro, que arranca as ervas daninhas do seu jardim. Mas esse jardim quer sempre estar sozinho e se aborrece se os curiosos olharem por cima do seu muro. Também eu escondo a minha figura por detrás da minha sombrinha e do meu leque, para que a ideia da morte se possa desenvolver tranquilamente dentro de mim.

    Sissi, a Imperatriz

    A conclusão é: todos têm o mundo aos seus pés. Têm. Pisa-se e no que se pisa é mundo. Poucos, sim, são os que têm essa noção; os poucos que poderão se tornar os eternos. Que vão deixar marcas das suas passagens na calçada. Mas todos, até os da mais baixa autoestima, dormem o sonho individual do ser. Ser alguma coisa no mundo – por que alguns não conseguem? Não, todos conseguem. Ser é fácil. Não existe quem deixe de ter a sua linhazinha traçada no gráfico do simplesmente existir, tornando-se alguém mesmo que sendo ninguém. E a vida, ora porras, é tão somente isso, ser uma coisa, qualquer coisa, um merda, um merdinha. Um otário qualquer que se acredita sedutor. Que se sabe um nada e se diz bom de cama. Pois inclusive esse otário pisa no mundo. A Terra é tão linda e tão azul e redonda e brilhante, e esse conquistador barato esfrega as solas dos sapatos em sua pele. Suave pele de cimento, de pedras portuguesas, de barro, de piche.

    – Nem todo mundo merecia ter aos pés o mundo.

    Um bar cheio de gente. Um lugarzinho abarrotado de seres alguma-coisa. Aqui em São Paulo é assim; neste bar especialmente. Uma quantidade incalculável de designers, publicitários, estilistas, músicos, experts, colecionadores. O ser tentando ser, sem que nunca seja tão simples. E também é sobre isso o livro: a absoluta não simplicidade de conduzir o corpo, o próprio corpo, pela trajetória da apenas existência. Mesmo tema, repetitivo assunto de todas as minhas histórias, única matéria-prima, da qual tiro a sobrevivência, meu amor e meu ódio: o velho ser humano. Quem quer todas as notas, ré, mi, fá, sol, lá, si, dó, fica sempre sem nenhuma. Assim sendo, lá vamos nós novamente. Juntos. Palavras e leitor. Você. Livre para não gostar daquilo que lê. Livre do dever de ler-me até o fim. São sobre você todas estas páginas. Se não quiser continuar o caminho, aproveite agora, feche o livro. Saiba, porém, que preciso de você. Eu escrevi para você. Na noite de segunda-feira, neste instante 9:47 de um dia frio, de final de julho, quando, sentada diante da tela, branca como um papel, e com toda a vontade de chorar, escrevi estes primeiros parágrafos. Igual a você, neste agora que já é futuro, eu também não sabia onde ia dar. Um maço de folhas, cheias de palavras impressas. Ainda não maço, ainda nem folhas, ainda sequer palavras. Mas é que eu tinha que escrever, entende? Então, 9:51, com os olhos inflados como uns barbapapas, comecei esta história. Sabendo que a última chance de continuar com os pés no chão é inventando outros chãos para mim. Inventando, leia-se escrevendo. Escrevendo e agarrando com os dentes minha improvável lucidez. 9:54. A única saída é a continuidade. 9:56.

    Quase dez da noite e todos, no tal bar em São Paulo, têm, aos seus pés, o mundo e, às suas frentes, os drinques. Nenhum deles está acima ou abaixo do tom, ninguém disse uma só barbaridade até agora. Todos bem. Aliviados por terem, nos copos, antigas fórmulas de aniquilar temores. Que maravilha é o álcool, que maravilha são as drogas. Quatro pessoas que falam entre goles. Goles decididos, de líquidos contundentemente gelados e fortes. Três homens e uma mulher. Dois publicitários. Um designer. Uma modelo. Mais alguns e a mesa estará completa. Alguns que, enquanto os quatro aguardam, trocam ideias; procurando dessa forma acelerar o bem-vindo estado da embriaguez necessária.

    – Vamos falar mal de quem?

    – Da mesma pessoa de sempre.

    – Não tem mais graça.

    – É, não tem.

    – Temos que falar mal de alguém de que a gente goste.

    – Quem?

    – Eu sei.

    – Eu também.

    – Quem?

    – Ah, não posso dizer.

    – Eu sei.

    – Dá uma pista.

    – Eu não.

    – Começa com que letra?

    – Aí é fácil.

    – A letra é do início, do fim ou do meio do alfabeto?

    – Fim.

    – Sandro?

    – Não.

    – Que saco.

    Outro bar. Este não mais em São Paulo, mas em Nova York. West Broadway. Dois amigos encostados no balcão. Um mora lá, o outro está só de visita. Um, músico. O outro, recém-separado em crise profissional.

    – Ela lê biografias.

    – Ela e milhões de pessoas.

    – Você não entende...

    – Você está apaixonado, é só.

    – Não! Ela leu a biografia de Roger Vadim, sobre as suas três mulheres. Só eu e ela que lemos esta merda no planeta inteiro, eu tenho certeza.

    – Você está delirando, cara.

    I

    Não me recordo exatamente de como ele era. Gosto de chuva, poupa lágrimas. Não, não é isso. Não lembro ao certo, e ao certo significa um mundo quando se trata de um verso. Mas devia ser alguma coisa assim. Ou não. Talvez: gosto de lágrimas, hoje não chove. Hoje chove. Tento então imaginá-la, ainda com aqueles mesmos olhos de quem está sempre com vontade de chorar. Tento e não consigo e não me conformo em não conseguir. É triste esquecer-se de um poema escrito por você, quando se desconfia que jamais se escreverá outro. É triste demais não se esquecer de vez, sem se lembrar totalmente, de um amor perdido. Amor perdido, entenda-se, não qualquer grande afeto; não por um irmão, e, ora bolas, é tenebroso perder um irmão, deixar de falar com um pai, desprezar uma mãe, negar um filho, mas estou falando de um amor raro, desses que por pouco não acontecem. E comigo aconteceu. Aconteceu. Eu não posso descrever a sensação disso, de como me sinto eleito, sorteado, o escolhido e o idiota, escroto, burro, merda, sujeitinho merda, pecador. É tão sofisticado o sorriso besta que carrego na cara. Porque vesti essa expressão que faz de mim um canastrão charmoso, um tipo detetive-Chandler, soturno e beberrão, que passeia pelos calçadões olhando para meninas que poderiam ser suas filhas; e, no entanto, não possui a emoção mais remota que justificasse uma punheta secreta no chuveiro do clube. Esse sou eu. Um alcoólatra. Olha, não digo que sou um alcoólatra na ilusão de que me destruo, pois tenho uma mente idealista e sofro com o desaparecimento do socialismo e a derrocada de Cuba. Ou, no mínimo, eu poderia ser um cara que fica em frente à praia bebendo cerveja com pinga até as cinco da tarde, depois uísque até dez da noite, rindo das caricaturas dos jornais, compondo um sambinha, repassando um pó. Porém, sequer uma cirrose me aguarda, apenas li que existem 75 tipos de alcoolismo e deduzi que era alcoólatra. Qualquer pessoa não abstêmia deverá ser um. Cabe-me, portanto, esse Post-it na testa, alcoólatra, mesmo que minha covardia não me deixe beber mais que 15 drinques por semana. Avalie, 15 drinques por semana não fazem de ninguém um desgraçado hepático. Tsi, não quero reclamar nem mais um adjetivo, mas sou tão envolvente que fumo Minister, registrando a minha coragem contra os lembretes do Ministério da Saúde. Uma guerrilha de ideologia estúpida, pela liberdade de se matar até a morte. Mesmo assim fumo no máximo três cigarros por dia, e está provado que qualquer pessoa que trabalhe num ambiente fechado, junto com fumantes reais, fuma indiretamente quatro. E eu não trabalho em ambiente fechado. A bem da verdade, eu não trabalho em ambiente algum, eu engano; contratado como intelectual burocrático numa bocada da biblioteca estadual. Portanto, a única coisa que tive de bom, aquilo que me fazia ser um pouco melhor que os outros, foi ter sido amado por esse amor, há muito perdido, esparsamente lembrado.

    Trecho do quarto romance de Amanda Ayd. Já ouviu falar? Uma moça bonita; por isso tantos desconfiam dela. O primeiro livro foi uma surpresa para todos; começando pela editora, que não entendeu como recebeu pelo correio um manuscrito tão improvável – é por demais romântica a ideia de receber em sua mesa uma boa obra, empacotada para ser descoberta, é como se achar um gênio da comédia fazendo mímica na rua, reconhecer um virtuoso do pincel na feirinha da praia de Copacabana. O romance foi editado em menos de dois meses e teve boa vendagem. Não chegou a cobrir os custos – os anúncios nos cadernos literários, os exemplares grátis para críticos e jornalistas, os coquetéis das noites de autógrafos, as fotos para divulgação –, mas a moça prometia. Aí veio outro romance. Amanda fez questão de entregá-lo pessoalmente ao editor. Homem das letras. Que previu o impacto que seria lançar, em tão curto espaço de tempo, mais um título dessa garota surgida do nada. Ele sabe das coisas. Tudo muito improvável, como já foi dito. Não estamos na década de 1920, quando os editores cuidavam das bebedeiras de seus autores. Também não há qualquer indicação cultural ou

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