Negócios jurídicos processuais atípicos: possibilidades, limites e controle
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Sobre este e-book
De forma clara e objetiva, tal estudo parte do anseio de se estabelecer uma estrutura minimamente previsível das hipóteses de controle e das possibilidades de aplicação das convenções processuais, já que, certamente, serão frequentes as afirmações de abusividade pela parte supostamente prejudicada.
Impulsionados pelas necessidades de seu tempo, os negócios processuais atípicos ganham entusiastas, e têm o condão de tornar a prestação jurisdicional efetiva. Dominar tal ferramenta trará vantagens estratégicas inigualáveis aos seus adeptos.
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Negócios jurídicos processuais atípicos - Herbert Correa Barros
1 INTRODUÇÃO
O Código de Processo Civil de 2015 traz, em sua substância, o esforço cooperativo em harmonizar a segurança jurídica do publicismo com a dilatação do poder de autorregramento das regras procedimentais. Não se trata apenas do consentimento típico, mas sim da expressão de liberdade disposta pela cláusula aberta no art. 190 do CPC, a qual oportuniza o exercício criativo das partes a fim de adequar o procedimento ao interesse destas.
Tal instituto jurídico também surge do anseio pelo estímulo à resolução de conflitos por autocomposição. Nota-se, aliás, que todo CPC/2015 é estruturado nesse sentido. Assim, a indicação expressa do princípio da cooperação no (art. 6º do CPC/2015) evidencia o intento pela valorização da vontade no processo e a ruptura com um modelo pretérito que enclausurava as partes a um procedimento pouco resolutivo.
Por outro lado, diante da fratura com o paradigma publicista do Estado regulamentador do procedimento, mostra-se necessária uma reflexão profunda sobre os limites de autorregulamentação processual atípica, a fim de que se possa estabelecer uma superfície segura para sustentação das infindáveis possibilidades do instituto.
Dessa forma, evidencia-se uma superação legislativa ao dogma da irrelevância da vontade na regulamentação processual, a qual tem sido vagarosamente convalidada com a efetiva adesão pela comunidade jurídica.
No decorrer do trabalho, pode-se observar que os negócios jurídicos processuais não são recentes, contudo, optou-se por indicar autores modernos e contemporâneos, destacando autores brasileiros como Antonio do Passo Cabral, Pedro Henrique Pedrosa Nogueira, José Miguel Garcia Medina, Adriano Consentino Cordeiro, Fredie Didier Jr. e outros.
O tema mostra-se como grande desafio para a doutrina, especialmente no que tange à identificação de limites para as convenções, já que a liberdade das partes, os poderes de instrução e deveres do juiz devem coexistir harmonicamente em prol da resolução do conflito. Ainda assim, se atendidas as cautelas necessárias, perseverando o princípio da boa-fé e da cooperação, é possível a coexistência de procedimentos típicos e atípicos.
Nesse sentido, o presente trabalho tem por objetivo indicar balizas de controle dos negócios jurídicos processuais atípicos, partindo-se de uma premissa de conservação das convenções, a qual é tratada por outros autores como a máxima in dubio pro libertate
.
Assim, quanto à primeira baliza de controle, optou-se pela análise de legalidade da convenção, considerando-se pressupostos oriundos da interlocução com o direito material. Num segundo momento, definiu-se como baliza de controle os parâmetros relacionados à igualdade e ao equilíbrio processual. Entre eles está a plena compreensão dos efeitos da convenção, equilíbrio do poder de barganha na negociação e a proporcionalidade entre ganhos e perdas. Por fim, a ordem processual figura como baliza terminativa de controle da convenção atípica, a fim de garantir que o propósito do processo e da jurisdição seja atingido.
Posteriormente, diante da importância da temática, foi necessário trazer inúmeras hipóteses de aplicabilidade e restrição, destacando as áreas que serão maciçamente afetadas.
Portanto, propõe-se apresentar estruturação mínima de solução ao controle dos negócios processuais atípicos, demonstrando possibilidades e limites em áreas específicas do cotidiano forense.
A metodologia para desenvolvimento deste estudo contou com pesquisa bibliográfica, incluindo autores nacionais e estrangeiros, e análise de enunciados de eventos de estudo do novo Código de Processo Civil, além de algumas decisões judiciais recentes que demonstram a multiplicação do uso do referido instituto.
É importante destacar que não se trata de tema estático, já que a cláusula geral de negociação processual proporcionará amplo exercício jurídico criativo, e provavelmente as discussões ganharão novos contornos no futuro.
De todo modo, o presente trabalho carrega em seu íntimo o anseio pelo plano prático
e, também, o sincero desejo de propagação das práticas de negociação processual atípica, a fim de que tal instituto seja instrumento fomentador da autocomposição e da pacificação social.
2 NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS ATÍPICOS
2.1 HISTÓRICO E DESENVOLVIMENTO
2.1.1. Da dicotomia entre o privatismo e o publicismo processual
Ao se tratar de negócios jurídicos processuais, inicialmente se faz necessário resgatar a origem e os limites da autonomia privada no decorrer da história, em especial no ambiente jurídico. Observa-se, nesse sentido, que tal discussão habita a dicotomia entre o privatismo e o publicismo processual, os quais também são fortemente influenciados pelo período histórico vivenciado (BARREIROS, 2016, p. 96). Nota-se, assim, que
a concepção privatista do processo, representada, precipuamente, no modelo processual adversarial clássico, coaduna-se com a ideologia liberal, cujas características principais residem na valorização da liberdade individual e na defesa de uma menor intervenção do Estado na autonomia privada (BARREIROS, 2016, p. 96).
Desse modo, segundo a concepção privatista, há maior protagonismo da vontade das partes no procedimento, sendo sua vontade determinante na condução do processo (BARREIROS, 2016, p. 96).
Sabe-se que, em Roma, o processo era caracterizado por fórmulas avençadas entre as partes, evidenciando características contratuais como um negócio jurídico privado (TAVARES, 2018, p. 96). Contudo, é importante recordar que, até aproximadamente o século XIX, o Direito Processual não era visto como uma disciplina autônoma. O mesmo período histórico também foi caracterizado pela valorização política da liberdade e da autonomia privada (BARREIROS, 2016, p. 98).
Segundo José Eduardo Carreira Alvim (2018, p. 84)
o direito processual, como ramo autônomo da ciência do direito, é relativamente recente, tendo pouco mais de cem anos, e o seu marco de nascimento como ciência foi o livro de Oskar von Bülow, Die Lehre von den Prozesseinreden um die Prozessvoraussetzungen
(A teoria das exceções processuais e os pressupostos processuais), em Giessen, na Alemanha, no ano de 1868.
Por outro lado, com o predomínio do pensamento do Estado Social, caracterizado pelo maior intervencionismo estatal, ganhou protagonismo o modelo publicista, conferindo amplos poderes de condução processual e probatória ao magistrado, momento em que o procedimento passa a ser identificado como de direito público (BARREIROS, 2016, p. 98).
Neste sentido, José Eduardo Carreira Alvim (2018, p. 109) diz que
o processo, instituto fundamental do direito processual, que, até a obra de Büllow, era explicado sob vestes privatistas, como sendo um contrato (judicial) ou um quase contrato (judicial), passa a ser explicado na sua feição publicista, desvinculado das relações de direito privado que por seu intermédio são resolvidas, operando-se, assim, a autonomia do processo.
Como consequência, durante muitos anos a vontade das partes ficou em segundo plano, rejeitando-se a possibilidade de transacionar acerca do próprio procedimento.
Dessa forma, erige-se o dogma da irrelevância da vontade no processo, segundo o qual a vontade das partes não tem importância para a produção de efeitos pelo ato processual
(BARREIROS, 2016, p. 99). Entretanto, tal perspectiva tem sido mudada em função dos problemas que o publicismo tem trazido à celeridade e à efetivação da pacificação social.
Portanto, observa-se um movimento de valorização da autonomia privada e da vontade das partes no direito processual. Ainda que haja vozes contrárias a tal deslocamento, não há prejuízo ou incompatibilidade entre o caráter público do processo e o exercício, pelas partes, de sua autonomia de vontade
, sendo possível sua harmonização (BARREIROS, 2016, p. 103). Nesse sentido, não se pode ignorar que as partes possuem melhores condições de adaptar o procedimento às características de sua lide, a fim de ter a prestação jurisdicional da forma mais adequada e célere possível.
Ora, sempre houve a convivência entre o interesse público e privado no processo, sendo inconcebível rotular os negócios jurídicos processuais como privatização do processo
tampouco enxergar tal movimento como um retrocesso, já que o estado é incapaz de atender à necessidade de regulamentação das complexas e dinâmicas relações sociais (BARREIROS, 2016, p. 104-105).
Assim, observa-se grande oscilação histórica entre o privatismo e o publicismo, havendo anulação de um movimento em relação ao outro, de forma irrestrita e exagerada (CABRAL, 2018, p. 60).
Segundo Antonio do Passo Cabral (2018, p. 107), os negócios jurídicos processuais destacaram-se com as contribuições de Josef Kohler, o qual
sustentava que a vontade das partes poderia ser orientada negocialmente para produzir efeitos no processo, determinando a conformação de situações jurídicas processuais; e que o contrato seria uma categoria da teoria geral do direito, e não somente do direito privado.
Destarte, ainda que tenham ganhado maior ênfase entre doutrinadores na Alemanha, foi somente na jurisprudência francesa que os acordos processuais foram implementados modernamente, a princípio na celebração de acordos coletivos entre tribunais e advogados, já que havia grande rigidez processual (CABRAL, 2018, p. 130).Quanto ao desenvolvimento do tema nos Estados Unidos da América, segundo Antonio do Passo Cabral, por lá tampouco existe uma doutrina estabelecida sobre as convenções processuais
(CABRAL, 2018, p. 137).
Por outro lado, segundo João Paulo Lordelo Guimarães Tavares