Os Limites da Interpretação Constitucional: modulação de efeitos no controle de constitucionalidade nas decisões do STF
De Naira Krauss
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Os Limites da Interpretação Constitucional - Naira Krauss
1 INTRODUÇÃO
O controle de constitucionalidade ganhou notoriedade a partir da decisão proferida pelo Juiz norte-americano John Marshal, então presidente da Suprema Corte dos Estados Unidos (1801-1835), durante o julgamento do caso Marbury vs. Madison. O magistrado inaugurou a conjectura da fiscalização constitucional a partir do critério de controle concentrado. A partir disso, o judiciário, através da Suprema Corte, se tornou o responsável pela fiscalização da Constituição, sendo competente para declarar inconstitucional as leis que violassem a Carta Magna. Contudo, a sua atuação é delimitada a partir das prerrogativas da hermenêutica constitucional.
A hermenêutica constitucional, ciência que estuda os métodos de interpretação da constituição, difundiu-se a partir da Escola da Exegese, mais precisamente com as revoluções francesa e norte-americana. Nesse período, o que se buscava era um ordenamento jurídico completo e imune as influências monarcas. O judiciário, órgão responsável pelos dizeres legais do Estado, deveria apenas aplicar a lei e interpretá-la com excepcionalidade. Apesar da hermenêutica constitucional nesse momento ser vista como mecanismo que deveria ser afastado sempre que pudesse, percebeu-se que a legislação não era perfeita e que não era possível determinar todos os conflitos na predisposição da lei. Por isso, fundamentou-se aqui as diretrizes de uma interpretação legal a partir da obediência piramidal que tinha como lei superior a Constituição Federal. O precursor desse entendimento foi Hans Kelsen.
Foi a partir desse evento que a Constituição Federal passou a ser vista como lei basilar de proteção do Estado Democrático de Direito, cuja fundamentação se reveste de princípios e métodos que buscam garantir a efetividade no texto fundamental como guia para a aplicação de qualquer lei. A hermenêutica constitucional é o que assegura, através da interpretação conforme a Constituição, que a integridade do texto constitucional se perfaça em qualquer decisão judicial. Trata-se de frequente objeto de discussão a atuação do judiciário no controle de constitucionalidade, cujo limite interpretativo constitucional assegura a aplicação adequada dos dispositivos de fiscalização impedindo a arbitrariedade do intérprete. O que mais se questiona é a legitimidade do aplicador da lei quanto a fixação das exceções temporais nos efeitos da decisão de controle.
A regra no controle de constitucionalidade concentrado é que, a partir da interposição de ação direta ao STF, declarada inconstitucional a lei, serão cessados todos os efeitos por essa já produzidos, desde o nascimento, atingindo a todos. Com isso faz-se importante ressaltar que a modulação dos efeitos trata de instrumento de exceção que restringirá parte dos efeitos da decisão, a qual apenas produzirá consequências jurídicas a partir da data do julgamento.
Partindo desse contexto, a modulação de efeitos é instrumento aplicável apenas no controle de constitucionalidade por via direta. Contudo, esse dispositivo vem sendo aplicado em controle incidental. O judiciário justifica essa aplicação a partir da evolução da hermenêutica constitucional que mudou seu caráter objetivista para subjetivista, no sentido de permitir que o intérprete da lei atue ativamente na realização do direito. Por isso, é tema de grande relevância a atuação do STF na aplicação da modulação de efeitos no controle difuso, vez que o artigo 27 da Lei 9.868/99 estabelece claramente a sua adoção apenas em controle por via direta.
Vale enfatizar que os manuais de Direito Constitucional definem os dispositivos de controle de constitucionalidade e modulação de efeitos, assim como definem os métodos de interpretação constitucional, mas debatem em torno da coerência de aplicabilidade desses dispositivos. O debate da maioria da doutrina, ainda sem resposta, gira em torno de que apesar da existência de uma estrutura fundamental de aplicação de métodos e princípios interpretativos voltados ao subjetivismo, essa interpretação estabelece molduras de aplicação que aparentemente não estão sendo utilizadas pelo STF. Muito embora não exista fundamentação suficiente em torno dos limites interpretativos das decisões, sabe-se que são esses que fixarão a abrangência da discricionaridade que pode ser adotada pelo intérprete no julgamento de controle.
Antes de qualquer constatação é necessário recordar que a Constituição impõe obediência a todos. Para que fique claro, obediência abrangente dos magistrados aplicadores, devendo ser respeitada. Trata-se de lei superior que possui regramentos e princípios garantistas que estruturam o Estado e, é por isso que o STF, ao ser determinado como seu Guardião, exerce papel de grande magnitude ao interpretar e delimitar a extensão das prerrogativas constitucionais. Nesse sentido, as decisões de controle de constitucionalidade devem ser interpretadas nas limitações da Carta Magna, considerando sua base principiológica e preservando pela segurança jurídica no Estado Democrático de Direito.
Nesse diapasão, deve-se analisar a coerência de aplicação da modulação de efeitos no controle de constitucionalidade, a partir da identificação dos limites interpretativos da hermenêutica constitucional. Por isso, cabe analisar se a aplicação do artigo 27 da Lei 9.868/99 no controle incidental ensejará o que a doutrina chama como abstrativização do direito e, também, investigar se é arbitrária, a partir dos limites interpretativos conforme a constituição, a atuação do Supremo Tribunal Federal na fiscalização constitucional.
2 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
Considerando a importância do controle de constitucionalidade para o sistema judicial, neste capítulo pretende-se apresentar os pressupostos essenciais para a compreensão da fiscalização da Constituição no modelo difuso e no concentrado.
2.1 BREVE HISTÓRICO DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
Conforme elucida Paulo Klautau Filho (2003, p. 256), o controle de constitucionalidade possui vínculo inseparável com a interpretação da Constituição, que deve ser referência basilar para qualquer decisão dentro de um sistema normativo.¹ Nesse sentido o controle de constitucionalidade é inserido para delimitar os textos que não condizem com os princípios constitucionais. Deve-se inicialmente esclarecer que, ao longo da narrativa histórica desse dispositivo, será realizado um comparativo entre os modelos de controle de constitucionalidade, especificamente as características do controle difuso, e controle concentrado.
Paulo Klautau Filho (2003, p. 257) esclarece que o controle de constitucionalidade, como é conhecido hoje, teve sua origem nos Estados Unidos com a decisão proferida pelo juiz Marshall em 1803, presidente na época da Suprema Corte do país. O caso ficou assim gravado na histórica como Marbury vs. Madison
. Esse controle, conhecido nos EUA como "judicial review", formou-se a partir da criação da Constituição do país em 1787, a qual tornou-se o marco histórico da formalização do federalismo², da separação de poderes³ e da constitucionalização das leis⁴.
A partir da independência dos EUA observa-se a necessidade da formalização de leis que fossem capazes de limitar o poder do Estado de modo que garantissem a todos os direitos fundamentais vinculados à dignidade do ser humano. Essa ideia foi reflexo da Declaração de Direitos de Virgínia⁵, instaurada no mesmo ano da Constituição do país.
James Madison, que foi presidente dos EUA entre 809 e 1817, conforme ilustra Paulo Klautau Filho (2003, p. 258-259) difundia a ideia de um federalismo baseado no controle das chamadas facções majoritárias, definidas como grupos formados pela convergência de interesses políticos. O conflito entre estes era inevitável e o federalismo foi adotado como mecanismo capaz de permitir a existência de ambos os grupos sem que houvesse intolerância extremada. Na época instaurou-se a divisão de prerrogativas entre executivo, legislativo e judiciário que evitaria a perpetuação do abuso de poder pelo governante estatal dentro do contexto em que se encontrava o país. Utilizada nesse momento, a teoria dos freios e contrapesos⁶, garantia que os poderes, além da atuação típica de julgar, criar e aplicar leis, teria a função de fiscalização comum em prol da harmonização desse novo sistema de leis.
Segundo Paulo Klautau Filho (2003, p.261), o controle de constitucionalidade se difundiu nessa dinâmica, a qual se compunha pela hierarquia e limitação entre os entes federativos, assim como pela divisão de prerrogativas entre os poderes. Não apenas isso, as novas leis passariam a se submeter a critérios de revisão Constitucional. Nos EUA não era esse o método adotado à época, o que foi ponto circunstancial para o conflito gerando a primeira decisão de controle de constitucionalidade. A discussão iniciou-se com a disputa político-econômica entre os membros do legislativo⁷. Thomas Jeferson liderou o partido democrata republicano, liberal, o qual iria se contrapor aos ideais de James Madison, federalista, que teria, a posteriori, como seu representante no executivo, John Adams.
De acordo com Paulo Klautau Filho (2003, p. 262) Thomas Jeferson e seus representantes defendiam a existência de um controle constitucional fundamentado nas decisões do legislativo. A decisão proferida deste órgão traria validade ou invalidade aos julgamentos. Tal fiscalização constitucional seria feita, então, por meio de um mecanismo majoritariamente político. John Adams, por outro lado, foi o representante na disputa política do partido federalista que defendia a fiscalização por meio de um órgão jurídico. Mediante a situação, com a possibilidade de um controle por meio do judiciário, a atuação do legislativo estava ameaçada e por isso instaurou-se aqui um conflito de interesses.
Paulo Klautau Filho (2003, p. 263) narra que, após a vitória do partido democrata, a solução para os federalistas foi buscar a nomeação de cargos no judiciário antes da posse do novo presidente a fim de resguardar seus interesses no novo governo que se instalaria⁸ e garantir a instauração de cargos de juízes vinculados a esse partido. John Marshal, foi o encarregado das novas nomeações e, após a mudança de governo, este seria eleito como presidente da Suprema Corte. Dentre as nomeações promovidas