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Revista Continente Multicultural #256: A guerra das narrativas
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E-book170 páginas2 horas

Revista Continente Multicultural #256: A guerra das narrativas

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Sobre este e-book

Fome, desemprego, guerra, pandemia, crise climática, líderes autoritários... O mundo vive hoje muitas desventuras. E uma delas, não listada na primeira frase deste editorial, detém uma altíssima periculosidade, porque, além de não resolver os problemas anteriores, tem o potencial de agravá-los. Estamos falando do negacionismo. Esse comportamento não é novo no ser humano, mas, na vida contemporânea, ironicamente ultraconectada e com acesso facilitado e infinito a informações, tornou-se frequente e vem pautando sociedades e governos, abalando a confiança nas instituições científicas, democráticas e provocando, inclusive, mortes – como o movimento antivacina nas mídias digitais, que interferiu no combate ao Sars-Cov-2, sendo responsável por uma importante parcela dos óbitos pela Covid-19 no Brasil e no mundo.
Diante da urgência e gravidade do tema, a Continente deste mês traz reportagem que aborda a origem, as consequências e os aspectos do negacionismo. As repórteres especiais Débora Nascimento e Luciana Veras conversaram com especialistas que analisaram o comportamento, cuja palavra, no ano passado, foi dicionarizada pela Academia Brasileira de Letras e é analisado em dezenas de verbetes assinados por autores diversos, no Dicionário dos negacionismos no Brasil, lançado pela Cepe Editora.
A matéria também engloba o papel das redes sociais, dos gabinetes do ódio e das máquinas de fake news, que alimentam o negacionismo, baseado em ignorância e preconceito. "Nos grupos reacionários, você tem a radicalidade da extrema direita, o antiglobalismo, o negacionismo reforçado pela agenda conservadora de costumes e uma posição antigênero, antiLGBT, antidireitos sexuais e reprodutivos. O negacionismo é um vetor nesse conjunto, uma força a mais dando legitimidade a essa forma de pensar que é de uma parte da nossa sociedade já imersa num processo de fascistização", afirma o sociólogo José Szwako, coorganizador do Dicionário com José Luiz Ratton, destacando um dos aspectos dessa discussão de suma importância, principalmente em um ano de eleição presidencial determinante.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento4 de abr. de 2022
ISBN9788578589394
Revista Continente Multicultural #256: A guerra das narrativas

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    Revista Continente Multicultural #256 - Janio Santos

    Narrativas no front

    Fome, desemprego, guerra, pandemia, crise climática, líderes autoritários... O mundo vive hoje muitas desventuras. E uma delas, não listada na primeira frase deste editorial, detém uma altíssima periculosidade, porque, além de não resolver os problemas anteriores, tem o potencial de agravá-los. Estamos falando do negacionismo. Esse comportamento não é novo no ser humano, mas, na vida contemporânea, ironicamente ultraconectada e com acesso facilitado e infinito a informações, tornou-se frequente e vem pautando sociedades e governos, abalando a confiança nas instituições científicas, democráticas e provocando, inclusive, mortes – como o movimento antivacina nas mídias digitais, que interferiu no combate ao Sars-Cov-2, sendo responsável por uma importante parcela dos óbitos pela Covid-19 no Brasil e no mundo.

    Diante da urgência e gravidade do tema, a Continente deste mês traz reportagem que aborda a origem, as consequências e os aspectos do negacionismo. As repórteres especiais Débora Nascimento e Luciana Veras conversaram com especialistas que analisaram o comportamento, cuja palavra, no ano passado, foi dicionarizada pela Academia Brasileira de Letras e é analisado em dezenas de verbetes assinados por autores diversos, no Dicionário dos negacionismos no Brasil, lançado pela Cepe Editora.

    A matéria também engloba o papel das redes sociais, dos gabinetes do ódio e das máquinas de fake news, que alimentam o negacionismo, baseado em ignorância e preconceito. Nos grupos reacionários, você tem a radicalidade da extrema direita, o antiglobalismo, o negacionismo reforçado pela agenda conservadora de costumes e uma posição antigênero, antiLGBT, antidireitos sexuais e reprodutivos. O negacionismo é um vetor nesse conjunto, uma força a mais dando legitimidade a essa forma de pensar que é de uma parte da nossa sociedade já imersa num processo de fascistização, afirma o sociólogo José Szwako, coorganizador do Dicionário com José Luiz Ratton, destacando um dos aspectos dessa discussão de suma importância, principalmente em um ano de eleição presidencial determinante.

    Nossa capa: Ilustração Cau Gomez

    RENATA PINHEIRO

    "MEU INTERESSE

    É ME COMUNICAR"

    Com o marco de ser a primeira cineasta mulher a dirigir um longa-metragem de ficção em Pernambuco, ela acompanhará a estreia em circuito nacional do seu Carro Rei, filme vencedor do Festival de Gramado em 2021

    TEXto JOÃO RÊGO

    raul toscano/divulgação

    Em 2013, Renata Pinheiro se tornou a primeira mulher a dirigir um longa-metragem de ficção em Pernambuco. A obra Amor, plástico e barulho trazia as atrizes Maeve Jinkings e Nash Laila nos papéis de cantoras de brega destinadas a enfrentarem uma dualidade intransponível. Naquele universo particularmente recifense, a ascensão de uma anunciava a queda da outra.

    No filme, a abordagem dramática crua discutia feminismo, especulação imobiliária e o impacto das novas tecnologias no cenário artístico periférico. Um emaranhado de temas unidos por uma mise-en-scène artesanal e narrativa, na qual a construção estética comunicava mais que as palavras. Nascia aí uma das marcas autorais que tornaria Renata Pinheiro uma das cineastas mais interessantes do cinema brasileiro no século XXI.

    Artista visual de formação, sua carreira foi guiada pela incessante busca por uma expressão particular entre múltiplas linguagens. Diretora de arte em clássicos da produção local como Febre do rato (2011) e Tatuagem (2013), o seu primeiro projeto na direção, o curta-metragem Superbarroco (2009), estendia suas pesquisas em instalações para as potencialidades da gramática cinematográfica. Uma característica que encontraria o auge no documentário Praça Walt Disney (2011), um estudo sobre a cultura da ocupação urbana.

    Já estava lá o seu talento para desnudar tensões históricas que marcam os espaços que habitamos. Somou-se a isso o interesse em contar histórias que alcancem a sensibilidade do espectador. Assim, a câmera observadora passou a ser também uma caneta que escreve narrativas ficcionais (e visuais) erigidas a partir dos nossos contextos sociais. Não só Amor, plástico e barulho, mas os filmes Açúcar (2017) e Mansão do amor (2019) surgem desse mesmo movimento criativo. E é por esse caminho que chegamos a Carro Rei, a obra mais recente e badalada da cineasta.

    Em 2021, Carro Rei sagrou-se o grande vencedor do 49º Festival de Gramado, levando os kikitos de melhor filme, e mais quatro troféus para a trilha sonora, direção de arte, desenho de som e para o ator Matheus Nachtergaele. Também fez sua estreia mundial no tradicional Festival de Roterdã e ganhou mais cinco prêmios no Cinefantasy, que concede o Troféu José Mojica Marins. No início deste ano, o filme fez carreira internacional, sendo exibido em festivais na Inglaterra e nos Estados Unidos, por exemplo. Sua estreia em circuito nacional estava prevista para este mês, mas foi adiada para maio.

    Ambientada em Caruaru, a trama acompanha Uno (Luciano Pedro Jr.), jovem que desde o próprio nome, mantém uma ligação sobrenatural com os automóveis. Ele e o seu tio Zé Macaco (Matheus Nachtergaele), um mecânico excêntrico, habitam um universo ocupado por carros, seja como força de trabalho ou uma extensão das suas próprias existências. O antagonista central é o carro rei, máquina independente que pensa, fala, transa e articula planos maquiavélicos.

    Nesse paradoxo entre a atualidade distópica e a fantasia realista, Carro Rei parece ser uma síntese das últimas pesquisas artísticas conduzidas por Renata Pinheiro. Até por isso, a equipe foi composta pelos seus principais colaboradores, como o diretor de fotografia Fernando Lockett, além do cineasta e roteirista Sérgio Oliveira, parceiro em todos os trabalhos da diretora e da sua distribuidora Aroma Filmes.

    Em entrevista à Continente realizada em dois momentos – logo depois que recebeu os prêmios em Gramado, em 2021, e este ano – Renata conversou sobre o processo de criação do Carro Rei, a busca por um cinema pop, as temáticas que circundam suas obras, além de mergulhar na própria carreira, marcada por experimentações estéticas e premiações, mas também pela superação de estruturas machistas impregnadas na indústria cinematográfica.

    CONTINENTE Para começar, eu queria parabenizá-la pelos prêmios que o Carro Rei vem ganhando. Qual a sensação de ter vencido Gramado?

    RENATA PINHEIRO Eu acho que é um divisor de águas. Eu posso estar sendo muito otimista, mas é o prêmio que vai me dar uma visibilidade melhor. Os outros filmes tiveram uma carreira muito legal, inclusive internacionalmente. O Amor, plástico e barulho (2013) foi para Lisboa, ganhou prêmios em Brasília. Mas eu lembro de pensar em Gramado como outro mundo, não o mundo dos meus filmes, porque é um festival que tem essa coisa do glamour, do tapete vermelho, que a gente sabe que não é o nosso dia a dia. Ele tem uma visibilidade nacional bem interessante, então atinge um público que não é exatamente cinéfilo, que é onde o cinema nacional alcança um público mais amplo. Até Brasília se tornou algo que a gente nem reconhece. Em geral, era um festival um pouco mais radical do cinema brasileiro, e Gramado sempre quis se comunicar com o público. Eu acho isso muito legal porque eu nunca quis fazer um filme muito hermético. Meus filmes sempre tentam se comunicar com o grande público. No Amor, plástico e barulho, eu queria ter viralizado, em barraquinha de DVD e tal, pena que foi em uma transição, porque já não tinha tanta gente vendendo (risos).

    CONTINENTE Quero pegar esse gancho em que você falou sobre a forma de fazer os filmes. O Carro Rei é uma obra que tem um toque do cinema de gênero, Açúcar (2017) também, assim como Amor, plástico e barulho, mas não é aquela coisa hermética ou meio fechada. Queria saber como são esses caminhos que você percorre quando está construindo as ideias.

    RENATA PINHEIRO Eu tento usar uma linguagem muito de fácil acesso. Meu interesse é me comunicar. Eu tento evitar muitos diálogos porque o apelo visual é uma linguagem universal. Você não precisa saber português para entender a gestualidade ou a composição visual. Isso é uma coisa que está presente em todos os meus filmes. Quanto à forma, eu não acho que meus filmes são de gênero. Não sou uma estudiosa dos filmes de gênero, mas carrego algumas influências. Spielberg, que é gênio, por exemplo, a busca dele foi por um cinema mais pop, no sentido popular de atingir a todos. Ele se utiliza de recursos de gênero, mas, na verdade, está inventando coisas.

    No meu caso, eu não me preocupo com o código mais fechado de cada gênero. Quando a gente, por exemplo, precisou que o Açúcar tivesse uma certa tensão, que é uma tensão mais voltada para o contexto social, eu recorri a recursos utilizados no suspense e terror. O Amor, plástico e barulho beira muito o musical, tinha algumas cenas, que não entraram na montagem final, que eram assumidamente inspiradas em musicais.

    O que eu quero dizer é que meu ponto de partida não é o filme de gênero, mas, sim, o filme que eu estou construindo e o que ele necessita cena a cena. Por isso, às vezes, as pessoas estranham minha obra, porque talvez não tenha aquela pureza de um filme mais acadêmico, ou que passou por vários labs, onde os consultores tentaram deixar cada coisinha no seu lugar. Aliás, eu nunca entrei muito nesses labs. Nunca entrei porque também não fui aceita (risos). Então meus filmes são mais poluídos, com um pouco de um monte de linguagens juntas. Eu prezo muito pela experiência cinematográfica, e eles, em si, têm que ter um corpo harmônico. Pode ser um corpo único que ninguém nunca viu, mas tem que ser um corpo harmônico que você começa a ver e não quer parar de ver.

    CONTINENTE Todos esses filmes parecem construir uma relação dos recursos de gênero com tecidos sociais e políticos. Não tem monstros, o terror do Carro Rei, por exemplo, é muito real.

    RENATA PINHEIRO Esses filmes todos têm esse alicerce, um contexto social que vai ditar muito o que se passa na trama. Todos eles possuem isso porque a gente vive num país com muitos problemas não resolvidos, como a escravidão, por exemplo. Ou o comunismo (risos), os monstros que comem criancinhas. No Amor, plástico e barulho, a gente estava passando por uma brutal transformação urbana no Recife, transformação de bairros inteiros, derrubada de casas históricas. Ali, como a gente estava vindo de um boom econômico, tudo estava muito violento, o que se refletiu em vários filmes da época. O filme tem esse dado da transformação social muito intensa, inclusive, com a construção do Shopping Riomar, como também o empoderamento que a internet trouxe, facilitando muito a vida desses artistas periféricos, que conseguem difundir com mais facilidade a música deles. O filme acontece a partir dessas transformações para falar um pouco do que são essas mulheres, do feminismo nesse contexto da música brega.

    Para mim é muito difícil entrar em uma comédia que seja muito alienada, porque a gente tem muito que resolver e, como artistas, temos responsabilidades.

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