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Estevão
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E-book264 páginas4 horas

Estevão

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Sobre este e-book

Estevão é um jovem pastor de cabras que mora no Agreste Pernambucano, próximo à pequena cidade de Brejo da Madre de Deus, onde ocorre anualmente o Teatro da Paixão de Cristo.
Com o passar dos dias, o rapaz vê seu pai adoecer. O mestre que lhe ensinou a arte do pastoreio não pode mais acompanhar o filho e o rebanho de cabras pelos campos. Concomitante a esse fato, Estevão conhece um homem misterioso, Jonas, que o inicia em novos caminhos da mente e do espírito. Jonas é um homem sábio e desperta em Estevão poderosos questionamentos sobre o despertar interior do ser humano. Ele convence Estevão a realizar uma viagem até a Argentina para conhecer uma pessoa e sugere ao rapaz que lá, ele poderá encontrar respostas para seus questionamentos mais íntimos e possivelmente ajuda para seu pai.
Estevão hesita em iniciar a jornada e só fica convencido após apreciar uma imagem desenhada entre nuvens no céu. Ele entende ser este o possível sinal sobre o qual Jonas havia lhe falado dias antes, e que o ajudaria a tomar a decisão de seguir em frente.
A partir de então, a jornada de Estevão será carregada de ensinamentos recebidos ao longo da viagem, que o conduzirão a uma experiência única e transformadora.
Ele conhecerá também o símbolo usado pelos primeiros cristãos, o Khi Rho, e o nome sagrado de Deus, traduzido para as línguas atuais a partir do hebraico antigo.
Por fim, Estevão voltará ao seu país, mas liberto em mente e espírito.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento11 de abr. de 2022
ISBN9786589968443
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    Estevão - Jacir José Albino

    AINDA UMA CRIANÇA...

    Os dois meninos descansavam à sombra de uma aroeira, sobre um pequeno outeiro, em meio àquela planície semiárida do sertão pernambucano. Seus nomes eram Estevão e Pedro. José, o pai de Estevão e dono das cabras, observava os meninos de longe sob a sombra de um umbuzeiro. O homem sabia que precisava ensinar ao seu filho a arte na condução dos animais pelo campo, pois daquele trabalho vinha grande parte do sustento da família, por isso e naquele dia, a responsabilidade pelo zelo do rebanho era de Estevão, acompanhado de seu amigo Pedro.

    José e as duas crianças tinham se distanciado bastante de suas casas, pastoreando as cabras. Os animais, por vezes, precisavam ser deslocados para locais mais distantes, pois a seca que seguidamente ocorria na região e em especial naqueles últimos anos, consumia o alimento verde que brotava nos campos. Ali, naquela planície, eles tinham localizado algumas pequenas aroeiras e plantas novas de palma forrageira, que estavam sendo tranquilamente saboreadas pelos animais. Mas já era fim de tarde e eles sabiam que logo deveriam iniciar o caminho de retorno para não chegar à noite em casa.

    Sob o olhar de José, que permanecia um tanto distante, os dois meninos observavam as cabras com atenção a cada movimento do rebanho. Entretanto, eles sabiam que nenhum animal abandonaria o grupo, pois permaneceriam perto da segurança de seus pastores.

    - Estevão! – José chamou o filho - acho que vamos reunir as cabras e retornar.

    - Só mais um instante pai - respondeu o menino - já vamos.

    Estevão e Pedro eram grandes amigos e José sabia disso. A amizade dos dois começara logo cedo e prometia ser duradoura.

    "Uma grande amizade é um tesouro" - José olhava para os dois meninos enquanto pensava na frase há muito tempo aprendida. Lá estavam as duas crianças descansando à sombra da árvore e ao mesmo tempo aprendendo a arte do pastoreio, eles permaneciam tranquilos do seu ponto de observação, pois tinham certeza do olhar protetor de José.

    Estevão olhou para o horizonte ensolarado e admirou o vento brincando com as folhas da aroeira, observou as cabras menores brincando umas com as outras, como numa diversão infantil e riu sozinho com elas. Havia mágica naquilo, as cabras usavam a linguagem delas, mas estranhamente era como se tudo ao redor também falasse com elas. Ele não sabia e nem tentaria explicar isso a Pedro, mas de alguma forma ele sentia a felicidade das cabras, a alegria do vento brincando nas folhas das árvores e a perfeição daquele lindo quadro que a natureza desenhava a sua frente.

    Pedro estava distraído desenhando gravuras no chão com um graveto, quando Estevão gritou.

    - Olha! Olha aquele homem! Ele consegue voar!

    Pedro levantou a cabeça de sobressalto, surpreso, olhou para Estevão e depois para a direção que ele apontava, no entanto, não viu nada.

    - Que homem? – Perguntou ele – Onde ele está?

    - Ali, bem a nossa frente! – Respondeu Estevão.

    - Não estou vendo nada! Você está brincando comigo? - Perguntou Pedro meio chateado, pois realmente não via nada a sua frente, apenas as cabras, as árvores e a vastidão do campo. Mas Estevão continuava olhando à frente, com os olhos fixos em algum ponto, seu rosto estampava um leve sorriso, um sorriso de satisfação, de tranquilidade.

    - Estevão! – Gritou Pedro – Não estou vendo nada!

    Estevão permanecia quieto.

    - Estevão! - Novamente ele o chamou e finalmente o menino olhou para o lado sorrindo e respondeu.

    - O quê?

    - Não estou vendo nada, nenhum homem – disse Pedro - O homem que você está vendo, onde ele está?

    - Já se foi - respondeu Estevão – já se foi.

    Uma voz ecoou no campo, alertando as duas crianças:

    - Vamos meninos! – José gritou de longe, era de hora de voltar para casa.

    Os dois amigos arrebanharam as cabras, juntaram suas coisas e partiram em retorno, Estevão, no entanto, permaneceu quieto e reflexivo no caminho de volta.

    Pedro continuava sem entender o que tinha ocorrido com seu amigo, mas ele pressentia que realmente Estevão tinha visto algo ou alguma coisa, que nem mesmo ele sabia exatamente explicar.

    Era início da noite quando o homem e as duas crianças chegaram do campo. Estevão levou o pequeno rebanho para o aprisco. As cabras entraram tranquilamente como de costume. O menino largou um pouco de palma picada em um cocho separado para os animais e em seguida fechou o portão, olhou para o céu distante e ficou alguns instantes parado, observando.

    - O que foi que eu vi? – O menino sabia que tinha visto algo diferente, mas não podia compreender o que era. Ele decidiu que não tocaria mais naquele assunto com seu amigo, tampouco comentaria alguma coisa com sua mãe, pois ela também não entenderia, este seria, pois, seu segredo.

    Estevão voltou a si, quando ouviu sua mãe gritar da janela da cozinha.

    - Estevão! Seu pai!

    O menino olhou e viu seu pai caído próximo à entrada da casa, sua mãe já estava correndo para ajudá-lo. Daquele dia em diante, José não estaria mais com o filho pastoreando cabras, pois sua saúde não mais permitiria. O filho perdera a companhia do pai nos campos e Pedro, o amigo, seria seu amparo na condução das cabras. E assim foi durante anos, até que Pedro, já um jovem rapaz, decidiu se mudar daquele lugar e foi para outra cidade. A amizade não seria desfeita, pois estava amarrada no coração, entretanto, Estevão sabia que o contato com seu amigo seria mais difícil a partir daqueles dias.

    Estevão se tornou um rapaz destemido, decidido e ao mesmo tempo um sonhador, com o coração imenso. Ele havia decidido permanecer ali, naquele lugar, pois amava seus pequenos animais e sabia que seu pai precisava dele no sítio, pois sua saúde estava muito abalada. José nem mesmo conseguia caminhar e permanecia por horas deitado na cama, olhando pela janela do quarto, outras vezes, com muita dificuldade e auxílio de Lúcia, sua esposa, saía um pouco na varanda para observar a saída ou a chegada do filho com o pequeno rebanho de cabras.

    - Há como eu amava isso! – Pensou o homem por muitas vezes, ao ver o filho chegando do campo. Como ele gostaria de pastorear suas cabras outra vez, mas suas pernas não o ajudavam mais e com o passar dos dias seus braços também ficaram cansados. Certo dia um médico, orientado pelo padre da capela, visitou José. Depois, seguiram-se longos exames e por fim a palavra final, o médico declarou que ele deveria aceitar sua situação, pois era algo irreversível.

    E assim, dia após dia e enquanto pode, José observou da janela Estevão sair com as cabras e retornar ao fim da tarde. O jovem saía e voltava sorridente e o pai compreendia a felicidade do filho, pois ali, naquele pedaço de chão ele percebia a comunhão de Estevão com o mundo ao seu redor e ele se alimentava da felicidade de seu filho e do carinho de Lúcia.

    Com o passar dos meses, José começou a permanecer mais tempo na cama, até o dia que não conseguiu mais levantar. Do seu quarto, ele fechava os olhos e se imaginava caminhando com seu filho entre os campos da região, o sol queimando a pele, o vento batendo no rosto. A liberdade era um dos grandes tesouros que ele aprendera a admirar desde criança e era esse tesouro que ele esperava um dia recuperar. Mas esse dia não veio e sua cama passou a ser sua morada, ele não conseguia mais caminhar. Um tempo depois, José também parou de falar e apenas com poucos gestos da mão tentava dizer alguma coisa ao seu filho e à esposa.

    Estevão acompanhava a luta de seu pai e, por muitas vezes, ao entrar no quarto, o viu deitado na cama, olhando para fora, pela janela, o olhar perdido no céu azul ou por vezes nas estrelas, quando a janela ficava aberta até tarde da noite para amenizar o calor constante.

    Nos últimos anos, porém, Estevão percebera que algo havia mudado interiormente em José. Ele tinha compreendido isso em pequenas coisas, como naqueles momentos, quanto ao entrar no quarto, encontrara seu pai olhando para fora, com os olhos cheios de lágrimas. Nestas horas, Estevão temeu que a tristeza pudesse levá-lo antes e por isso tentava mantê-lo feliz, passando longas horas sentado ao lado da cama, deixando que ele balbuciasse palavras incompreensíveis.

    Assim eram os dias na pequena moradia. O mundo lá fora olhava com atenção o que acontecia naquele singelo lar e suspirava de alegria ao ver o que estava sendo escrito além dos olhos.

    UMA AMIZADE INESPERADA

    Estevão acordou cedo naquele dia. Deveria iniciar suas atividades antes que o sol tornasse seu trabalho insuportável, afinal, pastorear cabras naquela região, sob o sol intenso, não era algo muito confortável.

    Ele caminhou alguns metros até o estábulo, onde as cabras já o esperavam para a rotina matinal - seguir seu pastor como faziam há muito tempo.

    O pastor, agora o jovem Estevão, tinha como responsabilidade maior manter o pequeno rebanho de cabras e levá-las ao alimento que ainda estava disponível na região, em épocas de chuvas escassas.

    Ele reuniu os animais, tomou seu cajado e caminhou em direção ao campo onde tinha estado no dia anterior, era um local mais ao sul, em terras de amigos dos seus pais, ali havia alguns arbustos e árvores para as cabras. Enquanto fosse possível, ele buscaria o alimento gratuito de capins ou mesmo das árvores, como as folhas de umbuzeiro e deixaria sua pequena plantação de palma para momentos mais urgentes, quando ele não pudesse deslocar o rebanho.

    O dia estava ensolarado. Estevão o consideraria lindo, se não estivesse tão apreensivo pela falta de chuva. O pastor colocou um pano na cabeça para se proteger do sol e seguiu com os animais que já conheciam o velho caminho.

    Depois de algum tempo chegaram a uma região onde um pequeno olho de água ainda resistia bravamente ao sol. A água do poço, um tanto salobra, era aceita pelas cabras. Estevão, no entanto, trazia seu próprio cantil amarrado à cintura, seu pequeno reservatório do precioso líquido potável. Ele se sentou à sombra de um arbusto e ali ficou, enquanto as cabras buscavam seu próprio alimento.

    De olhos fechados, Estevão apenas ouvia o ruído do vento sussurrando nas folhas das árvores e o balir das cabras alegres e saltitantes pelas pedras. O rapaz, atento, sabia que não poderia perder algum animal, embora aquele lugar fosse tranquilo e livre de predadores e por ser um local ermo, não haveria ali algum possível ladrão. Por estes motivos, ele decidiu descansar profundamente, pois se sentia seguro o suficiente.

    Pouco tempo havia se passado desde que ele escolhera aquele lugar para descansar. O rapaz repousava profundamente quanto teve um sobressalto, alguém tocara seu ombro. Ele abriu os olhos e, instintivamente, olhou para o lado. Ficou surpreso ao ver que ali, parado, em pé e próximo a ele, encontrava-se um homem, um estranho.

    O homem, de estatura média, trajava uma espécie de manto marrom, desgastado pelo tempo. Estevão olhou para os pés do estranho, para o que lhe chamou a atenção primeiro, ele usava velhas sandálias de couro e a aparência extremamente sofrida dos pés denunciava as longas caminhadas que possivelmente ele fizera. Os cabelos brancos do desconhecido entregavam a sua idade, mas ele aparentava ter disposição, pela sua fisionomia feliz.

    Surpreso e sem reação, ainda observando o estranho, Estevão o ouviu perguntar:

    - Olá, você tem água?

    O rapaz demorou um pouco para responder:

    - Tenho, mas está no fim – e ofereceu o cantil ao estranho.

    - Como se chama? – Perguntou o homem, após ingerir um gole de água.

    - Estevão.

    - Você é dono das cabras?

    - Não, elas são de meu pai.

    - E onde ele está?

    - Está em casa.

    - Você mora por aqui? – O estranho continuou a conversa.

    - Sim, logo adiante, perto de Fazenda Nova, conhece?

    - Não conheço muito bem, mas sei que é o local onde realizam o teatro da Paixão de Cristo, não é?

    - Sim, isso mesmo, o senhor já foi ao teatro?

    - Ora rapaz, não me chame de senhor, meu nome é Jonas, apenas Jonas, e não, nunca fui ao teatro da Paixão, estou chegando agora nesta região – disse ele em tom amigável.

    Estevão, ainda surpreso com a presença inesperada, indagou:

    - O que veio fazer aqui, neste lugar?

    Jonas sorriu.

    - Digamos que fui convidado por um velho amigo, na verdade, ele precisa que eu diga algumas palavras a alguém de sua família.

    Estevão não quis indagar quem seria o velho amigo, mas ainda assim, olhou para Jonas e falou:

    - Você parece um padre.

    Jonas sorriu.

    - Imagino que pelas vestes, mas não sou padre. Esta túnica que ganhei de alguém me ajuda nos dias de sol e de chuva, serve para me proteger, por isso a uso.

    - Bom, e você lembra onde mora seu velho amigo?

    - Sim – respondeu Jonas – sei onde ele mora, vou até ele. Quer vir comigo? – Disse o homem já sabendo da resposta do rapaz.

    - Não – disse Estevão – preciso ficar com as cabras.

    - Você ama seus pequenos animais não ama?

    - Sim, gosto deles e da companhia.

    - O que você faz é grandioso – disse Jonas.

    - O quê? – Retrucou Estevão – grandioso o simples fato de cuidar de cabras?

    - Por que não? – Questionou Jonas - o que significa grandioso para você?

    O rapaz refletiu por alguns instantes e falou:

    - Creio que algo imenso, extraordinário.

    - Muitas vezes o extraordinário está nas pequenas coisas – lembrou Jonas em tom incisivo - um simples gesto de amor pode ser extraordinário para quem o recebe. Veja só, para as cabras você é extraordinário, pois elas confiam na sua guarda e o veem como protetor. Para uma criança, o amor da mãe é extraordinário. Há muitas coisas grandiosas e imperceptíveis aos olhos, é preciso saber o que se busca para compreender e valorizar o que encontrou.

    Estevão começava a gostar da conversa com aquele estranho que parecia ter palavras certas para perguntas simples. Ele possuía algo diferente que o rapaz ainda não podia decifrar e isso o deixava inquieto, mas ao mesmo tempo curioso. O rapaz ficou em silêncio por alguns instantes e de um sobressalto exclamou:

    - Também sei de algo grandioso! E você não poderá negar.

    - E o que é? – Respondeu Jonas

    - A chuva.

    - O que? - Perguntou surpreso Jonas – a chuva? Por que você lembrou da chuva?

    - Porque agora nós vivemos em um período de seca e estamos sentindo a falta da água e bem sabemos o que a chuva faria com esta região novamente. Os campos brotariam, os rios verteriam água novamente, os animais teriam o pasto, os homens teriam alimento, a terra viveria novamente.

    Jonas ficou quieto, reflexivo, depois disse:

    - Pois bem, realmente a chuva é algo grandioso, mas por que você falou a chuva?

    - Já lhe disse o porquê: tudo mudaria na região! – Respondeu Estevão.

    - Não, você apenas me revelou a sua conclusão, ou seja, como seria se a chuva caísse sobre este lugar, mas fez isto depois de ter vivido e sentido a chuva em seu coração.

    - Como? O que você está dizendo?

    - Quando falamos alguma coisa, instantaneamente vivemos a experiência em nosso íntimo. Diga para você mesmo, vou comer uma maçã e você poderá, mesmo que rapidamente, sentir-se saboreando a maçã. Quando manifestamos uma ideia, primeiro vivemos ela em nossa mente, em nosso íntimo. Nada falamos sem que também possamos mentalizar a ideia, por isso, preciso saber o que você imaginou, o que você sentiu quando pensou na chuva? Onde estava sua mente? Você consegue me dizer?

    Estevão fitou Jonas com olhar duvidoso, nunca alguém o interpelara daquela forma e feito tais perguntas, então ele olhou ao longe, na coluna de montanhas que se abriam a sua frente e respondeu:

    - Eu estava olhando para as montanhas e para o céu e lembrei que mesmo sendo tão linda esta paisagem, com este céu azul, a chuva também é importante, depois, eu imaginei a chuva caindo e o cheiro de terra no ar, vi os pássaros cantando, a água correndo novamente nos riachos e senti a chuva molhando meu rosto.

    Jonas esboçou um leve sorriso com o canto da boca, enquanto Estevão falava e em seguida disse:

    - Você viu com os olhos da alma.

    - O quê? – Indagou Estevão.

    - Os olhos da alma – continuou Jonas – a alma nos revela o mundo porque ela faz parte do mundo, mas não o mundo que vemos agora e sim o que está encoberto aos nossos olhos. Ela faz parte do invisível que não vemos, por isso ela o conhece, o invisível é a verdade absoluta.

    - De que verdade você está falando?

    - Feche os olhos, Estevão.

    O rapaz fechou os olhos.

    - O que faço agora?

    - Apenas fique em silêncio, tente não pensar em nada.

    E assim Estevão ficou em silêncio por alguns instantes, em seguida disse:

    - O que estou fazendo? Não posso ver nada.

    - Nada mesmo?

    - Apenas a escuridão – brincou o rapaz.

    - Ouve alguma coisa?

    Estevão riu e respondeu:

    - Apenas o vento.

    - Abra os olhos – disse Jonas

    Estevão olhou para ele, curioso:

    - Você disse que apenas ouviu o vento, mas na verdade você não o ouviu, escutou sim o ruído que ele causa ao se chocar com as folhas das árvores. Bom, se não pode ouvi-lo, será que ao menos pode vê-lo?

    - Sim, posso vê-lo – respondeu Estevão – vejo o vento agitando as folhas das árvores.

    - Não – respondeu Jonas – você não vê o vento, apenas sabe que ele existe porque observa as folhas das árvores sendo agitadas.

    - Mas eu também posso senti-lo roçando minha pele, isso me ajuda a perceber a sua existência! – Insistiu Estevão.

    Jonas começou a rir.

    - Sim, eu esperava esta resposta, sua reação ou seu argumento é o mais natural que existe. Você disse que pode sentir o vento em sua pele, tudo bem, em parte você está certo.

    Estevão ficou satisfeito, pois percebeu que havia encontrado uma resposta frente aos questionamentos de Jonas. No entanto, o homem voltou a lhe indagar.

    - Mas, e se o vento se aquietasse por apenas um instante? Como você poderia percebê-lo ou senti-lo, se as folhas das árvores estivessem calmas e ele não roçasse mais a sua pele? Como você saberia da existência dele? Suponhamos que você fosse uma criança despertando para o mundo e se fizesse esta pergunta: Onde está o vento durante a calmaria? Como percebê-lo neste momento?

    Estevão ficou em silêncio, não havia outra resposta, embora ele ainda possuísse alguns poucos argumentos. Ele disse:

    - Certo, eu não perceberia o vento, também não poderia ouvi-lo ou senti-lo se ele estivesse em repouso. Bom, não teria como eu saber da existência dele!

    - Será que não?

    Estevão ficou um tanto irritado – não era essa a resposta que Jonas queria ouvir? O que mais ele queria? O jovem sabia que o homem o estava desafiando.

    Jonas prosseguiu:

    - Como você pode afirmar que não poderia percebê-lo de forma alguma?

    - Estava me referindo ao vento – insistiu Estevão – se ele estivesse quieto.

    - Eu sei, também estou me referindo a ele – Reiterou Jonas.

    - E não é essa a resposta? – Protestou Estevão - ninguém pode percebê-lo e nem o sentir se ele não se agitar! Nesse caso, o observador não vê e não sente nada.

    - O seu observador não vê absolutamente coisa alguma, pois talvez não saiba como procurar ou não esteja preparado para ver, sem ter que usar seus sentidos físicos. O tudo e o nada humano são tolices, o segredo está na forma como você procura ou naquilo que você aceita como verdade – respondeu Jonas depois de uma breve pausa – o tudo e o nada são dimensões que nós criamos e a forma como vemos as coisas. O seu observador pode até não perceber ou sentir, mas aí no vazio está o ar que ele respira e não vê, aí está o ar esperando para se agitar e se transformar em vento. Então, chegamos a uma conclusão: até que ponto conseguimos ver e

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