A constituição de Medina: reflexões para o diálogo inter-religioso a partir do Islam
De Atilla Kus
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Sobre este e-book
Atilla Kus
Atilla Kus é doutorando e mestre em Ciência da Religião pela PUC-SP e formado em teologia islâmica pela Escola de Formação de Imãs e Pregadores de Sultanbeyli/Istambul, Turquia. É graduado em Letras Português pela Universidade Nove de Julho. É pesquisador do Centro de Estudos das Religiões Alternativas de Origem Oriental no Brasil – CERALda PUC-SP e membro do Grupo de Trabalho Oriente-Médio e Mundo Muçulmano – GTOMM da USP.
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A constituição de Medina - Atilla Kus
Sumário
Agradecimentos
Prefácio
Introdução
CAPÍTULO I - A constituição de Medina e o contexto sociopolítico de seu surgimento
1. A Constituição de Medina
2. As potências políticas e as crenças dominantes no Oriente Médio no Século VII
2.1 Império Bizantino ou Império Romano Oriental (325-1453)
2.2 Império Sassânida (226-641)
2. A Arábia no Contexto Emergencial do Islam e da Constituição de Medina
2.1 Os Árabes no século VII
a) O contexto religioso
b) Sistema econômico-social
c) Contexto Político
CAPÍTULO II - O surgimento do Islam
1. Uma análise em torno de conceito de religião
2. As Primeiras Revelações Corânicas e As Primeiras Reações do Povo de Meca
2.1 O Início da Mensagem Islâmica
2.2 A Vida de Profeta Muhammad
2.3 Um Acontecimento Marcante Durante a Estadia com Abû Talib
2.4 Os fiéis de primeira hora e a divulgação da nova religião
3. As Imigrações dos primeiros muçulmanos e os primeiros contatos com as outras religiões
3.1 Por que migração para a Abissínia?
3.2 A Imigração para Medina
CAPÍTULO III - O período pós-constituição de Medina e o diálogo inter-religioso
1. Depois da migração para Medina
1.1 Os Acordos de Muhammad com as tribos
1.2 As incursões militares: al-ghazwat wa al-sarayá
a) Al-ghazwat: as batalhas e incursões militares de Muhammad
b) Al-Saraya: as batalhas e incursões sob comando de discípulos nomeados
2. O Período pós-constituição
2.1 A Batalha de Badr (624)
2.2 A Retirada de Banû Qaynuqa de Medina
2.3 A Batalha de Uhud
2.4 A Evacuação de Banû Nadhir
2.5 A Batalha de Khandaq e a saída dos judeus de Banû Qurayza
2.6 A Batalha de Khaybar – a última com os judeus
3. A Constituição de Medina e diálogo inter-religioso
3.1 O que o diálogo inter-religioso é?
a. Exclusivismo
b. Inclusivismo
c. Pluralismo
3.2 O diálogo inter-religioso na Constituição de Medina
3.2.1 Umma – a nação
Considerações finais
Referências bibliográficas
Glossário
ANEXOS
Anexo I - Versão de Ibn Isaac
Anexo II - Cronologia dos acontecimentos
Sumário
Agradecimentos
Prefácio
Introdução
CAPÍTULO I - A constituição de Medina e o contexto sociopolítico de seu surgimento
1. A Constituição de Medina
2. As potências políticas e as crenças dominantes no Oriente Médio no Século VII
2.1 Império Bizantino ou Império Romano Oriental (325-1453)
2.2 Império Sassânida (226-641)
2. A Arábia no Contexto Emergencial do Islam e da Constituição de Medina
2.1 Os Árabes no século VII
a) O contexto religioso
b) Sistema econômico-social
c) Contexto Político
CAPÍTULO II - O surgimento do Islam
1. Uma análise em torno de conceito de religião
2. As Primeiras Revelações Corânicas e As Primeiras Reações do Povo de Meca
2.1 O Início da Mensagem Islâmica
2.2 A Vida de Profeta Muhammad
2.3 Um Acontecimento Marcante Durante a Estadia com Abû Talib
2.4 Os fiéis de primeira hora e a divulgação da nova religião
3. As Imigrações dos primeiros muçulmanos e os primeiros contatos com as outras religiões
3.1 Por que migração para a Abissínia?
3.2 A Imigração para Medina
CAPÍTULO III - O período pós-constituição de Medina e o diálogo inter-religioso
1. Depois da migração para Medina
1.1 Os Acordos de Muhammad com as tribos
1.2 As incursões militares: al-ghazwat wa al-sarayá
a) Al-ghazwat: as batalhas e incursões militares de Muhammad
b) Al-Saraya: as batalhas e incursões sob comando de discípulos nomeados
2. O Período pós-constituição
2.1 A Batalha de Badr (624)
2.2 A Retirada de Banû Qaynuqa de Medina
2.3 A Batalha de Uhud
2.4 A Evacuação de Banû Nadhir
2.5 A Batalha de Khandaq e a saída dos judeus de Banû Qurayza
2.6 A Batalha de Khaybar – a última com os judeus
3. A Constituição de Medina e diálogo inter-religioso
3.1 O que o diálogo inter-religioso é?
a. Exclusivismo
b. Inclusivismo
c. Pluralismo
3.2 O diálogo inter-religioso na Constituição de Medina
3.2.1 Umma – a nação
Considerações finais
Referências bibliográficas
Glossário
ANEXOS
Anexo I - Versão de Ibn Isaac
Anexo II - Cronologia dos acontecimentos
Landmarks
Cover
Atilla Kus
A constituição de Medina: Reflexões para o diálogo inter-religioso a partir do Islam
São Paulo, 2022.
Copyright © Editora Pluralidades, 2022.
Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei nº 9.610, de 19/02/1998.
É expressamente proibida a reprodução total ou parcial deste livro, por quaisquer meios (eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação e outros), sem prévia autorização, por escrito, da editora.
Direção Geral:
Iago Freitas Gonçalves
Equipe editorial:
André Yuri Abijaudi
Flávio Santana
Iago Freitas Gonçalves
Revisão e preparação de texto:
André Yuri Abijaudi
Flávio Santana
Capa, diagramação e projeto gráfico:
Talita Almeida
Conselho Editorial:
Dr. Alonso Gonçalves (FTSA)
Dr. Claudio Ribeiro (UFJF)
Dr. Jonathan Menezes (FTSA-PR)
Dr. Edin Sued Abumanssur (PUC/SP)
Dr. Sidney Sanches (FLAM-SP)
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
À minha sobrinha, Yasmin Safiye,
Aos meus irmãos Ridvan e Lygia,
À Sofi, pelo apoio incondicional de todos.
Agradecimentos
Em primeiro lugar, os meus agradecimentos mais sinceros e especiais ao meu orientador, Prof. Dr. Wagner Lopes Sanchez, por suas orientações e contribuições mais que especiais e preciosas, e pela sua paciência comigo durante este período de mestrado.
Agradeço também ao Prof. Dr. Frank Usarski pelo seu incentivo, apoio e contribuições.
Agradeço também aos professores e professoras do Programa de Estudos Pós-graduados em Ciência da Religião: Edin Sued Abumanssur, Eduardo R. Cruz, Ênio José da Costa Brito, Everton Maraldi Oliveira, Fernando Torres-Londoño, João Décio Passos, Maria José F. Rosado-Nunes, Silas Guerriero, Suzana Ramos Coutinho. E o meu agradecimento à nossa querida Andreia Bisuli que sempre com muita paciência nos atendeu.
Agradeço à minha família brasileira que amo de coração: os meus irmãos Ridvan Kiyak e Lygia Gimenez Kiyak. Sobretudo, agradeço a minha linda e fofa sobrinha Yasmin Safiye por adoçar os momentos mais difíceis que tive durante esta pesquisa. Agradeço a minha amiga, companheira e inspiradora, Maria Sofia Silva por sempre me incentivar a fazer as minhas pesquisas e apoiar em momentos críticos. Agradeço à minha mãe de coração, professora Adriana, seu filho André e seu marido professor Marcelo.
Agradeço aos meus amigos: Gisele, Leonardo, Osvaldo, Eric, Mariana e Lucilene. Também aos demais amigos que tive durante esta jornada: Hernán, Carlos, Arlindo e todos outros.
Agradeço também ao Prof. Dr. Fernando Altemeyer Junior por me apresentar a Ciência da Religião e por sua generosidade de sempre me convidar às aulas dele sobre o islam contribuindo, assim, na minha formação como um futuro docente.
Preciso e devo agradecer aos meus colegas do curso de graduação em Letras: Elisabet, Juliana, Cássia, Andrea, Joice, Ana Clara, Gabriel; e aos meus professores e minhas professoras: Sheyla, Marcinha, Márcia Fusaro, Rudney e André. Todos e todas têm muitas contribuições na minha vida no Brasil e na minha formação acadêmica e pessoal. Por todos e todas tenho um carinho especial.
Quero agradecer também ao Sr. Mustafa Goktepe, presidente do Instituto pelo Diálogo Intercultural, que no início do meu mestrado deu o seu apoio para a realização de um sonho.
Prefácio
Wagner Lopes Sanchez¹*
Hans Küng, um dos maiores teólogos do século XX, que dedicou parte de sua vida à pesquisa e engajamento no diálogo inter-religioso, escreveu uma vez que não haverá paz no mundo sem paz entre as religiões; não haverá paz religiosa sem diálogo religioso
.
Essas duas afirmações do teólogo apontam para a importância e a necessidade do diálogo inter-religioso sobretudo nos tempos atuais. Se de um lado, as religiões têm um papel importante nas culturas de muitos povos, de outro lado, muitas são as dificuldades que as religiões encontram para dialogar sobretudo no contexto atual de fundamentalismos e intransigências.
Apesar das religiões muitas vezes se prestarem a servir ao poder opressor e às diferentes formas de intolerância, elas, com seus valores e tradições, podem contribuir para a humanização das sociedades ao defenderem e favorecerem o entendimento, a paz e a justiça. Por isso, hoje, mais do que nunca, as religiões são chamadas a participarem da construção de sociedades tolerantes e abertas ao diálogo estimulando as pessoas a serem respeitosas e acolhedoras com as diferenças. Num mundo plural, as religiões podem dar testemunho de que as diferenças são sinais da riqueza presente na natureza e nas culturas na contramão dos discursos de ódio.
Mas sabemos também das dificuldades para o diálogo entre as religiões. Essas dificuldades se originam das visões de mundo, das doutrinas e de diferentes interesses que perpassam as religiões. As religiões não são realidades separadas das realidades históricas e alheias aos conflitos; ao contrário, as religiões são parte dos diversos contextos históricos e dos interesses que estão em jogo. Compreender as religiões como realidades situadas é fundamental para perceber o potencial que elas têm para contribuir com a solidariedade, a paz e a justiça.
As afirmações de Küng devem ecoar fundo no coração daqueles e daquelas que desejam um mundo solidário: a paz no mundo depende da paz entre as religiões e só haverá paz no mundo se as religiões dialogarem em torno daquelas causas humanas fundamentais deixando de lado suas divergências e seus interesses algumas vezes mesquinhos.
Ao longo da história encontramos gestos e iniciativas que procuraram mostrar possibilidades de diálogo entre as religiões. São gestos e iniciativas algumas vezes tímidos e outras vezes ousados, mas que sempre nos mostram que é possível deixar de lado as divergências para permitir que a justiça e a paz triunfem, que é possível deixar de lado as intransigências para que a compreensão e a convivência fraterna pacifiquem as pessoas. Às vezes essas iniciativas são desencadeadas por lideranças persistentes; outras vezes essas iniciativas são desencadeadas por grupos. Sempre, no entanto, elas revelam que a convivência cotidiana é capaz de trazer à luz aquilo que é mais elementar na vida humana: a solidariedade que permite que a vida seja garantida e respeitada.
Este livro de Atilla Kus, resultado de sua dissertação de mestrado, orientada por mim e defendida no Programa de Ciência da Religião, da PUCSP, no ano de 2020, apresenta-nos um belo exemplo de que o diálogo inter-religioso é possível e que pode gerar frutos de solidariedade e de convivência fraterna.
O seu objeto de estudo é um documento que ficou conhecido como Constituição de Medina e que foi redigido por Muhammad e assinado por muçulmanos, judeus e árabes praticantes de outras religiões, entre os anos de 622 e 624. Esse documento é um marco histórico e mostra a importância da convivência harmônica entre as comunidades acima mencionadas.
O contexto histórico do documento é a segunda e terceira décadas do século VII. Os que haviam abraçado a fé muçulmana decidem sair de Meca por causa das perseguições religiosas e buscar refúgio na cidade de Yathrib a partir de 618. É nesse contexto que Muhammad propõe um acordo de irmandade para os próprios muçulmanos e um acordo de convivência com judeus e árabes de outras religiões.
Como o livro mostra muito bem, A Constituição de Medina foi muito importante para a criação de uma identidade comunitária para os muçulmanos e, também, para a convivência com a comunidade judaica e com as comunidades árabes de outras religiões.
Com todos os limites de um documento escrito num contexto de conflito, a Constituição de Medina mostra como é possível estabelecer regras de convivência que podem superar as diferenças religiosas e que permitem às pessoas serem mais humanizadas.
Este livro é relevante porque traz uma contribuição para o debate atual sobre o diálogo inter-religioso e sobre o papel do Islam e os desafios que este tem enfrentado no mundo. Além disso, mostra que na tradição islâmica existe potencial para o diálogo com as outras religiões, e que esse potencial pode ajudar na superação da intolerância e de posturas fundamentalistas.
Atilla Kus nos faz um convite para superarmos preconceitos a respeito do Islam e para nos colocarmos no caminho da compreensão e do respeito.
1. * Wagner Lopes Sanchez é mestre e doutor em ciências sociais. É professor e vice-coordenador do Programa de Estudos Pós-Graduados de Ciência da Religião, vinculado ao Departamento de Ciências Sociais, da PUCSP, e professor no ITESP (Instituto São Paulo de Estudos Superiores). É membro da diretoria do CESEEP (Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e Educação Popular) e do Observatório Eclesial Brasil.
Introdução
Falar do diálogo inter-religioso teoricamente e ainda mais abordá-lo por meio de um documento antigo é tão difícil quanto a sua prática. A minha trajetória em pesquisas sobre o diálogo inter-religioso começou, em primeiro lugar, com a minha militância na mesma área há alguns anos. Devo confessar que em primeiro momento vive-se um choque que parece ser insuperável à primeira vista. A convivência com o outro e aceitá-lo como ele é sem abrir mão de sua própria religião cria uma tensão entre sua verdade e a aceitação da verdade do outro. Porém, estas dificuldades vão se superando na medida em que começamos a perceber que o outro
não é tão diferente tanto quanto eu
e observamos que se pode viver harmonicamente apesar das nossas diferenças. Aliás, devo confessar que, enquanto um religioso, o meu encontro com o outro foi o meu encontro comigo mesmo. Desta maneira, foi-se criando um ambiente dialógico e o mais objetivo possível sem negligenciar as nossas subjetividades.
Na elaboração do diálogo inter-religioso também isto não é tão diferente. Começa-se, portanto, com dificuldade acerca da tal da visão que precisamos ter a respeito do tema. Principalmente para quem tem atuação na área do diálogo inter-religioso e se considera um militante desta causa
, o assunto é um pouco mais complexo, pois agora a subjetividade é oposta à do início. Procuramos encontrar, em nossos estudos, meios que legitimem ou que aprovem o trabalho que exercemos. Daí surgem novamente controvérsias, pois enquanto alguns estudiosos afirmam a não-compatibilidade de nossa religião com o diálogo inter-religioso, outros mais brandos afirmam a legitimidade total daquilo que se busca por meio do diálogo. Portanto, é um processo de vai-e-vem novamente que ocorre.
O diálogo inter-religioso é um conceito que tem cerca de 127 anos. Ele trata de uma disposição institucional das religiões em busca