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Contra o mundo moderno: O Tradicionalismo e a história intelectual secreta do século xx
Contra o mundo moderno: O Tradicionalismo e a história intelectual secreta do século xx
Contra o mundo moderno: O Tradicionalismo e a história intelectual secreta do século xx
E-book738 páginas13 horas

Contra o mundo moderno: O Tradicionalismo e a história intelectual secreta do século xx

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Sobre este e-book

A primeira história do Tradicionalismo, um importante, porém surpreendentemente pouco conhecido, movimento anti-modernista do século XX. Abarcando uma série de grupos religiosos frequentemente secretos, mas por vezes muito influentes no Ocidente e no mundo Islâmico, o Tradicionalismo afetou tanto a política convencional como a revolucionária na Europa e o desenvolvimento do campo de estudos religiosos nos Estados Unidos. No século XIX, numa época onde os intelectuais progressistas haviam perdido a fé na capacidade do Cristianismo em estabelecer verdades religiosas e espirituais, o Ocidente descobria escritos religiosos para além de suas fronteiras. Neste solo cresceu o Tradicionalismo, emergindo do meio ocultista na França do final do século XIX, e alimentado pela generalizada perda da fé no progresso que se seguiu na esteira da Primeira Guerra Mundial. Trabalhando primeiro em Paris e depois no Cairo, o escritor francês René Guénon rejeitava a modernidade como uma idade das trevas, e buscou reconstruir a Filosofia Perene - as verdades religiosas centrais por trás das maiorias religiões mundiais - em grande parte calcada em suas leituras de textos religiosos hindus. Inúmeros intelectuais desencantados responderam ao chamado de Guénon com tentativas de colocar a teoria em prática. Alguns tentaram, sem sucesso, guiar o fascismo e o nazismo à luz de linhas tradicionalistas; outros mais tarde fizeram parte de grupos terroristas na Itália. O tradicionalismo, por fim, emprestou o cimento ideológico para a aliança de forças antidemocráticas na Rússia pós-soviética, e no final do século XX se inseriu no debate no mundo islâmico a respeito do que seria o melhor relacionamento entre o Islã e a modernidade.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento8 de jan. de 2021
ISBN9786586683561
Contra o mundo moderno: O Tradicionalismo e a história intelectual secreta do século xx

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    Pré-visualização do livro

    Contra o mundo moderno - Mark Sedgwick

    Gira e gira no vórtice crescente

    Não escuta o falcão ao falcoeiro;

    As coisas vão abaixo; o centro cede;

    Mera anarquia é solta sobre o mundo,

    Solta a maré de sangue turva, afoga-se

    Por toda parte o rito da inocência;

    Falta fé aos melhores, já os piores

    Se enchem de intensidade apaixonada.

    William Butler Yeats, «A segunda vinda»I


    I Turning and turning in the widening gyre/ The falcon cannot hear the falconer;/ Things fall apart; the centre cannot hold;/ Mere anarchy is loosed upon the world,/ The blood-dimmed tide is loosed, and everywhere/ The ceremony of innocence is drowned;/ The best lack all conviction, while the worst/ Are full of passionate intensity. William Butler Yeats, «The Second Coming». Tradução de Adriano Scandolara in Eutomia, Revista de Literatura e Linguística vol. 1, n. 11 (jan./ jun. 2013), p. 548. [N. T.]

    PREFÁCIO

    Este livro é uma biografia de René Guénon e uma história do movimento Tradicionalista fundado por ele, dois temas quase desconhecidos no mundo exterior. Em janeiro de 1996, quando comecei a pesquisa em que se baseia este livro, eu tinha lido um dos livros de Guénon, mas não fazia ideia da importância do autor, ou de que existia algo como um movimento Tradicionalista. A fim de ajudar a orientar o leitor, o livro começa com um prólogo que compartilha partes de minha própria jornada de descoberta de maneira mais ou menos impressionista e com algumas das identidades ocultadas. O restante do livro conforma-se aos padrões normais da academia e responde à maior parte das questões levantadas no prólogo. O próprio Tradicionalismo é definido no capítulo 1.

    Uma vez que este livro é uma história de René Guénon e dos Tradicionalistas, ele segue os eventos a partir do ponto de vista deles. Em primeiro lugar, o próprio Guénon é colocado no centro do palco, acompanhado daqueles que, de uma maneira ou de outra, vieram a segui-lo. Essa posição central pode dar a impressão de exagerar a importância histórica dos Tradicionalistas, mas são eles próprios que constituem o objeto deste livro, não os períodos e países em que viveram. O movimento Tradicionalista nunca foi estudado de maneira sistemática antes. Assim, meu primeiro objetivo foi o de estabelecer o que era, quem pertencia a ele, além de como e o que faziam essas pessoas. Há uma certa avaliação da importância do Tradicionalismo em contextos mais amplos, mas esse não é o meu principal objetivo.

    Um estudo de um movimento tão amplo quando o Tradicionalismo apresenta algumas dificuldades organizacionais para um historiador, especialmente porque ele se dividiu em vários ramos e, depois, sub-ramos, todos prosseguindo de maneira mais ou menos independentes uns dos outros. A necessidade de seguir desenvolvimentos em várias esferas diferentes torna impossível a adoção de uma ordem estritamente cronológica. Meu princípio, portanto, foi com frequência o de adotar uma abordagem parcialmente temática, seguindo os desenvolvimentos até suas conclusões, mesmo quando isso exigiu mais tarde uma volta no tempo para retomar acontecimentos anteriores de outro tipo. Essa abordagem causará, por vezes, algumas sacudidas na cronologia, mas espero que o leitor se mantenha firme.

    Algumas outras advertências são necessárias. Toda história é, em certo grau, uma obra de reconstrução. No entanto, devido à novidade do tema, ao caráter sigiloso envolvendo a maior parte da atividade Tradicionalista e à necessidade de algumas pessoas de manter silêncio a respeito de suas atividades durante o período do fascismo europeu, algumas seções deste livro dependem mais de conjecturas do que seria normal. As bases para minha reconstrução são sempre fornecidas nas notas, mas o texto principal geralmente apresenta a conclusão dessa reconstrução, e não o processo para chegar até ela.

    Algumas das jornadas feitas para este livro conduziram-me a um território intelectual considerado por muitos como além do aceitável, a paisagens marcadas por características como antissemitismo, terrorismo e fascismo. Chegaremos até mesmo a visitar brevemente as SS na Alemanha nazista. À medida que os leitores me acompanham por semelhante território, peço-lhes que se recordem de que o fato de não condenar explicitamente uma ideia ou prática não significa que eu a aprove. Na maioria das obras de história, isso nem precisaria ser dito. Ninguém suporia que escrever sobre Robespierre implica apoio ao Terror, e é possível escrever sobre teoria marxista sem a expectativa de que se condenem repetidamente as atividades da OGPU e da NKVD. Não vejo razão para que não se escreva sobre outras teorias nas mesmas bases, e é isso o que faço aqui. Quando visitarmos as SS, estaremos na companhia do barão italiano Julius Evola, um importante Tradicionalista, e veremos a organização através de seus olhos — como uma corporação com possibilidades interessantes. Tal abordagem não deve dar a entender que eu enxergo as SS do mesmo modo. Eu não as enxergo assim.

    Dado que uma das mais importantes fontes de informação usada neste livro é a internet, é apropriado que haja um site a acompanhar o livro, traditionalist.org, que traz informações atualizadas, fotografias, cópias de alguns documentos originais, bibliografias Tradicionalistas e links para sites Tradicionalistas. Qualquer leitor capaz de expandir, elucidar ou corrigir algum aspecto do livro está convidado a visitar o site e me enviar um e-mail. O site contém também material voltado primariamente para pesquisadores.

    Ao escrever um livro com um escopo tão amplo quanto este, tive de entrar em diversas áreas onde, academicamente, não tenho muito direito de estar. Fiz o possível para compreender o pano de fundo das atividades Tradicionalistas em diversas áreas e eras, mas não alego ser um especialista em todos os lugares e períodos cobertos no livro. Além disso, tenho uma dívida maior do que a normal com diversos colegas por suas sugestões, ajuda e comentários. Em especial, gostaria de agradecer a Boris Falikov, H. T. Hansen, Klaus Kreiser, Jean-François Mayer, Shahram Pazuki, Bryan Rennie, Ottavia Schmidt, Stephen Shenfield e Pier Luigi Zoccatelli, além dos acadêmicos franceses que me ajudaram, especialmente Jean-Baptiste Aymard (que foi muito prestativo a despeito de seu desacordo com muitas de minhas interpretações), Jean-Pierre Brach, Stéphane Dudoignon, Antoine Faivre, Jean-Pierre Laurant, Bernadette Rigal-Cellard e Thierry Zarcone. Gostaria de agradecer igualmente a todos os outros que ajudaram este projeto com sugestões, entusiasmo ou ambos: a Universidade Americana no Cairo, por uma bolsa que possibilitou minha pesquisa no Marrocos e no Irã; a Russel Sender, advogado do escritório Goldman Sender, e a Cynthia Read, minha editora na Oxford University Press, por seu apoio e senso de humor diante da adversidade. Gostaria de agradecer também aos meus entrevistados: este livro nunca poderia ter sido escrito sem o seu tempo, paciência e generosidade. Por fim, gostaria de agradecer à minha esposa Lucy por muitas coisas, incluindo seus comentários penetrantes sobre o manuscrito.

    Muitas pessoas neste livro foram conhecidas por mais de um nome. Minha regra geral foi me referir a elas pelo nome mais frequentemente usado em minhas fontes. Nomes alternativos, bem como data de nascimento e morte, são apresentados no índice.

    Em geral, traduzo livremente, em busca do sentido, tentando, por exemplo, fazer com que o título em inglês de um livro publicado em outra língua soe como um título de verdade. Em geral, usei as aproximações mais apropriadas em inglês de termos técnicos islâmicos, em lugar do original em árabe. Nos raros casos em que o original foi mantido, uma explicação mais longa é dada no glossário (junto com breves definições de certos termos técnicos em inglês).

    Ao transliterar do árabe, usei o sistema padrão do International Journal of Middle East Studies, mas omiti os diacríticos. O leitor que souber árabe não terá dificuldades em reconstruí-los; ao leitor que não souber, eles não fariam sentido e seriam uma fonte de distração. Ao transliterar do persa ou do russo nomes de origem árabe, transliterei o original em árabe para fins de consistência: assim, «Jamal», em lugar de «Dzhemal».

    PREFÁCIO À EDIÇÃO ALEMÃ

    Na conclusão da edição original em inglês do livro Contra o mundo moderno, escrita no Cairo em 2003, apontei que, em sua maior parte, os grupos Tradicionalistas no Ocidente eram pequenos e isolados, que o Tradicionalismo permanecia marginal, e me perguntei se o Tradicionalismo no Ocidente não havia se esgotado. Muita coisa mudou desde 2003. Em 2007, quando deixei o Oriente Médio e retornei à Europa, onde havia morado pela última vez vinte anos antes, precisei de um tempo para me readaptar: coisas que ninguém sonharia em dizer em público quando fui embora em 1987 eram ouvidas diariamente no rádio, e muitas pessoas da minha geração estavam confusas, incapazes de explicar o que estava acontecendo. Agora, em 2019, um certo grau de consenso parece ter emergido: estamos atravessando uma enorme transformação na vida política, uma vez que os partidos que dominaram por muito tempo a centro-esquerda e a centro-direita estão perdendo seu eleitorado, e novos partidos e forças políticas vêm emergindo, por vezes à esquerda, mas, em sua maioria, à direita. Ou talvez isso esteja errado, e a velha distinção entre esquerda e direita não se sustente mais. Talvez a transformação seja ainda mais dramática.

    No entanto, é possível que muito disso não seja tão novo quanto parece. O colapso da filiação aos sindicatos que durante tanto tempo apoiaram os partidos de centro-esquerda é certamente novo, e reflete mudanças na maneira como a indústria opera. Mas a insurreição contra o liberalismo e os valores do Iluminismo não caiu do céu na nossa cabeça há uns poucos anos. Os valores do Iluminismo vêm sendo questionados desde que foram propostos pela primeira vez, e o liberalismo sempre teve seus adversários. O que parece ter acontecido é que, durante muitas décadas, a resistência ao liberalismo e aos valores do Iluminismo foi ignorada. Pensava-se que, desde a queda do primeiro fascismo italiano e do nazismo após desastres e sofrimentos sem igual, os valores do Iluminismo nunca mais poderiam ser questionados outra vez, e o liberalismo seria dominante para sempre. Isso era apenas parcialmente verdadeiro. É verdade que ninguém está propondo seriamente a volta do fascismo ou do nazismo em suas formas históricas. Mas o domínio absoluto do consenso liberal-iluminista aparentemente acabou. Como resultado, o Tradicionalismo, objeto deste livro, já não é marginal; ao contrário, está se transformando cada vez mais na vanguarda.

    O Tradicionalismo não é responsável pela ascensão do populismo ou da Nova Direita, que pode ser explicada de forma mais satisfatória por outros fatores, como a globalização. O Tradicionalismo não é uma ideologia de massa que pode ser aplaudida em comícios. Algumas pessoas que ajudam e organizam esses comícios, no entanto, são, em maior ou menor medida, inspiradas pelo Tradicionalismo. A conclusão de Contra o mundo moderno, escrita em 2003, é intitulada «Contra a corrente»; desde 2003, a corrente virou.

    Às vezes penso que é hora de uma nova edição de Contra o mundo moderno, mas, por um lado, os acontecimentos ainda estão se movendo rápido demais e, por outro, o livro é, no fim das contas, uma história, e as décadas de 1920 e 1960 não estão mudando. A importância do que aconteceu naquelas décadas pode parecer diferente visto que a luz lançada sobre elas pelo presente muda uma vez mais, mas os acontecimentos em si não mudaram. Eles só ficaram mais interessantes. Os grupos Tradicionalistas no Ocidente continuam pequenos, mas já não estão isolados. Agora, se algo parece ter se esgotado no Ocidente é o liberalismo do fim do século XX, não o Tradicionalismo.

    Como indiquei, o manuscrito deste livro foi finalizado em 2003, e a primeira edição em inglês foi publicada em 2004. Certos erros detectados logo após a publicação foram corrigidos na edição inglesa publicada em brochura em 2009. Um capítulo completamente novo foi escrito em 2006 para a edição russa, que, por razões complexas, só veio à luz em 2014. Esta edição alemã incorpora as correções feitas para a edição inglesa em brochura, o capítulo extra escrito para a edição russa e algumas observações mais recentes sobre alguns pontos que precisavam ser atualizados. Outras atualizações podem ser encontradas no blog em língua inglesa que comecei em 2006, traditionalistblog.blogspot.com, no qual, ao longo dos anos, fiz postagens sobre novos desenvolvimentos do mundo Tradicionalista e do mundo acadêmico, em que uma série de publicações lançando luz sobre diferentes aspectos do fenômeno continua a crescer.

    Mark Sedgwick

    Aarhus, 20 de julho de 2019.

    SUMÁRIO

    Capa

    Folha de Rosto

    LISTA DE PERSONAGENS PRINCIPAIS

    PRÓLOGO

    PARTE I

    O DESENVOLVIMENTO DO TRADICIONALISMO

    1. Tradicionalismo

    2. Perenialismo

    3. Gnósticos, taoIstas e sufis

    PARTE II

    O TRADICIONALISMO NA PRÁTICA

    4. Cairo, Mostaganem e Basileia

    5. Fascismo

    6. Fragmentação

    PARTE III

    A EXPANSÃO DO TRADICIONALISMO

    7. A Ordem Maryamiyya

    8. América

    9. Terror na Itália

    10. Educação

    PARTE IV

    O TRADICIONALISMO E O FUTURO

    11. A Europa após 1968

    12. O Tradicionalismo na Rússia

    13. Neoeurasianismo

    14. O Mundo Islâmico1

    15. Contra a corrente

    NOTAS

    GLOSSÁRIO

    ENTREVISTADOS

    BIBLIOGRAFIA

    Landmarks

    Capa

    Página de Créditos

    Folha de Rosto

    Epígrafe

    Prefácio

    Sumário

    Prólogo

    Glossário

    Bibliografia

    LISTA DE PERSONAGENS PRINCIPAIS

    Os sete tradicionalistas mais importantes

    (listados por data de nascimento)

    Coomaraswamy, dr. Ananda Kentish (1877-1947). Britânico, depois americano. Historiador da arte.

    Guénon, René (1886-1951). Francês, depois egípcio. Desenvolveu o Tradicionalismo.

    Evola, barão Julius (1896/8-1974). Italiano. Desenvolveu o Tradicionalismo político.

    Eliade, dr. Mircea (1907-86). Romeno, depois norte-americano. Estudioso da religião.

    Schuon, Frithjof (1907-98). Alemão, depois francês e mais tarde suíço. Por fim, residente nos Estados Unidos. Desenvolveu o sufismo Tradicionalista e fundou a ordem sufi Alawiyya (depois Maryamiyya).

    Nasr, dr. Seyyed Hossein (1933-). Iraniano, depois norte-americano. Introduziu o Tradicionalismo islâmico no Irã e em outras partes do mundo islâmico.

    Dugin, Alexander (1962-). Russo. Desenvolveu o Neo- eurasianismo.

    Outros personagens importantes

    (por data de nascimento)

    Ficino, Marsílio (1433-99). Padre italiano e neoplatônico.

    Burrow, Reuben (d. 1799). Historiador das religiões amador, britânico.

    Emerson, Ralph Waldo (1803-82). Transcendentalista norte-americano.

    Blavatsky, Helena (1831-91). Teosofista russa.

    Wirth, Oswald (1860-1943). Reformador maçônico e colaborador de Guénon.

    Pouvourville, Albert de (1861-1939). Imperialista taoista e segundo mestre importante de Guénon.

    Encausse, Gérard (1865-1916). Fundador da Ordem Martinista e primeiro mentor de Guénon.

    Aguéli, Ivan (1869-1917). Sufi sueco e pintor.

    Charbonneau-Lassay, Louis (1871-1946). Antiquário católico, amigo e benfeitor de Guénon. Primeiro mestre da Fraternidade dos Cavaleiros do Divino Paráclito.

    Sebottendorff, Rudolf von (1875-1945). Ocultista e maçom alemão. Fundador do partido que Adolf Hitler transformou no Partido Nazista.

    Eberhardt, Isabelle (1877-1904). Sufi franco-russa e escritora.

    Maritain, Jacques (1882-1973). Filósofo católico, antigo benfeitor de Guénon.

    Chacornac, Paul (1884-1964). Editor de Guénon.

    Thomas, Alexandre (1884-1966). Segundo mestre da Fraternidade dos Cavaleiros do Divino Paráclito.

    Séligny, Paul de (1903-?). Mauriciano, residente na França. Líder de seita e guru.

    Reyor, Jean (1905-88). Discípulo devotado de primeira hora de Guénon, editor de Études traditionnelles até 1961.

    Vâlsan, Michel (1907-74). Romeno, depois residente na França. Primeiro muqaddam de Schuon em Paris e depois xeique de uma ordem sufi Alawiyya independente. Editor de Études traditionnelles de 1961 até sua morte.

    Burckhardt, Titus (1908-84). Suíço. O primeiro e mais próximo colaborador de Schuon. Seu muqaddam na Basileia.

    Lings, Martin (1909-2005). Inglês. Primeiro colaborador de Guénon no Cairo, depois muqaddam de Schuon em Londres.

    Pauwels, Louis (1920-97). Escritor e editor francês especializado em ocultismo.

    Hartung, Henri (1921-88). Francês, depois residente na Suíça. Seguidor de Schuon por um breve período, em seguida, intelectual público progressista.

    Pallavicini, Felice (1926-2017). Italiano. Xeique italiano de uma ordem sufi Tradicionalista em Milão, derivada da Idrisi Ahmadiyya.

    Freda, Franco. Político italiano tradicionalista.

    Jamal, Gaydar (1947-). Islamista russo.

    PRÓLOGO

    Estava escuro, exceto pelo feixe de luz da lanterna alguns andares acima. A umidade havia se misturado à fumaça, e a água ainda corria e pingava. Um bombeiro passou por mim enquanto eu subia ansiosamente as escadas, mas deixei-o seguir sem interpelá-lo, uma vez que o meu russo é fraco. Antes de entrar no edifício em que estava hospedado, eu já tinha percebido que o fogo começara no telhado. Mendigos, disseram, da estação de trem Kurskaya, que ficava próxima. Torci para que fosse isso mesmo e nada mais sinistro.

    Meu russo é fraco, mas os russos que eu viera entrevistar em Moscou eram todos pessoas educadas, que falavam diversos idiomas. «Dugin é incrivelmente erudito, brilhante à sua própria maneira… O mais importante é lembrar que toda essa gente é 100% insana», dizia um adendo à minha apresentação a um desses líderes, em um e-mail enviado por um acadêmico norte-americano, sovietólogo quando existia uma União Soviética, depois colecionador de monarquistas, fascistas e «patriotas» das periferias da política russa. Dugin aprendeu sozinho um francês perfeito e um inglês bastante razoável, mais duas ou três línguas europeias, enquanto trabalhava como varredor de rua durante os anos finais da União Soviética. Seu antigo colega Edvard Limonov havia aprendido seu inglês quase perfeito morando em Nova York como emigrado soviético e romancista dissidente. E fazendo o que mais? O livro mais famoso de Limonov, It’s me, Eddie, é claramente autobiográfico, mas também ficcional. Um exemplar nunca lido continuava na minha biblioteca no Cairo desde que eu o havia deixado de lado após folhear algumas páginas um tempo atrás, pouco antes de me mudar para o Egito pela primeira vez. Mais tarde, quando finalmente me dei conta de por que o nome de Limonov me soava familiar, encontrei novamente seu livro e o li, hipnotizado. Ele descrevia a desorientação e o desencanto do emigrado soviético, respeitado como poeta em seu próprio país, mesmo rejeitado pelo sistema, mas que não era necessário nem respeitado no Ocidente. Limonov também descrevia a experiência de todo emigrado no Ocidente, uma experiência que eu agora reconhecia em alguns de meus amigos egípcios, e a experiência de todo dissidente, não apenas os soviéticos. Alexander Soljenítsin não gostou muito do livro, como descobri mais tarde (ele descreveu Limonov como «um pequeno inseto que escreve pornografia»).

    O som da água caindo diminuía à medida que eu me aproximava do topo das escadas. O apartamento no qual eu me hospedava estava mais ou menos intacto. O gesso havia caído do teto da cozinha e o chão estava coberto por quase dois centímetros de água, mas isso era tudo. O gatinho da namorada do meu anfitrião estava vivo, ainda que apavorado, e as notas das entrevistas que eu havia feito tinham sido protegidas pela pasta de plástico transparente na qual estavam guardadas. Tudo continuava legível, exceto por uma única folha de material de apoio sobre comunistas conservadores e democratas radicais. Naquela noite, o gato arrastou-se para a cama comigo e se aninhou debaixo das cobertas, leve e macio como um pássaro apoiado no meu estômago.

    Provavelmente foram mesmo os mendigos da estação Kurskaya, apesar de meus temores. Moscou estava linda naquele verão, mas ainda muito distante de casa e de qualquer ajuda; e eu vinha encontrando algumas pessoas estranhas. Dugin fora, de fato, erudito e também cativante. Mas nunca passei de um rápido telefonema com Limonov, e até isso levou dias para ser combinado. Sua relutância em me ver provavelmente estava ligada ao fato de que jornalistas e acadêmicos ocidentais invariavelmente escreviam a respeito dele e de Dugin como ameaças à paz mundial, líderes de um assustador grupo de seguidores composto de skinheads e punks, a personificação do pesadelo de um Terceiro Reich com armas nucleares. Naturalmente, qualquer russo que alegue que seu partido — o Partido Nacional-Bolchevique, fundado por Dugin e Limonov — combina os melhores elementos do nazismo e do estalinismo vai ter dificuldades no campo das relações públicas com o público ocidental.

    «Gosto de gente assim», disse Natalya, a autora da maioria das matérias recentes publicadas sobre Dugin e Limonov no Moscow Times. «Eles são divertidos, diferentes. Nada a ver com os outros políticos.» Natalya havia me levado a um dos clubes de Moscou, um restaurante cheio de estilo mas praticamente vazio em estilo retrô, com música e decoração do início da era Brezhnev. Acesso restrito a membros, por uma porta de aço sem identificação, aberta por um ex-KGB de terno escuro. Natalya progredira de ajudante ocasional de jornalistas americanos em Leningrado, passando pela Universidade da Califórnia e um estágio no Los Angeles Times, até chegar a ser a personificação dos melhores aspectos da Nova Rússia. Irrepreensivelmente liberal, cheia de luz e esperança, escrevendo e indo a festas com o mesmo entusiasmo, ela não tinha nada de fascista. Mas exploradora de alternativas? Sim. Quando deixávamos o clube, ela pegou um adesivo colorido: «Hoje em dia, podemos encontrar todo tipo de gente estranha… e eu gosto disso». A referência não era a Dugin, mas ao crescente número de pessoas vivendo em Moscou sem permissão de residência, o equivalente moscovita ao problema ocidental da imigração.

    No centro de Moscou, outro antigo colega de Dugin — Gaydar Jamal — vivia atrás de outra porta de aço, a de um apartamento em um prédio chique próximo à Embaixada dos Estados Unidos. A porta de Jamal não foi aberta por um ex-KGB, mas sim por um jovem tártaro com a cabeça raspada, que depois nos serviu café em xícaras rachadas com pires que não combinavam. No apartamento quase sem mobília havia diversos outros jovens do mesmo tipo, que não faziam nada em geral, ou que não faziam nada enquanto eu estive lá. Jamal e eu conversamos sobre Dugin, o Islã, nossos avós, jihad, os contatos de Jamal com o Talibã, modernidade e tradição.

    Apesar de poder imaginar aqueles jovens tártaros fazendo todo tipo de coisa, Jamal e eu nos demos bem. Ele até prometeu me procurar na próxima vez que passasse pelo Cairo — algo que não me entusiasmava, tanto pelas consequências da visita de um islamista estrangeiro de renome para minha ficha nos serviços de segurança egípcios, quanto pela reação de minha esposa, que eu podia imaginar, caso Jamal e seu grupo aparecessem de surpresa. Dugin e eu também nos demos bem. Não havia nenhum skinhead em seu escritório, só uma secretária esperando a hora de voltar para casa, o inevitável zelador russo cinquentão e impassível e um homem com a aparência de livreiro, sentado no sofá e folheando o catálogo de publicações de Dugin. O próprio Dugin, como me dei conta mais tarde, já tinha deixado os Nacionais Bolcheviques para trás naquela época para embarcar no caminho que o levaria a uma aliança ainda mais assustadora com o Kremlin. Limonov, por outro lado, terminou na prisão.

    Apesar de quase todas as minhas notas permanecerem legíveis a despeito do fogo e da água no meu apartamento emprestado, precisei conseguir um novo exemplar de Cavalgando o Tigre, o livro de Evola que eu havia trazido comigo para ler enquanto esperava que as entrevistas se materializassem. Evola, barão Julius. Oficial de artilharia, pintor de vanguarda, mago. Morto em Roma em 1974. Seus livros foram descobertos na Biblioteca Lênin em Moscou por Jamal e alguns outros dissidentes pouco depois da crise dos mísseis de Cuba. É impossível que os bibliotecários que permitiram que os livros de Evola permanecessem nas prateleiras tenham visto seu conteúdo sem notar a dimensão do perigo que representavam. Na Itália da década de 1970, conta-se que era pior para você se a polícia encontrasse livros de Evola durante uma revista em seu apartamento do que se encontrasse explosivos plásticos.

    Evola foi julgado na Itália em 1951 por «conspirar para restabelecer o fascismo», mas foi absolvido. Tratava-se de uma acusação ridícula: o simples fascismo sempre fora algo excessivamente suave para Evola. É verdade que ele havia colaborado com Mussolini no tema das leis raciais da Itália, mas os fascistas terminaram por convocá-lo de Berlim para retornar à Itália e confiscaram seu passaporte. Seus pontos de vista eram demasiado extremistas para eles. Evola estava para Mussolini como Trótski estava para Stálin — mas quem havia ouvido falar dele? Bem, a polícia antiterrorismo italiana, para começar. Agora mesmo, Evola tem 12.600 resultados numa busca no Google; Trótski ganha, é verdade, com 137 mil resultados.

    Eu mesmo nunca tinha ouvido falar de Evola até perguntar ao xeique Abd al-Wahid Pallavicini como ele havia se tornado muçulmano. Foi assim que minha pesquisa sobre o Tradicionalismo começou, em Milão, no verão de 1995-96, enquanto entrevistava o xeique italiano de uma ordem sufi composta exclusivamente de convertidos italianos ao Islã. A primeira vez que ouvi falar de Pallavicini e dos sufis italianos foi em uma conferência em Cartum, conversando com um colega da Itália do lado de fora do salão de conferências, onde nos aquecíamos entre as sessões. Aquele salão era um dos poucos lugares no Sudão com ar-condicionado, e os organizadores da conferência estavam determinados a usá-lo ao máximo. O sol quente, a areia e o silêncio do Sudão conferiam um alívio pontual entre as tediosas sessões no interior daquela geladeira. Enquanto tremíamos na penumbra, acadêmicos sudaneses apresentavam artigos e mais artigos sobre assuntos pelos quais não tinham muito interesse, mas que achavam que poderiam interessar a um estrangeiro e abrir as portas para a mina de ouro de uma bolsa de pesquisas no exterior.

    «Se você está trabalhando com os Idrisis», disse meu colega italiano, «nós temos alguns em Milão.» Um dos aspectos da ordem sufi Idrisi que me interessavam naquele momento era como ela havia se espalhado. Assim, alguns meses depois, durante o frio janeiro de 1996, tomei um avião do Cairo para Milão. Alguns seguidores do xeique me encontraram no aeroporto, tratando-me com grande respeito por eu vir do Oriente. Bem, na verdade, eu tinha recém-chegado do Oriente, pois nasci em Londres, com um sobrenome que sugere ancestrais vikings distantes. De minha parte, tratei igualmente o xeique Pallavicini com profundo respeito. É assim que se trata um xeique sufi, e entrevistar xeiques sufis era parte do meu trabalho como historiador do Islã. Eu nunca havia encontrado um xeique italiano antes, mas me pareceu mais seguro abordá-lo antes como xeique do que como italiano. Durante nossa entrevista, Pallavicini me contou que ele havia se tornado muçulmano na Suíça em 1952, tendo sido enviado por Evola para encontrar um xeique sufi que vivia lá. Ele havia contatado Evola na qualidade de tradutor para o italiano das obras de um autor francês, René Guénon, que ele andava lendo.

    Assim, talvez a minha pesquisa não tenha começado de verdade naquele inverno, pois eu já tinha ouvido falar de René Guénon, apesar do nome Evola não me dizer nada. Talvez minha pesquisa tenha começado dez anos antes, em 1986, no segundo dia de minha primeira viagem ao Cairo. Eu estava visitando um amigo de escola que havia conseguido um emprego dando aulas de redação para alunos de primeiro ano na Universidade Americana do Cairo (UAC), e ele me levou para almoçar na cafeteria da universidade. Carregamos nossas bandejas do caixa até uma mesa vazia e nos sentamos. «Aqueles ali são os convertidos», disse meu amigo, divertindo-se com o papel de guia e indicando uma mesa na direção oposta do refeitório. Quatro homens estavam sentados ao redor de uma pequena mesa, todos com barbas cheias e vestidos com roupas escuras — ou será que elas só pareciam escuras? Passados apenas dois dias no Cairo, eu provavelmente ainda associava o Islã à escuridão. Como era possível que um ocidental se convertesse ao Islã? Terminada sua refeição, os quatro conversavam em voz baixa, inclinando-se para a frente. Sobre o que poderiam estar conversando?

    Um ano depois, eu mesmo havia me mudado para o Cairo e me tornado professor da UAC, quando vim a conhecer um daqueles convertidos, um cidadão dinamarquês cuja língua materna era o alemão e que geralmente era tomado por norte-americano. Ele havia sido motorista de ambulância em Hamburgo, buscador espiritual no Sri Lanka e professor de inglês na Universidade Americana de Beirute, onde conheceu um xeique sufi turco e se converteu ao Islã no ato. Olhando de perto, ele não era tão escuro. Ao contrário, era um homem com olhos brilhantes e um senso de humor irreverente, que rapidamente tornou-se meu amigo e que continua sendo até hoje. Um dia, na década de 1980, ele me emprestou um livro de René Guénon e me disse que se tratava de um francês convertido ao Islã que vivera no Cairo durante muitos anos. O livro parecia inocente — um volume de bolso da Penguin com a marca da biblioteca da UAC na lombada. A data carimbada na folha de rosto indicava que o livro estava mais ou menos doze anos atrasado, como mostrei a ele. O convertido sorriu: «Esse livro é valioso demais», disse ele, «para ser confiado à biblioteca. Trate de devolvê-lo para mim».

    Era um livro estranho e difícil, que não tratava de modo algum do Islã. Em vez disso, falava do tempo, da quantidade, da qualidade, de Aristóteles, de Gog e Magog e do fim do mundo que se aproximava. Era um livro preocupante e me pareceu difícil fazer pouco caso dele.

    «Como você pode ler esse tipo de coisa?», perguntou-me o amigo de escola que havia apontado a mesa com os convertidos no outono do ano anterior.

    «Guénon?», disse outro professor da UAC. «Leia isso», e me deu um livro de Frithjof Schuon. Um suíço dessa vez, e outro xeique, disseram-me. Um autor diferente de Guénon, emprestado por um homem de outro tipo, Alan Gould. Gould havia sido poeta beat e irradiava energia em vez de humor, entrando e saindo da Arábia Saudita e falando — depois de décadas no Oriente Médio — o árabe mais atroz que já ouvi.

    Foi assim que as coisas começaram, com dois convertidos ao Islã dando aulas na UAC, e com dois autores, ambos europeus, de quem se dizia serem xeiques sufis, mas nenhum dos dois, paradoxalmente, escrevendo muito sobre o Islã. Apesar de eu não conseguir perceber o porquê, as relações entre o convertido-que-lia-Guénon e o convertido-que-lia-Schuon pareciam mais frias do que eu esperava. Seja como for, quando ambos os nomes surgiram em Milão — Schuon era o xeique suíço a quem Pallavicini fora enviado após ler Guénon —, fiquei intrigado.

    Guénon e Schuon claramente eram importantes para um aspecto do encontro entre o Ocidente e o Islã: não o encontro «choque de civilizações», mas o seu oposto — a deserção. Os livros de Guénon eram uma importante causa de conversões ao Islã na Itália, de acordo com o proprietário de um dos maiores centros islâmicos de Milão que entrevistei. Ali Schutz administrava um restaurante que servia culinária do Oriente Médio e que também fazia as vezes de espaço de exibições e salão de conferências ocasional. O lugar estava ligado a uma movimentada loja que vendia tapetes de oração, xales para mulheres muçulmanas, incensórios, fotos emolduradas da Caaba em Meca, Alcorões e outros livros, incluindo uma prateleira das obras de Guénon no original em francês e em traduções italianas. O próprio Ali não era um grande fã de Guénon, «mas é isso que as pessoas querem ler, e é algo útil, traz elas para o Islã».

    Assim, era um quadro bastante simples, exceto pelo fato de que Evola não se encaixava nele. «Uma espécie de filósofo fascista», disse um acadêmico italiano que visitei, «que pensava que o Islã era uma raça espiritual.» Não aprendi grande coisa além disso; o acadêmico estava com uma gripe severa, mostrou-se relutante em encontrar-me em seu apartamento no fim de semana e claramente queria acabar com aquilo o mais rapidamente possível. Ao levantar-me para ir embora, avistei, em um panfleto mal impresso aberto sobre sua escrivaninha, uma fotografia fora de foco de homens sorrindo, vestidos com uniformes das SS. Olhei mais de perto, questionando-o. «Um contingente muçulmano nas SS», respondeu meu relutante anfitrião. «Eu pesquiso esse tipo de coisa também.» Em seguida, eu estava na rua, procurando uma loja de conveniência onde pudesse comprar algumas guloseimas para levar para o Cairo. Dois panetones pelo preço de um (quinze dias depois do Natal) e cogumelos porcini. Missão cumprida. Eu tinha um capítulo a acrescentar ao meu livro sobre a difusão da ordem sufi Idrisi, e alguns troféus comestíveis da viagem.

    A minha imagem de Guénon e de Schuon como autores islâmicos sobreviveu por algum tempo. Naquele avião voltando de Milão, li uma curta biografia de Guénon que um dos seguidores de Pallavicini havia me dado. Ele mencionava brevemente a juventude inconsequente de Guénon, sua participação em diversos grupos ocultistas em Paris, e, em seguida, sua conversão ao Islã em 1910, aos 24 anos de idade. O guénonismo, como eu já começava a chamá-lo, parecia dizer respeito ao Islã no Ocidente. Schuon havia sido um leitor e seguidor de Guénon. Havia também Martin Lings, que primeiro seguiu Guénon e depois Schuon. Eu havia me encontrado com Lings uma vez quando veio ao Cairo para receber um prêmio do presidente Hosni Mubarak por uma biografia do Profeta Maomé; escrever sobre o profeta do Islã, ser traduzido ao árabe e chegar ao ponto de ganhar um prêmio era um grande feito para um inglês. Quintessencialmente inglês ao manejar uma leiteira e um bule de chá, falando no sotaque entrecortado de sua geração, Lings falou sobre arquitetura moderna e tradicional. O Nilo corria afora; Lings usava uma túnica jallabiyya e seus convidados estavam sentados numa cama de hotel; não fosse por isso, poderíamos estar em Surrey.

    Além de Lings, havia Seyyed Hossein Nasr, como vim a saber; outro nome conhecido, autor de Ideais e realidades do Islã, publicado pela editora da UAC, que eu havia recebido de presente de Rana, outra professora da UAC, com suas margens cheias de notas. Rana era bela e trágica, torturada por todo tipo de problemas. O que vinha primeiro, a feminista ou a patriota árabe oponente do imperialismo cultural do Ocidente? Ela era uma filha do Nilo ou uma aluna do Emmanuel College, Cambridge? Oprimida como mulher e pertencente a uma raça desde sempre subjugada, ou patroa rica de diversos empregados em sua esplêndida casa de campo? Muçulmana ou livre-pensadora? Acadêmica ou escritora? Casada ou livre? Não sei que papel o livro de Nasr desempenhava nos conflitos de Rana. Anos depois, quando encontrei-a na rua e tomamos um difícil café, tentando e não conseguindo quebrar uma década de silêncio para redescobrir a intimidade que havíamos compartilhado no passado, ela era uma romancista divorciada, escrevendo não em inglês, mas em árabe, vencedora de uma prestigiosa medalha de ouro naquele ano.

    Quando o xeique Pallavicini revelou-me que Schuon liderava uma ordem sufi, foi fácil encontrá-la. A ordem de Schuon havia sido secreta durante a maior parte de sua existência, mas é difícil manter inteiramente em segredo qualquer coisa que envolva centenas de pessoas ao longo de mais de setenta anos. O segredo era guardado com mais afinco dos «profanos», dos ocidentais modernos irreligiosos. Vivendo no Cairo e conhecendo o sufismo e o Islã, eu me aproximava dele por uma retaguarda descoberta. Fragmentos que eu ouvira aqui e ali começavam a fazer sentido. Rumores acerca de uma dúzia de pessoas conhecidas, pessoas que se pareciam com sufis, mas que não reconheciam sua filiação a nenhuma ordem conhecida, passavam a se encaixar. Eu me dei conta da razão por que um brilhante acadêmico dos Países Baixos que entrara em uma ordem sufi egípcia em Alexandria a havia abandonado pouco depois e seguido para um destino desconhecido. Agora eu entendia o que unia certos indivíduos que conhecia ou de quem tinha ouvido falar, que sempre me pareceram mais do que simples bons amigos: tratava-se de uma ordem sufi ocidental e secreta que, por três quartos de século, não havia admitido sequer o seu nome, a Maryamiyya.

    Lentamente, comecei a unir os elos entre Guénon, Schuon e um número cada vez maior de autores ocidentais sobre o Islã, a maioria deles convertidos abertos ou secretos ao islamismo. Catálogos de livrarias revelavam livros, editoras e periódicos. Um interessante artigo já estava quase finalizado quando alguém mencionou Andrew Rawlinson, um acadêmico inglês aposentado que morava na França, e seu livro a ser publicado, Western Masters in Eastern Traditions [Mestres ocidentais em tradições orientais].

    Rawlinson enviou-me as partes mais importantes do manuscrito, do qual emergia uma imagem muito diferente de Schuon. Rawlinson via Schuon não como um sufi piedoso, mas como um charlatão, possivelmente em autoengano e certamente enganando os outros. Ele dava a impressão de acreditar que qualquer ocidental convertido ao Islã era, de algum modo, louco, algo que, àquela altura, eu já sabia não ser verdade. Educadamente, questionei os pontos de vista de Rawlinson sobre Schuon. Certa manhã, deparei-me com um gordo envelope na minha caixa de correio. Enviado por Rawlinson, ele continha cópias de algumas fotografias. Sentei-me em minha escrivaninha, ora escondendo as fotos entre meus papéis, ora retirando-as outra vez, fascinado e horrorizado. Nelas, via-se Schuon vestido como um cacique indígena dos Estados Unidos, cercado por mulheres de biquíni, Schuon completamente nu, exceto pelo que aparentava ser um elmo viking. Havia uma pintura feita por ele, da Virgem Maria, também nua, sua genitália desenhada com clareza. Meu artigo precisaria de revisões substanciais, assim como diversas das conclusões às que eu havia chegado.

    Esse foi meu primeiro quebra-cabeça. Alguns dos principais autores ocidentais que escreviam sobre o Islã eram seguidores de um homem que andava com um cocar, ou sem roupa alguma, e que pintava certos quadros bastante fora do comum. No mínimo, eu deveria levar mais a sério os relatos de outras irregularidades na ordem sufi Maryamiyya — irregularidades de um ponto de vista islâmico, ao menos. Fui conversar com Gould, o leitor de Schuon, em sua sala na UAC. Ele mencionou as fotos antes de mim, adivinhando corretamente que eu deveria tê-las visto. Elas tinham sido roubadas, parte de uma história sórdida na qual ele não desejava entrar, disse-me. Qualquer interesse nelas era fruto da lascívia. Elas eram irrelevantes. Se eu escolhesse, equivocadamente, fixar-me nas fotos, isso era problema meu. Quanto às supostas irregularidades, elas não eram irregulares: meu entendimento do que era regular é que era deficiente. Eu tinha um problema ético a confrontar, e não o estava confrontando corretamente. Esse foi o fim de uma amizade com um homem de quem eu gostava, mesmo sem nunca tê-lo entendido por completo, um homem cuja bondade era tão visível e cativante quanto suas excentricidades.

    Em uma visita aos Estados Unidos, fui a Washington, D.C., para encontrar-me com Nasr, o autor do livro todo anotado de Rana sobre os Ideais e realidades dos Islã, bem como de muitos outros volumes. Seu título é University Professor of Islamic Studies, explicou-me um aluno de pós-graduação que eu conhecia do Cairo antes de minha partida de Princeton para Washington. «Não sei o que isso significa, mas é algo muito mais grandioso do que simplesmente ‹Professor›, e não se esqueça disso.» Seja lá o que fosse, dava a Nasr o direito de ter uma secretária e uma suíte, em lugar de uma simples sala. Foi deixado claro (ainda que não pelo próprio Nasr) que eu tinha muita sorte por ter acesso ao grande homem. Não ousei mencionar as fotos. Nasr assumiu a mesma linha de Gould com relação às irregularidades. Entendidas de maneira correta, explicou-me, não havia nada de irregular. Quem era eu para discutir com um University Professor of Islamic Studies? Nem tentei. E, ainda assim, eu não estava nem um pouco convencido.

    Dois anos depois, quando fui ao Irã durante outro inverno frio e visitei o que restava da esplêndida Academia Tradicionalista pela qual Nasr havia sido responsável, percebi que eu realmente tinha tido sorte ao encontrar o grande homem. Seja lá o que for um University Professor, no Irã Nasr fora muito mais importante do que se tornaria mais tarde nos Estados Unidos, e ele continuou importante no Irã mesmo depois da Revolução. Rana, vim a descobrir, havia sido apenas um dos inúmeros muçulmanos que, na incerteza a respeito de como integrar sua própria modernidade com a religião e a cultura em que nasceram, tiveram a esperança de que Nasr poderia ajudá-los a encontrar uma resposta.

    Meu segundo quebra-cabeça foi a conexão Evola. Eu começava a compreender a base da filosofia desenvolvida por Guénon, uma filosofia que Nasr me convencera que deveria ser chamada de Tradicionalismo, e não de guénonismo. Evola e Schuon haviam-na desenvolvido ainda mais. Mas Evola não se encaixava de modo algum, nem com a imagem de piedade sufi nem com a imagem alternativa de uma seita influente. Já existia, como vim a saber, uma literatura acadêmica a respeito de Evola, mas em lugar algum mencionava-se Guénon ou a religião. Em vez disso, Evola era inevitavelmente retratado como a inspiração intelectual para o terrorismo de extrema direita na Itália durante os chamados «anos de chumbo», a década de 1970, quando balas de metralhadora voavam com uma frequência muito maior do que seria sadio numa democracia ocidental. Claramente, algo estava faltando. Evola veio de um movimento religioso. Deveria haver um aspecto religioso nele.

    A chance de descobrir o que poderia ter sido esse aspecto me foi dada por Friedrich Müller, professor de Estudos Religiosos numa universidade europeia. Müller abordou-me em uma conferência em que eu havia apresentado um artigo sobre «Sufismo Tradicionalista». Disse-me que estava interessado em Guénon e, portanto, em meu trabalho sobre ele. Conversamos, e Müller se ofereceu para conseguir-me uma entrevista com um muçulmano seguidor de Evola, «se você não se importar com seu nome numa ficha policial em algum lugar», acrescentou. Como residente havia muito no Egito, com uma ficha policial egípcia de uns trinta centímetros de espessura, eu não estava muito preocupado com a ideia de uma pasta fininha e elegante nos arquivos da polícia italiana. Encontrei-me com Müller na Alemanha e seguimos juntos de trem para a cidade de Parma, no norte da Itália. Ainda que eu não estivesse preocupado com arquivos na polícia, Müller evidentemente estava. Cada vez que trocávamos de trem, ele pedia desculpas por me deixar na plataforma e desaparecia numa cabine telefônica. Após uma série de ligações, anunciou que o encontro aconteceria.

    O escritório de Claudio Mutti ficava num bloco de apartamentos banal e genérico na periferia de Parma, num bairro operário com ruas silenciosas, carros em mau estado estacionados sob árvores e gatos adormecidos. O escritório de Mutti era um quarto no pequeno apartamento de sua mãe, não de todo isolado dos apetitosos odores da culinária italiana. Havia uma pequena escrivaninha que, com sua prateleira de carimbos, parecia pertencer a um atarefado burocrata. As paredes eram decoradas com kitsch islâmico — citações do Alcorão impressas em papel metálico decorado com purpurina, fotografias de lugares em Meca e Medina emolduradas em plástico barato. Atrás de um armário de arquivo que não combinava com a temática islâmica, via-se encostado um mastro do qual pendia uma bandeira, uma cruz negra com bordas brancas num campo vermelho, uma Cruz de Ferro na parte superior esquerda e uma suástica no centro. Mais tarde, identifiquei-a como a Reichskriegsflagge, a insígnia de combate nazista.

    Mutti estava sentado numa cadeira de cozinha de madeira, e não em sua escrivaninha. Após conversar amigavelmente com Müller num excelente francês, Mutti virou-se para mim e respondeu a minhas perguntas de maneira prestativa. Todo leitor sério de Evola, disse, conheceria Guénon, mas nem todo leitor de Guénon chegaria a descobrir Evola. Discutimos as possíveis práticas espirituais de Evola, e Mutti me deu uma cópia de um artigo em que ele explicava a si mesmo: «Por que escolhi o Islã». Passamos disso à influência de Evola em outros países. Haviam me contado que Mutti deu aulas de romeno e de húngaro em uma universidade italiana até ser demitido por suas atividades políticas, e ele continuava em contato com romenos e húngaros interessados em Evola. Você se lembra das imagens de televisão do julgamento de Ceausescu?, perguntou-me Mutti. O juiz ao fundo, de farda e com uma barba branca? Um grande fã de Guénon, disse Mutti. Será que eu gostaria de uma cópia do livro de Mutti sobre Evola no front oriental? Uma cópia foi providenciada, dedicada e recebida com um agradecimento.

    Foi só mais tarde que descobri o que deveria ter sido objeto de minhas perguntas a Mutti: não o kitsch islâmico, mas a Reichskriegsflagge. Antes de deixar a Itália, fui a uma grande livraria e perguntei por livros sobre os terroristas de direita. O vendedor pareceu surpreso. Havia muitos livros sobre a violência «vermelha», disse ele, quase esperançoso, se eu desejasse um. Era a violência direitista que me interessava de verdade? Bem, talvez houvesse algo. Ele encontrou para mim o grosso livro de Franco Ferraresi sobre Threats on democracy [Ameaças à democracia]. A academia italiana é altamente politizada, e Ferraresi era evidentemente de esquerda, mas, entre tentativas de colocar a culpa pelo terrorismo de direita em um sistema corrupto e falido, o livro fornecia uma extensa cobertura da extrema direita nas décadas de 1960 e 1970. Quando finalmente consegui lê-lo, já de volta ao Cairo, descobri, entre os muitos grupos que se inspiravam em Evola, um realmente assustador em seu niilismo, o grupo liderado por Franco Freda. E entre os seguidores de Freda estava Mutti, meu solícito anfitrião em Parma. Fiquei imaginando para quem o professor Müller teria ligado para acertar aquele encontro.

    O que mais seriam esses Tradicionalistas? Piedosos sufis ou uma seita, religiosos ou políticos? Logo as pessoas começaram a confrontar minha visão inicial do Tradicionalismo como um fenômeno islâmico ou islamo-ocidental. O problema começou numa conferência sobre novos movimentos religiosos em Amsterdã, onde apresentei um artigo sobre «Sufismo Tradicionalista». Foi ali que Müller me procurou e me convidou para ir com ele a Parma. Foi ali que recebi o convite para ir a Moscou. Foi ali também que chamei a atenção dos franceses pela primeira vez.

    Eu descobrira a conferência de Amsterdã na internet, tentando me informar sobre Madame Blavatsky e a Sociedade Teosófica. Xeiques sufis têm tanto orgulho de suas genealogias quanto grão-duques austríacos costumavam ter de sua linhagem de sangue, e, como pesquisador, eu não podia simplesmente deixar de lado a juventude inconsequente de Guénon. A figura-chave num primeiro momento parecia ser alguém chamado, sempre entre aspas, de «Papus», cujos livros sobre tarô, astrologia e reencarnação continuavam em catálogo. As leituras sobre «Papus» me levaram aos teosofistas, e à memórias da minha primeira adolescência. Aos quinze anos, li as obras de Paul Gallico, famoso por seu Snow Goose [Um milagre de Natal], um livro fora de catálogo havia anos. Perto da minha escola havia uma empoeirada livraria que vendia mais canetas e papel do que propriamente livros, e em suas prateleiras encontravam-se primeiras edições encalhadas dos romances de Gallico, em ofertas irresistíveis com preços da década de 1960 em plena década de 1970. Eu gostei em especial de The Hand of Mary Constable [A mão de Mary Constable] (1964): «Alexander Hero [...] é enviado a Nova York, onde um cientista está convencido de estar em contato com sua filha falecida por intermédio de um médium. A prova é o molde de uma mão com as impressões digitais da garota morta». Ectoplasma, espiões comunistas, tudo.

    Ao final de minha pesquisa sobre o Tradicionalismo, eu havia encontrado um cientista nuclear e até mesmo espiões comunistas (aposentados), mas nenhum ectoplasma. Eu também havia descoberto que, apesar de haver tantos truques ao redor de Blavatsky quanto num romance de Paul Gallico, havia uma seriedade na Teosofia também — seriedade das consequências hoje, como dos propósito no passado. Na conferência de Amsterdã, ouvi com fascínio crescente a apresentação dos artigos. Eu sabia que a religião era algo importante no Oriente Médio contemporâneo, que os desenvolvimentos políticos e culturais na região não podiam ser estudados sem referência ao Islã, mas sempre pensei que essa era uma das características especiais da região onde eu vivia e que era meu objeto de trabalho. O Ocidente era diferente, acreditava eu: exceto por alguns bolsões de resistência nos Estados Unidos, tratava-se de um mundo pós-religioso, de uma sociedade secular. No entanto, terminei por descobrir que a maioria dos suecos acredita que a Terra é visitada por seres alienígenas, bem como ao menos um terço dos norte-americanos. De acordo com uma pesquisa, mais de um quarto dos franceses acredita em reencarnação. O professor Wouter Hanegraaff, da Universidade de Amsterdã, sustenta que, apesar do esoterismo ocidental ter sido sempre ignorado por acadêmicos que se envergonham de sua sobrevivência desde os tempos antigos, a emergência da própria modernidade está ligada à história do esoterismo. A Teosofia, vim a saber para meu espanto, estava até mesmo na origem da loja especializada no bairro chique de Zamalek no Cairo, onde minha esposa e eu compramos vegetais orgânicos.

    Amsterdã foi onde encontrei a comunidade de acadêmicos que estudam novos movimentos religiosos no Ocidente, e também onde fui descoberto por uma parte daquela comunidade. Logo após a conferência, o editor de um periódico francês do qual eu nunca tinha ouvido falar enviou-me um e-mail no Cairo, pedindo para publicar meu artigo sobre o «Sufismo Tradicionalista». Quando apresentei o texto, um revisor da Sorbonne questionou minha visão de Guénon como puramente muçulmano. Na Sorbonne, descobri, Guénon era visto como católico, como parte da história do esoterismo francês e como maçom; seu Islã era considerado quase secundário.

    E assim a conferência de Amsterdã levou-me a Paris, a cidade de Guénon. René Guénon apresentara uma tese de doutorado à Sorbonne, que a rejeitou. Mas, mesmo que Guénon nunca tenha perdoado a Sorbonne, no fim do século XX a Sorbonne havia reabilitado Guénon. Marquei um encontro no departamento de ciências religiosas da Escola de Altos Estudos com Jean-Pierre Laurant, a principal autoridade na academia francesa sobre Guénon e o revisor mais crítico do meu «Sufismo Tradicionalista». Um porteiro indicou-me a biblioteca, um minúsculo cômodo com painéis de madeira, estantes com portas de vidro e tábuas rangendo no chão, onde encontrei um senhor de cabelos brancos debruçado sobre um manuscrito coberto com desenhos e diagramas cabalistas. Após o manuscrito ser devidamente enrolado e guardado, seguimos para um café próximo, sob o sol; logo eu viria a descobrir que a maior parte da conversação acadêmica na França acontece em cafés. A cortesia de Monsieur Laurant era equivalente aos veneráveis painéis de madeira da biblioteca; ele fazia perguntas sobre o progresso de minhas pesquisas como se indagasse sobre a saúde de um amigo em comum. Ofereceu algumas sugestões, quase pedindo desculpas. Cada uma delas, naturalmente, veio a abrir um novo e amplo campo de investigações.

    Um dos centros da vida de Guénon em Paris havia sido sua editora, chamada inicialmente «Chacornac Irmãos» e depois renomeada «Edições Tradicionais» (Éditions traditionnelles), em homenagem ao movimento fundado pelo campeão de vendas de Chacornac. Seu endereço aparecia impresso em um sem-número de livros que eu havia visto: II, quai Saint-Michel, uma pequena caminhada da Sorbonne. Mas, quando cheguei ao quai Saint-Michel, as Edições Tradicionais não estavam mais lá. Apenas uma livraria esotérica sobrevivia no bairro, a «Table D’Émeraude», na rue de la Huchette (a «medieval rue de la Huchette», de acordo com o guia turístico), localizada atrás do rio Sena. Exceto pela livraria, a área estava tomada por turistas e por vendedores de cartões-postais, além de um restaurante onde se ouviam todas as línguas menos o francês. A livraria Table D’Émeraude estava em mau estado, os vendedores claramente desmotivados até para abrir a caixa registradora.

    Três dias depois, precisei sugerir um lugar para um encontro com um xeique sufi Tradicionalista que vinha da Borgonha a Paris para fazer negócios vendendo cavalos (ele possuía uma fazenda de garanhões). Apesar de minha recepção anterior, escolhi a calçada em frente à Table D’Émeraude, pensando que pelo menos poderia ganhar algo dando uma espiada nos livros caso o xeique se atrasasse. Ele realmente se atrasou, enviando por celular os detalhes do engarrafamento em que estava preso, mas acabei não ganhando nada com a espera. Desde a minha visita anterior, a livraria havia fechado. «E reaberto como um restaurante grego?», perguntou-me Monsieur Laurant em nosso encontro seguinte.

    Seguindo as indicações de Monsieur Laurant, acumulei listas cada vez maiores de nomes, que investiguei a princípio na ultramoderna Biblioteca Nacional da França, uma monstruosidade nova em folha, com seu próprio metrô e um sistema de computadores que derrotava empregados e usuários praticamente com a mesma frequência. Da Biblioteca Nacional a mais encontros em mais cafés. «Então foi você que pediu o livro», disse um jovem acadêmico católico. «Fiquei pensando

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