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Diálogos Sobre A Privacidade E A Proteção De Dados Pessoais No Brasil
Diálogos Sobre A Privacidade E A Proteção De Dados Pessoais No Brasil
Diálogos Sobre A Privacidade E A Proteção De Dados Pessoais No Brasil
E-book541 páginas5 horas

Diálogos Sobre A Privacidade E A Proteção De Dados Pessoais No Brasil

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Sobre este e-book

Diálogos sobre a privacidade e a proteção de dados pessoais no Brasil: um olhar multidisciplinar sobre o tema ​ O direito à privacidade e à intimidade, os direitos do consumidor, a proteção aos dados e informações pessoais e vários outros dispositivos legais estão cada vez mais pujantes nessa atual sociedade, gerando reflexões, reestruturações, adequações comportamentais, legais, técnicas e organizacionais no ecossistema de cada organização. Atrelado a isso, emergem as novas dinâmicas que se voltam à remodelagem das políticas, dos processos, e direcionam as mudanças para que as  medidas administrativas e técnicas garantam, minimamente, segurança jurídica ao direito à privacidade e à intimidade, através da proteção de dados pessoais, buscando assegurar a confiabilidade e a integridade de dados pessoais de clientes e cidadãos, em conformidade com a Lei Federal n. 13.709/2018, denominada Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), no Brasil, e outros normativos no cenário internacional. Em razão desta obrigatoriedade, bem como do atendimento às diretrizes contidas no âmbito internacional prevista, por exemplo, na União Europeia, como o General Data Protection Regulation (GDPR) e, mais especificamente, no cenário nacional, a partir da nossa lei brasileira, faz-se necessário ampliar o diálogo sobre o tema.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento23 de jun. de 2022
Diálogos Sobre A Privacidade E A Proteção De Dados Pessoais No Brasil

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    Diálogos Sobre A Privacidade E A Proteção De Dados Pessoais No Brasil - Adriana Carla Silva De Oliveira, José Antonio Pereira Do Nascimento

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    Adriana Carla Silva de Oliveira

    José Antonio Pereira do Nascimento

    (Organizadores)

    DIÁLOGOS SOBRE A PRIVACIDADE

    E A PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS NO BRASIL:

    UM OLHAR MULTIDISCIPLINAR SOBRE O TEMA

    Copyright © 2022

    Adriana Carla Silva de Oliveira

    José Antonio Pereira do Nascimento

    (Organizadores)

    DIÁLOGOS SOBRE A PRIVACIDADE E A PROTEÇÃO DE DADOS

    PESSOAIS NO BRASIL: UM OLHAR MULTIDISCIPLINAR SOBRE O TEMA

    Idealização e orientação acadêmica

    José Antonio Pereira do Nascimento

    Organização

    Adriana Carla Silva de Oliveira e José Antonio Pereira do Nascimento

    Normalização ABNT

    Ilvana Sousa do Amaral e José Antonio Pereira do Nascimento

    Ficha catalográfica

    José Antonio Pereira do Nascimento

    Bibliotecário - CRB-7: 5186

    Projeto gráfico

    Editora Motres

    2022 © Todos os direitos são reservados de acordo com as Normas de Leis e das Convenções Internacionais. Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada ou reproduzida sob quaisquer meios existentes sem autorização por escrito dos organizadores.

    EXPEDIENTE

    Profa. Dra. Adriana Carla Silva de Oliveira

    CEO do Instituto Adriana Carla (IAC)

    José Antonio Pereira do Nascimento

    CEO do Zetó Consultoria Ltda.

    Profa. MSc. Alessandra Silva de Oliveira Marins

    Assessora Acadêmica do IAC

    Myrianna Coeli

    Social Media e Designer

    Vilmária Nunes

    Relacionamento IAC

    AGRADECIMENTOS

    Agradeço a Deus pelas oportunidades e pessoas que coloca em meu caminho, pois todas são mestres no que têm a nos ensinar nessa vida.

    Alguns ensinam e ainda registram seu conhecimento em forma de capítulos de livro.

    Diante disso, meu maior agradecimento é a todos os colaboradores que acreditaram na ideia e fizeram este livro acontecer.

    José Antonio Pereira do Nascimento

    PREFÁCIO

    Recebi com grande felicidade o convite para prefaciar um livro de tamanha densidade e relevância para o tema da proteção de dados pessoais. A reunião de profissionais brilhantes e dedicados à reflexão de temas bastante atuais por si só é uma tarefa digna de respeito e elogios aos seus organizadores.

    Conheço José Antonio, chamado pelos amigos de Zetó, desde os tempos de faculdade, ele cursando Biblioteconomia e eu, Arquivologia. Muitos desafios já se faziam presentes no final dos anos 90, e fomos contemporâneos de muitas iniciativas que buscavam desafiar a inércia muitas vezes presente em nossas áreas, bem como as angústias de tentar compreender a possível amplitude da atuação dos profissionais de informação em meio à consolidação da sociedade do conhecimento.

    Tive o prazer de conhecer a Dra. Adriana Carla mais recentemente, no início de 2020. Por intermédio de uma amiga em comum, Rita – também participante desta obra) – fomos desafiados a debater a LGPD em mesa-redonda sobre Empoderando Digital, Proteção de Dados e Lei Geral de Proteção de Dados, num exercício que inevitavelmente me remete ao tema desse livro, pois foi a primeira vez que propus promover o diálogo entre a LGPD e a gestão da informação. Dessa mesa-redonda, nasceu um artigo e parcerias que vêm se ampliando e reunindo mais amigos.

    O resultado que vocês leitores terão nas páginas a seguir é igualmente rico. Apesar da alegria de ver esta obra concretizada, o desafio assumido pelos organizadores foi enorme, e o resultado de tamanha ousadia certamente só foi possível em razão do espírito desbravador e empreendedor de José Antonio e Adriana Carla.

    Porém, o que esta obra propõe é ir além de um desafio, de uma ousadia. Seu título nos dá a melhor pista possível sobre estas pretensões, ao falar de diálogos.

    Costumo argumentar que a LGPD pode ser estudada e trabalhada de uma maneira mais envolvente do que meramente o estudo da Lei Federal n. 13.709/18. Conhecer o texto legal obviamente é importante, mas refletir sobre os impactos, os conflitos e as mudanças que ela promove na sociedade é algo fundamental e obrigatório. Compreender e debater esse ecossistema de relações só é possível através de diálogos entre disciplinas e práticas profissionais, bem como entre princípios, direitos, interesses e expectativas do indivíduo, da pessoa humana.

    Alguns dos diálogos presentes nesta obra têm a capacidade de trazer luz a temas que observei serem tratados de maneira muito precipitada e superficial, especialmente nos primeiros momentos da existência da LGPD.

    Importante entender que o contexto composto por marketing digital, big data, redes sociais, etc., é impactado não só pela LGPD, mas pelo grande movimento global de busca por maior respeito à privacidade e à intimidade. Não se trata de escolher um lado, mas de encontrar pontos de equilíbrio para uma atuação sustentável, com implicações aceitáveis para o titular dos dados pessoais, esses que são, por muitos, tidos como o novo petróleo.

    Dentre os temas presentes nesta obra, destaco o necessário diálogo proposto com as disciplinas e os profissionais da informação, inicialmente bastante impactados pela LGPD, mas que a cada dia demonstram ser enorme fonte de conhecimentos capazes de trazer soluções aos desafios trazidos pela referida lei. Esse diálogo, em especial, tem um potencial bastante significativo no despertar de consciência dos profissionais da informação, para que se aproximem, dialoguem e contribuam para as boas práticas de proteção de dados em nossa sociedade.

    Aos leitores das próximas páginas, faço o alerta de que a compreensão da amplitude do tema da LGPD, que não pode ser comportada em manuais e procedimentos, estará, aqui, à sua disposição. Promover o direito à privacidade é um caminho sem volta e em constante expansão.

    Faça parte você também destes diálogos e boa leitura a todos!

    Daniel Beltran

    DPO da ELETROBRÁS

    gato

    DA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO E EM REDE PARA UMA ECONOMIA ORIENTADA AOS DADOS

    Pensar em privacidade no atual contexto da sociedade da informação ou da sociedade em rede é refletir a complexidade da construção de uma cultura de privacidade de dados que vai além da tutela da intimidade individual e dos preceitos jurídicos. A problemática de mercado, em virtude do potencial econômico que os dados e as informações pessoais passaram a ter nas últimas décadas, traz muitos desafios para a atual sociedade da informação e, quiçá, para a sociedade global dos dados.

    A apropriação e a adoção de uma visão multidisciplinar que envolve as transformações no mercado e nas organizações necessariamente se coloca como um desafio que resultou no alargamento da nossa compreensão sobre o cerne da atual sociedade: os dados.

    A transformação digital e uma economia movida a dados já é uma realidade mundial e brasileira. Tal cenário gera uma intensa onda de questionamentos, uma vez que se passou a exigir das organizações um nível de maturidade tecnológica ainda complexa e difícil de ser definida, planejada, prototipada, implantada, testada e mantida em constante atualização.

    Violações de dados pessoais, ataques hackers, brechas de segurança da informação são descobertos todos os dias. Vivemos um momento de transição, no qual há uma dependência absoluta dos recursos emanados pela tecnologia e pelo comportamento dos indivíduos. Somam-se a isso constantes transformações sociais, culturais e tecnológicas, que têm provocado um aumento considerável na geração de dados e informações em todos os segmentos de negócios e da sociedade.

    Essa era digital traz diferentes concepções e não só exige que pessoas, processos e tecnologias estejam alinhados com as estratégias organizacionais, mas também que estejam em conformidade com as estratégias globais do Governo Digital e das ODS como pressuposto da Agenda 2030. A aceleração de tecnologias digitais, a exemplo da Internet das coisas, da Inteligência Artificial, do 5G e das famosas redes sociais, tornou o mundo mais conectado, porém mais vulnerável digitalmente.

    A tecnologia é um suporte imprescindível às práticas dessa era digital, contudo, faz-se necessário o olhar empático à privacidade de cada indivíduo.

    As novas dinâmicas do fazer organizacional apresentam uma confluência entre as práticas vigentes e as emergentes em direção ao aprimoramento de teorias, métodos, modelos, processos, procedimentos, funcionalidades e tecnologias.

    O direito à privacidade e à intimidade, os direitos do consumidor, a proteção aos dados e informações pessoais e vários outros dispositivos legais estão cada vez mais pujantes nessa atual sociedade, gerando reflexões, reestruturações, adequações comportamentais, legais, técnicas e organizacionais no ecossistema de cada organização.

    Atrelado a isso, emergem as novas dinâmicas que se voltam à remodelagem das políticas, dos processos, e direcionam as mudanças para que as medidas administrativas e técnicas garantam, minimamente, segurança jurídica ao direito à privacidade e à intimidade, através da proteção de dados pessoais, buscando assegurar a confiabilidade e a integridade de dados pessoais de clientes e cidadãos, em conformidade com a Lei Federal n. 13.709/2018, denominada Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), no Brasil, e outros normativos no cenário internacional.

    Em razão desta obrigatoriedade, bem como do atendimento às diretrizes contidas no âmbito internacional prevista, por exemplo, na União Europeia, como o General Data Protection Regulation (GDPR) e, mais especificamente, no cenário nacional, a partir da nossa lei brasileira, faz-se necessário ampliar o diálogo sobre o tema.

    Esta obra em tela tem como premissas o diálogo multidisciplinar e a colaboração acadêmica, em um atual contexto de conectividade, compartilhamento e solidariedade. Afinal, estamos em meio a um momento de grande transformação digital, cultural e social, ampliada pelo contexto da pandemia de Covid-19. Tal contexto exige necessariamente ampliar a compreensão do diálogo sobre a privacidade e a proteção de dados pessoais em diversas esferas da sociedade e nos diferentes espaços organizacionais.

    Portanto, a obra aqui apresentada surgiu de um grupo de alunos do Curso de Formação Avançada em LGPD, ofertado pelo Instituto Adriana Carla. Para além das questões jurídicas, a obra oportuniza o aprendizado mútuo, as discussões multidisciplinares de diferentes profissionais, e a certeza de que estamos em constante evolução pessoal e profissional.

    Aproveite a leitura e reflita acerca do tema.

    Profa. Dra. Adriana Carla Silva de Oliveira

    gato

    1

    PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS: DIREITO FUNDAMENTAL AUTÔNOMO OU MERA FACE

    DA PRIVACIDADE?

    Ricardo Galvão de Sousa Lins

    Sem privacidade, não faz qualquer sentido tentar ser um indivíduo

    Jonathan Franzen

    INTRODUÇÃO

    Não existem direitos fundamentais por natureza. Os direitos e obrigações variam de acordo com o lugar e o tempo histórico, e a categoria de direitos que podem ser considerados como fundamentais dependerá dos interesses da época, das classes sociais que ocupam as posições de poder, e mesmo do avanço tecnológico de determinada sociedade. Diz-se, em razão dessa natureza evolutiva e progressiva dos direitos humanos, que a Declaração Universal representou apenas os direitos considerados essenciais em determinada época e realidade social¹.

    Atualmente, é lugar-comum afirmar que vivemos na sociedade da informação, o que significa dizer: a informação é o elemento nuclear para o desenvolvimento econômico e social. O espaço central das relações econômicas, outrora ocupado por recursos naturais valiosos, como o ouro e o petróleo, agora pertence aos dados pessoais. As sociedades agrícola, industrial e pós-industrial abrem espaço para a sociedade informacional (BIONI, 2020).

    Diante desse contexto, o presente trabalho trata da análise da natureza do direito à proteção de dados, abordando, sobretudo, se estamos diante de um direito fundamental autônomo ou apenas de mero desdobramento, moderno e tecnológico, do direito à privacidade.

    O objetivo deste trabalho, portanto, é analisar se a proteção de dados possui características de um direito fundamental autônomo, independente da privacidade, da liberdade, da não discriminação ou de qualquer outro direito fundamental preexistente.

    Com esse desiderato, inicialmente se abordará a relação existente entre o direito, a tecnologia e a proteção de dados pessoais, tratando de forma analítica o surgimento da atual preocupação com a tutela das informações pessoais, especialmente no contexto europeu. Nessa primeira parte do trabalho, com base em revisão bibliográfica, proceder-se-á a uma revisão histórica do surgimento das primeiras normativas relacionadas ao tema em estudo.

    Em seguida, será analisada, de forma sistemática, a relação entre os direitos fundamentais envolvidos no contexto estudado e o papel dos princípios estruturantes, como o princípio da dignidade da pessoa humana. Nesse ponto, serão analisadas quais as características necessárias para se concluir pela existência autônoma de determinado direito fundamental.

    Por fim, definido o marco teórico a ser utilizado, será respondida a problemática analisada no trabalho, concluindo-se pela existência ou inexistência de um direito fundamental à proteção de dados pessoais.

    1.2 DIREITO, TECNOLOGIA E PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS

    Nas últimas décadas, a proteção de dados pessoais vem sendo cada vez mais estudada, sendo objeto de regulamentação por diversas normas nacionais e internacionais. No Brasil, a Lei Federal n. 13.709, de 14 de agosto de 2018, já está em vigor em sua quase integralidade (apenas os arts. que vão do 52 ao 54 ainda não estão em plena vigência, o que ocorrerá em 1º de agosto de 2021).

    Mas quando e em qual contexto social e histórico a proteção de dados pessoais passou a ser objeto de preocupação do Direito e regulamentada juridicamente? É isso que será analisado nas próximas linhas deste trabalho.

    Dados pessoais sempre foram colhidos e armazenados para diversos fins; isso não é um efeito decorrente apenas da tecnologia ou da informática. A partir do momento em que os seres humanos passaram a se comunicar, por meio da fala ou da escrita, já havia coleta de dados pessoais. Isso porque dado pessoal é toda informação relacionada a pessoa natural identificada ou identificável (BRASIL, 2018, art. 5º, I).

    Mas o tratamento de dados pessoais foi inicialmente explorado com maior intensidade pelo poder público. De acordo com Danilo Doneda, a utilização de informações pessoais pelo Estado está comumente associada a dois fatores: eficiência e controle (DONEDA, 2020).

    Quanto à eficiência, o conhecimento de informações pessoais dos administrados é essencial ao exercício de uma Administração Pública que visa atingir melhores resultados com a menor quantidade possível de recursos. Essa necessidade de conhecimento de informações se acentua ainda mais durante a formação do welfare state, já que a demanda por serviços públicos impõe a utilização dos recursos existentes da forma mais eficiente possível.

    Em relação ao segundo aspecto, importa ressaltar que o conhecimento acerca de informações pessoais dos cidadãos permite ao Estado o exercício do controle social de forma mais acurada e ampla. Não é por outra razão que o controle de informações é uma característica comum em regimes totalitários, sejam reais ou fictícios².

    Na seara pública, a proteção de dados pessoais passou a ser objeto de tutela jurídica em razão da centralização de informações em grandes bancos de dados governamentais. Dito de forma bem simplificada, os cidadãos não se preocuparam enquanto seus dados pessoais estavam em poder de bancos de dados difusos, de posse de órgãos governamentais diferentes, mas a partir do momento em que os Estados passaram a concentrar todas as informações sobre os cidadãos em bancos de dados únicos e informatizados, a sociedade civil passou a demonstrar preocupação com a privacidade e a intimidade dos cidadãos. Nesse sentido, é importante destacar as experiências ocorridas nos Estados Unidos³, na França⁴ e na Alemanha⁵.

    No âmbito privado, na década de 1970, o progresso tecnológico na área de processamento de dados coincidiu com o aumento do comércio regional no âmbito da União Europeia. A disseminação do uso de computadores e da Internet possibilitou às empresas a transformação de informações dispersas em um grande banco semiestruturado de informações⁶. A informática e a tecnologia das informações serviram de catalisadores na capacidade de as empresas processarem dados em grandes quantidade e velocidade⁷.

    Nessa época, verificou-se a existência de uma espécie de paradoxo entre as necessidades de aumento de fluxo informacional de informações e a de os indivíduos exercerem um maior controle sobre suas informações pessoais. O desafio a ser superado passa a ser a busca pelo equilíbrio entre a proteção das liberdades pessoais e o livre desenvolvimento comercial transnacional na Europa.

    Em tal contexto, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) editou as Diretrizes para a Proteção da Privacidade e Fluxos Transfronteiriços de Dados Pessoais (Guidelines on the Protection of Privacy and Trans-border flows of Personal Data), documento formalizado em 1981 pela Convenção para a Proteção de Indivíduos no que diz respeito ao Processamento Automático de Dados Pessoais (Tratado de Estrasburgo), também conhecido como Convenção 108/1981. A referida norma representa importante marco teórico, pois representa o reconhecimento, por parte do Conselho da Europa, de que a proteção de dados pessoais é tema referente aos direitos humanos (DONEDA, 2020, p. 194). Ademais, ela é um indicativo da importância atribuída à proteção de dados pessoais no contexto da sociedade da informação⁸.

    Em seguida, com a intensificação ainda maior do comércio internacional e do fluxo transnacional de informações, houve a necessidade de harmonização da legislação europeia sobre a privacidade informacional, o que resultou na Diretiva de Proteção de Dados 95/46/CE, de 1995, por meio da qual o Parlamento Europeu impôs aos legisladores dos Estados membros a obrigação de aprovar normas de acordo com o seu conteúdo normativo. Conforme Danilo Doneda, em 1997, a legislação nacional de todos os 18 países já havia incorporado a Diretiva (DONEDA, 2020, p. 195).

    Posteriormente, em 2002, por ocasião da proclamação da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, foi dedicado um dispositivo normativo exclusivo à proteção de dados pessoais (art. 8º), enquanto o direito à privacidade foi previsto em dispositivo apartado (art. 7º). A previsão do direito à proteção de dados pessoais em dispositivo normativo apartado daquele que regulamenta o direito à privacidade certamente é um forte argumento para a defesa da existência de um direito fundamental autônomo à proteção de informações pessoais.

    Inobstante à existência da Diretiva 95/46/CE, as normativas internas dos países europeus acerca da proteção de dados apresentavam, em maior ou menor grau, divergências entres os seus conteúdos, o que dificultava o progresso da uniformização da regulamentação da proteção de dados e, por consequência, dificultava o fluxo transnacional de informações⁹.

    Diante disso, após anos de debates, em 27 de abril de 2016, o Parlamento Europeu publicou o Regulamento Geral de Proteção de Dados da União Europeia General Data Protection Regulation (GDPR), que, a partir de 25 de maio de 2018, revogou a Diretiva 95/46/CE e substituiu todas as leis e regulamentos nacionais dos Estados membros da União Europeia que tratassem da proteção de dados pessoais. Ao contrário das diretivas¹⁰, os regulamentos da União Europeia dispensam qualquer processo de internalização, sendo diretamente aplicável a todos os Estados membros¹¹.

    1.3 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO PRINCÍPIO ESTRUTURANTE OU FRAMEWORK RIGHT

    O ordenamento jurídico como um todo deve ser lido e interpretado de acordo com as normas e princípios positivados no texto constitucional, sobretudo em relação ao que diz respeito aos direitos fundamentais dos cidadãos. Além disso, o operador e intérprete do direito deve observar, ainda, as normas de direito internacional de direitos humanos.

    Tanto os direitos fundamentais (previstos nas normas constitucionais dos países), quanto os direitos humanos (previstos nas normas de direito internacional), possuem uma fonte comum, qual seja o princípio da dignidade da pessoa humana, responsável pela estruturação dos ordenamentos jurídicos contemporâneos¹².

    Por essa razão, a análise da existência autônoma de um direito fundamental à proteção de dados pessoais perpassa necessariamente a análise do princípio estruturante da dignidade da pessoa humana, base teórico-normativa para a existência de todo e qualquer direito humano ou fundamental.

    Com esse objetivo, o ordenamento jurídico fundamental será analisado de acordo com as lições de Aharon Barak, com enfoque na sua teoria de framework rights ou de mother-rights (BARAK, 2015). Abordar-se-á a relação entre os princípios estruturantes e os direitos fundamentais deles decorrentes.

    Desde já, cumpre observar que a eventual inexistência de autonomia de um direito fundamental autônomo à proteção de dados não diminui em nenhum grau a importância. Trata-se de mera constatação fática, decorrente da inexistência de fundamento direto no princípio estruturante da dignidade da pessoa humana.

    1.3.1 UM BREVE HISTÓRICO DA NORMATIZAÇÃO DA DIGNIDADE

    Não obstante a dignidade da pessoa humana esteja positivada como norma na quase totalidade das constituições atuais, a formulação de um conceito sobre o instituto não é tarefa de fácil compreensão e tem sido objeto de estudo por vários estudiosos no decorrer dos anos.

    Segundo Yara Maria Pereira Gurgel, a partir da Idade Moderna, os conceitos ocidentais da dignidade da pessoa humana se desprenderam de sua concepção religiosa e passaram a buscar fundamento em elementos relativos à racionalidade, à autonomia e à moralidade. A autora aponta como relevante expoente dessa mudança de concepção em relação ao período pré-moderno o pensamento de Giovanni Pico Della Mirandola, representante do humanismo renascentista (GURGEL, 2018, p. 21).

    Com efeito, o Conde de Concórdia e de Mirandola advertiu que a parte racional do homem deve ser mantida ativa e desperta, com o exercício da dialética. A importância da racionalidade fica evidenciada na seguinte passagem da obra Discurso Sobre a Dignidade do Homem: Se vegetais, tornar-se-á planta. Se sensíveis, será besta. Se racionais, elevar-se-á a animal celeste. Se intelectuais, será anjo e filho de Deus (MIRANDOLA, 2011, p. 57; 77).

    Immanuel Kant, por sua vez, ofereceu destaque à interface entre dignidade, racionalidade humana, filosofia, moralidade e direito e, de acordo com o seu pensamento, a dignidade se desdobra a partir da racionalidade humana e se encontra simbioticamente relacionada à autonomia humana e à liberdade de escolhas (GURGEL, 2018, p. 22). A filosofia moral kantiana baseia os conceitos de moralidade e de racionalidade naquilo que chama de imperativo categórico, que, segundo o filósofo prussiano, pode ser expresso pelo seguinte mandamento: Age como se a máxima da tua ação se devesse tornar, pela tua vontade, em lei universal da natureza (KANT, 2007, p. 59).

    Da mesma forma, Immanuel Kant aponta que o imperativo categórico também deve ser entendido como um princípio objetivo, sendo que o imperativo prático pode ser compreendido na seguinte frase: Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio (KANT, 2007, p. 69).

    Na idade contemporânea, após o advento da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), a dignidade passou a receber atenção nos textos constitucionais, sendo que as primeiras referências expressas foram observadas na Constituição do México (1917), na Constituição da Finlândia (1919), e na Constituição de Weimar (1919) (GURGEL, 2018, p. 29). As atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) acentuaram o fenômeno da positivação da dignidade nos textos constitucionais e inspiraram a formação de uma doutrina jurídica internacional voltada para a proteção dos direitos humanos, fazendo surgir a feição normativa da dignidade da pessoa humana (GURGEL, 2018, p. 31).

    Embora seja farta a elaboração de conceitos abstratos acerca da definição da dignidade da pessoa humana, não é fácil encontrar uma tese que ofereça um delineamento objetivo da natureza e daquilo que compõe o conteúdo normativo da dignidade da pessoa humana, aspectos que serão tratados no próximo tópico do trabalho.

    1.3.2 A RELAÇÃO ENTRE A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E OS DEMAIS FRAMEWORK RIGHTS

    A dignidade da pessoa humana, compreendida como a principal expressão normativa de todos os tempos, serve de fundamento para a plena inserção social da pessoa em um Estado Democrático de Direito. Segundo Yara Maria Pereira Gurgel, é dela que decorrem direitos necessários à materialização da autonomia individual, às liberdades públicas, à igualdade de direitos, ao respeito à diversidade, ao mínimo social condigno (GURGEL, 2018, p. 86).

    Nessa linha, a citada autora defende que a dignidade da pessoa humana tem a natureza de princípio estruturante, possuindo conteúdo autônomo, mas que coincide em menor ou maior proporção com o conteúdo dos direitos humanos e fundamentais. A dignidade não se confunde com o conceito de direito fundamental e nem todo direito fundamental tem a mesma aproximação com o conteúdo da dignidade humana.

    Além disso, Yara Maria Pereira Gurgel esclarece que a existência de um catálogo inflado de direitos fundamentais em uma constituição, como ocorre com a brasileira de 1988, acaba fragilizando e desvalorizando a força normativa da dignidade da pessoa humana e, consequentemente, dos direitos fundamentais que estão mais próximos ao seu núcleo essencial, a exemplo dos direitos de personalidade, das liberdades públicas e do direito à igualdade (GURGEL, 2018, p. 86).

    Ainda, aponta que a dignidade da pessoa humana não tem natureza de direito residual, sendo mesmo desnecessário que este seja convocado na resolução de determinado conflito quando for possível a utilização de princípio outro que, por si só, incida efeito sobre os direitos fundamentais, como é o caso da liberdade ou da igualdade. A dignidade da pessoa humana tem sua efetividade concretizada por meio dos direitos fundamentais, em maior ou menor medida, e por isso não tem aplicação apenas na ausência de direitos fundamentais específicos (GURGEL, 2018, p. 168).

    Assim, a dignidade humana tem natureza de princípio estruturante, de norma condutora e de princípio eixo de todo o ordenamento jurídico, que serve de fundamento para outros princípios estruturantes e para os princípios fundamentais, especialmente aqueles necessários para a promoção da autonomia individual, da liberdade, da igualdade material e da justiça social (GURGEL, 2018, p. 172).

    Nesse mesmo sentido, Jorge Reis Novais leciona que o princípio da dignidade da pessoa humana se encontra na raiz do desenvolvimento dogmático dos outros princípios estruturantes que permeiam o Estado Democrático de Direito, razão pela qual o qualifica como princípio dos princípios, compreendido como base ou alicerce em que assenta todo o edifício constitucional (NOVAIS, 2015, p. 20; 28). Jeremy Waldren também reforça que a dignidade fundamenta todos os nossos direitos, por se tratar do telos geral dos direitos, ou seja, a dignidade, ao mesmo tempo que fundamenta os direitos fundamentais, deve ser protegida por estes (WALDRON, [s.a.], p. 212).

    Nessa linha, Aharon Barak denomina os princípios estruturantes de framework rights ou de mother-rights, enquanto os direitos fundamentais sob o formato de regras recebem a denominação de daughter-rights (BARAK, 2015, p. 156-169). Assim, nessa analogia com uma árvore genealógica, a dignidade da pessoa humana deve ser entendida como mother-right, que inspira as daughter-rights, que podem entrar em conflito entre si, mas não com aquela.

    Para o referido autor, os direitos constitucionais desenhados como princípios são inerentemente frameworks rights, enquanto os direitos constitucionais concebidos como regras são particular rights. O framework right é baseado na generalidade, pois tem um rol aberto de aplicabilidade, já que não foi concebido para ser aplicado em determinada situação específica, ou seja, não incide apenas sobre determinado ato, fato ou negócio jurídico. Por essa razão, pode ser compreendido como um telhado comum de proteção para uma variedade de situações fáticas (BARAK, 2015, p. 156-169).

    Ocorre que, ao contrário do que uma leitura superficial da obra de Aharon Barak pode indicar, o ordenamento jurídico não possui apenas um framework right ou mother-right, mas vários. O que existe é um framework right maior (dignidade da pessoa humana), caracterizado por um alto grau de generalidade e um amplíssimo rol de aplicação. Desxe framework right maior ou grandmother-right (chamemos assim para fins de melhor entendimento) derivam diversos frameworks rights, dos quais podem derivar outros e mais outros. O que é certo é que, à medida que um framework right vai se distanciando do grandmother-right, vai se caracterizando por uma concretude normativa maior e um menor

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