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Dignidade da Pessoa Humana: justificativa para uma intervenção internacional institucional
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Dignidade da Pessoa Humana: justificativa para uma intervenção internacional institucional

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Sobre este e-book

A partir da década de 1990, vem ganhando vulto a questão dos conflitos internos que ocorrem em diversos países e de suas consequências nefastas quanto às condições de sobrevivência de suas populações, o que nos conduz a uma reflexão sobre até que ponto o Estado, em nome de sua soberania, tem o direito de infligir sofrimento e, em muitos casos, chegando ao extremo de matar sua própria população. Em 2001, a Organização das Nações Unidas (ONU) lança a doutrina da "Responsabilidade de Proteger", segundo a qual compete ao Estado dar proteção e assistência a sua população e se, de algum modo, aquele não cumprir com esta obrigação ou não tiver condições de fazê-lo, a comunidade internacional suprirá essa deficiência do Estado, intervindo neste para o fim de reorganizá-lo, devolvendo a paz e a estabilidade a sua população. Portanto, é na acepção de dignidade como essência da pessoa humana, como seu valor intrínseco, que se deve compreender a ideia de que toda agressão ao valor fundamental da dignidade humana configura um ilícito internacional e, como tal, deve ensejar a intervenção institucional por parte da ONU, a qual, a despeito de seus muitos defeitos e imperfeições, ainda continua a ser o órgão representativo da comunidade internacional.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento12 de jul. de 2022
ISBN9786525240008
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    Dignidade da Pessoa Humana - Afonso Grisi Neto

    1 OS DIREITOS HUMANOS COMO COROLÁRIO DA DIGNIDADE HUMANA. ALCANCE E SIGNIFICADO DA EXPRESSÃO DIREITOS HUMANOS

    1.1 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO PRESSUPOSTO DO RECONHECIMENTO DOS DIREITOS HUMANOS

    A expressão direitos humanos, na atualidade, reveste-se de universalidade e abrangência e é o resultado de uma longa evolução histórica em que se sucederam diversas formulações teóricas e filosóficas, as quais buscaram estabelecer o fundamento de tais direitos. Assim, diante do caráter polissêmico de tal expressão, uma variada gama de conceitos vem procurando explicar aqueles direitos que, em essência, emanam da própria personalidade do homem e, como tal, requerem a mais ampla proteção. Contudo, quaisquer considerações a respeito dos direitos humanos ao longo de toda sua evolução histórica parecem pressupor uma análise mais detida do conceito de dignidade humana, que constitui, a nosso ver, o prius lógico do que se passou a designar como direitos da pessoa humana.

    No processo de evolução do homem, durante milhares de anos, o Outro sempre foi visto como inimigo por antecipação, uma ameaça que deveria ser neutralizada, porque manifestava uma linguagem ininteligível, costumes exóticos, hábitos esdrúxulos, revelando, em relação aos olhos do povo que o estava avaliando, diferenças substanciais, daí a impossibilidade de se reconhecer a esse Outro o estatuto da igualdade. Era um ser distinto e, dessa forma, passível de tratamento violento ou mesmo cruel, sendo destituído de suas posses, família e títulos e submetido a condições infames de vida. Esse é o resumo da racionalização que está por trás das justificativas dos preconceitos que sustentaram as várias formas de discriminação mesmo de ações hostis de uns povos contra outros, conduzindo ao escravismo, ao apartheid e às limpezas étnicas por meio de genocídios, confinamentos e criação preventiva de barreiras à imigração. O elemento comum é sempre a visão de inferioridade, da condição subumana do Outro (KEINERT, 2012, p. 340-347).

    A ideia de que o ser humano é portador de certos direitos inalienáveis e imprescritíveis, inerentes à sua própria personalidade, está intimamente ligada à noção de dignidade humana. A dignidade da pessoa humana encontra suas raízes no pensamento cristão, segundo o qual, criada à imagem e semelhança de Deus, a pessoa é dotada de atributos próprios e intrínsecos, que a tornam especial e detentora de dignidade. Nesse sentido, a contribuição mais significativa do Cristianismo talvez tenha sido a de ter dado ao homem um valor individual e único.

    Cleber Francisco Alves, ao dedicar atenção especial à concepção da promoção e defesa da dignidade da pessoa humana, observa que as formulações doutrinárias nesse campo inspiram até os dias de hoje os passos da Igreja Católica, sendo possível identificar, na doutrina social da Igreja, vários contornos da noção de dignidade humana, sucintamente expostos pelo autor da seguinte forma: a) a pessoa humana é dotada de uma dignidade excelsa e sublime por ter sido criada à imagem e semelhança de Deus, conforme ensinamentos das Sagradas Escrituras; b) há que se buscar ao respeito à dignidade da pessoa humana e dos direitos que lhe são inerentes, direitos esses considerados invioláveis, anteriores e superiores a qualquer deliberação ou pacto respaldado apenas na vontade humana, individual ou coletivo; c) dentre os direitos e princípios que decorrem da excelsa dignidade humana, enunciam-se: direito à vida, à integridade física e psíquica, prioridade do trabalho e do trabalhador sobre o lucro e sobre o capital, direito de participação efetiva na vida comunitária, econômica, política e cultural, direito de professar uma religião, além de outros (ALVES, 2001, p. 63-65).

    Releva notar que até o advento do cristianismo, não existia nem em grego nem em latim uma palavra para exprimir o conceito de pessoa, porque a cultura clássica não reconhecia valor absoluto ao indivíduo enquanto tal e fazia depender o seu valor essencialmente do grupo, do patrimônio e da raça (MOURA, 2002, p. 77).

    Quadra histórica de relevo na construção e afirmação do valor da pessoa humana foi o Iluminismo do século XVIII. Para essa corrente de pensamento, os direitos individuais do homem, principalmente os referentes à sua liberdade e à limitação do poder público, passam a ser indispensáveis para o desenvolvimento da dignidade humana nesse período. Assim, os seres humanos, dotados de razão, tornaram-se centro das ideias da época, afirmando sua posição como sujeitos de direitos que devem ser preservados pelo Estado. Reconhecia-se, dessa forma, que os indivíduos eram detentores de certos direitos em face do Estado, conservando-se uma área de autonomia individual na qual o Estado não poderia intervir, rompendo com a ideia de poder ilimitado do soberano, característica das monarquias absolutistas (SARLET, 2001, p. 50). Entretanto, o modelo concebido pelo Estado Liberal foi, paulatinamente, dando mostras de sua debilidade, visto que a industrialização gerou um quadro crítico de miséria humana e de exploração da mão de obra, de sorte que a abstenção do Estado em relação às atividades econômicas, a liberdade de comércio, a livre concorrência, entre outros valores, não conduziram, necessariamente, à garantia da promoção da dignidade humana. Era necessário investir no bem-estar do indivíduo, ou seja, o Estado não deveria apenas se abster, mas também promover a dignidade através de prestações positivas ligadas à saúde, educação, trabalho, etc. Nascia O Estado Social (WelfareState) (GUERRA, 2013, p. 67-68).

    Vale lembrar que o princípio da dignidade da pessoa humana adquiriu contornos mais universais com o advento da Declaração Universal dos Direitos do Homem, adotada pela Assembleia-Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948, destacando-se de seu Preâmbulo os seguintes excertos:

    Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo [...]. Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos do homem e da mulher, e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla; [...]. (RANGEL, 2010, p.411)

    Na sequência, proclama no art. 1º: Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade (RANGEL, 2010, p. 411).

    Observa Fábio Konder Comparato que a dignidade da pessoa não consiste apenas no fato de ser ela, diferentemente das coisas, um ser considerado e tratado, em si mesmo, como um fim em si e nunca como um meio para a consecução de determinado resultado. Ela resulta também do fato de que, pela sua vontade racional, só a pessoa vive em condições de autonomia, isto é, como ser capaz de guiar-se pelas leis que ele próprio edita (COMPARATO, 2003, p. 21).

    Ingo Wolfgang Sarlet propõe a seguinte conceituação para a dignidade da pessoa humana:

    Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra e todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão dos demais seres humanos. (SARLET, 2001, p. 60)

    Luiz Fernando Barzotto reflete, com lucidez e discernimento, a respeito da relação que se estabelece entre a dignidade, de que é portador o ser humano, e a necessidade do reconhecimento de tal atributo, ponderando:

    Reconhecer o ser humano como pessoa é o desafio ético de civilizações (escravidão, colonialismo, imperialismo), povos (estrangeiros, minorias, hierarquia social) e pessoas (preconceito, discriminação, indiferença). Reconhecer o outro como pessoa é afirmar o valor ou a dignidade inerente à condição de pessoa [...]. A dignidade da pessoa humana expressa a exigência do reconhecimento de todo ser humano como pessoa. Dizer, portanto, que uma conduta ou situação viola a dignidade da pessoa humana significa que nesta conduta ou situação o ser humano não foi reconhecido como pessoa [...]. A dignidade de alguém impõe determinado comportamento àqueles que se defrontam com ele. O portador da dignidade ‘merece’ (é digno de) ser tratado de uma determinada maneira [...]. A dignidade é a manifestação vinculante de uma identidade, é a consideração da identidade como dotada de valor e, portanto, regulativa do comportamento [...]. O reconhecimento consiste na captação do valor positivo de uma identidade e, portanto, é um conceito correlativo ao de dignidade. Toda dignidade exige reconhecimento e todo reconhecimento tem por objeto a dignidade. O reconhecimento ocorre quando alguém manifesta, por sua atitude, o valor que percebe na identidade de outrem. (BARZOTTO, 2010, p. 39-67)

    Recorrendo a uma explicação de caráter metafísico do reconhecimento da dignidade da pessoa humana, sustenta o mesmo autor:

    A dignidade da pessoa humana exige o reconhecimento do ser humano como pessoa, isto é, como mistério, absoluto e sagrado, transcendente à cognição, à deliberação e à instrumentalização [...]. Somente no âmbito em que se faz a experiência do mistério, do absoluto e do sagrado, a saber, no âmbito religioso, tem-se um tipo de experiência suficientemente radical que permite traçar uma analogia adequada com a ‘dignidade da pessoa humana’. (BARZOTTO, 2010, p. 65)

    Releva notar que a tomada de consciência em torno da valorização das condições dignas do ser humano foi consequência da constatação de uma realidade totalmente diversa, como o comprovaram as atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial. A partir daí, há uma reorientação das políticas internacionais, que se expressa na profusão de tratados internacionais e contribuem para a constituição de um Direito Internacional dos Direitos Humanos, além do advento da ONU e da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Nesse sentido, observa Eduardo Bittar que a noção de dignidade pode ser vista, nos tempos pós-modernos, como anúncio de uma identidade, ou de um termo comum, entre as diversas ideologias e linhas de pensamento contemporâneo. Acrescenta, ainda, o autor:

    A concepção que se propõe para a importância da expressão dignidade da pessoa humana, sobretudo na pós-modernidade, passa por uma compreensão não-unilateral das culturas e muito menos centrista-ocidental das culturas, mas pela visão de que a afirmação da dignidade da pessoa humana, em territórios com amplas distinções culturais regionais, como é o caso do Brasil, ou mesmo projetando-se para fora do território do Estado, para alcançar o plano das relações entre os povos, passa por um profundo respeito da diferença, bem como pela afirmação da multiculturalidade e da relatividade das concepções de dignidade, [...]. Uma concepção de dignidade cultural da pessoa humana (versão pós-moderna da idéia de dignidade) está em fermentação em pleno bojo dos conflitos mais cruentos (atentados de 11 de setembro, invasão do Iraque, atentados de Londres) para a afirmação da lógica da dignidade universal da pessoa humana (versão moderna da idéia de dignidade). (BITTAR, 2010, p. 20)

    De todo modo, é de se reconhecer que a expressão dignidade da pessoa humana, considerando-se as suas complexidade e diversidade, não é um dado, e sim um conceito que vem sendo construído e ainda está a demandar estudo acurado a fim de se lhe conferir contornos mais precisos. Contudo, tendo-se em vista o escopo do presente trabalho, que consiste na crença de que a proteção da dignidade da pessoa humana pode ser considerada causa justificadora para a intervenção internacional institucional, procuramos traçar, em linhas gerais, os elementos essenciais visando a uma conceituação básica de dignidade humana, que, a nosso ver, constitui o pressuposto necessário da noção de direitos humanos, sobre a qual passaremos a discorrer no próximo tópico.

    1.2 O CARÁTER POLISSÊMICO DA LOCUÇÃO DIREITOS HUMANOS

    Sempre que nos deparamos com a necessidade de buscar o conceito de direitos humanos e de seus elementos constitutivos essenciais, constatamos que essa será uma tarefa árdua e de difícil execução, em virtude do fato de que essa categoria de direitos compreende uma imensa gama de acepções e significados que foram se formando ao longo dos tempos, refletindo, muitas vezes, o contexto histórico, social e político nos quais esses direitos estavam inseridos.

    Reportando-se à dificuldade de se definir, com coerência, a base conceitual dos direitos humanos, Vladimir Oliveira da Silveira e Maria Mendez Rocasolano ressaltam que tal expressão encerra um significado tautológico que concretiza o conteúdo essencial dos direitos próprios da dignidade da pessoa. E prosseguem os autores:

    O fato é que a formulação dos direitos humanos obedece às nítidas linhas históricas do pensamento, expressando valores que se encontram acima do ordenamento jurídico. Com efeito, se a expressão ‘direitos humanos’ conforma uma ideologia que surgiu em dado momento histórico, vinculada aos interesses de uma classe particular, isso não implica negar-lhe consenso e validade, para que cada vez mais supere suas determinações históricas, espraiando-se num universo cada vez mais amplo de pessoas e direitos. (SILVEIRA, 2010, p. 205)

    Evidentemente, o que se pretende, neste capítulo, é apenas apresentar alguns conceitos relativos aos direitos humanos, estabelecendo-se os pontos de contato e dessemelhanças com outros conceitos, visando a uma compreensão mais clara do que constitui o tema central do presente trabalho.

    Observa Sidney Guerra que:

    Se por um lado, a expressão direitos humanos chega ao século XX com grande força e vitalidade, sendo largamente utilizada em manifestações da sociedade civil, na política, para pleitear direitos, enfim, nas mais distintas reivindicações, por outro lado, em razão do uso excessivo e indiscriminado dessa expressão, ela acaba por incorrer em certa vagueza e imprecisão (GUERRA, 2013, p. 31).

    É certo que há ambiguidades conceituais e terminológicas em torno da expressão direitos humanos, notadamente quando se procura estabelecer certa associação a outros conceitos. José Luiz Rey Pérez, reportando-se a essas expressões que, frequentemente, são utilizadas como assemelhadas aos direitos humanos, observa que tais expressões estão insertas em determinado contexto histórico e, por vezes, indicam uma tomada de posição quanto ao fundamento dos direitos humanos. Não obstante a doutrina reportar-se à diversidade de termos e expressões que, de certo modo, apresentam alguma afinidade com os direitos humanos, é certo que não constitui escopo do presente trabalho aprofundar o estudo desses institutos, o que demandaria pesquisa específica e extensa. Entretanto, parece oportuno tecer algumas considerações a respeito de dois conceitos que mais frequentemente são citados pelos autores no que se refere às semelhanças e distinções com os direitos humanos, vale dizer, os conceitos de direito natural e de direito positivo.

    Alguns autores consideram como antecedente próximo dos direitos humanos o direito natural, concebido pelo Iluminismo e pelo Jusnaturalismo, movimentos intelectuais que floresceram na Europa entre os séculos XVII e XVIII. Segundo tais correntes, o ser humano tem certos direitos pelos simples fato de ser pessoa. Esses direitos derivam da própria personalidade do indivíduo e se põem perante o Estado antes mesmo do reconhecimento por parte deste. São direitos inalienáveis e imprescritíveis, pondera Enrique Lewandowski, decorrentes da própria natureza humana e existentes independentemente do Estado. Passou-se a entender, desde então, que tais direitos, dentre os quais se destacam o direito à vida e à liberdade, não podem ser, em hipótese alguma, vulnerados por governantes ou quaisquer indivíduos (LEWANDOWSKI, 1984).

    Cumpre ressaltar, desde logo, que quaisquer considerações a respeito do direito natural nos conduzem a uma incursão, ainda que breve, no campo do Direito, notadamente no que respeita à distinção entre direito natural e direito positivo. A noção básica que se tem do direito positivo é que se trata de um direito posto, instituído pelo Estado. Paulo Dourado de Gusmão, realizando instigante análise acerca do direito positivo, reporta-se ao fato de essa categoria ter surgido à época do Jusnaturalismo, em que o direito natural se opunha ao direito positivo, sustentando aquele autor que o direito natural nada mais é do que uma aspiração, um ideal jurídico, daí a oposição entre direito positivo e direito natural, segundo Gusmão, ser destituída de sentido. Reconhecendo, no entanto, que essa adjetivação se tornou tradicional na doutrina, Gusmão formula o seguinte conceito de direito positivo: É o direito efetivamente observado em uma comunidade [...] o direito efetivamente aplicado pelas autoridades do Estado e pelas organizações internacionais [...] é o direito histórica e objetivamente estabelecido, efetivamente observado, passível de ser imposto coercitivamente (GUSMÃO, 2000, p. 49).

    Referindo-se ao fato de a dicotomia direito positivo-direito natural inserir-se no contexto histórico-filosófico do racionalismo jurídico do século XVIII, em que o saber jurídico era concebido como uma sistematização completa do Direito a partir de bases racionais, observa Tercio Sampaio Ferraz Junior que o direito natural, uma disciplina até então moral, ganhou certa autonomia e transformou-se numa disciplina jurídica. Essa autonomia do direito natural em face da moral e sua superioridade diante do direito positivo, sustenta Ferraz Junior, prevaleceu até as primeiras décadas do século XIX, seguindo-se um período de declínio para, no final daquele século, reaparecer e readquirir sua importância. Contudo, prossegue o autor, a dicotomia direito positivo-direito natural, como técnica para a descrição e classificação de situações jurídicas normativamente decidíveis, perdeu força, e a razão para o enfraquecimento dessa dicotomia pode ser buscada, observa Ferraz Junior, na promulgação constitucional dos direitos fundamentais, de sorte que o estabelecimento do direito natural na forma de normas postas na Constituição, acabou por positivá-lo (FERRAZ JUNIOR, 2013).

    Quanto à relação que se estabelece entre os conceitos de direitos humanos e direitos fundamentais, convém ressaltar que, conquanto haja uma afinidade entre ambos, apresentam os mesmos caracteres distintivos bem nítidos. Na mesma linha do raciocínio desenvolvido por Ferraz Junior, Blanca Martinez de Vallejo Fuster, citada por Alberto Nogueira, reserva a fórmula direitos humanos para aqueles positivados em nível internacional (exigências básicas relacionadas à igualdade, liberdade da pessoa, que não haviam alcançado um estatuto jurídico positivo) e direitos fundamentais para os direitos humanos positivados internamente, isto é, garantidos pelos ordenamentos jurídico-positivos estatais (FUSTER apud NOGUEIRA, 1997).

    No campo da Ciência do Direito, cabe destacar a posição de José Afonso da Silva, o qual entende que a expressão mais adequada seria direitos fundamentais do homem, pois:

    Além de referir-se a princípios que resumem a concepção do mundo e informam a ideologia política de cada ordenamento jurídico, é reservada para designar, no nível do direito positivo, aquelas prerrogativas e instituições que ele concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual para todas as pessoas. No qualitativo fundamentais acha-se a indicação de que se trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive; fundamentais do homem no sentido de que a todos, por igual, devem ser, não apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivados. (SILVA, 1996, p. 176)

    Tendo em vista que não constitui objeto do presente trabalho a análise pormenorizada do conceito e significado dos direitos humanos, buscou-se estabelecer, neste tópico, apenas uma noção básica desses direitos, comparando-a com outros conceitos que, de alguma forma, apresentam certa afinidade com o tema geral consistente na constatação da existência de uma categoria específica de direitos inerentes à própria natureza do ser humano. Nesse sentido, convém reproduzir o entendimento de Sidney Guerra adiante exposto: De toda sorte, os direitos da pessoa humana (consagrados no plano internacional e interno) têm por escopo resguardar a dignidade e condições de vida minimamente adequadas do indivíduo, bem como proibir excessos que porventura sejam cometidos por parte do Estado ou de particulares (GUERRA, 2013, p. 41).

    1.3 UNIVERSALISMO E RELATIVISMO – UM DEBATE CULTURAL ACERCA DO SIGNIFICADO DOS DIREITOS HUMANOS

    Com o recrudescimento da violência em diversos pontos do globo, avulta o discurso dos direitos humanos e, consequentemente, a necessidade de suas urgentes regulamentação

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