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Direitos Humanos: uma breve introdução
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Direitos Humanos: uma breve introdução
E-book260 páginas3 horas

Direitos Humanos: uma breve introdução

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Sobre este e-book

Obra clássica que apresenta um pequeno percurso sobre a história dos direitos humanos. Um livro fundamental para todos que participam dos estudos das ciências humanas.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento29 de set. de 2022
ISBN9786525255286
Direitos Humanos: uma breve introdução

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    Direitos Humanos - Andrew Clapham

    CAPÍTULO 1 APRENDENDO SOBRE DIREITOS

    Nos dias de hoje, não demora muito para que um problema seja expresso em termos de direitos humanos. Este livro analisa de onde surgiu o conceito de direitos humanos e como o movimento pelos direitos humanos desenvolveu um conjunto de deveres e obrigações que se aplicam no mundo todo. Consideraremos o caminho percorrido pela ideia de direitos humanos e o papel que estes desempenham (e podem vir a desempenhar) no mundo.

    Neste momento, pessoas diferentes veem os direitos humanos de maneiras distintas. Para alguns, invocar os direitos humanos é uma demanda sincera e moralmente justificada no sentido de corrigir vários tipos de injustiças; para outros, não é nada mais do que um chavão a ser tratado com suspeita ou até mesmo hostilidade. Por vezes, advogados consideram que os direitos humanos representam quase que um termo técnico, abarcando apenas as alegações que foram ou podem ser sustentadas como sendo direitos perante um tribunal doméstico ou internacional. No entanto, a aplicação das regras dos direitos humanos em tribunais é quase sempre contestada, com ambas as partes disputando para que tais regras sejam aplicadas em seu proveito. A lei dos direitos humanos é especial e popular, já que muitas vezes sugere que uma outra lei é inadequada ou está sendo aplicada de forma injusta. A linguagem dos direitos humanos é utilizada para criticar, defender e reformar todo o tipo de comportamento. Os direitos humanos têm uma linhagem que procura demonstrar uma forma distinta de luta contra a opressão e uma promessa de um futuro mais justo. Levantar a bola dos direitos humanos pode ser persuasivo, por vezes mesmo resolutivo, em tomadas de decisão contemporâneas; este é um aspecto que faz com que a força moral dos direitos humanos seja tão atraente – os direitos humanos ajudam a ganhar argumentos e, às vezes, a mudar a maneira como fazemos as coisas.

    O conceito de uma cultura dos direitos humanos também significa coisas distintas para pessoas diferentes. Para alguns, significa garantir que todos sejam tratados com respeito em razão de sua dignidade inerente e pelo seu valor humano. Para outros, significa que os juízes, a polícia e os funcionários da imigração são obrigados a proteger os interesses dos terroristas, criminosos e migrantes em detrimento da segurança da população (ver Figura 1). Esta tensão atingiu seu auge em alguns países, incluindo o Reino Unido, quando jornais sensacionalistas passaram a ridicularizar a aplicação das leis de direitos humanos (ver Quadro 1) e fazer campanha contra a atuação dos juízes estrangeiros.

    Por vezes, as proteções garantidas pelos direitos humanos podem, de fato, parecer contra majoritárias; por que juízes ou organismos internacionais deveriam determinar o que é melhor para uma determinada sociedade, especialmente quando os representantes democraticamente eleitos escolheram um outro caminho em particular? Mas a questão é que os direitos humanos podem servir para proteger as pessoas da tirania da maioria.

    1. Manchete do The Sunday Telegraph, 14 de maio de 2006: estigmatizando o Human Rights Act o refúgio dos terroristas e canalhas.

    No entanto, as regras dos direitos humanos não devem ser vistas como simples dispositivos para frustrar os desejos da maioria, já que, com exceção da proibição absoluta da tortura, permitem que, em uma sociedade democrática, as necessidades de proteção e os direitos de terceiros sejam levados em consideração. Não há uma resposta fácil para esta charada que postula que juízes tenham o direito de assegurar direitos humanos em oposição a decisões tomadas democraticamente. Sociedades diferentes escolherão distintos arranjos, algumas colocando mais poder nas mãos dos juízes do que outras. Estes arranjos podem mudar ao longo do tempo – não existindo equilíbrio perfeito; não existindo juiz perfeito. Às vezes, os juízes podem ser vistos por alguns como capazes de frear um governo que, injustificadamente, atropela os direitos humanos, mas este mesmo julgamento pode ser visto por outros como uma salvaguarda dos direitos de proprietários ou empregadores às custas de um legislativo popular com mandato para proteger grupo vulneráveis ou grupos raciais. Discutir sobre direitos é uma maneira de discutir sobre que tipo de sociedade queremos. Os direitos à liberdade de expressão e de informação podem ser úteis para garantir que tenhamos tomadas de decisão plenamente democráticas, e estes mesmos direitos humanos também podem ser utilizados para desafiar a legislação existente. Se aqueles que reivindicam direitos estão de fato corretos é algo que só poderemos saber de acordo com cada contexto. Por isso, tentaremos ser um pouco mais explícitos.

    Primeiro, temos de compreender que os direitos humanos são uma categoria especial e restrita de direitos. O livro introdutório de William Edmundson sobre direitos, distingue os direitos humanos de outros direitos, sugerindo que: "Os direitos humanos reconhecem interesses extraordinariamente especiais e básicos, o que, geralmente, os distingue dos outros direitos, mesmo os direitos morais. Richard Falk sugere que os direitos humanos são um novo" tipo de direitos que ficaram mais evidentes como resultado da adoção, em 1948, da Declaração Universal dos Direitos Humanos pelas Nações Unidas. Este ponto deve ser recordado ao longo do livro: não estamos tratando de todos os direitos que os seres humanos podem ter – estamos considerando uma categoria de direitos bastante especial. A elevação dos direitos humanos ao patamar internacional após a Segunda Guerra Mundial passa a significar que comportamentos podem ser julgados não apenas em face do que preconiza a lei doméstica, mas também contra uma norma que se encontra fora desse sistema jurídico nacional. Cada estado-nação encontra-se agora sujeito a este escrutínio do exterior.

    Muitos dos que abordam o assunto dos direitos humanos se voltam para antigos escritos religiosos e filosóficos. Nesta visão sobre os direitos humanos, os seres humanos são dotados, pela sua humanidade, de certos direitos fundamentais e inalienáveis. Esta conclusão tem existido sob diversas formas em várias sociedades. O desenvolvimento histórico do conceito dos direitos humanos está frequentemente associado à evolução dos princípios filosóficos e políticos ocidentais; contudo, uma perspectiva diferente poderia encontrar guarida em princípios similares relativos à educação em massa, à autorrealização, ao respeito pelos outros, e à busca para contribuir para o bem-estar dos outros nas tradições confucionista, hindu ou budista. Textos religiosos como a Bíblia e o Alcorão podem ser lidos como criando não só deveres, mas também direitos. O reconhecimento da necessidade de se proteger a liberdade e a dignidade humana é mencionado em alguns dos códigos mais antigos, desde o Código de Hamurábi na antiga Babilônia (por volta de 1780 a.c.), até às tradições de direito natural do ocidente, as quais se baseiam nos estoicos gregos e na noção romana do jus gentium (direito das gentes). Comum a cada um destes códigos é o reconhecimento de certos princípios e padrões de comportamento universalmente aceitos. Estes padrões comportamentais possivelmente inspiram o pensamento sobre direitos humanos, e podem ser considerados precursores ou expressões diferentes da ideia de direitos humanos –, mas esta relação não é tão óbvia como por vezes é sugerida. Vejamos agora algumas das primeiras invocações históricas do atual conceito de direitos (em oposição a um comportamento decente) e das respostas céticas que eles suscitaram.

    Os direitos do homem e seus descontentes

    O relato ocidental padrão sobre a tradição dos direitos humanos é um tanto quanto problemático. Diz-se que os primeiros desenvolvimentos legais na área dos direitos humanos surgiram da Magna Carta de 1215, um contrato entre o Rei João da Inglaterra e os Barões que estavam insatisfeitos com os impostos que estavam sendo cobrados pelo monarca. Porém, muito embora este acordo garantisse direitos para que um homem livre não fosse preso, ou mantido na prisão, ou privado de seus bens, ou tratado como um fora da lei, ou exilado, ou de qualquer forma molestado (...) salvo mediante um julgamento legítimo pelos seus pares e com base na lei do país, esta garantia era simplesmente um direito a julgamento por júri popular outorgado exclusivamente a homens que fossem proprietários de bens. Os direitos contidos na Magna Carta faziam parte de um acordo político para consolidar as liberdades dos governados e limitar os poderes do governo. Os direitos humanos, como o termo é entendido hoje, pertencem a todos os seres humanos e, portanto, não podem ficar restritos a um seleto grupo de homens privilegiados. De um ponto de vista contemporâneo, a Magna Carta não pode ser vista como uma declaração exemplar de direitos humanos. Para tanto, suficiente se faz a citação de uma única frase, a cláusula 54 da Magna Carta preceitua: Ninguém será detido ou preso, ao apelo de uma mulher pela morte de qualquer pessoa que não o seu marido.

    A Declaração de Direitos Inglesa de 1689 é às vezes considerada um ponto de partida para os textos de hoje. Esta declarou que fianças excessivas não devem ser exigidas, nem a imposição de multas abusivas, nem infligidas punições cruéis e desumanas. Também afirmou, contudo, que os sujeitos que sejam Protestantes podem ter armas para a sua defesa que sejam adequadas às suas condições, e como permitidas por lei. A Declaração de Direitos foi desenvolvida pelo Parlamento como uma Declaração de Direitos em resposta às ideias e políticas do Rei Jaime II (cujas ações foram interpretadas como se estivessem alterando a natureza do estado e introduzindo tolerância demasiada ao catolicismo), e apresentada aos novos Soberanos Conjuntos, William e Mary, como condição para a sua ascensão ao trono, a fim de reivindicar os direitos e liberdades antigas, proteger a liberdade de expressão e limitar a interferência do Soberano no Parlamento e nas eleições.

    Ao mesmo tempo, o trabalho de uma série de filósofos teve influência muito concreta na articulação dos pleitos sob a forma de direitos naturais ou direitos dos homens. John Locke, no Second Treatise of Government (na versão em português Segundo Tratado sobre o Governo Civil¹), publicado em 1690, considerou que os homens estavam num estado de natureza onde desfrutavam de um estado de liberdade, mas que não se configurava com um estado de licença. Locke argumentou que todos estão obrigados a preservar-se, de modo que quando a sua própria preservação não esteja ameaçada, todos deveriam tanto quanto puderem (...) preservar o resto da humanidade, e ninguém pode tirar ou prejudicar a vida, ou o que se pretende à preservação da vida, da liberdade, da saúde, da integridade física ou dos bens de outro. Desta maneira, pode haver restrições que impeçam os homens de invadirem direitos de outrem e de ferirem uns aos outros. Locke viu o governo civil como o remédio para os homens que atuavam como seus próprios juízes para fazer cumprir as leis da natureza. Considerou que este contrato social, livremente pactuado, autorizava o governo a fazer cumprir as leis enquanto o governo respeitasse a confiança nele depositada. Se o povo ficasse sujeito ao exercício do poder arbitrário ou absoluto por parte do governo sobre suas vidas, liberdades e propriedades, então, de acordo com Locke, o poder governamental seria retomado e devolvido ao povo.

    The Social Contract (O Contrato Social) de Jean-Jacques Rousseau desenvolveu a ideia de que um indivíduo pode ter uma vontade particular (volonté particulière) e que o seu interesse privado (intérêt particulier) pode ditar-lhe de forma muito diferente do interesse comum. Rousseau considerava que qualquer um que se recuse a obedecer à vontade geral, deve ser obrigado a fazê-lo por todo o corpo social: o que, de fato, apenas o força a ser livre. Para Rousseau: "O homem, pelo contrato social, perde a sua liberdade natural e um direito ilimitado a tudo quanto deseje e possa alcançar; em troca, adquire a liberdade civil e a propriedade sobre tudo que possui." Publicado em 1762, o The Social Contract foi um precursor da Revolução Francesa de 1789 e as ideias que expressava tiveram influência considerável em todo o mundo, já que as pessoas procuravam articular os direitos dos governantes e governados.

    Thomas Paine foi um escritor inglês radical que participou das mudanças revolucionárias que afetaram os Estados Unidos. Emigrou para tal país em 1774 e, em 1776 produziu um panfleto amplamente lido chamado Common Sense (Senso Comum), o qual atacava a ideia de um governo monárquico e pedia por um governo republicano e direitos iguais entre os cidadãos. Também trabalhou na Constituição da Pensilvânia de 1776 e na posterior abolição da escravidão naquele estado. A publicação de Paine, intitulada Rights of Man (Direitos do Homem), apareceu em 1791 como uma defesa da Revolução Francesa em resposta às Reflections on the Revolution in France (Reflexões sobre a Revolução Francesa) de Edmund Burke. Paine era popular entre o povo (uma estimativa sugere que várias versões de Rights of Man venderam 250.000 cópias em dois anos). Era impopular com o governo e foi condenado, à sua revelia, por libelo sedicioso no Guildhall em Londres. As multidões se aglomeraram para apoiar seu advogado de defesa, protestando contra o atropelo à liberdade de imprensa. Paine já havia fugido para a França e foi recompensado com a eleição para a Assembleia Nacional por sua defesa da Revolução. No entanto, foi posteriormente preso, tendo enfurecido os jacobinos por ter se oposto à execução do Rei. Ele mesmo escapou da pena de morte (segundo alguns relatos, a marca de giz foi colocada do lado errado da porta) e depois partiu para os Estados Unidos, onde morreu anonimamente em 1809. Os seus escritos ainda ressoam, e não é preciso olhar muito longe para encontrar adesivos e distintivos com o aforismo de Paine retirado da obra Rights of Man: "meu país é o mundo e a minha religião é fazer o bem.

    Ler a obra de Paine revela o que torna os direitos humanos um conceito tão perene. O autor era sensível em relação ao sofrimento de outras pessoas:

    Quando contemplo a dignidade natural do homem; quando sinto (porque a natureza não tem sido gentil o suficiente comigo para atenuar meus sentimentos) pela honra e felicidade de seu caráter, fico irritado com a tentativa de governar a humanidade pela força e pela fraude, como se todos fossemos patifes e tolos, e dificilmente posso evitar o desgosto em direção aos que se impõem.

    Paine protestou contra o fato de Burke não sentir compaixão por aqueles que sofreram na prisão da Bastilha e por não se sentir afetado pela realidade da angústia. Podemos ver aqui, sugiro eu, as verdadeiras sementes do movimento dos direitos humanos: um sentimento de empatia pelo sofrimento dos outros, juntamente com um senso de injustiça quando

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