Cachorro Do Governo
()
Sobre este e-book
Relacionado a Cachorro Do Governo
Ebooks relacionados
Baseado Em Fatos Reais Nota: 0 de 5 estrelas0 notasUm Grito Na Madrugada Nota: 0 de 5 estrelas0 notasNão fuja do amanhã Nota: 0 de 5 estrelas0 notasO Culto Do Cogumelo Nota: 0 de 5 estrelas0 notasAs Rainhas Da Noite Nota: 0 de 5 estrelas0 notasA dona das chaves Nota: 0 de 5 estrelas0 notasTribunal dos milagres Nota: 0 de 5 estrelas0 notasO Diabo de Terno na Terra de Ninguém Nota: 0 de 5 estrelas0 notasO DUPLO: ATÉ QUE PONTO A NATUREZA HUMANA É CAPAZ DE CHEGAR? Nota: 0 de 5 estrelas0 notasJuventude Engarrafada Nota: 0 de 5 estrelas0 notasAs Peças Do Jogo Nota: 0 de 5 estrelas0 notasAtraído pelo caos Nota: 0 de 5 estrelas0 notasCidadão Nota: 0 de 5 estrelas0 notasMedo E Terror Nota: 0 de 5 estrelas0 notasA Droga Do Dia Amanhecer Nota: 0 de 5 estrelas0 notasEvanescente: a última sombra Nota: 0 de 5 estrelas0 notasA Donzela Que Não Morreu Nota: 0 de 5 estrelas0 notasContos De Um Tempo Remoto Nota: 0 de 5 estrelas0 notasCrônicas De Um Detetive Nota: 0 de 5 estrelas0 notasProva De Vida Nota: 0 de 5 estrelas0 notasAlegoria do Terror: Livro 3 - Do premiado autor de Bichos Urbanos Nota: 0 de 5 estrelas0 notasCinco Contos Nota: 0 de 5 estrelas0 notasO Baluarte do Crime: ou como fazer um inferno no paraíso Nota: 0 de 5 estrelas0 notasMarques Em A Minha Alma Tem: Poesias, Contos... Nota: 0 de 5 estrelas0 notasDevaneios Poéticos Nota: 0 de 5 estrelas0 notasDomingo Eu Vou Pra Praia Nota: 0 de 5 estrelas0 notasO Outono Do Meu Tempo Ii Nota: 0 de 5 estrelas0 notasA Falência Da Justiça Brasileira Nota: 0 de 5 estrelas0 notasO fogo Nota: 4 de 5 estrelas4/5Ptmorfose Nota: 0 de 5 estrelas0 notas
Artes Cênicas para você
Glossário de Acordes e Escalas Para Teclado: Vários acordes e escalas para teclado ou piano Nota: 5 de 5 estrelas5/5Os Crimes Que Chocaram O Brasil Nota: 0 de 5 estrelas0 notasA arte da técnica vocal: caderno 1 Nota: 0 de 5 estrelas0 notas5 Lições de Storyelling: O Best-seller Nota: 5 de 5 estrelas5/5Da criação ao roteiro: Teoria e prática Nota: 5 de 5 estrelas5/5A Proposta Nota: 3 de 5 estrelas3/5William Shakespeare - Teatro Completo - Volume I Nota: 0 de 5 estrelas0 notasO Acordo Nota: 3 de 5 estrelas3/5Cinema e Psicanálise: Filmes que curam Nota: 0 de 5 estrelas0 notasO que é o cinema? Nota: 5 de 5 estrelas5/5Danças de matriz africana: Antropologia do movimento Nota: 3 de 5 estrelas3/5Ordem Das Virtudes (em Português), Ordo Virtutum (latine) Nota: 0 de 5 estrelas0 notasContos Sexuais Nota: 0 de 5 estrelas0 notasOratório Métodos e exercícios para aprender a arte de falar em público Nota: 0 de 5 estrelas0 notasBorderline, Eu Quis Morrer Nota: 0 de 5 estrelas0 notasComo Escrever de Forma Engraçada: Como Escrever de Forma Engraçada, #1 Nota: 4 de 5 estrelas4/5Sexo Com Lúcifer Nota: 5 de 5 estrelas5/5A arte da técnica vocal: caderno 2 Nota: 0 de 5 estrelas0 notasUm Conto de Duas Cidades Nota: 5 de 5 estrelas5/5A construção da personagem Nota: 5 de 5 estrelas5/5Sexo Com Lúcifer - Volume 2 Nota: 0 de 5 estrelas0 notasAdolescer em Cristo: Dinâmicas para animar encontros Nota: 0 de 5 estrelas0 notasEros e Psiquê - Apuleio Nota: 5 de 5 estrelas5/5Como fazer um planejamento pastoral, paroquial e diocesano Nota: 0 de 5 estrelas0 notasCriação de curta-metragem em vídeo digital: Uma proposta para produções de baixo custo Nota: 5 de 5 estrelas5/5A Procura Nota: 5 de 5 estrelas5/5O Que A Bíblia Tem A Nos Ensinar? Nota: 0 de 5 estrelas0 notasO que mantém o Teatro vivo: Ritual, fluxo, jogo e improvisação Nota: 0 de 5 estrelas0 notasOs Cossacos Nota: 0 de 5 estrelas0 notas
Categorias relacionadas
Avaliações de Cachorro Do Governo
0 avaliação0 avaliação
Pré-visualização do livro
Cachorro Do Governo - Washington Sant'ana
Washington Sant’Ana
CACHORRO DO GOVERNO
Reg. EDA/395.272-lv. 735-fl. 432
Capa: João Paulo
Ilustração da capa/Domínio público
3
Livro de ficção. Os fatos narrados são imaginários e as
personagens (com exceção das personalidades famosas citadas);
são frutos da imaginação do autor. Portanto qualquer
semelhança com a realidade é mera coincidência.
4
Dedicado a Jurandir Jeferson Freire. Investigador da
Polícia Mineira, morto no interior do Primeiro Distrito Policial
de Contagem em 24/06/2000, quando impediu um resgate de
preso. Na ocasião ele vigiava sozinho 42 condenados. Morto
pelos bandidos. Sacrificado pelo sistema...
5
6
CACHORRO DO GOVERNO
I
Eu sou Cérbero!...
Meu nome de batismo é Mizael Castanha, mas aqui neste
pequeno presídio situado na periferia da cidade de Contagem, eu
sou o guardião da masmorra do inferno. Meus uivos varam as
madrugadas, enquanto vigio os portões deste depósito de
homens criminosos, com unhas e dentes; e armas pesadas...
Restando apenas um ano para me aposentar do serviço
policial, aqui estou; purgando meus pecados mortais. Comendo
o pão que o diabo amassou. Um final de carreira medíocre e
inglório. Conto os dias... E isso faz um ano parecer um século.
Enquanto espero, vou vigiando esta masmorra repugnante duas
vezes por semana. Sofrendo.
A prisão é feia e sinistra: Um imóvel velho e em ruínas,
emprestado pela prefeitura ao estado, para servir de delegacia de
7
polícia e centro de triagem. Constitui-se de uma casa onde
funciona o setor administrativo e quatro pequenos cômodos que
abrigam a inspetoria e a sala dos policiais, os outros dois
compartimentos foram transformados em celas com capacidade
para oito prisioneiros. Mas com o aumento da criminalidade no
início do milênio, as penitenciárias estaduais ficaram lotadas e
os condenados passaram a cumprir sentença em pequenas
prisões de delegacia. Na região metropolitana existem várias
pequenas prisões como esta; ladrões e pequenos traficantes
abarrotam seus calabouços improvisados. Não há espaço sequer
para os prisioneiros deitarem. Na hora de dormir eles fazem
revezamento, uma parte dorme até as quatro da manhã e se
levantam para os outros que estavam em pé repousarem. Não há
colchões, deitam-se no chão em cima de cobertores. A
promiscuidade e a falta de higiene habitam com eles. Parasitas e
doenças de pele proliferam no meio ambiente carcerário.
Piolhos, percevejos, sarna, ictiose, furúnculos e outras
enfermidades da pele infestam o interior das celas. Os
encarcerados dão um só nome para todas essas moléstias:
Ziquizira de cadeia
.
Localizada na divisa dos municípios de Contagem e
Ribeirão das Neves; a prisão é cercada por favelas e bairros
pobres; fornecedores do material humano que abarrota suas celas
imundas. Aqui tem bandido de toda espécie, brancos e negros;
católicos e protestantes. Comum entre eles: o vício, o
analfabetismo e o alto índice de pobreza, origem de toda revolta.
O lugar é perigoso, mas a vista é bela, a prisão está
localizada no topo de uma colina, na borda de um vulcão
extinto. No fundo da cratera está a capital de Minas Gerais.
Olhando a leste, a vista depara com a Serra da Piedade; é onde
nasce o sol... E eu tenho o privilégio de vê-lo surgindo nas frias
manhãs de inverno, após longas e tensas madrugadas de vigília.
8
As salas foram construídas na divisa do terreno. Uma
varanda de telha de amianto cobre a frente da entrada dos
setores, debaixo dessa varanda tem um refrigerador, uma mesa
de madeira e um velho aparelho de TV com botões quebrados.
Na frente da varanda há um imenso pátio de estacionamento
onde ficam guardados os carros apreendidos, que vão
apodrecendo a céu aberto. Alguns parecem dinossauros que
morreram e se esqueceram de deitar. Máquinas mortas com
motores travados; vigiadas de perto por um enorme flamboyant
de aproximadamente vinte anos de idade, mas que já está
morrendo. Não de velhice, pois sabemos que a espécie pode
viver décadas; o flamboyant está morrendo baleado. É em seu
tronco que os policiais testam suas armas e a eficiência da
munição. Ele já tomou mais de mil tiros.
Tentando conscientizar os funcionários, coloquei uma
placa em seu tronco com os seguintes dizeres:
NÃO ATIRE NA ÁRVORE
ELA TAMBÉM É UM SER VIVO
Em menos de uma semana encontrei a placa furada à
bala. Nos buracos do tronco escorriam filetes de seiva, como se
a árvore sangrasse.
Ainda confeccionei outras placas e todas foram rasgadas
no tiro. A grande quantidade de ogivas de chumbo envenena a
seiva do tronco. O flamboyant está morrendo assassinado pela
polícia. É deprimente...
Apenas dois policiais compõem a equipe de plantão, e a
população carcerária tem quarenta prisioneiros. Meu parceiro é
JB, funcionário jovem e início de carreira, mas que já sofre das
mazelas da profissão; stress, depressão, hipertensão e outras
enfermidades físico-psíquicas. Ele toma vários tipos de pílulas.
9
Outro dia reclamou que os remédios psiquiátricos estavam
tirando o seu apetite sexual. Isso me deixou preocupado, porque
também carrego uma depressão hereditária; minha única herança
paterna, diagnosticada em consulta com psiquiatra da polícia,
ocasião em que o mesmo quis me entupir de remédios.
Evidentemente recusei, mesmo sem ter conhecimento técnico
sobre os efeitos colaterais. Graças a Deus eu recusei, pois era só
o que faltava além de lidar com o declínio da libido por causa da
idade, ainda teria que administrar a impotência causada pelos
medicamentos psiquiátricos. Vou me curando com cachaça...
O serviço não é pesado, porém é muito perigoso.
Vigiamos à noite em dias de expediente; e nos finais de semana
e feriados o plantão é de vinte quatro horas. Até a meia noite
vigiamos de dois, e de meia noite as sete, o horário é dividido.
Cada um repousa três horas e meia. Escolhi vigiar no último
horário, de três e meia as sete. Pois minha atenção condicionada
não é só para a população da masmorra, vigio antes de tudo
minha integridade física. Aqui é um lugar muito vulnerável. O
perigo maior vem de fora, porque os muros que cercam a prisão
são baixos e a cerca elétrica não funciona. Um resgate de
prisioneiro aqui é muito fácil.
Apesar de leve, o trabalho é estressante. Tenho que vigiar
os muros e as celas. Enquanto assisto TV debaixo da varanda de
telha de amianto. Quando o filme é bom reservo um olho e um
ouvido para a TV. Mas quando não há bons filmes, fico andando
pelo pátio como um cachorro de terreiro, farejando perigo em
toda parte. Escutando os barulhos da noite com ouvidos
paranóicos. O cansaço e o stress me acompanham diariamente,
minando minha sanidade física e mental. Levo a vida amparada
na bebida, no cigarro e no jogo. Meus dias são cheios de
angústias e neuroses. Os vícios são meus remédios contra a
depressão, me dão alívio temporário e prazeres ilusórios...
10
Há sete anos quando vim parar nesse serviço ruim,
pagando castigo por divergir da opinião de um chefe imbecil; os
dias passavam mais rápidos. Agora que falta pouco tempo para
me aposentar os dias são longos e os perigos se multiplicam.
Cada dia a população carcerária aumenta, trazendo a revolta das
ruas. A abstinência de drogas faz com que os prisioneiros
fiquem irritadiços e loucos para fugirem, a droga os chama para
a rua, e novamente para o crime.
O JB cochila o tempo todo em seu turno de vigília.
Remédio demais. Muita química na corrente sangüínea; drogas
lícitas para acalmar o infeliz. Tenho pena dele, ainda faltam mais
de 20 anos para cumprir, e as coisas estão piorando. A violência
urbana aumenta assustadoramente, e os criminosos capturados
na região abarrotam a masmorra. Enquanto os políticos falam
mentiras, fazendo falsas promessas para os eleitores e
correligionários.
Somos governados por Pinóquios
e Ali Babás
!...
Ontem o governador prometeu aumento de salário e
construção de novos presídios. Fez algumas transferências para
inglês ver
e contou mentira no jornal das sete. Enquanto aqui a
masmorra está entupida de gente criminosa. Os excluídos.
Andarilhos do caminho das drogas, escombros da sociedade
capitalista. Entram para o mundo do crime ainda na infância,
quase sempre para sustentar o vício em drogas ilícitas. Hoje há
garotos de 11 anos de idade empunhando armas potentes.
Apertando o gatilho como se brincassem no vídeo-game. Eles
têm uma crueldade primitiva. Sem perspectiva de um futuro
digno; sua revolta é genuína, matam por nada. Sabem que terão
vida breve; por isso são cruéis, implacáveis. E quando
conseguem sobreviver até a maioridade, vem parar aqui. E eu
tenho de conviver com eles. Vigiá-los.
Conto os dias...
11
A madrugada está fria... Quando rendi o JB, ele dormia
sentada, a baba escorrendo pela ponta do queixo. Apanhei um
cobertor barato e joguei nas costas como uma manta mexicana.
Coloquei a escopeta calibre 12 em cima da mesa e estiquei o
corpo mal dormido; um velho cachorro preparando-se para mais
uma jornada de sentinela. Apesar de meus 50 anos de idade,
ainda vigio ligado, sem cochilar. Quase todos os policiais
dormem a noite toda. Como o JB que cochila em seu turno e
desmaia no repouso; há equipes em que os dois plantonistas vão
dormir no mesmo horário, deixando a masmorra aos cuidados de
fantasmas e barras de ferro.
...Uma brisa gelada farfalha as pequenas folhas do
flamboyant moribundo. Na TV filmes horríveis ocupam todos os
canais. Madona, a cadela vira-lata que nos ajuda a vigiar os
domínios da masmorra, permanece deitada sob a mesa, perto da
geladeira; aproveitando o calorzinho do motor. Ela veio parar
aqui ainda filhote, quando foi abandonada na porta da prisão.
Alguém a alimentou e deu-lhe água, depois disso nunca mais
saiu do portão, até que um dia colocaram-na para dentro dos
muros e ela foi admitida no serviço público sem concurso,
porém sem salário. O nome em homenagem a estrela da música
pop foi dado por causa de sua pelagem amarelada.
Com intuito de manterem os prisioneiros distraídos, foi
autorizada colocação de aparelhos de TV na porta de cada cela.
Enquanto ocupam a mente com novelas, filmes e futebol, não
ficarão maquinando fugas. Nessa noite estão assistindo um filme
erótico no canal 7. Filmes da madrugada que só mostram
insinuações sexuais. Mas, como "em tempo de guerra, urubu é
frango", eles assistem com atenção concentrada as cenas de
prazer fingido. E lá pelas altas horas, na solidão da madrugada
12
extravasam seus desejos reprimidos pelas malhas da justiça,
despejando sua descendência pelo esgoto sanitário.
Nos horários dos comerciais as conversas aumentam, e
um deles lança um grito agoniado que ecoa no espaço vazio de
minha mente recém-desperta. A voz é aguda como choro de
menina:
-Oh Jesus, me tire