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O Dia Que Me Encontrei
O Dia Que Me Encontrei
O Dia Que Me Encontrei
E-book758 páginas4 horas

O Dia Que Me Encontrei

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Sobre este e-book

André acorda num domingo e não se reconhece frente ao espelho. Sua aparência é diferente da que acredita é a sua. Seus documentos afirmam que ele é Amílcar, o mesmo desconhecido com quem sua esposa não mostra supressa ao encontrar-se. Nem sequer uma foto, aparece para tira-lo da confusão. O melhor amigo tampouco percebe qualquer diferencia e confirma que na última semana o viu diferente, se comportando de maneira estranha. De repente a esposa órfã passa a ter pais vivos e sua mãe, que ele sabe mora no parque, surge sepultada num tumulo no cemitério. Tudo se mostra diferente para sua visão da realidade, embora ele sinta que os fatos não passam de cenas imaginadas. Para não perder a razão decide procurar as justificativas da mudança que podem levá-lo a compreender o inexplicável.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento14 de jul. de 2016
O Dia Que Me Encontrei

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    Pré-visualização do livro

    O Dia Que Me Encontrei - Eduardo Menteguiaga

    O dia que me encontrei

    Porque tudo é um começo, e num dia qualquer a vida se transforma,

    e que foi nunca mais será.

    2º edição

    Eduardo Menteguiaga

    Salvador

    Edição do autor

    2016

    B512s Menteguiaga, Eduardo.

    O dia que me encontrei: Porque tudo é um começo

    e num dia qualquer a vida muda e o que foi nunca mais será -

    Salvador - 2016.

    ISBN em tramit

    ação

    1. Eduardo Menteguiaga, 2016.

    1. Titulo

    UNIPÊ / BC CDU -

    658:004

    Preparação de originais

    Javier Meví

    Projeto gráfico

    Javier Meví

    Revisão

    Madalena Escobar

    Ivone Simas Bessa

    Designer da Capa

    Javier Meví

    Reservados todos os direitos em língua portuguesa de acordo com a

    lei. Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida total ou

    parcialmente, ou transmitida de qualquer forma ou meio, incluindo

    fotocopias, gravação ou informação computorizada, sem permissão

    por escrito do autor.

    Deposito legal na biblioteca nacional conforme decreto Nº 1825 de

    20 de Dezembro de 1907

    Todos os direitos para língua portuguesa no Brasil reservado e

    protegido pela lei 5.988 de 14.12.1974a.

    Registro biblioteca Nacional Nº 673306 – 12/03/2015

    Contato com o autor

    eduardomenteguiaga@gmail.com

    Printed in Brazil

    Dedicatória

    A minha mãe Catalina Vilches,

    pela presença constante do seu amor.

    A meus filhos

    Victoria Soledad, Anna Camila e Cristhian Eduardo;

    vocês iluminam todos os meus dias.

    E a Leonor Assis,

    Obrigado Leo,

    com você foi tudo possível.

    Palavras iniciais

    O dia que me encontrei trata de alguém que se

    encontra com si. Da forma inesperada que uma utópica

    possiblidade, torna-se realidade. Porque a vida se perpetua

    em ciclos e assim, nessa sequência de começos e fins,

    consegue manifestar seu maravilhoso potencial.

    Esta obra representa um destes ciclos, o de extraviar

    para recuperar. Porque o homem, naturalmente, só dá

    valor e se questiona, sobre aquilo que perde.

    Foi escrita em impulsos criativos ao começo e

    sentimentais ao final; sem qualquer ideia premeditada

    sobre seu desenlace. Mas logo nas primeiras linhas a obra

    manifestou a pretensiosa intenção de que suas palavras

    servissem para compreender os motivos pelos quais uma

    vida chega finalmente a transformar-se em algo tão

    diferente do que foi desde o começo.

    Surgiu espontânea, livre de influências e intenções.

    Por isso pode, sim, ser considerada misteriosa; mas não

    inventada. Porque embora as personagens pareçam

    especiais e a história, inverossímil, o conteúdo simbólico

    de suas mensagens e os caminhos percorridos para o

    desfeito da trama, são tão reais como centenas de tantos

    outros fatos que acontecem no cotidiano de todas as vidas.

    Se algum leitor se identifica com ela, é porque de

    certa forma compreendeu que a sensação ao acordar pela

    manhã nem sempre é consequência daquilo feito no dia

    anterior. O amanhã, em circunstâncias muito mais

    habituais das que se espera, pode revelar-se desconhecido

    e diferente para os que supõem que nada vai modificar

    suas existências.

    Nem tudo está escrito, nem tampouco definido.

    O autor

    Introdução

    Neste relato são os mesmos personagens que se

    enganam a si. São eles os que pretendem ser alguém

    diferente para fugir de suas velhas vestiduras que os

    assustam, de seus pecaminosos defeitos que os

    atormentam. A lógica necessidade humana de mudar para

    melhorar e iluminar a alma, que recém se devê-la ao final

    do relato, se manifesta ao começo e no percorrer do livro

    através de um caminho mágico de conexões e

    transmutações. A ideia é uma constante da vida de muitos

    e está narrada com a clareza e pureza que o autor já nos

    tem acostumado.

    O ponto de vista do narrador é onisciente, mas

    apesar de conhecer os íntimos sentimentos e interesses de

    cada personagem que se apresenta, é capaz de manter uma

    mirada imparcial da história que ajuda a preservar a

    intriga. Este estilo também consegue lhe dar certa

    agilidade ao texto que não seria logrado se o narrador se

    colocasse sobre a perspectiva do personagem principal

    sem afastar-se jamais dele. Em vez disso, o narrador vai

    pulando alegremente e sem aviso prévio sobre todos

    aqueles que tenham algo para contar a respeito da história

    e o leitor não o percebe como uma descontinuidade, pelo

    contrário, parece ser levado da mão pelo passadiço secreto

    que o conduzira ao desenlace. É um relato fantástico que

    apesar de tudo pode encontrar uma explicação fora do

    sobrenatural na normalidade de nossas vidas terrenas.

    Cada personagem deixa transluzir, em sua medida,

    certa sabedoria que obtém ao refletir sobre seus atos

    passados. Também certa resignação estoica que os torna

    ainda mais humanos. É muito forte a presença poderosa

    da palavra de Deus e como influência em todas as

    personagens como se nenhuma tivesse dúvida de sua fé.

    O leitor quisera que fosse concreta a possibilidade

    de renascer como os personagens deste relato. E até

    acredita que seria possível se sua fé o permitisse. A

    história transmite uma mensagem de esperança para os

    caídos, quase como se se tratasse de um livro de autoajuda,

    mas com a poesia da palavra do autor.

    O romance é tão bom que obriga ao leitor a lê-lo de

    corrido. Em definitiva, o autor finaliza um ciclo ao

    publicá-lo.

    Madalena Escobar

    Crítica e corretora

    Índice

    1 – Um dia especial

    13

    2 – Viagem reveladora

    23

    3 – Salomão, o primeiro amigo

    27

    4 – Primeiro sinal

    31

    5 – Tomada de consciência

    35

    6 – O começo da revelação

    37

    7 – Declaração de amor

    43

    8 – Madalena

    47

    9 – Emanuel e o desafio ao perigo

    55

    10 – Relato da odisseia

    63

    11 – Lembrança da mãe

    69

    12 – A visita inesperada

    73

    13 – Regresso ao lar

    77

    14 – O anjo Emanuel

    83

    15 – Valorizando a vida

    87

    16 – Acerto de contas

    91

    17 – O hospital

    95

    18 – Johana

    105

    19 – O poder dos astros

    109

    20 – O nascimento de Amílcar

    113

    21 – O filho visita a mãe

    115

    22 – O sonho do professor

    121

    23 – O centro de poder (A reunião)

    125

    24 – O instante de ansiedade

    133

    25 – Encontro com Carmen

    135

    26 – O porquê de tudo

    139

    27 – Amílcar e André

    145

    28 – Amílcar frente ao espelho

    155

    29 - Recuperando a família

    161

    30 – Amílcar e Johana

    167

    31 – Madalena e Johana

    171

    32 – A viagem astral

    179

    33 – A proteção do amor

    189

    34 – André e a liberação do passado

    193

    35 - A partida de Emanuel

    197

    36 – A primeira resposta

    203

    37 – O passado de Salomão

    209

    38 – O novo homem

    215

    39 – O retorno de Vieira

    219

    40 – As pontes

    229

    41 – A verdade de Madalena

    235

    42 – A compreensão do mistério

    243

    43 – Outro dia especial

    249

    Epílogo

    253

    Primeiro

    livro

    1

    Um dia especial

    "Era um domingo como muitos,

    monótono e sem novidades.

    Só que num piscar de olhos

    tudo pode acontecer.

    De repente a vida se transforma,

    e o que foi; jamais volta a ser"

    O homem se olhou no espelho, naquele em que cada manhã,

    efetuava a rotina de barbear-se. O fez por impulso, ao passar e ver a

    porta do banheiro aberta. Mas quando chegou à sala, depois de

    atravessar o corredor, uma sensação inusitada o deteve com a mão

    suspensa no ar, justo quando pegava na pasta do escritório sobre a

    mesa; haveria visto bem?

    A pergunta surgiu irônica, como se a dúvida fosse uma piada

    e a sensação desconhecida a risada. Porque o diferente nessa manhã,

    era que a imagem que viu refletida no espelho, não era a dele.

    Seria isso possível?

    Com um movimento instintivo, se acariciou o rosto para

    certificar-se que fosse o de todos os dias e o mesmo que o

    acompanhava na vida há trinta e cinco anos. E ao perceber que a ideia

    era mais absurda que anormal, voltou ao banheiro a olhar-se no

    espelho e terminar de vez com essa sensação que começava a pô-lo

    nervoso.

    Como explicar o grito de espanto deste homem que ao olhar-

    se no espelho não se reconheceu, porque a imagem refletida não era a

    de ele?

    O medo o paralisou e a desesperação transfigurou sua

    fisionomia tentando encontrar sem sucesso o gesto apropriado para a

    inexplicável situação. Os segundos se sucederam indiferentes e sua

    13

    imaginação procurava enlouquecida, motivos que o ajudassem a

    justificar essa absurda transformação.

    Pararia de beber tanta cerveja. Ele sabia que cedo o mais

    tarde, acabaria com problemas por causa da maldita bebida que lhe

    causava inúmeros problemas, além de saquear-lhe a conta bancaria.

    Também faria o mesmo com esse costume descontrolado de comer

    todo tipo de alimento que vendiam pela rua. Seu fígado melhor que

    ninguém sabia os esforços que fazia para manter-se equilibrado depois

    da tortura á que era exposto por esse descontrole. Por isso em repetidas

    ocasiões o castigava com dores que pareciam matá-lo. Até era

    provável que a sensação de ver seu rosto diferente no espelho não fosse

    mais que uma reação pelas frituras que comera a noite anterior. Isso

    explicaria a imagem desconhecida que o observava no espelho do

    banheiro... dentro de sua casa?

    Sua casa? Ele estava em sua casa! Que outro lugar lhe

    ofereceria maior segurança que o interior dela? A consciência desta

    realidade serviu para tranquilizar-se e começar a pôr as ideias em

    ordem. Dali que primeiro avançou lentamente até o espelho, se

    esforçando para vencer os temores, enquanto a imagem refletida, fazia

    o mesmo.

    Não dava para acreditar, era verdade, o espelho não mentia.

    Sua aparência não era a mesma, era outro homem. Os olhos, a boca, o

    cabelo; tudo era diferente. Seria o espelho? Não, não era. Porque

    quando abriu o guarda-roupa para ver a imagem refletida no outro

    espelho, descobriu que era idêntica ao do banheiro. Seguramente

    haveria uma explicação, e ele devia encontra-la, era importante, seja

    como for e o mais rápido possível; antes que Andreia chegasse. Sua

    esposa não podia vê-lo com essa aparência. O primeiro que diria era

    que tudo não passava de outra desculpa para evitá-la. Que fazia isso

    para que ela não mencionasse que nos últimos dias, não a procurou

    para ter relações. Lógico, ela não poderia saber que o distanciamento

    fora causado por sérios problemas que o atormentavam e não por falta

    de desejo.

    Tampouco descartava a possibilidade que justamente a falta

    de sexo fosse o motivo de ver uma imagem que não era a própria

    naquele espelho. Ou que também fosse consequência da discussão de

    ontem á tarde com Vieira, seu colega de trabalho. Lhe diz tantos

    14

    palavrões ao coitado, que nem sequer ouviu as desculpas que

    argumentava para justificar-se. Mas que motivos teve, justo quando

    mais necessitou, para descontar os dias que faltou ao trabalho? Logo

    ele que sempre soube estar disposto para ajudá-lo; desta vez negar-se.

    Parecia tudo feito de propósito com intenção de prejudicá-lo. Por isso

    reagiu da pior maneira, dizendo de tudo, menos uma palavra de

    compreensão. Por que de cúmplice, se transformara em delator?

    Depois de tanta pressão, era até natural que com os nervos de

    ponta pelo acontecido, seu dia começasse desse jeito, vendo uma

    imagem refletida que não lhe pertencia. Devia tranquilizar-se, dar um

    tempo e esperar que com um pouco de calma tudo regressasse à

    normalidade.

    O importante era analisar a situação com calma utilizando a

    razão, mas casualmente quando esta ideia começava a trazer-lhe paz,

    por outro mistério, não menos insondável que o anterior, a lembrança

    de ter uma conta que pagar nesse mesmo dia, surgiu de algum canto

    escuro, com a força de um pensamento impossível de conter. Por

    instinto, procurou na carteira o boleto do pagamento e encontrou o que

    não esperava. O nome do titular da conta não era o seu; figurava o de

    Amílcar Abreu.

    A reação foi instintiva, sorriu, mas quando percebeu que a

    identidade também pertencia à mesma pessoa, o tom da pergunta que

    se fez foi trágico. Isso significava que seu nome não era mais André?

    Confuso, sem compreender o acontecido, regressou à sala

    para descansar um pouco de toda essa angustia tão intensa. Jogou-se

    sobre uma das poltronas, fechou os olhos e tentou fazer o que parecia

    impossível, relaxar e tomar o controle das emoções.

    Estarei sonhando? - Pensou - por que acontece isto comigo?

    Logo hoje que o diretor da empresa convocou uma reunião no

    trabalho; com que cara vou chegar? Ninguém vai me reconhecer.

    As perguntas surgiam uma detrás da outra e as respostas se

    negavam aparecer para facilitar a compreensão. Observou pela janela

    o jardim, e ficou abstraído pela grandiosidade das verdes tonalidades

    da vegetação e desejou que a beleza dos gerânios e crisântemos o

    ajudassem o ordenar as peças desse quebra-cabeça de incógnitas e

    terminar de vez com o mistério que ocultavam. Embora tivesse certeza

    que a chance de isso acontecer, era ínfima, já que tudo não passava de

    15

    um irracional desejo causado pela angustia. Porquanto a realidade só

    consegue harmonizar-se através da natureza quando as emoções não

    interferem e a pessoa está em harmonia com o todo.

    O único que vislumbrava como verdade era comprovar o que

    já sabia, que algo muito estranho acontecia; sem saber como, nem por

    que.

    Nunca mais voltaria a ver seu rosto?

    Eram quase às nove da manhã quando percebeu que com a

    confusão do espelho, esquecera o ônibus que passava ás oito para levá-

    lo à empresa. Embora chegar ao escritório com esse rosto, seria uma

    loucura. Ninguém aceitaria sua história, nem menos permitiriam que

    ingressasse ao prédio. A solução era telefonar a Susana, a chefe de

    pessoal, e justificar sua ausência. Diria que estava doente, sem

    condições de sair de casa ou qualquer outra mentira parecida, que

    amanhã se apresentaria como de costume; isso faria.

    Isto tentou fazer, porque ao digitar o número para se

    comunicar com a empresa, a voz metálica do outro lado da linha lhe

    disse que o número discado não existia. Tornou a ligar e ouviu a

    mesma resposta. Haveriam mudado os números? Era preciso conferir

    com a lista telefônica, por isso procurou dentro da peça de madeira, ao

    lado do televisor e ao olhar de soslaio os enfeites das estantes, viu algo

    que contrastou com os objetos que já conhecia. Um pequeno quadro

    com uma foto que surpreendia pela imagem que mostrava.

    Na foto, sua esposa abraçava sorridente ao homem que, era

    exatamente idêntico ao da imagem vista no espelho. Isso significava

    que era um retrato de ele? Quem era, ao final das contas, esse homem?

    As respostas continuavam ocultas e o imponderável de enfrentar-se a

    fatos desconcertantes, colocava estradas intransitáveis entre ele e a

    verdade. O número do telefone da empresa onde trabalhava era a única

    saída para encontrar o caminho de volta à realidade. Dali que continuo

    à procura da lista telefônica. Busca que foi inútil, a empresa Tobias

    Neto, não apareceu em nenhuma página, só um colégio existia com

    esse nome.

    André procurava ansioso naquela lista, quando alguém abriu

    a porta da rua e entrou na casa caminhando em sua direção.

    – Cadê você? Já acordou?

    16

    Era a voz de Andréia, sua esposa; não devia vê-lo com esse

    rosto; não o reconheceria. Confundi-lo-ia com um marginal invadindo

    a casa e gritaria por socorro ou correria apavorada até à rua em busca

    da polícia. Devia esconder-se rápido, até decidir o que fazer, e dada à

    urgência do momento, a cozinha, pela proximidade, se mostrava o

    lugar mais apropriado. Por isso correu, ocultando-se atrás da estante

    das mercadorias.

    – Para de brincadeira; você acha que não vi sua pasta na sala?

    Merda, esquecera a pasta. E agora? Tinha que pensar rápido,

    não devia permitir que Andreia o visse. A ideia surgiu como

    relâmpago; o banheiro. Esse era o lugar. Correu sem deter-se pelo

    corredor e num pulo se trancou em seu interior; fechando a porta por

    dentro.

    A voz de Andréia se aproximou com rapidez em sua direção

    e se ouvia cada vez mais forte. Ele por trás da porta fechada lembrou-

    se do espelho e pensou se ainda continuaria refletindo a imagem do

    desconhecido em lugar da sua. O jeito era averiguá-lo olhando-se de

    novo.

    Girou com lentidão sobre si e observou de relance,

    atemorizado e esperançoso. Desejando com todo seu ser reencontrar

    seu verdadeiro rosto; mas não. A imagem continuava desconhecida,

    insistindo em afronta-lo com expressão desafiante como se ele olhasse

    o que não devia. Esse desconhecido se mostrava arrogante, embora

    via-se um rapaz lindo, de traços distintos e aparência varonil. Olhos

    azuis cor céu, lábios finos, nariz reto, dentes brancos e todo o conjunto

    em harmonia se coroavam com o brilho ouro dos cabelos que naturais

    se cacheavam sobre a fronte. Sim, como negar? Esse Amílcar era

    muito mais bonito que ele. Se tivesse essa pinta saberia aproveitá-la.

    – Está ouvindo? Por que não responde?

    De fora do banheiro sua esposa exigia respostas, mais

    insistente a partir do momento que descobriu a porta fechada por

    dentro. E pelo tom de sua voz, não parecia que desistiria até saber o

    que acontecia. Queria entrar ao banheiro de qualquer jeito, enquanto

    ele rogava, em pensamentos, que desistisse de querer vê-lo e assim

    ganhar tempo para pensar o que fazer. Para piorar a situação o denso

    silêncio com que ele respondia, levantava suspeitas ainda piores. Mas

    17

    não devia falar... Ou sim? Se o seu rosto mudou, teria acontecido o

    mesmo com sua voz?

    – Diz alguma coisa; por favor - clamou Andreia.

    A insistência da esposa confundia ainda mais André que

    impossibilitando de raciocinar, tinha maior dificuldade para decidir o

    que fazer. Se demorasse em dar resposta, Andreia, que a esta altura

    teria perdido a paciência, desconfiaria de problemas sérios e entraria

    em pânico. Por outro lado, se optasse por falar, quando ela não

    reconhecesse sua voz, de igual modo se assustaria. Não tinha saída,

    devia responder.

    – Estou bem Andreia; já saio.

    Silêncio. Respondeu ao pedido com receio e o vazio que

    ouviu do outro lado da porta, cobrindo com um manto de mistério a

    cena do lugar, confirmou a suspeita de que algo acontecera. Com

    certeza sua esposa corria para fora da casa em busca de ajuda para tirar

    o estranho do banheiro ou digitava o número da polícia pedindo

    socorro. Nestes pensamentos enlouquecidos sua imaginação

    rodopiava quando Andreia tornou a falar.

    – Vai; deixa entrar. Estou apertada.

    Entrar? Agora sim que tudo iria por agua abaixo. Que faria

    Andréia quando descobrisse que ele era outro? Não entenderia nada,

    obviamente; e seria até natural. O único jeito era tentar se explicar sem

    criar maiores intrigas. Se ela ainda estava do outro lado da porta

    querendo entrar ao banheiro, depois de ouvir sua voz, isto significava

    que não percebeu diferença alguma e que para ela tudo continuava tão

    normal como antes. Então seria até muito provável que nem reparasse

    em sua aparência. Pensando com calma, não seria sua imaginação que

    inventou essa história de ele achar que tinha um rosto diferente?

    André sabia que não dispunha de tempo para avaliar todas as

    possibilidades e que por mais difícil que fosse controlar seu

    nervosismo, devia tranquilizar-se e administrar a situação de forma

    prudente. Igual a como reagira ao ver refletida a imagem desconhecida

    no espelho do banheiro, e que contrariando seu habito de tornar tudo

    tragédia, enfrentara sem desespero. Por isso surpreso pela frialdade

    com que enfrentou aquela situação, e ciente de que seus próximos

    passos poderiam modificar para sempre a relação com Andréia; fechou

    os olhos e abriu a porta.

    18

    Primeiro. Escuridão total. Depois segundos intermináveis

    numa espera que parecia não ter fim. E, finalmente, o denso silêncio

    confundindo seus sentidos pela ausência do grito que Andréia não dera

    ao vê-lo. Estaria muda de medo? Vencendo seus inúmeros temores,

    numa ansiedade insuportável, lentamente abriu os olhos e descobriu

    que Andréia, em pé a centímetros dele, o observava como se não o

    reconhecesse. Pensou em inventar infinitas desculpas, mas o olhar da

    esposa percorrendo seu corpo na atitude suspeita de quem procura

    algo; o deixou apavorado. Ela deteve a mirada nos seus olhos, depois

    observou seu corpo de cima para baixo e tornou a se deter no seu rosto.

    Permaneceu uns segundos pensativa, como se esforçando por

    compreender, para depois se aproximar, beijá-lo e perguntar:

    – Posso saber, se não for muito incomodo, aonde é que você

    vai de terno e gravata, se hoje é domingo?

    Domingo? Deus santo! Era domingo? Como fora tão

    atrapalhado? Não era dia de trabalho! Agora sim, tudo começava a ter

    sentido. Numa semana cheia de complicações, nervos à flor da pele,

    onde também discutira com Vieira, era lógico que após dormir duma

    jornada tão tensa, totalmente estressado, acordasse acreditando que era

    segunda feira. Tudo esclarecido.

    – Algo errado? - Perguntou Andréia quando o silêncio do

    marido começou a parecer estranho.

    – Sim, algo incrível; quase fico doido. Se você não

    perguntasse o que faço de terno e gravata hoje que é domingo, ainda

    estaria sem entender. Agora me sinto mais tranquilo. Sabe o que foi?

    Nenhum gesto de Marcela interrompeu o que estava por ser

    dito.

    – Ia trabalhar - continuou André - pensando que hoje era

    segunda-feira e ao passar pelo banheiro, não me reconheci no espelho.

    Vi a imagem de outro homem; dá para entender?

    – Olha Amílcar - atinou Marcela pela urgência de ocupar-se

    de outro assunto - você não acha que já foi suficiente com esconder-

    se pela casa toda e se trancar no banheiro feito criança, para ainda

    continuar falando maluquices? Faz favor, vai se trocar que temos que

    ir à casa de meus pais e saia do caminho que preciso entrar; por favor.

    Amílcar? Ele não era Amílcar, seu nome era André e não

    tinha sogros, Andreia era órfã. Mexendo o corpo feito autômato deixou

    19

    que sua esposa fechasse a porta por trás dele e se encaminhou, sem

    reação, até o quarto a descansar. Talvez imaginando que ao deitar-se

    recuperaria a tranquilidade, e que a sensação de acreditar ter visto

    outra imagem no espelho, desapareceria.

    Sobre a cama ainda desarrumada da noite anterior, caiu

    extenuado, como se houvesse passado longas horas de insônia sem

    conseguir dormir, sequer um único segundo. Nessa posição, não se

    decidia se tinha que aceitar que tudo não passava de um sonho ou

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