Ultraviolet
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Ultraviolet - Sara Ohnesorge
PROLÓGO
Esqueça o amor da forma que conhecemos. Vejamos o de forma
madura, mesmo que seja com os olhos de uma menina de 14 anos!
Daisy e Noah são jovens, estão na faculdade, tem amigos, e passam por
todas as fases típicas de qualquer pessoa com a idade deles. O
contraponto: Eles não são jovens comuns! Daisy e Noah sofrem dos mais
altos graus de depressão.
Logo, os dois garotos têm de lidar com todas as vicissitudes específicas
da juventude, equilibrando-as com suas dores e questionamentos.
Tudo, porém, torna-se mais fácil quando os dois se encontram e se veem
com as mesmas dificuldades e com os mesmos interesses em comum.
O relacionamento de grande amizade de nossos protagonistas, contudo,
é abalada pela presença de Brandon, rival de Noah, que guarda um
grande segredo do rapaz que pode abalar toda a confiança de Daisy por
ele e que, por fim, pode desencadear uma grande tragédia.
Esqueça o amor da forma que conhecemos. Talvez ele nem exista. Mas
depois de acompanharmos toda a estória de Daisy e Noah – quem sabe
– ele não tenha uma nova face?
Com uma visão pouco usual do amor e de relacionamentos, similares a
romances como Se eu ficar, A culpa é das estrelas, Para sempre e Como
eu era antes de você, Ultraviolet mostra como o amor e o respeito pode
existir mesmo diante das maiores tempestades.
Capítulo 1
O amor pode ser algo delicado e lento, como o dedilhado de uma
música. Ou rápido e forte, como a passagem de uma nota para outra.
Mas o fato é que ninguém está realmente preparado para sofrer por
causa dele. É isso que acontece quando se ama; você dá o poder para as
pessoas te destruírem. Mesmo quando o juramento do casamento
parece algo forte e duradouro, infinito e promissor, o amor esfria. Mas,
se o amor é uma chama que nunca apaga, como pode esfriar? Então
nunca houve amor. Nem quando os pensadores de época tentavam
descrevê-lo. O amor é como você tentar colocar água em um buraco
escavado na areia; nunca encherá. A mente humana não suporta o
amor, porque nunca houve amor. Ou ele existe e só não sabemos o que
é.. Ninguém sabe. A complexidade das quatro letras revela a existência
de bilhões de perguntas espalhadas por essas estrelas. Se o amor fosse
como o céu, seria tão colorido quanto um arco-íris ou um desenho de
uma criança. Isso é o que penso.
Eu nunca fui de pensar muito nessas transições. Até que vi um vídeo de
quando era criança. Sem saber o que poderia ocorrer quando eu
estivesse na pior fase que alguém passa, a adolescência. É tudo tão novo
e tão entediante, como se você não tivesse tempo para experimentar e
nem quisesse. É quando você é pressionado para escolher o melhor para
não sofrer no futuro. Mas, o que as pessoas não sabem mesmo é como
a mente jovem é confusa. Como um milhão de respingos em uma tela
lisa ou um chiado na televisão. Irritante e inquietante.
Eu não lembro de quando minha mente mudou drasticamente. Num
momento, eu me preocupava com a roupa para ir à escola e se eu
poderia levar uma boneca na mochila estufada de livros. E na outra, eu
estava pensando em como sobreviveria a paixões insuportáveis e
amizades peculiares.
Estudo na mesma escola a pouco tempo, mas nada mudou. Exceto
quando você cresce. Você consegue perceber as diferenças. Você nunca
olhou para ninguém dessa forma; você nunca foi tão confusa; você
nunca teve tanta responsabilidade. Mas, começa a ter. Todos os meus
amigos parecem felizes por serem adolescentes; eu não.
Quando vi aquele vídeo de quando era criança, mais um fio de luz entrou
na minha bagunçada mente: Eu mudei muito. Meus amigos mudaram.
Meus pais mudaram. O mundo mudou. Mas, ao mesmo tempo, pareço
presa no tempo. A inocência e a diversão são as únicas algemas que me
prendem. Eu não consigo ser jovem como as pessoas que estão ao meu
redor. Ainda estou presa nesse estado mental que pode sugerir algo
promissor sobre minha sanidade.
O que isso tem a ver com amor? Bem, desde que comecei a tentar
pensar sobre o assunto, estava começando a encher o balde para jogar
no buraco de areia. Meu nome não foi algo escolhido por acaso. Daisy,
como a flor cheirosa e simples. Porque era para ser assim a minha vida.
Mas não foi. Está tudo de cabeça para baixo.
Meus amigos são as melhores pessoas do mundo. Não consigo gostar
de só um, pois todos complementam a mim a eles mesmos. Mas ainda
assim; nunca contei com eles. Mesmo eu sabendo que posso. Eles não
contam comigo também. Isso é bom.
Eu estava no intervalo da aula quando resolvi sair para dar uma volta.
Mesmo ouvindo a gritaria atrás de mim, eu continuei. E eu percebi algo
que nem sabia que poderia existir.
Segui um olhar de um garoto que olhava sugestivamente para mim.
Como eu não sabia o que poderia ser, eu não liguei. Continuei andando
e não vi mais o garoto.
Mais tarde, algo apareceu de supetão na minha mente; os olhos do
garoto. Estranhos, como se alguém tivesse encravado duas esmeraldas
em suas órbitas. Mas a cor não me interessou, e sim o olhar. Depois do
garoto, eu passei a encarar as pessoas para ver se tinham o mesmo
olhar. Mas era a diversidade em cada pessoa. Olhares tristes, cansados,
felizes ou simplesmente entediados. Mas nunca o mesmo olhar.
Pouco tempo atrás, tive a má reputação de ser caçoada por meus
amigos por começar a gostar de, como eles falam, qualquer um
. Não
posso reclamar, mesmo não sendo verdadeiro. Eu acabei usando
demais meu coração ao invés da razão, e pintei coisas certas em pessoas
erradas. Pessoas que mais tarde, me magoariam e me irritariam. Então
eu passei a mascarar essas confusões por alegria. Praticamente, eu sou
a palhaça do grupo. Sempre falo alguma besteira ou rio intensamente
para melhorar o clima. Mas, dentro de mim, a mesma coisa. Milhares de
pontos de interrogações. Talvez um dia eles virem pontos de
exclamações.
Depois de meses, eu vi o garoto novamente. Mas, não parecia ele. Os
olhos dele estavam inchados e vermelhos, e parecia que ele tinha
tomado uma surra. Eu ainda estava observando ele quando descobri
quem era seus amigos. Eles eram da classe anterior da minha, então
tínhamos a mesma idade. Mas, ele parecia incrivelmente mais velho. E
ele olhava com raiva para um garoto maior, que parecia ter o dobro do
seu tamanho. Ele parecia prestes a bater nesse garoto, mas seu amigo,
se colocou na sua frente e balançou a cabeça. Advertindo-o.
O engraçado é que, mesmo o garoto sendo muito maior do que o amigo,
ele obedeceu e relaxou. O nome do amigo era Nicolas, e eu conhecia ele
muito bem pois ele namorou minha amiga, Isys. Foi o namoro mais
ridículo que eu já vi, porque parecia extremamente artificial. Mas eu
sabia, que com o término, Isys tinha ficado despedaçada. E eu fiquei
com medo de isso acontecer comigo. Essa dor que parece um soco no
seu estômago, repetidas vezes.
Mas, eles voltaram a se falar. E mesmo com as outras pessoas olhando
torto cada vez que eles passavam, voltaram. Ela me contou no dia que
antecedeu a volta. Eu não me importei, pois parecia algo inofensivo a
olhos externos. Mas, nunca é possível saber o que realmente acontece.
O que eu não tinha percebido era que a volta deles traria o garoto
estranho para perto de mim. Como Nicolas agora tentava ser melhor
para Isys, ele vinha passar o resto do intervalo conosco. Então, ele veio
com o amigo. Nicolas apresentou ele gentilmente para nosso pequeno
grupo, e em voz baixa ele cumprimentou a todos. Ele só passou os olhos
quando meus amigos responderam, e de reflexo se virou para mim.
Aquilo me assustou, porque parecia que eu poderia ver a quilômetros
dentro de seus olhos. Ele se assustou também, porque desviou o olhar.
Ainda bem que ninguém percebeu.
Quando estava voltando para casa, minha mente já estava cheia. Cheia
do garoto estranho, do olhar indagador e da forma como aquilo poderia
atingir um ser humano como eu. Não tenho nenhuma experiência
nessas coisas, mas nunca passou na minha cabeça em um primeiro
momento que aquilo poderia ser uma paquera. Era tão ridículo na
minha mente, seria ainda mais se eu pronunciasse as palavras.
Decidi então, começar a ignorá-lo, talvez porque seja intimidador
alguém te encarar, mesmo eu fazendo isso. Não consigo deixar de olhar
fundo nos olhos de qualquer pessoa para ver se o resto tem a mesma
intensidade daquele olhar. Mas não tinha.
No outro dia eu já estava decidida a deixar ele de lado e focar nas coisas
mais importantes, como uma entrevista que tinha que fazer naquele
dia. Estou na equipe do jornal da escola, e fui selecionada para
entrevistas os alunos sobre assuntos categóricos ou relevantes. E, por
um acaso, acabei esquecendo minhas perguntas que teria que fazer
para a outra classe. Teria que bolar na hora, já que sou boa nesse
quesito. Também sou boa em saber se a pessoa está sendo sincera em
sua resposta ou não, o que é conveniente em algumas horas. Antes que
eu pudesse subir as escadas, ele estava parado no meio do caminho,
olhando para a direção oposta. Eu hesitei, porque o que eu menos
queria era ver aqueles olhos acusadores, mesmo eu não sabendo se era
isso. Então, eu passei por outro caminho, e Nicolas apareceu correndo
atrás de mim, perguntando quando seria a entrevista, e me explicando
que o outro garoto estava doente, e não poderia comparecer. Então ele
perguntou se poderia substituir o garoto por um amigo seu que talvez
teria boas respostas diante de minhas perguntas. Eu aceitei, mais por
necessidade do que por vontade.
Depois da aula, eu já estava decidida a sair correndo para pegar minhas
perguntas, até que vi ele novamente. Como se estivesse me seguindo.
Tentei parecer normal ao passar do seu lado e ir ao meu armário pegar
minhas coisas. Mas ele não me notou, porque estava ocupado
sussurrando com outro garoto. Tentei acompanhar metade da sua fala,
mas ele parecia estar tentando falar o mais rápido possível. O que
consegui ouvir era que ele não queria participar de alguma coisa,
parecia uma aposta. Fechei meu armário com força, e ele se virou
lentamente para mim, com uma expressão aborrecida. Baixei a cabeça
e rumei para fora, satisfeita de que ele não conseguisse ver minha
expressão.
Voltei a escola para editar algumas partes do jornal e inserir minhas
perguntas na aba de questionário, quando Nicolas apareceu. Ele me
chamou para ir pegar uns papéis para o jornal, pois ele é o editor-
principal, e quando decidi sair, o garoto simplesmente se materializou
na minha frente. Dei um encontrão nele, o que resultou em uma queda
e metade de minhas perguntas misturados a edições anteriores de
jornais. Espumando de raiva, abaixei para pegar a montoeira de papéis,
mas ele já havia empilhado para mim. Simplesmente me entregou e
sussurrou um pedido de desculpas, e entrou dentro da sala de edição.
Foi aí que eu entendi.
Eu teria que entrevistar ele, naquela sala apertada e tendo que encarar
aqueles olhos acusadores o tempo todo. Enquanto ponderava sobre
isso, ouvi ele cochichar com Nicolas a respeito de como seria fácil
vencer, só que eu não consegui entender o motivo da vitória, então fui
pegar os papéis e pensei sobre como eu deveria ter ficado em casa.
No dia seguinte, eu deveria ir a direção geral de jornalismo para
apresentar minha entrevista, mas eu ainda não tive a oportunidade de
conversar com o garoto. Mesmo Nicolas falando que ele iria vir, já se
fazia uma hora de seu atraso, então me levantei, impaciente, e fui em
direção ao refeitório, que era ao lado.
Quase me virei e voltei para a sala. Ele estava ali, quieto, mas diferente.
Os olhos estavam vermelhos e inchados, como se estivesse chorando.
Mas eu não percebi. A única mudança que refulgiu em minha mente foi
seu olhar. Um olhar devastador, como o olhar de uma presa antes do
predador a dilacerar. Um olhar que pedia socorro.
Somente quando ele passou por mim, eu percebi que estava paralisada.
Voltei a mim na mesma hora que Nicolas vinha correndo me falar que
ele tinha chegado. Não achei propício encará-lo, então entrei com a
cabeça baixa. Fiz algumas perguntas sobre o que ele pensava sobre a
escola e outras insignificantes no momento. Eu queria mesmo perguntá-
lo o porque de seu choro silencioso. Ou dos olhares raivosos.
Mas não fiz. Nicolas me deu um tapinha nas costas quando a entrevista
se encerrou e saiu correndo para acompanhar o garoto, que saiu
efusivamente da sala.
Ele tinha uma voz diferente, como se fosse grave demais para um garoto
mas suave para um homem. Não pareciam forçada, parecia quase
estrangulada. Ainda sim, era a entoação de voz mais peculiar que eu já
havia ouvido. E seu nome, finalmente descoberto, me deixou com mais
dúvidas ainda sobre seu caráter: Noah. Como as flores selvagens que os
supermercados vendem em vasos bonitinhos. Elas eram cheirosas, mas
possuíam um veneno quase letal para quem se aventurasse colhê-las.
Assim como meu nome, Daisy. Esperava que não houvesse nenhuma
conexão entre nossos nomes.
No outro dia na escola, ele não estava em lugar algum. Eu já havia
percebido a diferença em mim. A mudança crescendo; minha pior
inimiga. Eu já estava me preocupando o bastante com ele. Mas eu não
o conhecia direito, ele me parecia mais alguém desagradável que possui
tudo o que quer. Mas havia algo obscuro nele. Não como os dramas
adolescentes que meus amigos fazem; algo mais escuro do que as
próprias trevas, algo que adultos sofriam também. Mesmo eu vendo os
amigos dele ali, sem se preocupar, eu senti medo. E se ele tivesse se
mudado? Eu não deveria me importar, porque eu mal o conhecia. Mas,
aquele sentimentos estava me sufocando. Pior do que uma asfixia, ela
estava em minha mente. Vagando e pressionando meu cérebro. Então,
tomei a única decisão plausível no memento: fui perguntar a Nicolas.
Quando fui me aproximando, vi que seus amigos estavam cochilando e
rindo de mim. Apertei os olhos para eles, do jeito que eu fazia quando
tentava entender uma equação complicada. Nicolas porém, estava
distraído, parecia meio tenso. Chamei ele e perguntei se estava tudo
bem entre ele e Isys.
-Qual é o problema Nicolas? Não terminou com a Isys de novo né?- dei
um risinho nervoso.
-Graças a Deus não- ele sorriu. Mas o sorriso não chegou em seus olhos.
Ficou pairando em seu rosto até que ele fechou a cara.
- Poderia me falar aonde o Noah está? Tenho que acertar umas coisas
do jornal que não terminaram.
- Desculpa Daisy, mas o Noah está…doente- ele hesitou, me olhando
meio apreensivo. Fácil de detectar: Ele estava mentindo.
- Tem certeza? Eram coisas bem importantes e que não posso adiar.
- Vou ligar para ele mais tarde e te falo tudo bem?- ele parecia meio
triste.
Aquilo me deixou curiosa. Doente ele não estava. Talvez o motivo pelo
qual ele estava chorando ontem é o motivo do sua falta no presente. Eu
que sempre estava tentando decifrar as pessoas, achei propício.
Quando achei que algo poderia estar diferente, nunca pensei que
poderia ser para pior: Noah voltou, e definitivamente não era mais o
mesmo!
Capítulo 2
Quando Noah voltou a escola uma semana depois, eu tinha certeza de
que tudo estava errado. O olhar dele parecia de um cadáver ambulante;
seu andar pior do que de um sonâmbulo. Nicolas olhava-o preocupado,
mas não disse nada. Era como se seus amigos estivessem tendo cautela
perto dele, mas ele estava morto demais para se importar.
Eu estava curiosa e com medo. Percebi que quando vi ele novamente,
parecia que tinham batido em meu estômago com uma barra de ferro
em brasa. Ele olhou para mim, mas seus olhos não diziam nada. Como
se as portas estivessem fechadas e ele mais recluso do que o normal. Eu
queria saber o que estava acontecendo, mas era covarde o suficiente
para não dirigir nem olhares mais para ele. Nicolas e Isys estavam
ocupados na biblioteca procurando artigos para a nova edição
jornalística, e fui atrás deles para registrar um romance qualquer. Mas
quando cheguei a pratileira, um livro estava na beira de cair. As letras
pretas sobre o branco gritante foi o que mais me chamou atenção:
suicídio mental. Não sabia que poderia existir isso, mas a mente era
como uma vasta floresta; é muito fácil atear fogo na beleza imensa e
danificar toda a flora e fauna. Quis ler o livro por vontade e não por
hábito. Quando cheguei na bibliotecária distraída, ela logo abriu um
sorriso para mim; era costume em quase viver no ambiente. Porém, ao
ler o título, ela me olhou preocupada.
-Está tudo bem querida? - Ela me fitou de olhos arregalados.
-Sim Sra. Ganger, qual o problema?- respondi aflita.
-Esse livro não parece ser um de seus romances. O garoto que o deixou
aí parecia uma má-influencia social- ela tremeu.
Mesmo eu não fazendo ideia de quem era, quis defender a pessoa, pois
a pessoa é livre para fazer suas escolhas. Mas fiquei calada e dei a
desculpa de que era para um amigo. Depois de cadastrar o livro, sentei
em um dos banquinhos de plástico no meio da garoa para ler um pouco.
A primeira página citava a frase Se amor é cego, nunca acerta o alvo.
aquilo me deixou curiosa. O que poderia dizer? Que o amor não era
real? Que nunca existiria o amor verdadeiro? Minha ex-melhor amiga
concordaria com isso. Mas, o carro a matou antes dela pronunciar as
palavras.
Estava tão atenta tentando decifrar esse começo que não percebi que
alguém sentou a meu lado. Olhei desinteressada e novamente a barra
me atingiu no estômago: era Noah. Só que as esmeraldas estavam
líquidas; conseguia ver a quilômetros dentro de seus olhos. Mas isso não
foi o pior. Ele me deu um pequeno sorriso e gesticulou para o livro:
-Uma boa literatura, essa aí. Não parece combinar com você.
Não consegui responder. Parecia que meus músculos tinham travado e
meu estômago estava se enchendo de farpas de gelo que subiam pela
minha garganta...
-Acho que não me apresentei direito. Meu nome é Noah. O seu é?- ele
me olhou curiosamente.
-Daisy- sussurrei
Aquilo não poderia ser real. Ele não poderia estar falando comigo. Ou
poderia? Ele estava translúcido sobre a luz, e seus cabelos caíam como
fagulhas douradas nas gotas de chuva. Mas estava acontecendo. E eu
poderia perguntar para ele o porque de sua ausência. Ou não poderia?
Ele estava esperando eu dizer alguma coisa. Mas eu não conseguia
respirar. Parecia um típico ataque de pânico. Me levantei correndo e fui
ao banheiro torcendo para não vomitar antes de chegar lá.
-Quando isso acontecer, você deve me ligar e me falar na hora, ok?
As palavras da minha psicóloga entoaram na minha mente na medida
que eu ia me acalmando. Fazia 5 meses desde meu último ataque, e eu
sabia que poderia estar voltando a velha depressão de sempre. Então,
voltei para casa e liguei para a doutora Mendes e esperei
pacientemente. Marquei uma consulta para o dia seguinte, que era
sábado, na parte da tarde. Tinha me esquecido do Noah até olhar o livro
que eu joguei em cima da mesa. O que será que ele pensou quando me
viu descontrolada daquele jeito? Que eu era uma louca, claro. Eu não
iria falar com ele, no máximo eu evitaria-o. Mas de repente, me passou
pela cabeça de que talvez ele entenderia. Ou não. Essa confusão estava
ficando ainda mais mista.
Consegui perceber que enquanto eu passei os 3 minutos da minha vida
com ele, meu estômago estava em chamas. Assim como minha cabeça.
Eu sabia exatamente o que estava acontecendo: paixão. Eu odiava
quando isso acontecia, principalmente porque era sempre pela pessoa
errada. E ele parecia bem errado para mim. Como se o coração dele
fosse complemente errado no corpo dele. E, por dentro, ele fosse só
trevas. Sem faíscas, ou um ponto luminoso para se agarrar.
Completamente negro.
Naquela noite, eu dormi pensando em como ele poderia estar. O que
era o primeiro estágio da doença mental. Não era amor, nem parecia
paixão. Parecia algo entre os dois. Mesmo preocupada, caí no sono e
sonhei que ele andava de costas para mim, a chuva irradiando seus
cabelos e os olhos mais calorosos do que já tinha visto.
No outro dia, eu acordei preocupada com o que poderia acontecer. O
que ele pensou quando me viu correndo como uma louca em direção
ao banheiro? Que eu estava fugindo dele? Eu nunca tinha dito a
ninguém sobre minhas crises, pois achava que elas estavam
controladas. Fiquei preocupada se estava começando a adoecer de
novo. Marquei uma consulta com minha psicóloga, mas eu não tinha
nada para falar. Só sobre uma possível paixão mal resolvida e outras
partículas, mas nada de mais. Porém, mais uma crises dessas e eu
poderia voltar para o hospital, então resolvi faltar a aula para pelo
menos dar uma passadinha na doutora.
Meu estado de espírito vacilou quando decidi faltar; eu não iria ver
Noah, mas não passaria por isso novamente. Aprendi a ter grande
respeito por minha saúde, e se ela reclamasse significava que as
imagens poderiam voltar e eu ficaria ruim novamente.
Tudo começou quando minha melhor amiga estava viva: Alyson. Nós
éramos inseparáveis, desde bebês fomos criadas juntas. Nossos pais
eram grandes amigos de faculdade, e Alyson se tornou minha fiel
confidente. Nós contávamos tudo uma para a outra, então ela
naturalmente me contava de suas aventuras. Ela era atirada; adorava
festas e sair com garotos muito mais velhos. E em uma dessas aventuras,
sua vida chegou ao fim de uma forma brusca e triste. Ela estava entre
um carro e outro, e um motorista bêbado invadiu a contramão e colidiu
com ela; não deve ter dado tempo nem de fechar os olhos. Os pais dela
me ligaram chorando e eu não sabia o que falar nem fazer, e fiquei assim
por 3 meses. Até que minha mãe bateu o pé para mudarmos de cidade
para ver se eu ficaria melhor. Eles nem cogitaram me internar ou me
consultar em um médico.
Então eu tomei a liberdade de me ajudar. Mesmo quando ninguém fez
isso pra mim, eu sabia que a Alyson não gostaria que eu vivesse minha
vida presa a ela. Principalmente depois que ela se foi. Então, na cidade,
a doutora Mendes resolveu conversar comigo para depois iniciarmos o
tratamento. Então, eu disse tudo para ela e ela me diagnosticou com
depressão estágio II. Um dos piores, de acordo com minhas pesquisas.
Mas a doutora me assegurou que se eu tomasse meus remédios na hora
certa, não aumentaria de grau e eu ficaria saudável novamente. Assim
eu pensei.
Quando cheguei no consultório, ela já estava em pé, me avaliando com
olhos cautelosos. Falei com ela sobre tudo que estava acontecendo, mas
não mencionei Noah. Eu sabia que era besteira; para que incomodar sua
psiquiátrica com uma paixão adolescente ridícula? Não havia nexo.
Então, só falei que sentia falta da Alyson por já fazer 2 anos que ela se
fora. Então, a doutora me passou outros remédios, e disse que ficaria
bem logo. Ela me deu um beijo apressado pois tinha que consultar um
garoto que de acordo com ela está com um problema mais grave do que
o meu.
Assim que cheguei em casa, liguei para minha mãe para avisar que eu
tinha ido ao médico, e ela ficou desesperada, naturalmente. Confortei
ela dizendo que estava bem, e que isso não se repetiria. Mas é claro que
se repetiu.
Antes de amanhecer, acordei e fui me arrumar para a escola. Eu estava
animada demais, e sabia que não era por causa do ambiente
estimulador de educação. E sim por causa de Noah. Minha cabeça não
estava tão cheia dele, o que me fez avaliar que talvez eu não estava
apaixonada por ele. Talvez só tentando entender quem ele era. Era tudo
dentro de mim; eu poderia administrar. Meu coração tentava projetar
algo, se minha mente aprovasse, aquilo iria para frente. Mas uma paixão
platônica estava bem longe de ser aprovada pela minha amiga
consciência. Talvez porque já sofri tanto com essas mesmas letras que
cansei de correr atrás. Provavelmente eu não olharia para ele; parecia
sempre que um buraco na minha barriga era aberto. E mesmo eu
sabendo que orbitamos em planetas diferentes, eu não conseguia tirar
essa sensação. O Nicolas é meu segundo melhor amigo, se eu pedisse
ajuda para ele, será que ele riria e diria que não poderia dar certo? Pois
somos pessoas totalmente diferentes; e eu mal falei com ele? Poderia
mudar alguma coisa?
Com minha mente já cheia, subi a rampa para o colégio sabendo que ele
estaria lá, sentado no mesmo banco e lendo o mesmo livro. De repente,
me lembrei do livro que ele sempre lia: o mesmo que estava em minha
mochila. Então, a bibliotecária estava falando sobre ele; ele pegou o
livro para ler porque se identificou. Ele não pareceu surpreso nem
raivoso quando me viu com o livro. Talvez estava querendo ser gentil;
ninguém sofreria tanta influência assim. Talvez ele só falou comigo para
tentar desfazer os olhares homicidas que ele me lançou nos últimos
dias.
Só que quando eu cheguei no pátio principal, estava ocorrendo uma
confusão. E eu pude ver claramente pela forma do cabelo quem estava
metido nela.
Noah