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Passos Na Escuridão
Passos Na Escuridão
Passos Na Escuridão
E-book394 páginas4 horas

Passos Na Escuridão

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Sobre este e-book

Eddie T. Cash decide retornar à pequena cidade de Watkins Glen com um único objetivo: vingar-se daqueles que um dia o feriram. Guiado por um ser conhecido como O Homem de Cinza, Eddie inicia sua vingança sequestrando a filha do Reverendo, a jovem Kathy McBell. O sequestro é apenas uma distração. Enquanto as autoridades locais e investigadores de New York procuram por Kathy, Eddie caça impiedosamente seus inimigos. Quem conseguirá detê-lo em sua empreitada mortal?
IdiomaPortuguês
Data de lançamento31 de out. de 2013
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    Passos Na Escuridão - Léo Silva

    Passos na escuridão

    Outras obras do autor:

    Sob o céu de outono

    Entre anjos

    Enigmas do amor

    Um universo a mais

    Céu de inverno

    A soma das horas

    Léo Silva

    Passos na

    escuridão

    1a Edição – 2017

    Copyright © 2017 by Léo Silva

    CC0

    Foto da capa em domínio público.

    Capa: Street – Fonte: http://pixabay.com/

    O autor da imagem dedicou o trabalho ao domínio público, renunciando a todos os seus direitos sobre o trabalho, em todo o mundo, ao abrigo das leis de direito de autor e/ou de direitos conexos, na medida permitida por lei. Pode copiar, modificar, distribuir e executar o trabalho, mesmo para fins comerciais, tudo sem pedir autorização.

    Revisão e supervisão de texto

    Suély Gomes

    Silva, Léo.

    Passos na escuridão/Léo Silva. – 1.ed. – Bom Jesus do Itabapoana: 2017.

    p.275..; 14,8 x 21 cm.

    ISBN: 978-85-923388-4-8

    1. Literatura brasileira. 2. Romance.

    Todos os direitos reservados (Lei 9.610/98). Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, por qualquer meio, eletrônico ou não, sem a autorização, por escrito, do autor. Os direitos morais do autor foram assegurados.

    Esta é uma obra de ficção sem compromisso com a realidade. Todos os acontecimentos, nomes e lugares mencionados correspondem à imaginação do autor ou foram usados de forma fictícia. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas é mera coincidência.

    Até que o sol brilhe, acendamos uma vela na escuridão.

    Confúcio

    O adulto é triste e solitário.

    Clarice Lispector

    Prólogo

    Eddie reparou no quanto aquela noite estava escura e fria, e imaginou que não haveria mais nada entre ele e seu objetivo.

    Há dois metros dele havia um homem caído, com o tórax sangrando e o rosto machucado pela briga que tiveram anteriormente.

    Agora Eddie apontava a semiautomática diretamente para o homem. Estava acabado, finalmente livre.

    Então dois faróis surgiram do meio da escuridão, atingindo-o em cheio nos olhos. Eddie colocou uma das mãos na frente do rosto, tentando preservar a visão.

    Como ele disse que aconteceria, pensou.

    – É O FIM, EDDIE! LARGUE A ARMA E LEVANTE AS MÃOS! – gritou alguém de dentro do carro. – JÁ CHAMEI REFORÇOS PELO RÁDIO!

    Não tinha que fazer mais nada.

    Instantes depois Eddie T. Cash corria sem rumo pela escuridão da noite.

    Capítulo 1

    Eddie atravessou a rua e passou os olhos por todos. Uma senhora varria a calçada. Crianças brincavam com armas de atirar água num gramado do outro lado da rua. O carteiro entregava um envelope amarelo a uma jovem. Um bando de abutres, se quer mesmo saber. A maioria ali não escondia as coisas erradas que cultivavam em suas mentes. Nem mesmo tentava. E ele sabia dessas coisas, depois de tantas noites vagando pelas ruas vazias, tendo apenas a escuridão como companheira, ele sabia. Ainda que às vezes lutasse contra si mesmo e relutasse em aceitar, Eddie igualmente se permitia saber.

    Até mesmo gostou de saber de algumas delas.

    O reverendo George McBell, então, era o pior de todos. O mais nojento dentre aqueles seres condenáveis. Escondia-se atrás de uma veste de santo, mas tinha o diabo como guia de sua mente. Eddie o viu, por diversas vezes, adentrar aqueles milharais quase infinitos que circundavam Watkins Glen. Parecia quase um ritual dominical sem Deus.

    O cigarro desprendeu-se de sua boca e Eddie permitiu que ele caísse. Empurrou a porta com o cotovelo e entrou no pequeno Café Rubby, onde se servia refeições rápidas também. Era ali que eles se encontravam às vezes – outras no cemitério ou na fazenda. Se encontrar, no sentido visual da palavra, porque ele nunca se afastava do pensamento de Eddie – era como se ele pudesse segui-lo onde quer que Eddie estivesse, quase astralmente. No começo, quando o homem passara a procurá-lo, Eddie tentava imaginar qual era o objetivo de tais encontros. Mas tudo passara a ter um significado tão claro com o tempo que Eddie já não se imaginava sem seus conselhos e ensinamentos.

    A passos lentos Eddie aproximou-se da mesa onde o homem estava. Sempre vestia aquele terno cinza, e usava os cabelos negros perfeitamente alinhados com gel. Pelo menos essa era a impressão – havia algo que segurava aqueles fios juntinhos, numa mesma direção.

    – Eu sei bem o que vai dizer – confessou Eddie, puxando uma cadeira e se sentando.

    Era muito cedo e o café estava iluminado como em dia de festa. Os raios de sol atravessavam o vidro da janela, incidindo sobre todos ali, inclusive o homem de cinza. Mas ele parecia ainda mais sorumbático diante da iluminação matinal. Bem diferente dos outros, que emanavam uma aura latente.

    – Vai dizer que cheguei num momento oportuno – Eddie sorriu para o homem de cinza. – Nem cedo, nem tarde, no momento certo.

    O homem de cinza sorriu de volta. Eddie ajeitou sua cadeira e procurou por Annie. A garota anotava o pedido de alguns caminhoneiros que por ali perambulavam, e ao vê-lo acenou docemente. Eddie acenou de volta.

    – O que vai querer? – perguntou para o homem de cinza.

    – Nada – respondeu secamente.

    – Deveria experimentar os waffles daqui, são de outro mundo! – exclamou Eddie, acenando novamente para Annie.

    – Temos negócios a resolver, Eddie. Negócios, esqueceu-se disso? – sibilou o homem de cinza, cruzando os braços diante do peito.

    Eddie limitou-se a olhar rapidamente para o outro, mas nada disse.

    Annie chegou logo depois, com o bloco de anotações e um sorriso bobo no rosto. Com a mão livre ajeitou uma mecha de cabelos atrás da orelha e encostou-se na parede, praticamente na frente do homem de cinza.

    – O que vai querer hoje, Eddie? – perguntou ela, vagando o olhar pela mesa.

    Eddie mal conseguia esconder sua alegria quando estava diante de Annie. Era algo que emanava de si, como uma energia difícil de controlar. E ele não queria controlar isso.

    Waffles, e um café.

    – Certo. Já trago seu pedido.

    Ela saiu com aquele jeito de quem queria ser vista andando. Eddie não tirou os olhos de Annie até vê-la desaparecer cozinha adentro.

    O homem de cinza batia os dedos sobre a madeira da mesa, cabisbaixo. De repente sua expressão mudou, e ele pareceu odiar Eddie.

    – Estamos nos distraindo, Eddie – sibilou ele, raivoso. – Precisamos voltar aos negócios.

    Eddie concordou com os olhos. Mas os negócios podiam esperar. Quando via Annie, aliás, tudo parecia poder esperar. Só o homem de cinza não entendia isso. Ou não queria entender.

    – O que faremos hoje? – perguntou Eddie, olhando para o cúmplice.

    – Hoje visitaremos a verdadeira Kathy McBell – sibilou o homem de cinza.

    Eddie sentiu um arrepio percorrer sua coluna, de baixo para cima. Kathy McBell, a filha do reverendo George McBell. A garota que trajava preto, não importava o quão quente estivesse lá fora ou o quão inconveniente fosse a cor para o momento – ainda que preto raramente seja uma cor inconveniente.

    – Kathy? O que há de errado com ela?

    – É o que você descobrirá, Eddie.

    – Ela não parece ser tão diferente dos outros...

    O homem de cinza sorriu. Eddie reparou que todos olhavam para sua mesa. Os caminhoneiros, inclusive. Um deles, de boné vermelho e azul, cutucou o gordo colega e sussurrou algo. Todos riram.

    – Nem tudo é o que parece, Eddie. Quem melhor do que você para provar isso? Se lembra de quando nos encontramos pela primeira vez? – o homem de cinza simulou um sorriso de canto de boca.

    Eddie lembrou-se. Foi há muito tempo, quando ainda não havia barba em seu rosto. Foi no verão de 1978, e Eddie contava dez anos.

    ***

    Carl era seis anos mais velho que Eddie. Mas não mais esperto. Tanto que ele cortou um dos pulsos com a lâmina de barbear do pai por pura curiosidade. Era isso que diziam por toda Watkins Glen, que naquela época conseguia ser ainda menor, e com mais gente fofoqueira.

    Eddie descobriria os verdadeiros motivos do corte, querendo ou não.

    Carl e Eddie se chamavam de amigos, mas isso já não significa muita coisa, porque Carl passara a andar com garotos mais velhos, com homens mais velhos. Saía para caçar com o pai nas intermináveis tardes de verão – para o desespero de Marie – e para nadar com os amigos quando dava na telha – fizesse calor ou frio. Carl vivia em outro mundo, num mundo de carros, drogas e, como Eddie viria a descobrir da pior forma possível, de sexo e depravação.

    A escola era um lugar particularmente apavorante já em 78. Eddie T. Cash detestava estudar. Mas não por causa das disciplinas, ou dos professores, que eram muito atenciosos: odiava os outros alunos. A maioria deles evitava olhá-lo, o que por si só era um favor, mas os que olhavam insistiam em insultá-lo, às vezes até agredi-lo fisicamente. Eddie desejava que todos eles morressem. O que não aconteceu, e naturalmente não viria a acontecer tão cedo.

    Talvez essa perseguição fosse mais por causa de seus pais, que eram italianos. Eles pareciam odiá-lo, especialmente, por ser belo, mais do que eles. Era nisso que Eddie acreditava, e era o que ouvia da mãe sempre que saía para ir para a escola. Do pai ouvira somente um conselho: soque-os onde doer mais. Sequer imaginava o significado da palavra xenofobia.

    Carl foi o primeiro a se aproximar sem xingá-lo – talvez porque ele mesmo também sofresse perseguição. Assim, dividindo as mesmas dores, tornaram-se amigos quase inseparáveis – até o dia em que Carl conheceu outras amizades. Desde então apenas se viam, de vez em quando. E trocavam tímidos acenos.

    Uma tarde, quando voltava para casa depois do último dia de aula, Eddie percebeu que Carl o esperava, debaixo de uma frondosa árvore. Estava com os olhos fixos no horizonte, como que mortos, ou algo assim. Eddie não pretendia segui-lo, mas seguiu. Ele não sabia porque Carl ainda tinha tanto poder sobre ele, como uma ímã que atrais pregos sem qualquer dificuldade.

    Carl conduziu Eddie até uma clareira, onde outros rapazes os esperavam. Eddie sabia que o que o aguardava o marcaria para sempre, mas não conseguiu evitar isso também. Ele quis fugir, mas suas pernas não o obedeciam.

    Antes que dissesse qualquer coisa George McBell adiantou-se e tomou a palavra. Já havia algo de líder nele, ainda naquele ano ele se mudaria para outra cidade e retornaria como reverendo, anos mais tarde. Ele deveria ter uns vinte e cinco.

    – Ora, ora... Veja quem veio partilhar sua vida conosco – disse George, encarando Eddie.

    Eddie sentiu o sangue gelar dentro das veias, mas não retrocedeu. Nem mesmo moveu os olhos dos de George, que caminhou lentamente ao seu redor. Era como uma raposa que cercou uma galinha.

    – T., é assim que te chamam?

    – Eu prefiro Cash – sibilou Eddie.

    – Mas esse não é seu verdadeiro nome, não é mesmo?

    George olhou para os outros dois rapazes. Um deles – Edgar Freeman – enrolava um cigarro. O outro, Brad Cohen, coçava o saco tranquilamente, sentado sobre um tronco que apodrecia desde a última primavera.

    – Deve ser um apelido carinhoso! – exclamou Brad.

    Eddie encolheu-se um pouco. George riu baixinho, que idiota, meu Deus! Não poderia ser tão fácil. Nem mesmo mais divertido.

    Edgar terminou de enrolar o cigarro e acendeu-o. Deu uma baforada e passou para Brad. Este puxou e segurou a fumaça durante muito tempo. Depois passou o cigarro para George.

    – Agora, Eddie, sente-se – pediu George, com o cigarro na boca.

    Eddie acatou ao pedido sem titubear. Sentou-se sobre o tronco, a uma distância segura de Brad e tentou se manter calmo.

    George fumou um pouco e sentou-se ao lado de Eddie.

    – Quer experimentar? – perguntou George, envolvendo Eddie com um dos braços.

    Eddie abaixou a cabeça.

    – Eu... eu não sei... Acho que não...

    George negou com um movimento da cabeça. Olhou para Carl, que até aquele momento nada dissera. Como um boneco.

    – Ele não sabe, Carl, não sabe se quer ou não!

    Os olhos de Eddie encontraram o rosto de reprovação de Carl. Um dia foram amigos, e agora não eram quase nada. Ambos sabiam disso como sabiam que anoitecia numa clareira mais rápido do que na cidade. Talvez, se Eddie corresse o suficiente, conseguisse fugir da noite que caída e dos muitos braços que tentariam detê-lo, impedi-lo de voltar à sanidade.

    – Eddie, é só um trago – dissera Carl, pegando o cigarro da mão de George.

    Carl fumou um pouco. A fumaça saindo de suas narinas era como uma chaminé nos dias de inverno.

    – Eu não sei... eu não sei... – repetiu Eddie, procurando com os olhos uma direção para onde correr. Dentro de segundos estaria livre, e longe deles. Longe de Carl. Longe de todos eles.

    Eddie esperou. Contou mais ou menos quinze segundos. Os outros diziam coisas que ele não entendia, estavam numa espécie de transe por causa do cigarro, e pareciam mais lentos. Como zumbis.

    Eddie decidiu que chegara a hora. A noite caía rapidamente, e as árvores tomavam formas estranhamente assustadoras, vivas. Eram apenas árvores, mas pareciam criar vida, pareciam convergir para onde estavam, formando uma cerca, um muro intransponível.

    Eddie disparou numa corrida sem rumo certo, floresta adentro.

    Não demorou para perceber que era perseguido pelos outros. E que Carl estava entre eles. Eddie sentia que a mochila nas costas era pesada demais para garantir que fugiria. Mas também não havia tempo para retirá-la – eles estavam muito perto, perto demais.

    Eddie ouvia os gritos dos rapazes atrás de si. Eles eram como demônios, perseguindo-o floresta adentro, ao mesmo tempo em que a claridade diminuía. Logo Eddie não conseguiria enxergar nem um palmo a frente de seu nariz. Em sua corrida frenética, de vez em quando um galho atingia seu rosto, ferindo-o. Num determinado ponto ele tropeçou e caiu. Rolou por um pequeno barranco e viu as copas das árvores acima de si.

    Decidiu que era a hora de se livrar da mochila, mesmo que isso significasse perder seu material escolar. Retirou a mochila o mais rápido que pode, e então o pior aconteceu. Eddie sentiu que alguém o segurava pelo ombro.

    – Achou que fosse escapar de mim? – gritou George, puxando-o.

    Eddie, num ímpeto de coragem, socou a barriga de George. Deveria ter seguido a dica de seu pai.

    Aquele soco foi suficiente apenas para que George recuasse um pouco, libertando-o. Estava mais escuro, e Eddie não sabia para onde ir. Correu mais uma vez a esmo, tentando desviar das árvores e sentindo o rosto e os braços queimarem por causa dos galhos que o atingiam. Estava perdido.

    Foram dez minutos correndo floresta adentro até o silêncio engoli-lo. Eddie diminuiu o ritmo, certo de que não o seguiam mais. Parou e tentou ouvir algo, algo que os denunciasse. Não havia um único som diferente. Era apenas um leve tintilar, que lembrava o de insetos se chocando contra uma luz... Eddie percebeu, então, que atravessara a floresta e chegara à primeira das casas, do outro lado da cidade.

    Avançou na direção da luz, que agora indicava um caminho. Quando estava para sair da floresta braços o agarraram. Eddie tentou se livrar, mas foi em vão.

    – Socorro! – gritou, olhando para a porta da casa.

    George, que o segurava firmemente, tapou-lhe a boca. Lentamente puxou-o de volta à floresta escura.

    A porta da casa se abriu, e de dentro dela saiu um homem ajeitando as calças. Com uma espingarda na mão, caminhou até bem próximo da floresta. Olhou detidamente para as árvores. Depois voltou para dentro.

    George segurava Eddie com todas as forças. Logo os outros chegariam. Eles estavam próximos. Eddie podia ouvir os passos. E o primeiro deles a aparecer foi Carl.

    Carl não fez mais do que observá-lo. Em silêncio, como quem se eximia de qualquer responsabilidade do que, porventura, acontecesse depois. E Eddie já sabia o que se passava na mente de Carl. No começo, ele não acreditou muito no que ouvia. O pai chegou ao ponto de dizer qualquer coisa entre os dentes, algo sobre más companhias, sobre caminhos errados. Sobre pecados e castigos. Mas o pai disse isso com tantas palavras que Eddie não se deu ao trabalho de ouvir. Devia ter dito com poucas palavras, mandar que ele se afastasse de Carl, ameaçar espancá-lo, qualquer coisa que agora o salvasse de estar ali, sendo agarrado por George e prestes a sofrer mais um abuso.

    George fungava em sua nuca com uma ferocidade assustadora. Era como se tivesse gostado daquilo, da fuga e do desespero de Eddie em meio à floresta escura. Era quase que um prazer, imaginou Eddie. Por um instante podia jurar que George mordera-lhe a orelha esquerda, e acariciara seu lóbulo com a língua. Eddie teve vontade de chutá-lo e correr para longe. Mas estava preso pelos braços, e com o quadril travado pelo peso do corpo de George.

    Não demorou muito e os outros dois – Brad Cohen e Edgar Freeman – apareceram, sôfregos da corrida mata adentro. Seus olhos brilhavam vermelhos na noite.

    Os cinco deslocaram-se um pouco mais para dentro da floresta. Carl acendeu a lanterna de caça que pegara escondido do pai e colocou-a sobre um tronco. Todos olhavam para a luz, e alguns insetos imediatamente voaram para ela.

    Eddie tremia, ainda preso por George.

    – Tenho de confessar que foi divertido – disse George, tossindo um pouco. – Divertido não, excitante!

    Os outros sorriram mutuamente.

    – Por um instante achei que fosse conseguir escapar. O senhor Adams quase nos viu, não foi mesmo Eddie?

    A voz de George era de uma frieza lastimável, e Eddie teve vontade de chorar, mas as lágrimas não vieram – elas viriam mais tarde. Manteve-se em soluços pontuados, e de tempo em tempo sentia que seu peito ia explodir, como um barril de gasolina que recebe um tiro. Mas ele suportou.

    – Mas nós vamos cuidar de você, Eddie T. Cash, vamos cuidar de você direitinho...

    Eddie sentiu-se pequeno. Na verdade era menor do que deveria ser para sua idade. Problemas nutricionais, concluiu um dos médicos que a mãe fizera visitar. O pai, por outro lado, não ligava muito para diagnósticos. Nunca ia ao médico, pois nunca adoecia. Culpava o sangue materno pela fraqueza de Eddie.

    Aquela pequenez, por outro lado, era muito mais do que tamanho corporal. Era uma pequenez da alma. Carl, seu melhor e praticamente único amigo, fizera aquilo com ele. E agora apenas o observava perecer.

    Ninguém mais disse nada depois disso. George e os outros fumaram mais um cigarro, e desta vez não ofereceram nada a Eddie. Deixaram que ele os olhasse tragar e expelir a fumaça, e então o despiram. Estava frio, e Eddie sentiu os membros tremerem.

    George foi o primeiro a abusá-lo. Foi lento e doloroso. Eddie mordeu a língua quando George empurrou-o de cabeça contra o chão, e o gosto de sangue tomou-lhe todos os pensamentos. Eddie desejou morrer naquele momento, e as lágrimas então vieram. Não de tristeza, como esperava que fosse, mas de ódio. Um ódio mortal por todos eles. Um ódio mortal por Carl.

    O segundo foi Edgar. Ele segurou o pescoço de Eddie com as mãos como se quisesse sufocá-lo. Eddie quis que aquelas mãos o apertassem até que não houvesse mais ar algum, e assim pudesse descansar, mas no fim ele estava vivo. Quando Brad chegou a penetrá-lo Eddie já não sentia mais nada.

    Então, sem forças, estuprado e moralmente derrotado, Eddie T. Cash foi deixado na floresta. Os três rapazes fugiram correndo, e Carl ficou ali, observando-o. Apenas isso. Não disse nada.

    – Por quê? Carl... – sussurrou Eddie, tentando se levantar.

    Eddie não tinha certeza de como conseguira chegar até a rua, de como fora encontrado por alguém e levado ao hospital. Só acordou numa manhã de terça-feira, num quarto branco, com um vaso de flores ao lado da cama.

    A mãe foi a primeira pessoa que ele viu. Estava ali, ao seu lado, zelando por seu sono. E em seus olhos Eddie leu um questionamento: por quê?

    Era exatamente o que ele queria saber.

    ***

    O homem de cinza parecia ter lido todos os pensamentos de Eddie. Pudera, Eddie contara-lhe por diversas vezes aquela história, desde que se conheceram. Desde que ele se tornara seu guia, seu conselheiro. Agora era fácil ler isso em seus olhos.

    – Você não tem de se perguntar o porquê de ter sido assim, Eddie, mas se tem de continuar a ser assim – sibilou o homem de cinza.

    Eddie sabia do que ele falava. Aquelas pessoas que lhe fizeram mal há tantos anos, ainda faziam mal a outras pessoas por aí. E ainda pareciam gostar disso tanto quanto no passado.

    Eddie apertou os dentes.

    – E o que você quer que eu faça? – perguntou ao homem de cinza.

    A expressão do outro mudou completamente, de serenidade para crueldade.

    – Precisa mostrar a eles o que fizeram com você, e o que estão fazendo consigo mesmos.

    Annie aproximou-se com o pedido de Eddie, colocou-o sobre a mesa e anotou a conta. Colocou o papel ao lado do açucareiro.

    – Precisa de mais alguma coisa, cowboy? – brincou.

    Eddie riu de si mesmo. Não se esforçava para parecer um cowboy, mas as calças apertadas e a camisa xadrez inevitavelmente davam tal impressão.

    – Não, obrigado Annie... É, será que eu posso perguntar uma coisa?

    – Claro – respondeu ela quase monossilabicamente.

    – Aceitaria sair comigo mais tarde?

    Ela pareceu gostar da ideia, mesmo sem digerir isso nem por dois segundos. Olhou para trás, alguém a chamava na mesa dos caminhoneiros. Depois voltou os olhos brincalhões para Eddie.

    – Mais tarde quando?

    – Depois das oito, eu não sei...

    – Claro. Meu turno termina às sete. Estarei pronta às oito.Você me pega lá em casa?

    – Tudo bem. Às oito.

    Annie foi atender a outra mesa e deixou Eddie com cara de tonto.

    O homem de cinza voltou a bater os dedos sobre a mesa. Eddie se recompôs.

    – O que podemos fazer? Eles são pessoas importantes agora, eu não sei...

    – Pretende deixar que continuem a estragar sua vida, como fizeram no passado? O xerife vem aí, Eddie, e garanto que não é coisa boa...

    Eddie nem precisou se virar para saber que o xerife Edgar Freeman entrava no café. Se não fossem os diversos bom dia xerife, seus terríveis e estridentes passos o entregariam. E certamente se dirigia para sua mesa.

    – Eddie T. Cash – disse Edgar assim que se aproximou o bastante.

    Eddie mordeu um pedaço de waffer e continuou a olhar para o homem de cinza. O xerife pareceu nem perceber que ele estava lá.

    – Três meses, e nunca o tinha visto neste café – disse Freeman, dando a volta na mesa.

    Eddie, então, olhou dentro dos olhos de Edgar. Eram os mesmos olhos míopes de sempre.

    – Tenho trabalhado muito, xerife – disse depois de engolir.

    – Trabalhado em casa? Pelo que sei não sai daquele buraco que seu pai lhe deixou quando morreu.

    – Cada um trabalha como pode, não é?

    – Qualquer dia eu passo por lá para ver o que está aprontando, Eddie. Espero que seja algo bom, para seu bem.

    O xerife saiu com os mesmos passos ensurdecedores com os quais entrou. Todos olharam para a mesa de Eddie sem nem tentar disfarçar.

    – Está vendo, Eddie? – o homem de cinza apoiou os cotovelos sobre a mesa. – É isso que ainda fazem com você...

    – Eu não vou ficar aqui... Eu só vim vender a

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