Greve e Negociação Coletiva no Brasil (1978-2018): grandes ciclos, configurações diversas
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Sobre este e-book
Este Livro 2 [Greve e Negociação Coletiva no Brasil (1978-2018): grandes ciclos, configurações diversas] abordará as experiências concretas de greves e de negociação havidas no Brasil. O foco é o estudo empírico das quatro décadas (41 anos) compreendidas entre 1978 e 2018.
O livro busca identificar e analisar os ciclos de greves e seus múltiplos determinantes, bem como os processos de negociação coletiva mais relevantes. No caso das greves, propõe-se um conceito inédito de ciclo grevista, que relaciona a frequência anual de greves e a frequência anual mediana de greves em todo o período analisado.
Quanto aos fatores determinantes dos diversos ciclos, afirma-se que eles extrapolam largamente aqueles de natureza econômica e estrutural comumente destacados (crescimento econômico, inflação e desemprego), ressaltando também a importância de fatores de ordem sociológica, política, sindical e ideológica.
No tema da negociação coletiva, são analisados alguns dos processos paradigmáticos ocorridos no Brasil, com destaque para duas experiências: a negociação da política de recuperação do Salário Mínimo (2007-2019) e a construção e consolidação, pelos/as bancários/as, a partir de 1992, da Convenção Coletiva Nacional, que segue sendo renovada até os dias atuais.
Leia também o Livro 1 - Greve e Negociação Coletiva: dimensões complementares da luta sindical.
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Greve e Negociação Coletiva no Brasil (1978-2018) - Carlindo Rodrigues de Oliveira
CAPÍTULO 1 - ANTECEDENTES: BREVE RESGATE DE GREVES PARADIGMÁTICAS NO BRASIL (1858-1968)
Cada greve envolve nova distribuição de poderes,
o que pode significar mudanças nas coragens e nos medos,
nas inquietações e nos sonhos, nos modos de opressão
e nas futuras formas de resistência
(Márcio Túlio Viana)
Este capítulo, introdutório ao período focal deste livro - que se estende de 1978 a 2018 -, traz um breve resgate de algumas das principais greves ocorridas no Brasil, entre 1858 e 1968. Seria inoportuno analisar o movimento grevista mais recente sem referência a importantes lutas pretéritas travadas pela classe trabalhadora brasileira, que fizeram parte de um aprendizado longo, com vitórias e derrotas, a maior parte delas ocorridas no contexto do Sistema Brasileiro de Relações de Trabalho erigido a partir dos anos 1930 e analisado detidamente no Capítulo 1 (Greve e Negociação Coletiva no âmbito do Sistema Brasileiro de Relações de Trabalho), do Livro 1 desta Coleção.
No Brasil, greves foram deflagradas por trabalhadores/as ainda no período imperial e escravocrata. Foi o caso da chamada Greve dos Ganhadores
, em Salvador (BA), em 1857⁸. Ganhadores eram negros - escravos ou livres -, que trabalhavam nas ruas de Salvador, numa miríade de tarefas essenciais à vida cotidiana da cidade, tais como o transporte de mercadorias e de pessoas. Insatisfeitos com medidas determinadas pela Câmara Municipal⁹, os ganhadores
cruzaram os braços por cerca de 10 dias, a partir de 1º de junho de 1857, em pleno regime escravista, deixando desertas as ruas da cidade. Segundo João José Reis,
Os jornais noticiavam os prejuízos, cobravam medidas enérgicas das autoridades e registravam temor pelo iminente desabastecimento. As autoridades estavam aflitas, a cidade virou um caos e os ganhadores perturbaram o sono daqueles que dependiam da sua força de trabalho". (REIS, J. J., 2019, p. 16).
Sob forte pressão senhorial e premidos pela necessidade do ganho
, no décimo segundo dia a greve estava praticamente esvaziada. Apesar de não terem conseguido derrubar a exigência de portarem uma chapa de metal junto ao corpo, com o número de matrícula - já que muitos ganhadores
reapareceram nas ruas com o objeto exposto - a paralisação obteve êxitos: a taxa de matrícula foi abolida e outras medidas preconizadas pela Câmara foram modificadas.
Entretanto, a greve de trabalhadores/as assalariados/as, organizada por sindicatos, como se conhece hoje, afirma-se como arma de luta por reivindicações junto ao patronato especialmente no contexto típico do modo de produção capitalista no Brasil, a partir do final do século XIX.
Embora estatísticas sobre greves no Brasil no período anterior a 1978 sejam de difícil obtenção – para certos períodos só há disponibilidade de informações para o estado de São Paulo -, alguns/umas estudiosos/as pesquisaram os movimentos deflagrados pelos/as trabalhadores/as a partir de 1888, apresentando a frequência de greves em distintos contextos sociopolíticos e econômicos, que foram computados por Eduardo Noronha (NORONHA, 2009), da seguinte forma:
QUADRO 1 – TOTAL DE GREVES E MÉDIA ANUAL DE GREVES NO BRASIL - 1888 a 1977 -
Fontes: (a) (Simão, 1981) Sindicato e Estado. Dados referem-se apenas ao Estado de S. Paulo; (b) (Sandoval, 1994). Os trabalhadores param. Greves e mudança social no Brasil (1945-1990); (c) Não há informações coletadas para esse período. Quadro adaptado por este autor, a partir de NORONHA, 2009, p. 126.
Partindo da greve dos/as gráficos/as do Rio de Janeiro, em 1858 – apontada como a primeira greve de trabalhadores/as assalariados/as no Brasil -, destacam-se oito greves que, por sua importância e/ou dimensão, marcaram a história do movimento sindical brasileiro nesse longo período, até as greves de metalúrgicos/as de Contagem (MG) e Osasco (SP), respectivamente em abril e julho de 1968, durante a ditadura civil-militar instaurada com o golpe de 1964. Não há registros de greves entre 1969 e 1977. Já as greves deflagradas a partir de 1978 e até 2018 serão analisadas detalhadamente no Capítulo 2.
1.1 A GREVE DOS/AS TRABALHADORES/AS GRÁFICOS/AS DO RIO DE JANEIRO, EM 1858¹⁰
A greve dos/as tipógrafos/as do Rio de Janeiro, em janeiro de 1858, ainda durante o período imperial, costuma ser apontada como a primeira greve de trabalhadores/as assalariados/as de que se tem notícia no Brasil.
Cerca de 60 trabalhadores/as gráficos/as de várias profissões, liderados pelos/as tipógrafos/as, paralisaram o trabalho, interrompendo, a partir do dia nove de janeiro, a publicação diária de três importantes órgãos de imprensa da época: o Jornal do Commercio, o Correio Mercantil e o Diário do Rio de Janeiro. Os/as grevistas exigiam aumento nos salários que estavam corroídos pela carestia
, além de melhores condições de trabalho.
A partir do segundo dia de paralisação, os/as grevistas passaram a publicar o Jornal dos Typógraphos, diário que se manteria ativo até 12 de março daquele ano. Nos vários artigos do jornal, falava-se de reivindicações imediatas, como salários e condições de trabalho, mas discutiam-se, também, outros temas de natureza política. Num dos artigos, falava-se da necessidade de negar a falsa crença da obediência e dedicação [dos/as trabalhadores/as] a seus pretendidos senhores
. Em outro, exigia-se o fim da exploração do homem pelo homem
.
A greve acabou vencida pela intransigência dos patrões, protegidos pelo governo imperial. Mas ficaram as lições e um exemplo de luta e organização na história da nascente classe operária assalariada brasileira.
1.2 A GREVE GERAL EM SÃO PAULO, EM 1917¹¹
Em junho de 1917, cerca de 2.000 operários/as têxteis do Cotonifício Crespi, em São Paulo, cruzaram os braços por aumento de salários (20%) e contra o prolongamento do trabalho noturno. Tinham encaminhado a pauta ao dono da empresa no dia 10 daquele mês, mas este se negou a negociar e ainda ameaçou os/as grevistas com o fechamento da empresa. Dia a dia, a greve foi se alastrando para outras fábricas, com adesão de trabalhadores/as de diversas categorias, ganhando feições de greve geral, chegando a mobilizar, no seu auge, mais de 20.000 grevistas e tendo se prolongado por praticamente 30 dias.
O movimento foi duramente reprimido pelos patrões e pela Polícia, com dispensas de lideranças, espancamentos, prisões e até mortes, que, entretanto, não conseguiram arrefecer o ímpeto dos/as grevistas. Ao contrário, o auge da mobilização ocorreu em 12 de julho, no enterro do operário sapateiro espanhol José Martinez, de 21 anos, há apenas seis meses no Brasil, baleado três dias antes pelas forças policiais, durante uma manifestação pública. Seu cortejo fúnebre se transformou em enorme demonstração de força dos/as grevistas. Confrontos diários com a Polícia – inclusive tiroteios e mortes - davam ao movimento um caráter praticamente insurrecional.
A direção política era do Comitê de Defesa Proletária (CDP), formado durante a greve, composto basicamente pelos/as chamados/as sindicalistas revolucionários/as
, ou anarcossindicalistas, que constituíam a tendência hegemônica do movimento sindical brasileiro nas primeiras duas décadas do século XX.
Com a expansão da greve, o Comitê de Defesa Proletária organizou a elaboração de uma pauta mais ampla, de treze reivindicações, sendo as quatro últimas de caráter mais geral, de interesse de amplas parcelas da população:
QUADRO 2 – REIVINDICAÇÕES DA GREVE GERAL DE 1917, EM SÃO PAULO
Diante da recusa à negociação, por parte do empresariado – e também de resistências por parte do Comitê de Defesa Proletária -, um grupo de jornalistas se colocou como mediador do conflito, que terminou, em 16 de julho de 1917, com a realização de grandes comícios nos bairros operários mais importantes¹². O Comitê de Defesa Proletária orientou os/as trabalhadores/as pela aprovação do acordo, destacando suas principais conquistas¹³. No panfleto de convocação dos comícios, feito pelo CDP, dizia-se:
Trabalhadores.
O Comitê de Defesa Proletária vos convida a celebrar a vitória da vossa causa nos comícios que hoje serão realizados e nos quais será comunicado o que, graças a vossa admirável resistência e decidida pressão, foi conseguido dos industriais e dos governantes.
(...)
Viva, portanto, a união dos trabalhadores!
Às vítimas tombadas nesta luta pela prepotência policial consignamos a nossa saudação, fazendo votos pela fraternidade humana. (Comitê de Defesa Proletária, apud DEL ROIO, 2017, p. 81).
A greve obteve várias vitórias, como o aumento salarial de 20%, liberdade dos presos, não dispensa dos/as grevistas, liberdade de organização, eliminação do trabalho infantil e da participação feminina nos turnos da noite, redução da jornada de trabalho e promessa de empenho do governo na criação de feiras livres em pelo menos dois dias da semana, para reduzir a carestia.
A greve em São Paulo serviu, ainda, como exemplo e incentivo para paralisações em outras cidades do interior paulista e de outros estados, como Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Pernambuco. E colocou a questão social no centro do debate público.
Mas a repressão aos/às líderes do movimento não tardou a chegar. Nos meses seguintes, casas de lideranças da greve foram invadidas e saqueadas, a sede do jornal A Plebe
, dirigido pelo anarquista e membro do Comitê de Defesa Proletária, Edgard Leuenroth, foi invadida e danificada, assim como sedes de uniões e ligas operárias. Dois outros membros do CDP, Luigi Damiani e Theodoro Monicelli, foram expulsos do país.
De todo modo, a Greve Geral de 1917 inspirou e inspira a luta dos/as trabalhadores/as desde então, podendo ser considerada um símbolo de combatividade do movimento operário brasileiro, até os dias de hoje.
1.3 A GREVE DOS 300 MIL, EM SÃO PAULO, EM 1953¹⁴
A primeira metade dos anos 1950 foi um período de grande efervescência e radicalização política no Brasil. Getúlio Vargas chegou ao poder pela segunda vez, em 1950, desta feita pelo voto direto, acenando com uma bandeira nacionalista e um programa de justiça social. Após dois anos de governo, entretanto, suas bases de sustentação política davam claros sinais de insatisfação, colocando em xeque a Política de Conciliação do presidente, que procurava harmonizar os interesses de empregados/as e empregadores/as. A crise política, que se acentuou a partir do início de 1953 e que culminaria vinte meses depois com o suicídio de Vargas, em agosto de 1954, era uma expressão das mudanças sociais e políticas que tinham ocorrido no país desde a Revolução
de 1930, a partir de quando alterou-se acentuadamente o cenário político e o comportamento das classes e frações de classe relevantes na política brasileira.
Por um lado, a burguesia industrial demonstrava sua insatisfação com a política econômica e preocupação com a queda no nível das reservas cambiais acumuladas durante a Segunda Guerra Mundial. Pela primeira vez, desde 1947, a produção industrial apresentava desempenho negativo. O patronato também não via com bons olhos os acenos
de Getúlio às massas trabalhadoras e suas críticas aos grupos econômicos internacionais.
Por outro lado, os setores mais conservadores, ligados à economia agrário-exportadora, sentindo-se prejudicados pela política cambial – que favorecia o setor industrial - e avaliando que as contradições entre interesses que orbitavam o governo não seriam resolvidas em seu benefício, começaram a denunciar o que classificavam como tendências continuístas
do presidente. Acusavam-no de estimular greves, como forma de criar um clima que fosse favorável à implantação de um outro Estado Novo
e sua perpetuação no poder.
Já para os/as trabalhadores/as e o movimento sindical – que tinham depositado suas esperanças em Getúlio nas eleições de 1950 -, eram crescentemente perceptíveis as insuficiências do Estado paternalista e conciliador
, agora em contexto de maior liberalização política, que favorecia uma ação mais contundente dos sindicatos. Isso se traduzia em greves setoriais e protestos contra a política econômica - que congelara os salários entre 1947 e 1951 – e contra a forte elevação do custo de vida, que superou 40% nos doze meses anteriores a janeiro de 1953, praticamente o dobro do verificado em igual período do ano anterior.
Sentindo-se relativamente isolado, Vargas passou a aprofundar sua política nacionalista e populista, em busca de apoio mais explícito das classes populares. Destacava, desde o início do mandato, a necessidade de os/as trabalhadores/as se fortalecerem nos sindicatos (oficiais) para defenderem seus direitos e darem-lhe o seu apoio. Em discurso nas comemorações do Dia do Trabalhador, em 1º de maio de 1951, afirmou:
Necessito do seu apoio consolidado na organização dos sindicatos, para que os meus objetivos possam se realizar. (...) Chegou a hora, portanto, de o governo apelar para os trabalhadores e dizer-lhes que se reúnam em seus sindicatos como uma força livre e organizada. As autoridades não podem restringir sua liberdade, nem usar de pressão e de coação contra vocês. O sindicato é a sua arma, sua defesa, seu instrumento de ação política. (Discurso de Getúlio Vargas em 1º de maio de 1951, apud MOISÉS, 1978, p.69).
Nessa toada, no início de 1953, Vargas prometeu, ainda, reajustar o valor do Salário Mínimo, congelado desde 1951. Mas sobreveio, em 22 de março daquele ano, a eleição de Jânio Quadros para a prefeitura de São Paulo, derrotando de forma acachapante o candidato apoiado por Getúlio, Ortiz Noronha, o que viria mostrar que o presidente não possuía mais o mesmo poder de magnetizar as massas
(MOISÉS, 1978, p. 77).
Era esse o contexto quando, no final de março de 1953, eclodiu em São Paulo o movimento que ficou conhecido como a Greve dos 300 Mil
, com duração de 29 dias, deflagrada inicialmente pelos/as trabalhadores/as têxteis, mas de que participaram, progressivamente, os/as trabalhadores/as metalúrgicos/as, marceneiros/as, vidreiros/as e gráficos/as da capital paulista. A pauta dos/as grevistas girava em torno a duas reivindicações básicas: 1) aumento de salários de 60%; e 2) medidas destinadas a reduzir o custo de vida, cuja fidedignidade da aferição oficial era questionada pelos sindicatos.
Durante praticamente um mês, a adesão ao movimento foi se intensificando, com repercussões inclusive em outras cidades do estado de São Paulo. Houve diversos confrontos de grevistas com as forças policiais, com a prisão de dezenas de manifestantes.
Do ponto de vista organizativo, houve a criação do Comitê Intersindical de Greve, reunindo os comitês de greves de cada sindicato, que, no futuro, se transformaria no Pacto de Unidade Intersindical (PUI), entidade paralela à estrutura sindical oficial, a mais importante articulação entre sindicatos paulistas na década de 1950 (FONTES, 1999, p. 175, Nota de Rodapé nº