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As parábolas de Lucas
As parábolas de Lucas
As parábolas de Lucas
E-book675 páginas12 horas

As parábolas de Lucas

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Sobre este e-book

Um dos estudos mais impressionantes das parábolas de Lucas, agora em nova edição revisada!

Depois de vários anos vivendo em meio à cultura camponesa do Oriente Médio, Kenneth Bailey concluiu que os mesmos valores que impactaram a audiência das parábolas de Jesus podem ser descobertos hoje em comunidades agrícolas do Egito, do Líbano, da Síria e do Iraque. Como a passagem do tempo não causou transformações culturais importantes nesses lugares, é possível saber, por exemplo, o que significa, há dois mil anos, um amigo bater à porta à meia-noite ou um filho pedir sua parte da herança antes da morte do pai.

A partir desta experiência no Oriente Médio, o autor apresentou uma pesquisa rica e profunda dos pressupostos culturais nutridos pelo narrador e ouvintes das parábolas. Por meio de análises das estruturas literárias, Bailey esclarece os fundamentos culturais das parábolas, lidando com cada seção como um todo e com seus elementos isolados.

Passados mais de 40 anos, estes estudos ainda possibilitam avanços gigantescos na iluminação do sentido das parábolas de Lucas, impactando os seus leitores a ponto de transformar radicalmente sua visão dos ensinos de Jesus.
IdiomaPortuguês
EditoraVida Nova
Data de lançamento14 de set. de 2022
ISBN9786559670918
As parábolas de Lucas

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    As parábolas de Lucas - Kenneth Bailey

    1

    ESBOÇO LITERÁRIO DA NARRATIVA DE VIAGEM

    (DOCUMENTO DE JERUSALÉM)

    (Lc 9.51—19.48)

    Todas as passagens bíblicas escolhidas para este estudo encontram-se na chamada Narrativa Lucana de Viagem. A Narrativa em si tem uma estrutura literária exata, serve como importante subsídio para se determinar as divisões existentes entre as unidades dessa tradição e identificar o assunto principal de cada unidade. Por essas razões, a estrutura da Narrativa de Viagem precisa ser examinada.

    Nesta seção procuraremos demonstrar que noventa por cento do material da Narrativa de Viagem de Lucas tem um esboço invertido cuidadosamente construído. Algumas das peças curtas de tradição não se enquadram na estrutura, e parece terem sido incluídas, costumeiramente no intervalo das seções, com base na associação de palavras.

    Stagg fala em nome de muitos eruditos quando diz a respeito da Narrativa de Viagem: ela é muito difícil, ou mesmo impossível de esboçar-se.¹ Evans acha que ela é completamente amorfa.² Não obstante, Goulder descobriu o que ele julga ser uma estrutura quiástica.³ O nosso objetivo é uma revisão e extensão da sugestão de Goulder. Ele tentou incluir todo o material na sua estrutura. Parte dele, estamos convencidos, não se enquadra nela. Ele identificou seis unidades de ideias. A nossa proposta é de dez secções que seguem um esboço invertido preciso. Esse esboço vem a seguir.

    ESTRUTURA DO DOCUMENTO DE JERUSALÉM

    (Lucas 9.51—19.48)

    1.JERUSALÉM: EVENTOS ESCATOLÓGICOS (9.51-56)

    (a) Dia — ao se completarem os dias — 51

    (b) Morte — em que devia ele ser assunto ao céu — 51

    (c) Cumprimento — enviou mensageiros que o antecedessem (Ml 3.1)

    (d) Juízo — o pedido de fogo para destruir a aldeia (Ml 3.5??)

    (e) Salvação — o Filho do Homem não veio para destruir, … mas para Salvar — 56

    2. SEGUE-ME (9.57—10.12)

    (a) As pessoas aproximam-se de Jesus — 9.57-62

    (b) Jesus envia os setenta — 10.1-20 (+ + ais sobre Corazim e Betsaida — 10.13-15)

    3. QUE FAREI PARA HERDAR A VIDA ETERNA? (10.25-41)

    (a) Diálogo acerca da lei 25-28

    (b) Amor ao próximo — o Bom Samaritano 29-37

    (c) Amor ao Senhor — a história de Maria e Marta 38-42

    4. ORAÇÃO (11.1-13)

    (a) O conteúdo correto da oração — a Oração Dominical 1-4

    (b) Certeza em oração — o amigo à meia-noite 5-8 — um poema acerca das dádivas do pai 9-13

    5. SINAIS E O REINO ATUAL (11.14-32)

    (a) Um sinal do reino — o mudo fala 14

    (b) Sinais e o reino — 14-26 (+ + bem-aventurados os que guardam a palavra 27,28)

    (c) Sinais e o Filho do homem (Jonas e Salomão) 29-32

    { LUZ, TREVAS E O OLHO 33-36

    6. CONFLITO COM OS FARISEUS: DINHEIRO (11.37—12.34)

    (a) Conflito com os fariseus: dinheiro — sete ais 11.37—54 (+ + sete sentenças variadas 12.1-12)

    (b) Dinheiro — o rico insensato 12.13-21

    (c) Não andeis ansiosos — tesouro nos céus 22-34

    7. O REINO AINDA NÃO VEIO, E JÁ VEIO (12.35-59)

    (a) O reino ainda não veio — sede vós semelhantes a homens que esperam 35-48

    (b) O reino já veio — fogo sobre a terra 49-53 — discernir esta época 54-56 — o juízo está próximo 57-59

    8. O CHAMADO DO REINO PARA ISRAEL (13.1-9)

    (a) Arrepender-se ou perecer — Pilatos e os galileus 1-5

    (b) Produzir ou perecer — a figueira infrutífera 6-9

    9. A NATUREZA DO REINO (13.10-20)

    (a) Amor, e não a lei — a cura no sábado — uma mulher 10-14 — e o seu jumento ou boi? Sem resposta 15-17

    (b) Humildade — o reino é como mostarda e fermento 18-20

    10. JERUSALÉM: EVENTOS ESCATOLOGICOS (13.22-35)

    (f) Salvação — são poucos os que são salvos? … entrar pela porta estreita

    (e) Juízo — apartai-vos de mim … lançados fora do reino

    (d) Visão — quando virdes Abraão … e os profetas no reino

    (c) Cumprimento — a reunião do banquete messiânico do reino (Ml 1.11).

    (b) Morte — Herodes quer matar-te

    (a) Dia — hoje e amanhã … e no terceiro dia terminarei

    (a) Dia — caminhar hoje, amanhã e depois

    (b) Morte — que um profeta morra fora de Jerusalém

    (c) Cumprimento — faltas na reunião messiânica — quis eu reunir teus filhos … debaixo das asas (MI 4:2?), e vós não o quisestes

    (d) Juízo — um lamento sobre Jerusalém: Jerusalém! que matas … a vossa casa vos ficará deserta

    (e) Visão — não mais me vereis até que venhais a dizer: Bendito o que vem em nome do Senhor

    (f) … ??

    9’. A NATUREZA DO REINO (14.1-11)

    (a) Amor, e não a lei — uma cura no sábado — um homem 1-4 — e o seu jumento ou boi? sem resposta 5-6

    (b) Humildade — o que se humilha será exaltado 7-11

    8’. O CHAMADO DO REINO PARA ISRAEL E OS PROSCRITOS (14.12—15.32)

    (a) O grande banquete 14.12-24

    — o preço do discipulado 25-35

    (b) A ovelha perdida e a moeda perdida 15.1-10

    (c) Os dois filhos perdidos 15.11-32

    7’. O REINO AINDA NÃO VEIO, E JÁ VEIO (16.1-8,16)

    (a) O reino ainda não veio

    …………………. ??? (19.12-26)

    (b) O reino já veio — o mordomo injusto 16.1-8

    — todos são afetados pelo reino 16.16

    6’. CONFLITO COM OS FARISEUS: DINHEIRO (16.9-31)

    (a) Dinheiro — Deus ou as riquezas 9-13

    (b) Conflito com os fariseus: dinheiro 14,15

    (c) Lázaro — a necessidade de um tesouro nos céus 19-31

    5’. SINAIS E O REINO VINDOURO (17.11-37)

    (a) Um sinal do reino: os leprosos purificados 11-19

    (b) Sinais e o reino de Deus 20,21

    (c) Sinais e o Filho do homem (Noé e Ló) 22-37

    4’. ORAÇÃO (18.1-14)

    (b) Certeza e persistência na oração — O Juiz Injusto 1-8

    (a) A atitude correta na oração — o publicano e o fariseu 9-14

    { AS CRIANÇAS E A VIDA ETERNA — 15-17

    3’. QUE FAREI PARA HERDAR A VIDA ETERNA? (18.18-30)

    (a) Diálogo acerca da lei 18-21

    (b) Amor ao próximo — dá-o aos pobres 22-28

    (c) Amor ao Senhor — deixamos as nossas casas e te seguimos — 28-30

    { PREDIÇÃO DA PAIXÃO 31-34

    2’. SEGUE-ME (18.35—19.9)

    (a) As pessoas aproximam-se de Jesus — o cego 35-43

    (b) Jesus sai - a vocação de Zaqueu 19.1-9

    1’. JERUSALÉM: EVENTOS ESCATOLOGICOS (19.10,28-48)

    (f) Salvação — o Filho do Homem veio buscar e salvar o perdido

    O REINO DE DEUS AINDA NÃO VEIO — 19.11-21

    (e) Visão — vendo os milagres, disseram: Bendito é o Rei que vem em nome do Senhor

    (d) Juízo — um lamento sobre Jerusalém — não deixarão em ti pedra sobre pedra

    (c) Cumprimento — purificação do templo — purificação dos filhos de Levi (Ml 3.2-4)

    (b) Morte — os líderes de Jerusalém procuram matá-lo

    (a) Dia … ???

    ("Destruí este santuário, e em três dias o reconstruirei. Cf. João 2.19, onde essa referência a três dias" está ligada à purificação do templo. Esta tradição propriamente dita ocorre em Marcos 14.58; 15.29).

    As unidades mais curtas de material, que aparentemente não fazem parte da coleção original, estão marcadas. Muitas dessas parece terem sido colocadas em sua posição atual por causa da associação verbal com unidades que já estão na estrutura. Algumas delas acrescentam uma ênfase teológica especial (cf. 16.17 como corretivo de 16.16).

    Obviamente não se faz nenhuma viagem, e o título Narrativa de Viagem é uma designação incorreta. Sobretudo, muitas pessoas ficam confusas quanto ao ponto em que termina a Narrativa de Viagem. O esboço acima torna claro que 9.51—19.48 é o âmbito total do documento em apreço. Preferimos chamá-lo de Documento de Jerusalém.

    As correspondências semânticas entre essas unidades são muito fortes e não necessitam de comentário. As dez inversões duplas ocorrem também em Atos 2.23-36 e Efésios 1.3-14. A repetição de Jerusalém nos seus extremos e no centro lhe dão uma proeminência que é inequívoca. A morte e o dia escatológico são o clímax do documento. Há também uma sugestão de mudança no centro. Na segunda metade da estrutura é enfatizado o tema de humildade. Este tema é formalmente introduzido em uma discussão acerca de humildade (14.7-11) que termina com esta declaração: Pois todo o que se exalta será humilhado; e o que se humilha será exaltado. Portanto, o tema de humildade é visto em:

    Este tema não é necessariamente dominante em cada uma destas perícopes. Ao contrário, parece ser mais proeminente nas unidades da metade inferior da estrutura e não na unidade superior. Este tema pode ter ajudado a determinar qual das duas unidades coincidentes foi colocada na segunda metade, e qual foi introduzida na metade superior. O ponto de retorno de uma estrutura dessas geralmente é a unidade logo depois do centro. Aqui, isto também é verdade. O lamento sobre Jerusalém, a referência à morte do profeta, e o indício da entrada triunfal ocorrem todos na segunda metade da unidade número 10. Já mencionamos a mudança para uma ênfase especial acerca de humildade. Outra mudança significativa pode ser verificada na unidade número 8’, com a sua conclamação aos proscritos, junto à conclamação a Israel.

    Esta estrutura suscita inúmeras interrogações que estão fora do propósito deste estudo. O nosso ponto de vista é que um teólogo judeu-cristão pré-lucano ordenou o material nesse padrão de dez unidades. O arranjo propriamente dito é resultado de considerável reflexão teológica. O clímax na morte e no dia escatológico em Jerusalém não é mero acidente. O próprio Lucas revela que usou fontes escritas. Não é possível que essa tenha sido uma delas? Lucas, segundo conjecturamos, tinha esse documento em mãos. Ele fez algum cuidadoso trabalho editorial, acrescentou algum material novo e tirou duas perícopes da sua posição original. Depois, incorporou o documento editado em seu Evangelho.

    Para os nossos objetivos, este documento com seu esboço é importante para que se delineiem os blocos de material e se determinem os seus temas principais da maneira como o teólogo/editor do documento os entendia. As unidades 6, 7 e 8 deste documento são de especial interesse para este estudo. Elas aparecem na estrutura como segue:

    6. CONFLITO COM OS FARISEUS: DINHEIRO (11.37—12.34)

    (a) Conflito com os fariseus: dinheiro — sete ais 11.37-54

    (+ + sete sentenças variadas 12.1-12)

    (b) Dinheiro — o rico insensato 12.13-21

    (c) Não andeis ansiosos — tesouro nos céus 22-34

    7. O REINO AINDA NÃO VEIO, E JÁ VEIO (12.35-59)

    (a) O reino ainda não veio — sede vós semelhantes a homens que esperam 35-48

    (b) O reino já veio — fogo sobre a terra 49-53

    — discernir esta época 54-56

    — o juízo está próximo 57-59

    8. O CHAMADO DO REINO PARA ISRAEL (13.1-9)

    (a) Arrepender-se ou perecer — Pilatos e os galileus 1-5

    (b) Produzir ou perecer — a figueira infrutífera 6-9

    8’. O CHAMADO DO REINO PARA ISRAEL E OS PROSCRITOS (14.12—15.32)

    (a) O grande banquete 14.12-24

    — o preço do discipulado 25-35

    (b) A ovelha perdida e a moeda perdida 15.1-10

    (c) Os dois filhos perdidos 15.11-32

    7’. O REINO AINDA NÃO VEIO, E JÁ VEIO (16.1-8,16)

    (a) O reino ainda não veio

    …………… ??? (19.12-26)

    (b) O reino já veio — o mordomo injusto 16.1-8

    todos são afetados pelo reino 16.16.

    6’. CONFLITO COM OS FARISEUS: DINHEIRO (16.9-31)

    (a) Dinheiro — Deus ou as riquezas 9-13

    (b) Conflito com os fariseus: dinheiro 14-15

    (c) Lázaro — a necessidade de um tesouro nos céus 19-31

    As três unidades contêm insinuações escatológicas, mas cada uma delas tem uma ênfase diferente. As unidades 6 e 6’ discutem o dinheiro, a morte, e a vida do porvir. A Parábola do Rico Insensato na unidade 6 e a Parábola de Lázaro e o Rico em 6’ falam claramente desse tópico. Depois, a discussão acerca das riquezas em 16.9-13 (Mamom) também discute claramente este assunto. Em 6’ os fariseus são mencionados em conexão à discussão acerca de dinheiro (veja 16.14,15).

    As advertências escatológicas das seções 7 e 7’ falam da vinda do reino, e não da morte. Desta forma, a estrutura toda do Documento de Jerusalém requer uma interrupção entre 16.1-8 e 16.9-13. Isto será discutido minuciosamente como parte da exegese desses versículos.

    A escatologia das seções 8 e 8’ relaciona-se com a conclamação do reino, e não com a morte. Assim sendo, as seções 7 e 7’ estão mais próximas de 8 e 8’ respectivamente do que de 6 e 6’. Portanto, isto significa que a Parábola do Mordomo Injusto está mais próxima da Parábola do Filho Pródigo que a precede, do que da secção a respeito de Mamom, que a segue. Isto também será discutido minuciosamente como parte da exegese do texto.

    Em suma, pode ser afirmado que o Documento de Jerusalém tem uma estrutura. Essa estrutura não é histórica nem exclusivamente teológica, mas literária. Comparando as seções correspondentes, podem ser feitas com grande precisão as divisões entre os blocos. Os temas dominantes nas diferentes seções também se mostram mais claramente. A estrutura literária propicia novas evidências para a solução de uma ampla gama de problemas sinóticos, que estão além do alcance deste estudo.

    Considerando que Lucas 16.1-13 ilustra em uma passagem os vários aspectos de cultura e de estrutura literária que este estudo procura expor, essa passagem será considerada de maneira especial no Capítulo 10. Lucas 11.5-13 é estruturalmente semelhante a 16.1-13, e desta forma será estudado no capítulo 5.

    ¹ Frank Stagg, The journey toward Jerusalem in Luke’s Gospel, Review and Expositor 64 (1967), p. 499.

    ² C. F. Evans, The central section of St. Luke’s Gospel, in: D.E Nineham, org., Studies in the Gospels: essays in memory of R. H. Lightfoot (Oxford: Blackwell, 1957), p. 40.

    ³ M.O. Goulder, The chiastic structure of the lucan journey in: F.L. Cross, org., Studia Evangelica II, (Berlin: Akademie-Verlag, 1963), p. 195-202.

    2

    OS DOIS DEVEDORES

    (Lc 7.36-50)

    Esta parábola/diálogo enganosamente simples, contudo artística e teologicamente complexa, tem muito a oferecer ao intérprete cuidadoso. À semelhança da Parábola do Camelo e do Fundo da Agulha (Lucas 18.18-30), este texto tem uma parábola curta engastada no centro de um diálogo teológico muito bem construído. Cultura e drama se sobrepõem para aumentar e informar a teologia. Assim, esta parábola precisa ser examinada à luz desses dois fatores. A estrutura completa das suas sete cenas será examinada, e em seguida estudadas em detalhe as secções independentes. Primeiro, portanto, a estrutura:

    Introdução (o fariseu, Jesus, a mulher)

    O derramamento do amor da mulher (em ação)

    Um diálogo (Simão julga erradamente)

    Uma parábola

    Um diálogo (Simão julga retamente)

    O derramamento do amor da mulher (em retrospecto)

    Conclusão (os fariseus, Jesus, a mulher)

    O texto completo de sete estrofes é o seguinte:

    O fluxo estrutural deste drama em sete cenas é bastante claro, repetindo-se os temas principais na segunda metade da estrutura (com significativa diferença da primeira metade, em cada caso). O princípio da inversão é usado na repetição. A parábola ocorre no centro apoteótico. Cada uma dessas seções precisará ser examinada separadamente.

    INTRODUÇÃO (Cena 1)

    Convidou-o um dos fariseus para que fosse jantar com ele.

    Jesus, entrando na casa do fariseu, tomou lugar à mesa.

    E eis que uma mulher da cidade, pecadora …

    Nestas primeiras linhas já são apresentados os três personagens principais. Somos apresentados ao fariseu (que mais tarde será conhecido pelo nome de Simão); Jesus, que aceita o convite; e uma mulher, da cidade, pecadora. Em Lucas 15.1,2 aparece uma introdução paralela dos mesmos personagens (fariseu, Jesus e pecadores). Em Lucas 15.11, a Parábola do Filho Pródigo começa simplesmente assim: Certo homem tinha dois filhos. Novamente, três personagens são apresentados logo de início.

    Não somos informados se este convite foi feito por causa de uma ocasião especial. Jeremias elucida bastante este ponto:

    Podemos, em todo caso, inferir que antes de ter tido lugar o episódio que a estória relata, Jesus havia pregado um sermão que havia impressionado a todos eles: o hospedeiro, os hóspedes, e um hóspede não convidado — uma mulher.¹

    Esta sugestão encaixa-se com todos os detalhes do episódio e é o pressuposto que melhor responde as nossas interrogações, e sobre o qual podemos trabalhar. Jesus prega. Um convite lhe é feito, e ele aceita. A cena é montada em um banquete, o que acrescenta uma coloração especial ao drama. O fariseu, diferentemente do participante da comunidade de Qumran, não tomava as suas refeições isolado (como é evidenciado por esta mesma refeição). Ao mesmo tempo, como Neusner indicou, todas as refeições requeriam pureza ritual.² O ponto de importância especial é que o fariseu estava em contato com não fariseus durante a refeição, e

    Este fato toma ainda mais importantes as regras de pureza e as restrições alimentares propriamente ditas, pois só elas separam o fariseu do povo entre o qual ele constantemente vivia.³

    Assim, o isolamento de alimentos e pessoas impuras era essencial para o fariseu quando ele se assentava para comer. Jesus entra nesse tipo de mundo quando aceita o convite. Além do mais, como Safrai observa em sua descrição da religião na Palestina do século I, grupos de pessoas interessadas formavam sociedades religiosas, haberim, e realizavam refeições comuns para estudo religioso.

    Eles realizavam especialmente o estudo da Torá, e algumas vezes continuavam até tarde da noite, quando as suas discussões se acaloravam, ou quando havia uma conferência do seu mestre ou de um sábio visitante.

    Bem pode ser que o banquete em consideração tivesse sido realizado em tal ocasião. Jesus, um sábio visitante, é convidado a uma refeição com os intelectuais locais. Espera-se que haja discussão acesa sobre um tema teológico de interesse mútuo. Todavia, certamente ninguém poderia ter previsto as dramáticas surpresas que lhes estavam reservadas.

    Somos informados enigmaticamente que Jesus, entrando, tomou lugar à mesa. A versão da IBB diz: reclinou-se à mesa. Quando os sinóticos falam de reclinar-se para uma refeição dentro de casa, referem-se a um banquete.⁵ Outros convidados são especificamente mencionados no fim da cena, e podemos imaginar uma ocasião relativamente formal, em que esperava-se que os papéis de anfitrião e convidado fossem desempenhados com precisão por todos os presentes.

    Alguns dos detalhes característicos do Oriente Médio presumidos pelo texto são descritos minuciosamente por Tristam, um astuto viajante do século 19:

    … receber hóspedes é um negócio público. O portão do jardim, e a porta … estão abertos … Uma mesa longa e baixa, ou mais frequentemente apenas os grandes pratos de madeira, são colocados ao longo do centro da sala, e divãs baixos de ambos os lados, nos quais os hóspedes, colocados segundo a ordem da sua posição, reclinam-se, apoiando-se no cotovelo esquerdo, com os pés afastados da mesa. Ao chegar, todos tiram as sandálias ou chinelos, e os deixam à porta, sendo as meias desconhecidas na época. Os servos ficam de pé por detrás dos divãs, e colocando uma bacia rasa e larga no chão, derramam água sobre os pés dos hóspedes. Omitir esta cortesia seria dar a entender que o visitante era de posição social muito inferior … Por detrás dos servos os desocupados da aldeia se aglomeram, e não são considerados intrusos por assim agirem.

    As observações de Tristam explicam como a mulher obteve acesso à casa, e como ela podia estar por detrás de Jesus, aos seus pés. Este escritor pode confirmar grande parte do narrado acima, por experiência pessoal.

    Esta mesma cena genérica de banquete foi documentada por Safrai em sua discussão acerca do lar e da família na Palestina do século 1:

    Segundo o costume corrente entre os gregos, os convivas reclinavam-se em divãs individuais… Esses divãs eram usados para banquetes festivos bem como para refeições comuns.

    Dalman faz a mesma observação, e encontra documentação no Talmude.⁸ E também Ibn al-Tayyib, famoso erudito iraquiano do século 11, escreve um comentário árabe sobre este texto, observa:

    A frase aos seus pés e a frase estando por detrás completam-se, porque ele estava reclinado com as pernas esticadas e isto, além do fato de que ela estando por detrás, a coloca numa posição aos seus pés.

    Ibn al-Salībī, outro famoso comentarista do Oriente Médio, ao escrever em siríaco no século 12, nota o significado de ela estar aos seus pés:

    Ela está de pé atrás dele porque tem vergonha de encará-lo, pois conhece os seus pecados, e por causa do respeito que demonstra por sua pessoa.¹⁰

    Além disso, os pés são sempre colocados por detrás da pessoa que está reclinada, por causa da natureza ofensiva e impura dos pés na sociedade oriental, desde tempos imemoriais até o presente. No Antigo Testamento, o mais supremo triunfo para o vencedor e insulto para o vencido era fazer do inimigo escabelo dos pés (cf. Sl 110.1). A Edom, que é odiado violentamente, se diz: Sobre Edom atirarei a minha sandália (Sl 60.8; 108.9). Moisés é obrigado a tirar as suas sandálias impuras diante da sarça ardente, por causa da santidade do solo (Êx 3.5; cf. Js 5.15). João Batista usa a ilustração de desatar o cadarço dos sapatos para expressar a sua total indignidade na presença de Jesus (Lc 3.16). À medida que a cena se desenvolve, este contexto se torna essencial em relação a uma conviva não convidada: uma mulher.

    Assim, o ambiente exterior está claro. Jesus é conhecido, e a comunidade já o ouviu. Ele é convidado para um banquete, onde conversará ainda mais com os convidados. Por ocasião de cenas como esta no Oriente Médio tradicional, as portas ficam abertas, e as pessoas que não foram convidadas têm a liberdade de vaguear pela casa. Jesus e os outros hóspedes estão reclinados em divãs baixos para a refeição. No entanto, na dinâmica da cena, algo está faltando.

    Como observa Tristam, o hospedeiro não lavara os pés de Jesus, e este fato, para o mundo do Oriente Médio em geral, é cheio de significado, e também o é para esta estória, especialmente à medida que ela se desenrola. Mas isso não é tudo. Jesus também não recebera o beijo de saudação. Mais uma vez, Tristam é útil. Escrevendo em 1894, ele diz:

    Além de omitir água para os seus pés, Simão não havia dado nenhum beijo em Jesus. Hoje em dia, receber um hóspede sem beijá-lo em ambas as faces quando ele entra é sinal marcante de desprezo, ou pelo menos demonstração de que o hospedeiro ocupa posição social muito mais elevada.¹¹

    Ele prossegue explicando como certa vez, no interior da Tunísia, ele foi recebido e no meio do banquete o seu servo cochichou ao seu ouvido que não confiasse no hospedeiro, porque ele não o havia beijado ao entrar. Tristam observa que a advertência do seu servo se provou bastante oportuna.¹² É bem claro que as saudações formais eram muito significativas no século 1. Windisch define o verbo saudar como abraçar e observa que pode significar o abraço de saudação bem como o abraço erótico do amor.¹³ Ele também nota: "Dar aos rabis a aspasmós (saudação) ambicionada por eles era o impulso de todos os judeus piedosos".¹⁴ Jesus é identificado como rabi (mestre) na estória. Desta forma, segundo a perspectiva cultural do Oriente Médio, as falhas do hospedeiro são omissões evidentes (contra Marshall)¹⁵. A unção com óleo também foi omitida, mas provavelmente é ofensa de menor importância para o hóspede, embora a unção com óleo fosse um costume comum (cf. Dt 28.40; Rt 3.3; Sl 23.5; Judite 16.8). Assim, fica claro que os rituais aceitos de recepção do hóspede não foram apenas esquecidos na narração da história, mas haviam sido grosseiramente omitidos por um hospedeiro preconceituoso.

    Até mesmo em uma sociedade ocidental menos formal, gestos tradicionais observados à entrada de hóspedes em uma casa. Entre eles encontram-se geralmente:

    Menções de boas-vindas ao abrir a porta, com um convite para entrar.

    Toma-se o guarda-chuva e a bolsa do hóspede e coloca-se em lugar adequado.

    Faz-se um convite para ele sentar.

    Se todas estas formalidades forem deliberadamente omitidas no caso de um hóspede de honra em um banquete, o insulto será evidente. Scherer, antigo residente do Oriente Médio no século XIX, observa: (Simão) violou os costumes comuns de hospitalidade.¹⁶ O significado dessas omissões e a reação de Jesus a elas se tornarão claras à medida que prosseguirmos.

    A tradução tradicional da frase inicial descrevendo a mulher é: E eis que uma mulher da cidade, pecadora … Algumas traduções árabes antigas, inclusive Hibat Allah Ibn al-’Assal, dizem: E uma mulher que era pecadora na cidade … Esta tradução é gramaticalmente legítima. Através destas traduções árabes podemos verificar que esta foi a maneira pela qual muitos eruditos cristãos do Oriente Médio entenderam o texto no primeiro milênio da era cristã. Essas traduções árabes apresentam a mulher engajada ativamente como pecadora na cidade. Esta ênfase nos faz notar os dois aspectos independentes da frase em questão. Recebemos uma informação essencial a respeito do seu estilo de vida: ela era uma pecadora exercendo a sua profissão na cidade. Esta ênfase dá à história um gume mais afiado, e provavelmente faz parte do objetivo original do texto. Ao mesmo tempo, a comunidade dela é identificada. Ela mora na cidade. Simão (como observaremos) sabe perfeitamente quem é ela. Ela faz parte daquela comunidade (embora proscrita dos seus agrupamentos religiosos). Essa identificação da comunidade dela também será importante para a tensão da cena, à medida que ela se desenrola.

    NA CASA DO FARISEU: UMA MULHER AGE! (Cena 2)

    E quando ela ouviu dizer: Ele está jantando na casa do fariseu!

    levando um frasco de alabastro com perfume,

    e estando por detrás dele aos seus pés,

    chorando ela começou a molhar os seus pés com suas lágrimas.

    E ela os enxugava com os cabelos de sua cabeça.

    e beijava os seus pés,

    e ungiu-os com o perfume.

    O paralelismo invertido das três ações da mulher é claro. A mulher faz três coisas aos pés de Jesus. Ela os lava, beija e unge. Para cada serviço individualmente, duas ações são necessárias. Em sequência lógica elas podem ser verificadas como segue:

    A ordem invertida das linhas do texto (a b c - c’ b’ a’) pode ser o fluxo natural da narrativa. Todavia, uma forma muito mais simples de descrever a ação seria:

    Ela entrou e, estando aos seus pés, começou a molhá-los com suas lágrimas, e a enxugá-los com seus cabelos, e a beijá-los e ungi-los com o perfume que havia trazido.

    Pelo contrário, seis ações específicas são descritas, e parece que o paralelismo invertido é intencional. Além disso, a ordem em que são citadas as três ações (lavar, beijar, ungir) é mantida no fim da cena, quando Jesus fala a Simão. Neste último caso, o fluxo natural dos eventos seria: (1) o beijo ao entrar na casa; (2) a lavagem dos pés; (3) a unção da cabeça com óleo. De maneira significativa, essa ordem normal é invertida para combinar com a ordem de ações da mulher. As formas gramaticais também indicam a natureza deliberada do paralelismo invertido. Nas três primeiras linhas o texto grego tem três particípios (levando, estando, chorando). Nas últimas três linhas há três passados (enxugava, beijava, ungiu). Ehlen demonstrou que o paralelismo de construção gramatical no Rolo de Hinos, um dos Rolos do Mar Morto, é parte importante da construção paralela da poesia dos hinos.¹⁷ Finalmente, como notaremos (cf. abaixo na cena 6), a descrição que Jesus faz das ações da mulher também é redigida em paralelismos poéticos. Desta forma, não é surpresa encontrar paralelismos usados na descrição do conjunto inicial de ações, aqui, no começo da cena. A ideia é de interesse mais do que artístico. Quando um autor bíblico usa deliberadamente a inversão de linhas paralelas, frequentemente coloca o auge no centro. Esta característica aparece aqui também, com o choro e o desatamento do cabelo no centro. Voltar-nos-emos agora para esses detalhes.

    Em um banquete oriental, a porta da casa fica aberta e há muitas idas e vindas, como observamos. A ARA traduz: Sabendo que ele estava à mesa na casa do fariseu … indicando desta forma que a mulher ficou sabendo do paradeiro de Jesus depois que ele entrou na casa. O passado do verbo estar não consta do texto, e o que (gr., hoti) pode ser entendido melhor como introduzindo um discurso direto, não indireto. A história propriamente dita (cf. v.45) nos revela que ela entrou com Jesus ou antes dele, porque a sua ação dramática começou desde que entrei. Assim, a história parece presumir que ela ouvira a comunidade falar acerca de onde ele devia estar sendo recebido. De fato, foi-lhe dito: Ele está jantando na casa do fariseu!. Levando presentes, ela entrou com ele ou antes dele naquele lugar de reunião.

    Os presentes dela são expressão de devoção em um sacramento de ações de graças. A unção dos seus pés é claramente intencional, porque ela viera preparada. O fato de ela lavar os seus pés não é premeditado, porque ela não tem com que enxugá-los, e é obrigada a usar os cabelos. Quando aceitamos a afirmação da própria narração de que ela estava presente quando ele entrara, é fácil reconstruir o que desencadeara a sua ação inicial. Jesus é aceito como rabi pela comunidade que o rodeia. Simão dirigiu-se a ele (no texto grego) como Mestre, que é uma das palavras que Lucas usa para traduzir rabi.¹⁸ Todos os hóspedes são tratados com grande deferência no Oriente Médio, e sempre o foram. Precisamos apenas lembrar a hospitalidade que Abraão ofereceu aos seus três visitantes (Gn 18:1-8). Levison, que era um cristão hebreu palestino, descreve a cena e seu significado:

    A estudada insolência de Simão para com o seu hóspede levanta a questão do motivo pelo qual ele convidara Jesus a ir à sua casa. Quando um hóspede é convidado a ir à casa de alguém, espera que lhe sejam oferecidas as costumeiras gentilezas da hospitalidade. Quando o hóspede é um rabi, o dever de oferecer hospitalidade em sua forma mais refinada é bem reconhecido. Mas Simão convidou Jesus a ir à sua casa, e começou a violar todas as regras de hospitalidade … No Oriente, quando uma pessoa é convidada à casa de alguém, geralmente é recebida com um beijo, conforme o costume. No caso de um rabi, todos os membros da família do sexo masculino esperam à entrada da casa, e beijam as suas mãos. Na casa, a primeira coisa que se faz é lavar os pés do hóspede. Nenhuma dessas cortesias foi feita para o Mestre …¹⁹

    Essa mulher havia ouvido Jesus proclamar o amor de Deus, oferecido gratuitamente e graciosamente aos pecadores. Estas boas novas do amor de Deus pelos pecadores, mesmo os iguais a ela, a haviam emocionado, e iniciado nela um profundo desejo de manifestar uma reação de gratidão. Edersheim, outro cristão hebreu, completa os detalhes. Ele traduz unguento como perfume’, e escreve: Um frasco com esse perfume era usado pelas mulheres dependurado no peito, de um cordão ao redor do pescoço. Esse perfume era usado tanto para perfumar o hálito como a pessoa".²⁰ Não é necessária muita imaginação para entender como esse frasco devia ser importante para uma prostituta. A sua intenção é derramá-lo nos seus pés (ela não precisa mais dele). Era inconcebível ela ungir a cabeça dele. Samuel, o profeta, pode ungir Saul e Davi na cabeça (1Sm 10.1; 16.13), mas uma pecadora não pode ungir um rabi na cabeça. Fazer tal coisa seria uma presunção extrema. Tendo em mente esse gesto de gratidão profundamente comovente e tão significativo, ela foi testemunha do insulto cruel que Jesus recebera ao entrar na casa de Simão, pois este deliberadamente omitira o beijo de saudação e a lavagem dos pés. O insulto cometido contra Jesus obrigatoriamente fora intencional, e impressiona os hóspedes reunidos. Fora declarada a guerra, e todos esperam ver a reação de Jesus. Espera-se que ele faça algumas observações mordazes acerca do fato de não ter sido saudado, e se retire em seguida. Pelo contrário, ele absorve o insulto e a hostilidade que estava por detrás do mesmo, não se retira. Prevendo o que ia acontecer, ele não abriu a sua boca. Como observamos, omitir nem que fosse apenas a lavagem dos pés era dar a entender que o visitante era de condição social muito inferior.²¹ A mulher fica totalmente pasmada. Eles nem lhe deram o beijo de saudação! Misturam-se a sua devoção, gratidão e ira. Ela esquece que está na presença de um grupo de homens hostis também a ela. Não obstante, ela não pode saudá-lo com um beijo; tal ato seria entendido de maneira distorcida, irremediavelmente. O que deve ser feito? Ah, ela pode beijar os seus pés! Correndo ousadamente para ele, ela se abaixa e literalmente lava os seus pés com lágrimas. E agora? Ela não tem toalha! Mesmo que ela pedisse, Simão não lhe daria uma. Assim, ela desata os cabelos, e com ele, enxuga os seus pés. Depois de cobri-los de beijos (o verbo significa literalmente beijar repetidamente), ela derrama o seu precioso perfume nos pés daquele que anunciava o amor de Deus por ela, o qual está sendo aqui maltratado por aquela súcia de malvados. Ela está oferecendo-lhe o seu amor, e tentando compensar o insulto que Jesus acabara de receber (contra Marshall²². No processo, ela faz um gesto de ternura que pode facilmente ser mal-entendido. Ela desata os cabelos: gesto de ternura que se espera que a camponesa faça apenas na presença do seu marido. O Talmude indica que um marido pode pedir o divórcio pelo fato de a mulher desatar o cabelo na presença de outro homem.²³ Em regiões conservadoras do mundo islâmico contemporâneo, cabeleireiros do sexo masculino são proibidos de pentear mulheres pelas mesmas razões.

    Ainda mais chocante é a evidência do Talmude em conexão com os regulamentos a respeito do apedrejamento de uma mulher imoral. Os rabis se preocupam com o perigo de a mulher estimular pensamentos impuros nas mentes dos sacerdotes oficiantes. O texto diz:

    O sacerdote agarra a roupa dela, e não importa se ela é rasgada ou aberta, conquanto que ele descubra os seus seios e solte os seus cabelos. R. Judah disse: se o seu seio for lindo, ele não a expõe; e se o seu cabelo é belo, ele não o solta.²⁴

    É claro que os rabis consideravam o descobrir dos seios e a soltura dos cabelos como atos que caem na mesma categoria. Na preocupação de proteger os sacerdotes oficiantes de pensamentos impuros, apenas esses dois atos são mencionados. Portanto, isto demonstra o significado do ato de uma camponesa imoral desatar o seu cabelo na presença de homens orientais. De fato, esse texto talmúdico demonstra claramente a sensação de choque que deve ter eletrificado a sala quando a mulher imoral de nosso texto soltou os seus cabelos diante de Simão e seus hóspedes. A natureza provocadora do gesto é clara, não passa desapercebida de Simão, como o

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