Dois Meninos No Mundo & Outros Contos
De Luiz Ruas
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Dois Meninos No Mundo & Outros Contos - Luiz Ruas
PREFÁCIO
L. Ruas é um ícone da literatura amazonense. Figura controversa, suas aulas de Filosofia, no velho Seminário transformada em Instituto de Ciências Humanas e Letras, ao final dos anos 70, eram das poucas a manter a audiência em alta entre os futuros economistas, no meio dos quais eu, tímido por natureza e intimidado pela figura do mestre: a tez acobreada contrastando com a branca e densa cabeleira, o cigarro sempre entre os dedos e a língua permanentemente afiada. Diziam-se coisas do mestre: no mínimo, que era um padre comunista...Numa ocasião, alguém ousou tecer um comentário desairoso sobre a Teologia da Libertação. Se um pombo dos muitos que voejavam errantes pelo ICHL entrasse em sala naquele instante, diria que era o próprio Espírito Santo que fora assistir ao mestre defender a luta de classes e o socialismo sob uma perspectiva cristã. Naquele momento, lamentei não ser cristão. Aliás, por muito pouco não me converto.
Mas as melhores lembranças que tenho de é L. Ruas são bem anteriores ao vetusto prédio da Emílio Moreira. Seus poemas e crônicas publicados nos jornais da cidade, trazidos à noite por meu pai, eram sempre motivos de prazer, reveladores de uma cultura que eu, adolescente, desejava para mim. Debalde, desde então, tenho tentado. Literatura, cinema, arte, política, comportamento — nada escapava ao olhar aguçado do mestre. Olhar enigmático e zombeteiro, que não dispensava uma ironia e uma boa polêmica.
Este trabalho, organizado pelo historiador Roberto Mendonça, resgata a face cronista de L. Ruas. Gênero difícil, pois feito para consumo imediato, reconhece-se o bom cronista quando, anos depois, se lê sua obra. Se ainda mantém o interesse, se não foi tragada pelo tempo, sobressai-se a qualidade do autor. É caso dessa coletânea, que conta um pouco da história de Manaus, pelos filmes, pelos livros, mas, sobretudo pelas ideias que o autor coloca em pauta. Ao notável poeta junta-se agora o cronista, rigoroso e perspicaz, expressão perfeita do grande artista que foi L. Ruas.
Zemaria Pinto
Poeta e dramaturgo, autor, entre outros títulos, de Música para surdos
e Nós, Medeia
.
Membro da Academia Amazonense de Letras
APRESENTAÇÃO
Luiz Augusto de Lima Ruas nasceu em Manaus, em outubro de 1931. Para a Igreja Católica, era o padre Ruas; para a literatura amazonense, L. Ruas. Após estudar nos seminários de Manaus, de Fortaleza e do Rio de Janeiro foi ordenado sacerdote em 1954. Ano fantástico para ele, pela fundação do Clube da Madrugada; da instalação do Instituto Christus (depois CIEC); e da fundação da Rádio Rio Mar (pouco depois incorporada ao patrimônio arquidiocesano). Em todos esses órgãos o padre Ruas atuou, deixando seu nome nos anais dessas instituições como homem valoroso, poeta competente e educador de méritos. Logo se envolveu com o Clube da Madrugada, a memorável associação de intelectuais de Manaus.
Em 1958, sendo presidente do Madrugada, publicou seu primeiro livro: Aparição do Clown
. Longo poema de cunho religioso, que se converteu em referência na poesia regional. Os demais livros são: Linha d´água
, de crônicas publicadas no jornal A Crítica
, em 1970; Os graus do poético
, ensaios sobre literatura, publicado nas comemorações das bodas de prata da Rádio Rio Mar, em 1979; e Poemeu
, coletânea de poemas com a qual venceu um concurso público em Manaus, editado em 1985.
A partir de 1962, quando a Rádio Rio Mar passou ao controle da Igreja, lá estava padre Ruas, exercendo a função de cronista radiofônico. Em 1963, dirigiu o Auto da Paixão
, encenado no desaparecido Parque Amazonense.
No ano seguinte, o Auto deixou de ser produzido em razão da prisão do padre Ruas, pelo regime militar.
L. Ruas foi professor no Seminário São José e nos colégios públicos mais conhecidos de Manaus: Colégio Estadual do Amazonas e Instituto de Educação do Amazonas. Fundador e professor do Instituto Christus, hoje CIEC. Na Faculdade de Filosofia, instituída pela Arquidiocese com apoio do Governo Estadual, depois incorporada à Universidade Federal do Amazonas (UFAM), foi mestre e diretor. Depois de longa jornada na UFAM, ali se aposentou.
Durante algum tempo esteve afastado do exercício sacerdotal, por divergência com a direção arquidiocesana. Em 1980, todavia, após a visita do papa João Paulo II a Manaus, voltou à atividade sacerdotal. Dirigiu as atividades das paróquias de Nossa Senhora das Dores, no bairro da Redenção; do Sagrado Coração de Jesus, na rua Ferreira Pena, e dos Remédios, onde, em 1992, sofreu um devastador Acidente Vascular Cerebral.
Acamado por anos em sua casa, ali recebeu o conforto dos amigos sacerdotes e leigos. Os esforços da medicina foram em vão. O padre-poeta L. Ruas, em 1º de abril de 2000, aos 69 anos passava à posteridade.
Roberto Mendonça