José Do Patrocínio
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José Do Patrocínio - Eridan Passos
SOBRE A AUTORA
Eridan Passos nasceu em 1946, em Recife. Passou toda a infância e início da juventude em Salvador. Em 1969, veio para o Rio de Janeiro, onde mora até hoje.
Funcionária pública, formada em Direito e Administração, durante muitos anos estudou Filosofia, em grupo, fora dos bancos acadêmicos. Na década de 80, publicou dois livros de poesia: Mesa de Trabalho (1985) e Sobre a página em branco (1986). Nessa época, frequentava a Oficina Literária de Ivan Cavalcanti Proença.
Vinte anos se passaram. O recomeço foi um pequeno livro, João Cândido, o Herói da Ralé, publicado em 2008 pela editora Expressão Popular. Depois, vieram mais três: José do Patrocínio, o abolicionista dionisíaco, In verso, livro de poesia e Vidas, sua primeira tentativa na ficção, todos publicados através da plataforma digital do Clube de Autores.
SOBRE A OBRA
Eu era ouvinte das aulas ministradas pelo historiador José Murilo de Carvalho na UFRJ, quando, um dia, me deparei com uma pequena joia: Campanha Abolicionista: coletânea de artigos, que reproduz cinquenta e quatro artigos de José do Patrocínio, publicados entre 1880 e 1889.
Impactada pela sua retórica, resolvi conhecer um pouco mais sobre um dos mais importantes representantes do movimento abolicionista. Li o que encontrei a seu respeito, a começar pela biografia clássica, escrita por R. Magalhães Júnior, pesquisei em jornais na Biblioteca Nacional e fiz algumas visitas à Biblioteca da Academia Brasileira de Letras.
Desse meu percurso errático, surgiu este livro, sem viés acadêmico, mais um tributo amoroso, sem mitificações, assim espero, a este brasileiro, filho de padre e escrava, cuja trajetória, iniciada com sua vinda de Campos para o Rio de Janeiro, aos 14 anos, segue em curva ascendente até a abolição e a partir daí prossegue em curva descendente até sua morte, provando do declínio e da decadência pública. Até mesmo seu novo sonho – de construir um aeróstato que o levaria aos céus - não se cumpre.
Uma intrusa participação de seu filho, José do Patrocínio Filho, quase um acerto de contas com a figura paterna, abre o livro.
José do Patrocínio
O abolicionista dionisíaco
Eridan Passos
José do Patrocínio
O abolicionista dionisíaco
1ª edição
Rio de Janeiro
Edição da autora
2016
José do Patrocínio: o abolicionista dionisíaco
Eridan Passos
Capa: Eridan Passos
Preparação dos originais: Eridan Passos
Revisão: Eridan Passos
Assessoria editorial: Eridan Passos
Rio de Janeiro, 2016.
Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou duplicada sem autorização expressa da autora.
Copyright © 2016 by Eridan Passos
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
P289j Passos, Eridan, 1946 –
José do Patrocínio: o abolicionista dionisíaco / Eridan Passos. — Rio de Janeiro: edição do autor, 2016.
220 p.; 14,8cm x 21cm
ISBN 978-85-922217-1-3
1. Biografia.
I. Passos, Eridan. II. Título.
CDD: 920.9
CDU: 929:055.1.134.3(81)
PREFÁCIO NECESSÁRIO
Não escolhi escrever este livro. Fui escolhida. Explico: Frequentava, como ouvinte, matéria do Curso de História da UFRJ, quando li O Abolicionismo, de Joaquim Nabuco. O livro despertou-me o interesse pelo tema e, mexendo nas fichas da Biblioteca Euclides da Cunha, no Rio de Janeiro, deparei-me com o que considero uma pequena joia: Campanha Abolicionista: coletânea de artigos, publicação da Fundação Biblioteca Nacional, com introdução do historiador José Murilo de Carvalho, que reproduz cinquenta e quatro artigos de José do Patrocínio, publicados entre 1880 e 1889, nos três jornais onde escreveu: Gazeta de Notícias, Gazeta da Tarde e Cidade do Rio.
Sua leitura causou em mim profundo impacto. Contaminada pela sua retórica, atingida pelo seu coração nos lábios
, na bela expressão usada por José Murilo de Carvalho na Introdução, deixei-me ferir pela sua pena ardorosa e ardente que bramiu, tal qual uma arma, contra a lavoura escravocrata, o Imperador vacilante e os partidos sem honra.
Definitivamente conquistada, quis conhecer tudo sobre aquele homem: fascinou-me a trajetória do negro que conquistara um lugar na elite social do país e que se colocara, para usar uma expressão de Joaquim Nabuco, como mandatário de sua raça, na luta contra a escravidão. Pressentia paradoxos e contradições. Intuía um espírito obstinado, apaixonado e, talvez, delirante.
Afundei-me na pesquisa. Li tudo que encontrei escrito a seu respeito, a começar pela sua biografia, escrita por R. Magalhães Júnior. Examinei jornais, passando vários dias na Biblioteca Nacional, lendo, em máquinas obsoletas, microfilmes de exemplares dos jornais em que escreveu, tomando notas, transcrevendo textos, tentando acompanhar a trajetória final do jornal e do seu dono, após a abolição da escravatura.
O que fazer com tudo isso? Não pretendia muito. Certamente, não me movia nenhum interesse acadêmico. Talvez escrever um livro despretensioso que pudesse tornar a história deste homem acessível a um público que não o conhecesse ou dele só tivesse ouvido falar, se tanto, em alguma aula de História. Escrever sem glorificações nem mitificações. Não seria a primeira fez. Alguns anos antes, como ouvinte de outra matéria do mesmo curso de História, eu escrevera um texto sobre João Cândido, que depois se transformou em um pequeno livro¹.
Algo inesperado, no entanto, ocorreu em meio a essa trajetória. Por acaso descobri, na mesma biblioteca, o livro que o biógrafo do pai havia escrito sobre seu filho, José do Patrocínio Filho². Curiosa, li o livro. A partir daí, aquele homem, que me surgiu de entre aquelas páginas, insidiosamente, à medida que eu ia escrevendo a história do pai, foi se fazendo presente, querendo ocupar seu lugar.
Vivi, então, uma experiência bastante estranha. Escrevendo sobre o pai, desde o início, procurei usar um estilo sóbrio, procurando relatar sua trajetória baseada em fatos (ou suas respectivas versões, que ainda são fatos), lidos aqui e ali. Mas o filho se impunha a mim de um jeito totalmente diferente: como personagem, invenção por certo produzida pelo contato com os fatos de sua vida, mas a partir dos quais eu construía uma figura filial que expressava, paradoxalmente, amor e ódio, ressentimento e devoção.
Resisti o quanto pude. Na primeira versão do livro, totalmente abandonada, deixei-o de fora. O tempo passou e, sem saber o que e como escrever, caiu em minhas mãos um livro de crônicas, O Homem que Passa, um dos poucos publicados por José do Patrocínio Filho. Lá encontrei, entre suas inúmeras crônicas, uma que falava sobre seu pai. Foi a gota d’água. Sua presença se impôs e dei-me por vencida. Há coisas sobre as quais um autor não tem controle.
Escrevi então uma segunda versão que acolheu de certa forma a presença do filho, versão esta que dormiu na gaveta por cerca de dois anos, mais ou menos.
Um dia, relendo a última versão, surgiu a forma atual do livro. Nela, dei a José do Patrocínio Filho o que lhe era de direito. O direito a uma fala não subalterna, independente. O texto tem a força de uma confissão pessoal, íntima, de um filho perante a memória de um pai já morto há muitos anos que ainda impunha sua presença. Um acerto de contas. Não há aqui nenhum compromisso com a verdade. Embora com algum pé em fatos, este é um José do Patrocínio Filho que inventei ou que se inventou para mim. Mas, estranhamente, me aparecendo tão real e verdadeiro – a verdade do que se inventa – quanto o texto que eu tentava escrever sobre seu pai. Assim, pude dar-lhe vida. Sua fala aparece logo na primeira parte do livro, sob o título O longo adeus.
Depois, abre-se o livro sobre o pai: um texto que se pretende claro, didático até, onde a emoção e o comprometimento do autor procuram se esconder, para passar ao leitor apenas o percurso de uma trajetória. Nele dou prevalência aos fatos de sua vida pessoal, devidamente documentados nos livros e artigos que li.
Creio que, ao fim, compreendi este homem singular. Espero que os leitores também possam amá-lo e compreendê-lo. Sua vida trágica, com seus momentos de comédia. Uma vida marcada pela glória e pela decadência. Um homem que viveu entre a obstinação da vontade e os desígnios do fado e do destino, se existirem. Que fez da paixão o fundamento da ação.
Enfim, exemplo vivo da condição humana: frágil, bela e provocadora.
SALMO I
José do Patrocínio Filho
Eu sou filho de um Rei, de um Deus, de um
Potentado,
Que empunha erectamente o Cetro do
Talento.
Sou nobre e lá no etéreo azul do Firmamento
Eu tenho o meu Castelo em nuvens assentado.
E o meu Castelo ideal, como um sonho
doirado,
Lembra o nobre Alcazar, como um nababo
opulento
E resplandece no Alto esse estranho Portento,
Como o altar-mor de um Templo em festa
iluminado.
E quando o meu Senhor, meu Rei, meu Pai,
meu Tudo,
Entra no meu solar, coroado de louro,
Fica cheio de sons o Castelo que é mudo...
E as musas vêm cantar, os cabelos desnastros,
E os rijos seios nus... E então, por entre o
coro,
Meu Castelo parece o Serralho dos Astros.
O LONGO ADEUS
Afastou-se um pouco para que Antoinette passasse à sua frente, deixando um rastro adocicado de perfume. Fechou cuidadosamente a porta atrás de si e permaneceu imóvel, envolto na penumbra.
Manteve-se mudo, durante todo o trajeto, do teatro Politeama até o hotel. Antoinette, desassossegada - não era comum ele permanecer calado tanto tempo - segurava-lhe as mãos, como se o simples contato pudesse fazê-la descobrir por que uma sombra cobria-lhe o rosto.
Não devia estar pensando nos aplausos que invariavelmente se seguiam ao término de suas conferências, pensou. Era bom nisso, não importava o tema. Não fora aplaudido em plena Montparnasse, quando, em francês perfeito, dirigiu-se ao povo de sua amada Paris, para defender os anarquistas Sacco e Vanzetti, fazendo o elogio da liberdade e da comunhão entre os homens?
Antoinette acendeu a luz do quarto e olhou-o mais uma vez, esperando que ele voltasse a ser o que sempre fora, uma criança travessa e irresponsável, por quem se apaixonara muitos anos atrás, quando o conheceu em Portugal, muito prazer, pode me chamar de Fon-Fon.
— Que tens?
José do Patrocínio Filho não respondeu. Arrastou até a janela a cadeira que havia ao lado de uma pequena mesa, onde se misturavam jornais e livros. Sentou-se.
Antoinette não insistiu. De há muito conhecia aquele homem e sabia como lidar com ele. À primeira vista, parecia que José queria apenas usufruir da paisagem que se descortinava ao longe, ou até mesmo observar o movimento do início da noite, quando as pessoas voltavam às suas casas, depois do trabalho, enquanto outras