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Psicologia e Direito no enfrentamento de problemáticas contemporâneas
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Psicologia e Direito no enfrentamento de problemáticas contemporâneas
E-book357 páginas4 horas

Psicologia e Direito no enfrentamento de problemáticas contemporâneas

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Sobre este e-book

Esta coletânea reúne textos de pesquisadores e profissionais de diferentes áreas, que abordam temáticas contemporâneas situadas no encontro entre a Psicologia e o Direito. Trata-se de um encontro cada vez mais pertinente no que diz respeito às relações humanas, tanto em contextos familiares quanto institucionais, uma vez que conteúdos emocionais e legais se entrelaçam em diversos aspectos das existências contemporâneas.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento27 de set. de 2022
ISBN9786557160732
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    Psicologia e Direito no enfrentamento de problemáticas contemporâneas - Cristiana Rezende Gonçalves Caneda

    Seção 1

    ADOÇÃO

    Capítulo I

    Preparando caminhos: o processo de estruturação de famílias e pretendentes em grupos de apoio à adoção

    Denise Falcke e Jussara Glória Rossato

    Introdução

    O assunto que envolve as questões relacionadas à adoção tem mobilizado debates polêmicos e controversos, tanto pela mídia quanto pelos pesquisadores em geral. Entretanto, cabe lembrar que o tema em questão ainda é permeado por mitos, estigmas e omissões, com modificações de ordem ética, política, social, jurídica, de costumes e comportamentos (SCORSOLINI-COMIN; AMATO; SANTOS, 2006). Na concepção de Otuka, Scorsolini-Comin e Santos (2012), o modo como a adoção é tratada nas diferentes culturas e nos diferentes momentos históricos varia de acordo com inúmeros aspectos sociais, como configurações familiares, sexualidade, nível socioeconômico, fertilidade e reprodução.

    Por sua vez, o ato de adotar é mediado por uma série de significados culturalmente construídos, que vão produzir configurações e desfechos diversificados, dependendo das distintas formas de se lidar com cada situação (SCORSOLINI-COMIN; AMATO; SANTOS, 2006). Nessa perspectiva, vale refletir sobre os sentidos que envolvem tornar-se pai ou mãe pela via adotiva e, ainda, sobre a necessidade de um preparo psicológico, emocional e ambiental de todos os envolvidos: adotantes e crianças ou adolescentes. Isso torna-se fundamental, já que a parentalidade transcende a ordem biológica, como assegura Lisondo (2010, p. 2): procriação humana é um ato simbólico, polissêmico e de relação com as gerações passadas e futuras. Pais e filhos encarnam a esperança de transcendência e a complexidade emocional que envolve o laço não biológico.

    De acordo com Levinzon (2006), há uma ampla gama de motivos que levam um casal a adotar uma criança ou adolescente: questões de infertilidade; pais que afirmam que sempre pensaram em adotar; a morte de um filho biológico; o contato com uma criança abandonada, o qual suscita o desejo de cuidar dela; o desejo de ter filhos quando já não é mais possível biologicamente; o parentesco com pais biológicos que não podem cuidar da criança; pessoas que não possuem um parceiro, mas querem exercer a parentalidade; o medo de uma gravidez; o argumento de que há muitas crianças necessitadas e é melhor adotá-las do que pôr mais crianças no mundo. Esse contexto, de diversas motivações, muitas vezes expressa um significado oculto, que permeia o desejo pela adoção. Assim, entende-se que a busca por um filho convida a pensar nas complexas configurações inconscientes que estão inscritas no ato de adotar. Ter um filho não é uma garantia de exercer a parentalidade (SCORSOLINI-COMIN; PEREIRA; NUNES, 2016).

    Em relação aos trâmites e legalização da adoção, na contemporaneidade, muitas transformações têm ocorrido para que as práticas legais da adoção sejam regulamentadas. Essas regulamentações se fazem necessárias para atender às demandas que envolvem os trâmites e a longa espera das famílias pretendentes e das crianças e adolescentes que se encontram em abrigos (MACHADO, 2014). Uma das mais importantes regulamentações foi a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em 1990, que constituiu um marco entre os regramentos jurídicos. O documento visa à proteção integral da criança, instituindo a adoção somente em caráter pleno, sendo irrevogável.

    Para que a adoção seja efetivada, é necessário que ocorra o desligamento da criança ou adolescente da sua família de origem. Enquanto não ocorrer esse desligamento, a criança ou adolescente não poderá ser adotada, permanecendo no abrigo ou local em que foi acolhida. Chaves (1994) pontua que, para que se estabeleça a relação de paternidade-filiação entre a família pretendente à adoção e o adotado, assim como um vínculo de parentalidade e filiação legítimas, faz-se necessário obedecer aos requisitos da lei. Nessa conjuntura, a lei prima sempre pelo bem-estar da criança ou adolescente. Quando se trata de encontrar uma família substituta, a lei que regulamenta esse processo é a Lei Federal nº 8.069/1990, em seu art. 28.

    Entretanto, para que o processo de adoção ocorra com sucesso e a retirada de uma criança ou adolescente do abrigo seja bem conduzida, não basta cumprir as obrigatoriedades legais. É oportuno realizar também todo um trabalho preparativo. Há a necessidade de uma preparação de todos os envolvidos no processo, ou seja, famílias e pretendentes, profissionais, crianças ou adolescentes. A existência de uma rede de apoio é relevante, já que, por meio dela, pode ser desenvolvido um trabalho amplo com crianças ou adolescentes que estão à espera da adoção. Outro aspecto a ser considerado inclui o entendimento de que a adoção se realiza com o envolvimento de diferentes atores, que possuem uma história singular – as crianças ou adolescentes, por exemplo, podem trazer registros traumáticos de abandonos. Por outro lado, as famílias – ou pretendentes à adoção – também têm suas histórias peculiares, e, nesse contexto, todos devem se preparar para o desafio da adoção (GOES, 2014). Nessa perspectiva, entende-se que os adultos, as crianças ou adolescentes e os profissionais envolvidos nos processos de adoção necessitam de preparação para que o processo se desenvolva de forma saudável e o vínculo parental e filial se concretize. Para tal, os grupos de apoio à adoção são espaços que merecem destaque como possibilidade de acompanhamento e auxílio nesse processo e serão foco de atenção do presente capítulo.

    Adoção: potencialidades e desafios

    A adoção é um tema que tem mobilizado a sociedade contemporânea. Nessa perspectiva, o desejo pela parentalidade tem sido compartilhado por muitas pessoas na sociedade. As estatísticas têm mostrado que há um aumento cada vez maior de pretendentes à adoção. No entanto, a demora pela regularização dos trâmites legais exigidos para a efetivação da adoção deixa muitas crianças à espera pela colocação em uma família substituta.

    Um dos aspectos apontados com maior frequência à opção pela adoção, por parte dos pretendentes, está relacionado ao fato de que a busca por uma criança irá reparar uma situação de infertilidade. Esse desejo de ter um filho vem carregado de um investimento narcísico (RIBEIRO, 2006). Nessa perspectiva, Alvarenga e Bittencourt (2013) lembram o quanto um projeto de adoção revela, além do desejo explicitado de ter um filho, necessidades específicas de cada sujeito, reflexos de sua história psíquica, que repercutirão na relação a ser estabelecida com a criança. Além disso, o ato de adotar não consiste em ter pena de uma criança, resolver situações de casal em conflito, remediar a esterilidade ou ainda encontrar conforto para a solidão. Pelo contrário, a adoção é uma experiência humana complexa, assim como toda paternidade/maternidade, porque envolve a construção de um ser e, mais do que isso, a construção de um ser-filho (GRANATO, 2006).

    É bem verdade que a adoção, ao longo da história, passou por inúmeras modificações. Em diferentes tempos históricos, encontra-se o registro de pais que, por diversas razões, abandonaram ou entregaram seus filhos para outras pessoas cuidarem, assim como os que criavam os filhos de outros (LEVY; PINHO; FARIA, 2009). De acordo com Levinzon (2006, p. 24), a adoção pode ser definida como o estabelecimento de relações parentais entre pessoas que não estão ligadas por vínculos biológicos diretos. É uma forma de proporcionar uma família às crianças que não puderam ser criadas pelos pais que a geraram. Nesse sentido, para que a adoção seja efetivada, deve ocorrer o desligamento da filiação biológica. A autora adverte que uma boa preparação é fundamental para o sucesso entre todos os envolvidos. Essa preparação é realizada por profissionais de áreas multidisciplinares, e recomenda-se que os pretendentes à adoção tenham clareza de quais motivações os levam a adotar uma criança, pois, quando essas motivações não estão bem acertadas, podem representar futuros entraves no relacionamento com a criança (LEVINZON, 2006).

    No processo de candidatura à adoção, a legislação brasileira habilita qualquer pessoa maior de 21 anos, independentemente do estado civil, a adotar um filho, respeitando uma diferença mínima de 16 anos entre adotante e adotado e ausência de parentesco, devendo o candidato à adoção se submeter a um parecer técnico e/ou do juiz (BRASIL, 1990). Outro aspecto relevante para que seja possível a efetivação da adoção são os trâmites legais. A adoção de crianças e adolescentes é regida pela Lei nº 8.069/1990 (ECA) e atribui a condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo com seus pais e parentes biológicos, salvo os impedimentos matrimoniais (LEVY; PINHO; FARIA, 2009).

    Assim, a adoção é uma forma de filiação instituída por lei, de caráter irrevogável, que coloca pais e filhos em condições idênticas de filiação e paternidade biológica (MENDES, 2007). Ainda que exista o caráter irrevogável da adoção, a realidade tem evidenciado inúmeros casos de crianças que retornam ao abrigamento mesmo após a adoção ter sido concretizada (LEVY; PINHO; FARIA, 2009; OTUKA; SCORSOLINI-COMIN; SANTOS, 2012; ROSSATO; FALCKE, 2017a). A literatura tem nomeado esse fenômeno como devolução na adoção, mas entende-se que a utilização do termo devolução é um equívoco, pois leva a pensar que um ser humano (criança e/ou adolescente) possa ser considerado como um produto que não atendeu às expectativas (ROSSATO; FALCKE, 2017b). Na realidade, quando a criança retorna ao abrigo após a adoção, existe um novo abandono, que pode ter consequências ainda mais deletérias, haja vista a reedição da experiência prévia de ter sido abandonada/rejeitada.

    Sendo assim, o processo de adoção revela-se como um dos mais importantes na área da infância e da juventude, visto que objetiva a colocação da criança ou adolescente em lar substituto, de forma definitiva e irrevogável. Revela-se, dessa forma, como um processo que requer conhecimento da lei, compreensão do desenvolvimento emocional do ser humano a partir do início da vida e experiência no estudo social do caso (WEBER, 2004), a fim de minimizar o insucesso nos casos de adoção.

    Para além dos aspectos legais, que se fazem necessários para a regulamentação do ato de adotar, há outros considerados fundamentais: os desejos ocultos e as questões inconscientes na vontade de ter filhos, que motivam a busca pela adoção. A literatura indica a existência de um fenômeno chamado gestação adotiva, vivenciado pelos pais adotantes. A gestação adotiva é singular, longa e sutil, por não produzir mudanças no corpo da mulher e não ser visível aos olhos dos outros. Por isso, é mais simbólica do que uma gravidez biológica, suscitando, em consequência dessas peculiaridades, mais angústias e fragilidades. Os pais adotivos passam por um processo de construção e internalização da identidade de pais e do direito de exercer a parentalidade de seu filho adotivo (HUBER; SIQUEIRA, 2010). Como assegura Lisondo (2010, p. 2):

    A clínica revela que pode haver mandatos inconscientes transmitidos de uma geração para outra, proibições, inibições, pavores atávicos, lutos não elaborados, um persistente trabalho psíquico de desligamento da vida – esterilidade mental – que dificultam ou impedem a procriação biológica e psíquica. A parentalidade transcende a ordem do biológico. É um fenômeno psíquico. Ter um filho não é garantia de vir a ser pai.

    Desse modo, salienta-se que um filho biológico ou adotivo exige uma preparação e reflexão sobre os riscos, inseguranças e frustrações. Tornar-se pai e mãe pelo viés da adoção inclui múltiplos sentidos, já que a sociedade criou uma representação social de que a verdadeira mãe é aquela que gerou o filho em seu próprio corpo. Levy e Jonathan (2004) asseguram que a parentalidade com filhos adotivos é carregada de grande sentimento de insegurança quanto ao lugar que essa criança ou adolescente irá ocupar, bem como em relação ao papel de ser pai ou mãe junto à criança ou adolescente.

    Muitas vezes, essa insegurança vem demarcada pelo preconceito vinculado às questões da adoção. Levinzon (2006) pontua que alguns pais adotivos não se consideram com direitos sobre a guarda dos filhos e isso potencializa a representação equivocada de que a família biológica é real, enquanto a adotiva estará usurpando a criança de seus pais. Há uma crença de que os filhos biológicos vêm ao mundo com seguro e garantia, enquanto os adotivos trazem o estigma da rejeição (WEBER, 2004).

    Conforme Levinzon (2006, p. 26), o fato de a mãe adotiva ter ‘ganhado um bebê’ ao invés de ter ‘tido um bebê’ tem fortes implicações nas representações inconscientes que ela faz de si mesma e da criança a ser adotada. Essas representações irão influenciar as relações que essa mãe estabelecerá com a criança. Ainda, de acordo com Levinzon (2006, p. 27), o medo de perder o filho aparece como um fantasma permanente, em graus diferentes, nas famílias adotivas.

    Lisondo (2010) enfatiza que, no processo analítico, as marcas inconscientes podem ser nomeadas, ressignificadas, reveladas e transformadas, através do trabalho psíquico de elaboração. A autora percebe desafios específicos para a criança ou adolescente adotado, assim como para os pais:

    A questão da verdade sobre a origem da vida que seja alimento para a mente humana em um vínculo amoroso, ao invés das mentiras e silêncios, num vínculo parasitário como em Édipo. [...] a delicada complexidade em jogo na adoção, tanto para os pais como para o filho. A adoção exige dos pais adotivos um árduo trabalho de elaboração psíquica. A estrutura mental destes pais é crucial no destino do bebê adotado, que precisa ocupar um espaço mental firme, consistente e esperançoso na realidade psíquica do casal. (LISONDO, 1999, p. 1).

    Desse modo, reitera-se a importância de um trabalho preventivo, que precisa ser instaurado para evitar as possíveis consequências traumáticas dos insucessos nas adoções. Diante desse contexto, ressalta-se a necessidade de identificar e trabalhar os conflitos que surgem nessa conjuntura, para que não haja influência nas relações com a criança a ser adotada. A busca por orientações, assim como por um grupo de apoio aos pretendentes à adoção, possibilitará revisitar sentimentos acerca de si mesmos, de modo que os pais possam proporcionar à criança a ser adotada um ambiente favorável e, assim, possam exercer uma saudável função parental.

    Os grupos de apoio à adoção

    Como já mencionado anteriormente, para que o processo de adoção ocorra com sucesso, é necessário que haja uma rede de apoio, a qual possa desenvolver um trabalho amplo com os pretendentes à adoção de uma criança ou adolescente. Desse modo, a proposta dos grupos de apoio é fundamental para a superação dos mitos e preconceitos relacionados à adoção, já que pode fornecer orientação, proteção e amparo aos candidatos habilitados a adotar. Ovando e Pinto (2009, p. 18) asseguram que:

    Esses grupos são compostos por pretendentes a adoção com o apoio de profissionais como psicólogos, assistentes sociais, advogados, educadores, entre outros e que trabalham, na maioria das vezes, voluntariamente. Os profissionais têm como objetivos dar informações e orientações aos candidatos, dar atendimento psicológico aos pretendentes, aos pais adotivos e às crianças adotadas, dar assistência jurídica, bem como promover encontros e reuniões com pais que já adotaram para que haja uma troca de experiências.

    Nesse sentido, uma família pretendente à adoção, estando bem-preparada e recebendo um acompanhamento adequado, consegue enfrentar a espera e aguardar pela chegada da criança ou adolescente com segurança. Assim, um grupo é de grande importância, pois irá preparar e dar acompanhamento a todos os envolvidos nesse processo, apoiando, auxiliando e orientando-os. Sobre os grupos, Ovando e Pinto (2009, p. 19) referem que:

    Esses grupos buscam dar sua contribuição à causa infantojuvenil, especialmente através do instituto da adoção, cujos objetivos são: - atender às necessidades de crianças e adolescentes abandonados, disponíveis para adoção, dos pretendentes à adoção, dos pais e dos filhos adotivos; - prestar assessoria psicológica, social, pedagógica e jurídica; - desenvolver, participar, incentivar estudos, pesquisas, publicações e debates relativamente à convivência familiar e comunitária, preparando a sociedade brasileira também para alternativa de construção de uma família baseada na relação adotiva, menos preconceituosa; - incentivar as adoções consideradas difíceis, tardias, inter-raciais, de crianças com problemas de saúde ou grupos de irmãos. São promovidas reuniões temáticas, democráticas e interessantes, onde são trocadas experiências entre os participantes, pais adotivos, ou com aqueles que tenham algum interesse acerca da adoção.

    Ardans-Bonifacino et al. (2010) evidenciam que pais adotivos poderão apresentar maior dificuldade com a adaptação e chegada da criança ou adolescente a ser adotado, já que, conforme aponta Levinzon (2006), todo pai e toda mãe passam pela fase de aceitação e reconhecimento de um(a) filho(a). Nesse sentido, poderão surgir medos e inseguranças por parte dos adotantes, devido a diversos mitos e expectativas que fazem parte do contexto da adoção. Essa constatação evidencia o quanto é necessária e importante uma preparação e acompanhamento durante o processo (ARDANS-BONIFACINO et al., 2010).

    Para atender a essa demanda, na década de 1990, surgiram os Grupos de Apoio à Adoção (GAAs). Inclusive, o ECA prevê um trabalho de preparação e acompanhamento da criança e das famílias durante todo o processo. Scorsolini-Comin, Amato e Santos (2006) argumentam que a possibilidade de reunir pessoas que vivem essa condição parece ser uma oportunidade privilegiada para se criar um contexto propício para o intercâmbio de experiências e examinar os sentimentos e emoções despertados até que se possa efetivar a adoção.

    A literatura traz o reconhecimento do trabalho grupal ao afirmar que as configurações de vínculo, que se formam no contexto dos novos arranjos familiares da contemporaneidade, oferecem um campo potencial de trabalho para os profissionais que reconhecem o valor do grupo. Existem fatores terapêuticos que são elementos na terapia grupal, responsáveis por auxiliar na melhoria das condições dos membros do grupo (SCORSOLINI-COMIN; AMATO; SANTOS, 2006). Esses mesmos autores, citando Yalom e Vinogradov (1992), descrevem

    [...] onze fatores terapêuticos que poderiam estar presentes nos grupos terapêuticos, sendo eles: instilação de esperança; universalidade; oferecimento de informações; altruísmo; desenvolvimento de técnicas de socialização; comportamento imitativo; catarse; reedição corretiva do grupo familiar primário; fatores existenciais; coesão do grupo; aprendizagem intergrupal (YALOM; VINOGRADOV, 1992 apud SCORSOLINI-COMIN; AMATO; SANTOS, 2006, p. 44).

    Diante do exposto, entende-se que a prática de um grupo de apoio às famílias pretendentes à adoção, conforme descrito na literatura, tem se mostrado eficaz na preparação desses pretendentes. É importante que essa prática seja ampliada e divulgada nas comunidades, pois trata-se de uma ferramenta fundamental para a eficácia do processo adotivo.

    Nesse contexto, os grupos de apoio defendem a ideia de que a adoção, como fenômeno das relações humanas, precisa estar presente em todos os contextos sociais e familiares, constituindo-se em um fundamento da convivência. Toda família, independentemente de sua composição, precisa estar alicerçada no afeto, sendo, portanto, adotiva. Os pais verdadeiros são aqueles que adotam afetivamente os seus filhos, inclusive os biológicos (SOUZA, 2008).

    A sociedade precisa ser educada para o exercício da atitude adotiva, reconhecendo o respeito incondicional ao direito de cada pessoa à sua singularidade como o caminho para facilitar o entendimento e aceitação dos novos modelos de família. A atitude adotiva é um conceito que pode ser ampliado a outros contextos sociais, ambientais e ecológicos, sensibilizando as pessoas para a prática da cidadania, o respeito ao próximo e sua diferença e a consciência ecológica e ambiental. Nesse sentido, os grupos de apoio à adoção são instrumentos fundamentais para a divulgação de novas perspectivas sobre a adoção.

    Muitas temáticas podem ser abordadas e discutidas nesses espaços, tais como a destituição do poder familiar, a legislação sobre adoção, os tipos de adoção, o perfil de crianças e candidatos à adoção, a ambiência para a chegada da criança ou adolescente, a reorganização familiar com a chegada da criança ou adolescente, a dualidade filho ideal × filho real, o vínculo parental e filial, as dificuldades e desafios no processo de adoção, entre outras. A participação nos grupos possibilita o contato com pessoas que incentivam e apoiam a adoção, demonstrando a importância desse espaço no sentido de oferecer suporte emocional e informações às famílias e pretendentes à adoção. Levinzon (2006), ao considerar os aspectos psicológicos da adoção, considera que não só criança, mas também os pretendentes necessitam de preparo, já que o desejo pela parentalidade é perpassado por expectativas, medos, inseguranças, entre outros sentimentos que envolvem cuidados e atenção. Nesse sentido, o grupo é um espaço para que os participantes possam compartilhar suas angústias, inseguranças, questionamentos e receber informações e orientações sobre como lidar tanto com os aspectos emocionais quanto com as exigências legais, que muitas vezes são os maiores entraves para a efetivação da adoção.

    A literatura aponta que o ato de adotar envolve questões interdisciplinares nos campos da Psicologia, do Direito e da Assistência Social, tendo em vista que, além dos aspectos legais, há os aspetos emocionais que permeiam esse processo. Andrade, Costa e Rossetti-Ferreira (2006) enfatizam que os processos de adoção têm passado por alterações, tanto no âmbito da lei quanto no imaginário popular. Nessa perspectiva, há duas questões que necessitam de atenção: mitos e motivações.

    No entender de Scorsolini-Comin, Amato e Santos (2006), embora a temática da adoção tenha passado por muitas transformações, ainda é permeada por mitos, estigmas e omissões, que necessitam ser trabalhadas. Muitos pretendentes e famílias que se cadastram para a habilitação à adoção não têm clareza do que representa esse procedimento. Além disso, é importante atentar para as motivações que levam uma pessoa a querer adotar. Scorsolini-Comin, Pereira e Nunes (2016) asseguram que um dos motivos mais prevalentes na busca pela adoção é a infertilidade. Muitas vezes, a dificuldade em gerar um filho biologicamente representa para os pais uma ferida narcísica, que precisa ser superada. Ghirardi (2009), ao abordar os aspectos da subjetividade dos pais adotivos que passaram pelo processo de devolução, averiguou que, devido à ferida aberta no narcisismo parental, os conflitos eram potencializados, gerando sentimentos de incapacidade. Um acompanhamento pré e pós-adoção torna-se essencial para que se possa identificar os sentimentos das pessoas que adotam, prevenindo dificuldades que possam surgir nesse processo e que possam culminar na desistência da adoção.

    Scorsolini-Comin, Amato e Santos (2006) referem que inúmeras fantasias e preconceitos permeiam o processo de adoção, gerando o sentimento de culpa e, consequentemente, o

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