Guardas de passagem de nível
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Sobre este e-book
Carlos Cipriano
Carlos Cipriano nasceu em 1963 no Bombarral. Licenciado em Economia pelo ISE, é professor e jornalista. Foi correspondente do Diário de Notícias e escreveu nas revistas Sábado, Dirigir e Le Rail. É colaborador do Público desde 1991 e director-adjunto da Gazeta das Caldas.
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Guardas de passagem de nível - Carlos Cipriano
Guardas de passagem de nível
Este livro é um retrato de uma profissão em vias de extinção - a de guarda de passagem de nível. Fala sobre mulheres que trabalham à beira da via férrea, por vezes em sítios remotos e inóspitos, e que têm por missão assegurar que os comboios passem em segurança pelos atravessamentos rodoviários. É um livro com retalhos da história dos caminhos-de-ferro inferidos dos testemunhos e dos relatos de mulheres que, pelas suas histórias de vida - algumas dramáticas - nos mostram como é a vida de quem ocupa o posto mais baixo na hierarquia dos caminhos-de-ferro. Personagens anónimas num trabalho solitário e quase invisível, são heroínas anónimas da segurança de pessoas e de bens: a bandeira ou a lanterna que erguem à passagem do comboio sinaliza a certeza de que a composição ali pode passar sem perigos.
É também um trabalho pouco valorizado, solitário, feito de turnos, rotinas, onde o cumprimento rígido dos regulamentos e uma infalibilidade sobre-humana é fundamental para a segurança
O autor faz também uma incursão na vida dos ferroviários e num caminho-de-ferro que está a desaparecer: o cantonamento telefónico, as linhas onde a modernização ainda não chegou, ou que estarão um dia para fechar, e onde a segurança da circulação depende essencialmente de meios humanos.
Carlos Cipriano
Carlos Cipriano nasceu em 1963 no Bombarral. Licenciado em Economia pelo ISE, é professor e jornalista. Foi correspondente do Diário de Notícias e escreveu nas revistas Sábado, Dirigir e Le Rail. É colaborador do Público desde 1991 e director-adjunto da Gazeta das Caldas.
Retratos*
* A colecção Retratos da Fundação traz aos leitores um olhar próximo sobre a realidade do país. Portugal contado e vivido, narrado por quem viu – e vê – de perto.
Guardas de passagem de nível
Carlos Cipriano
logo.jpglogo.jpgLargo Monterroio Mascarenhas, n.º 1, 8.º piso
1099-081 Lisboa
Portugal
Correio electrónico: ffms@ffms.pt
Telefone: 210 015 800
Título: Guardas de passagem de nível
Autor: Carlos Cipriano
Director de publicações: António Araújo
Revisão de texto: Susana Vieira
Design: Inês Sena
Paginação: Guidesign
© Fundação Francisco Manuel dos Santos e Carlos Cipriano, Fevereiro de 2017
O autor desta publicação não adoptou o novo Acordo Ortográfico.
As opiniões expressas nesta edição são da exclusiva responsabilidade do autor e não vinculam a Fundação Francisco Manuel dos Santos.
A autorização para reprodução total ou parcial dos conteúdos desta obra deve ser solicitada ao autor e ao editor.
Edição eBook: Guidesign
ISBN 978-989-8838-96-4
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Ao meu pai, Valdemar Cipriano, ferroviário.
Introdução
A mulher do xaile
A guarda de PN
Orgulho-me muito da minha profissão
Uma profissão tão antiga como o caminho-de-ferro
O turno da noite em Santarém
Das barreiras sempre fechadas às PN automáticas
O susto de Miramar
Habituei-me a estar sozinha
Isto no Vouga é um descanso
Entre o Douro e o Minho
Acidentes
A última guarda da linha do oeste
O comboio a 10 à hora
Uma profissão invisível
Faço o que me mandarem e para onde me mandarem
A conquista dos direitos
Na primeira pessoa
Agradecimentos
Introdução
Está o oitenta e sete? O oitenta e oito? O noventa? O noventa e dois? O noventa e três? Atenção ao comboio 4111 que vem à tabela
.
Ouvi o meu dizer pai dizer isto inúmeras vezes ao telefone. Em pequenino quando brincava na estação do Bombarral, em criança quando, de bicicleta, lhe ia levar o jantar que ele comia no intervalo entre dois comboios, em adolescente quando eu próprio ia apanhar um comboio ou o visitava no trabalho. Enquanto factor, e, mais tarde, chefe de estação, com a antecedência de dez minutos a adiantar-se à chegada ou à passagem do comboio, o meu pai telefonava para as guardas de passagem de nível entre o Bombarral e as estações de Outeiro da Cabeça e S. Mamede. Chamava-as, uma a uma, pelo número do quilómetro ao qual estavam de serviço. E, uma a uma, respondiam: Oitenta e sete, entendido, oitenta e oito, entendido, noventa, entendido, noventa e dois, entendido, noventa e três, entendido
.
Depois o comboio chegava e voltava a partir. E o meu pai voltava a avisar as guardas de que este já tinha saído do Bombarral. Nos seus postos, uma a uma, consoante os minutos previstos da passagem da composição, elas fechavam as cancelas.
O trabalho do factor não se esgotava no aviso às passagens de nível. Era preciso pedir avanço às estações colaterais e dar horas a Lisboa
. Muito antes do comboio chegar, os ferroviários desdobravam-se em telefonemas, todos registados minuciosamente em livros próprios que mais tarde os inspectores conferiam.
Na maior parte das linhas em Portugal, até aos anos noventa, a segurança das circulações ferroviárias dependia unicamente de meios humanos. O comboio era um grande senhor ao qual todos prestavam vassalagem – para mais, numa linha de via única – cuidando de todos os procedimentos regulamentares para que os cruzamentos se efectuassem em segurança e jamais uma composição partisse sem ter o avanço da estação seguinte e sem que as guardas de passagem de nível estivessem avisadas.
Além destas tarefas relacionadas com a circulação dos comboios, havia ainda a venda de bilhetes na estação, as informações aos passageiros, o despacho das bagagens, a contabilidade, a manutenção dos equipamentos (lanternas, sinais, telefones, balanças, aparelhos de via). Uma profissão multifacetada e sujeita a regulamentos rígidos.
Mas era, sem dúvida, a circulação dos comboios a actividade de maior responsabilidade e a que mais stress (numa época em que esta palavra não entrara ainda no léxico corrente) provocava nos ferroviários.
Longe das estações, em modestas casetas à beira da linha, por vezes sem água nem electricidade, havia um autêntico exército de ferroviárias que cumpriam turnos de 12 e até de 24 horas de vigília aos comboios. Os monstros de ferro passavam velozes por elas, sem que os seus passageiros sonhassem sequer que, por segundos, a sua segurança estivera nas mãos daquelas mulheres.
É em homenagem a estas profissionais esquecidas, hoje em vias de extinção, e também aos que nas estações zelam pela segurança dos comboios, que este livro é escrito.
A mulher do xaile
Maria Dolorosa Abrunheiro Breda tinha 34 anos quando entrou na CP. Corria o ano de 1985. Tinha cinco filhos e um marido com um magro salário. Trabalhava no campo e fazia limpezas. E sonhava com um ordenado fixo no fim do mês.
Foi a proximidade da casa onde vivia, em Picheleiro, nos arredores de Leiria, com uma caseta (residência onde viviam as guardas de passagem de nível) que lhe mudou a vida. Falou com a vizinha que guardava as cancelas e esta sugeriu-lhe que falasse com o chefe de distrito
(responsável pela manutenção de um troço de via férrea). Maria Dolorosa assim fez e em breve estava na Junta Médica na Figueira da Foz e depois a fazer exames psicotécnicos em Lisboa para poder ser guarda substituta.
Foi aceite. Fez o seu primeiro serviço no dia 1 de Novembro de 1985 na PN 159,028 da linha do Oeste.
As passagens de nível – que os ferroviários designam sempre por PN – são identificadas não pelas localidades onde se inserem, mas pelo quilómetro da linha de caminho-de-ferro onde se situam. O Km 159,028, que Maria Dolorosa diz com precisão de ferroviária, fica entre a Marinha Grande e Leiria e era um atravessamento rodoviário estreito, com algum trânsito que ali passava atravancado.
Eu estava um bocado nervosa e tinha medo de deixar a cancela aberta. E quando o chefe da Marinha Grande me avisou que ia sair um comboio eu fui logo fechar a cancela
.
Em rigor, deveria esperar uns cinco ou dez minutos após o aviso do chefe da estação antes de barrar o trânsito. Trata-se de um tempo regulamentado, calculado com uma grande margem de segurança. Mas Maria estava nervosa.
"Houve motoristas que refilaram, até porque dali via-se a PN do 159,507 e a minha colega ainda não a tinha fechado. Mas eu disse: ‘olhe, eu sou substituta, hoje é o meu primeiro dia e eu não quero que aconteça nada. Ainda por cima hoje é feriado e portanto vocês