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Guardas de passagem de nível
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E-book117 páginas1 hora

Guardas de passagem de nível

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Sobre este e-book

Este livro é um retrato de uma profissão em vias de extinção - a de guarda de passagem de nível. Fala sobre mulheres que trabalham à beira da via férrea, por vezes em sítios remotos e inóspitos, e que têm por missão assegurar que os comboios passem em segurança pelos atravessamentos rodoviários. É um livro com retalhos da história dos caminhos-de-ferro inferidos dos testemunhos e dos relatos de mulheres que, pelas suas histórias de vida - algumas dramáticas - nos mostram como é a vida de quem ocupa o posto mais baixo na hierarquia dos caminhos-de-ferro. Personagens anónimas num trabalho solitário e quase invisível, são heroínas anónimas da segurança de pessoas e de bens: a bandeira ou a lanterna que erguem à passagem do comboio sinaliza a certeza de que a composição ali pode passar sem perigos. É também um trabalho pouco valorizado, solitário, feito de turnos, rotinas, onde o cumprimento rígido dos regulamentos e uma infalibilidade sobre-humana é fundamental para a segurança. O autor faz também uma incursão na vida dos ferroviários e num caminho-de-ferro que está a desaparecer: o cantonamento telefónico, as linhas onde a modernização ainda não chegou, ou que estarão um dia para fechar, e onde a segurança da circulação depende essencialmente de meios humanos.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento1 de fev. de 2017
ISBN9789898838964
Guardas de passagem de nível
Autor

Carlos Cipriano

Carlos Cipriano nasceu em 1963 no Bombarral. Licenciado em Economia pelo ISE, é professor e jornalista. Foi correspondente do Diário de Notícias e escreveu nas revistas Sábado, Dirigir e Le Rail. É colaborador do Público desde 1991 e director-adjunto da Gazeta das Caldas.

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    Guardas de passagem de nível - Carlos Cipriano

    Guardas de passagem de nível

    Este livro é um retrato de uma profissão em vias de extinção - a de guarda de passagem de nível. Fala sobre mulheres que trabalham à beira da via férrea, por vezes em sítios remotos e inóspitos, e que têm por missão assegurar que os comboios passem em segurança pelos atravessamentos rodoviários. É um livro com retalhos da história dos caminhos-de-ferro inferidos dos testemunhos e dos relatos de mulheres que, pelas suas histórias de vida - algumas dramáticas - nos mostram como é a vida de quem ocupa o posto mais baixo na hierarquia dos caminhos-de-ferro. Personagens anónimas num trabalho solitário e quase invisível, são heroínas anónimas da segurança de pessoas e de bens: a bandeira ou a lanterna que erguem à passagem do comboio sinaliza a certeza de que a composição ali pode passar sem perigos.

    É também um trabalho pouco valorizado, solitário, feito de turnos, rotinas, onde o cumprimento rígido dos regulamentos e uma infalibilidade sobre-humana é fundamental para a segurança

    O autor faz também uma incursão na vida dos ferroviários e num caminho-de-ferro que está a desaparecer: o cantonamento telefónico, as linhas onde a modernização ainda não chegou, ou que estarão um dia para fechar, e onde a segurança da circulação depende essencialmente de meios humanos.

    Carlos Cipriano

    Carlos Cipriano nasceu em 1963 no Bombarral. Licenciado em Economia pelo ISE, é professor e jornalista. Foi correspondente do Diário de Notícias e escreveu nas revistas Sábado, Dirigir e Le Rail. É colaborador do Público desde 1991 e director-adjunto da Gazeta das Caldas.

    Retratos*

    * A colecção Retratos da Fundação traz aos leitores um olhar próximo sobre a realidade do país. Portugal contado e vivido, narrado por quem viu – e vê – de perto.

    Guardas de passagem de nível

    Carlos Cipriano
    logo.jpglogo.jpg

    Largo Monterroio Mascarenhas, n.º 1, 8.º piso

    1099-081 Lisboa

    Portugal

    Correio electrónico: ffms@ffms.pt

    Telefone: 210 015 800

    Título: Guardas de passagem de nível

    Autor: Carlos Cipriano

    Director de publicações: António Araújo

    Revisão de texto: Susana Vieira

    Design: Inês Sena

    Paginação: Guidesign

    © Fundação Francisco Manuel dos Santos e Carlos Cipriano, Fevereiro de 2017

    O autor desta publicação não adoptou o novo Acordo Ortográfico.

    As opiniões expressas nesta edição são da exclusiva responsabilidade do autor e não vinculam a Fundação Francisco Manuel dos Santos.

    A autorização para reprodução total ou parcial dos conteúdos desta obra deve ser solicitada ao autor e ao editor.

    Edição eBook: Guidesign

    ISBN 978-989-8838-96-4

    Conheça todos os projectos da Fundação em www.ffms.pt

    Ao meu pai, Valdemar Cipriano, ferroviário.

    Introdução

    A mulher do xaile

    A guarda de PN

    Orgulho-me muito da minha profissão

    Uma profissão tão antiga como o caminho-de-ferro

    O turno da noite em Santarém

    Das barreiras sempre fechadas às PN automáticas

    O susto de Miramar

    Habituei-me a estar sozinha

    Isto no Vouga é um descanso

    Entre o Douro e o Minho

    Acidentes

    A última guarda da linha do oeste

    O comboio a 10 à hora

    Uma profissão invisível

    Faço o que me mandarem e para onde me mandarem

    A conquista dos direitos

    Na primeira pessoa

    Agradecimentos

    Introdução

    Está o oitenta e sete? O oitenta e oito? O noventa? O noventa e dois? O noventa e três? Atenção ao comboio 4111 que vem à tabela.

    Ouvi o meu dizer pai dizer isto inúmeras vezes ao telefone. Em pequenino quando brincava na estação do Bombarral, em criança quando, de bicicleta, lhe ia levar o jantar que ele comia no intervalo entre dois comboios, em adolescente quando eu próprio ia apanhar um comboio ou o visitava no trabalho. Enquanto factor, e, mais tarde, chefe de estação, com a antecedência de dez minutos a adiantar-se à chegada ou à passagem do comboio, o meu pai telefonava para as guardas de passagem de nível entre o Bombarral e as estações de Outeiro da Cabeça e S. Mamede. Chamava-as, uma a uma, pelo número do quilómetro ao qual estavam de serviço. E, uma a uma, respondiam: Oitenta e sete, entendido, oitenta e oito, entendido, noventa, entendido, noventa e dois, entendido, noventa e três, entendido.

    Depois o comboio chegava e voltava a partir. E o meu pai voltava a avisar as guardas de que este já tinha saído do Bombarral. Nos seus postos, uma a uma, consoante os minutos previstos da passagem da composição, elas fechavam as cancelas.

    O trabalho do factor não se esgotava no aviso às passagens de nível. Era preciso pedir avanço às estações colaterais e dar horas a Lisboa. Muito antes do comboio chegar, os ferroviários desdobravam-se em telefonemas, todos registados minuciosamente em livros próprios que mais tarde os inspectores conferiam.

    Na maior parte das linhas em Portugal, até aos anos noventa, a segurança das circulações ferroviárias dependia unicamente de meios humanos. O comboio era um grande senhor ao qual todos prestavam vassalagem – para mais, numa linha de via única – cuidando de todos os procedimentos regulamentares para que os cruzamentos se efectuassem em segurança e jamais uma composição partisse sem ter o avanço da estação seguinte e sem que as guardas de passagem de nível estivessem avisadas.

    Além destas tarefas relacionadas com a circulação dos comboios, havia ainda a venda de bilhetes na estação, as informações aos passageiros, o despacho das bagagens, a contabilidade, a manutenção dos equipamentos (lanternas, sinais, telefones, balanças, aparelhos de via). Uma profissão multifacetada e sujeita a regulamentos rígidos.

    Mas era, sem dúvida, a circulação dos comboios a actividade de maior responsabilidade e a que mais stress (numa época em que esta palavra não entrara ainda no léxico corrente) provocava nos ferroviários.

    Longe das estações, em modestas casetas à beira da linha, por vezes sem água nem electricidade, havia um autêntico exército de ferroviárias que cumpriam turnos de 12 e até de 24 horas de vigília aos comboios. Os monstros de ferro passavam velozes por elas, sem que os seus passageiros sonhassem sequer que, por segundos, a sua segurança estivera nas mãos daquelas mulheres.

    É em homenagem a estas profissionais esquecidas, hoje em vias de extinção, e também aos que nas estações zelam pela segurança dos comboios, que este livro é escrito.

    A mulher do xaile

    Maria Dolorosa Abrunheiro Breda tinha 34 anos quando entrou na CP. Corria o ano de 1985. Tinha cinco filhos e um marido com um magro salário. Trabalhava no campo e fazia limpezas. E sonhava com um ordenado fixo no fim do mês.

    Foi a proximidade da casa onde vivia, em Picheleiro, nos arredores de Leiria, com uma caseta (residência onde viviam as guardas de passagem de nível) que lhe mudou a vida. Falou com a vizinha que guardava as cancelas e esta sugeriu-lhe que falasse com o chefe de distrito (responsável pela manutenção de um troço de via férrea). Maria Dolorosa assim fez e em breve estava na Junta Médica na Figueira da Foz e depois a fazer exames psicotécnicos em Lisboa para poder ser guarda substituta.

    Foi aceite. Fez o seu primeiro serviço no dia 1 de Novembro de 1985 na PN 159,028 da linha do Oeste.

    As passagens de nível – que os ferroviários designam sempre por PN – são identificadas não pelas localidades onde se inserem, mas pelo quilómetro da linha de caminho-de-ferro onde se situam. O Km 159,028, que Maria Dolorosa diz com precisão de ferroviária, fica entre a Marinha Grande e Leiria e era um atravessamento rodoviário estreito, com algum trânsito que ali passava atravancado.

    Eu estava um bocado nervosa e tinha medo de deixar a cancela aberta. E quando o chefe da Marinha Grande me avisou que ia sair um comboio eu fui logo fechar a cancela.

    Em rigor, deveria esperar uns cinco ou dez minutos após o aviso do chefe da estação antes de barrar o trânsito. Trata-se de um tempo regulamentado, calculado com uma grande margem de segurança. Mas Maria estava nervosa.

    "Houve motoristas que refilaram, até porque dali via-se a PN do 159,507 e a minha colega ainda não a tinha fechado. Mas eu disse: ‘olhe, eu sou substituta, hoje é o meu primeiro dia e eu não quero que aconteça nada. Ainda por cima hoje é feriado e portanto vocês

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