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Café Turco
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E-book469 páginas3 horas

Café Turco

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Sobre este e-book

Dois meio-irmãos em uma viagem à Turquia encaram uma aventura não planejada que mudaria a vida deles para sempre.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento16 de ago. de 2018
Café Turco

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    Pré-visualização do livro

    Café Turco - Guto Castro

    Capítulo 1

    A Noite Anterior

    Londres

    Quando ele tocou o cartão pré-pago na

    catraca do metrô já passava da meia-noite. O

    cartaz afixado próximo às escadas rolantes

    mostrava que o último trem em direção a

    Kings Cross passaria em 2 minutos. Ele

    apressou o passo, desceu os dois lances de

    escadas rolantes correndo, junto a ele vários

    outros corriam tentando chegar até a

    plataforma antes do trem. Pareciam fugir de

    algo, pareciam tentar escapar de uma

    catástrofe ou coisa do gênero.

    O trem chegou e estava lotado de pessoas

    barulhentas e cambaleantes, algumas

    vestidas em roupas de festa e muitas delas

    bêbadas. "Cuidado com o vão, cuidado com o

    vão" – dizia uma voz pelo alto falante. Ele

    entrou no vagão, pulando o vão – como se

    fosse uma distância quase intransponível, o

    trem fechou suas portas e partiu. A pequena

    porta que ligava um vagão ao outro foi aberta

    espalhafatosamente. Um homem alto, magro,

    com barba por fazer, sujo, bem sujo e

    carregando nas mãos uma mochila mais

    imunda começou a falar em um inglês bem

    pronunciado e pausado, porém com um forte

    sotaque irlandês:

    - Senhoras e senhores, desculpem-me mas eu

    estou aqui perturbando porque não tenho

    outra opção. É melhor pedir do que roubar.

    Preciso juntar quatro libras pra conseguir

    pagar o albergue e até o momento não tenho

    nada mais do que vinte e cinco pences...

    É melhor pedir do que roubar, ao ouvir isso

    imediatamente sua mente viajou vinte e cinco

    anos no tempo, parecia ouvir o pedinte

    entrando no ônibus da TCB que trafegava

    pela via W3, na época a principal via da

    capital do Brasil. "Pobres são iguais em todo

    o mundo" - pensou ele enquanto buscava

    uma moeda no bolso. "E, esse precisa de um

    banho, fede mais a álcool que todos os outros

    passageiros." – concluiu o pensamento

    esboçando um leve sorriso enquanto

    depositava uma moeda nas mãos do pedinte.

    Ele havia conseguido sair de West End, mas

    ainda teria de conseguir chegar a Kings Cross

    a tempo de trocar de linha e pegar o outro

    trem que o levaria para casa. Quando

    finalmente o trem parou em Kings Cross,

    muita gente desceu e muita gente queria

    subir. Organizadamente, mesmo com o alto

    teor etílico, e a aflição para não perder os

    últimos trens da noite, todos os que estavam

    na plataforma esperaram os passageiros que

    ali desceriam desembarcarem para depois

    começarem a embarcar no trem. A

    organização do caos era surpreendente

    naquele lugar.

    Mind the gap. Cuidado com o vão, dizia

    novamente a voz no alto falante. "Este é o

    último trem de hoje da Linha Picadil y. Os

    últimos trens das Linha do Norte e da Linha

    Vitória partirão em um minuto".

    Ele ainda tinha um minuto para chegar até a

    plataforma da Linha do Norte. Era tanta gente

    lenta e cambaleante à sua frente que foi

    preciso empurrar alguns e abrir espaço para

    conseguir chegar até as escadas rolantes,

    descer mais dois níveis correndo, e finalmente

    chegar até a plataforma correta. O metrô já

    estava anunciando a partida. Ele correu,

    entrou e as portas do trem se fecharam atrás

    dele.

    Yes! – Disse ele em voz alta – feliz e contente

    por ter conseguido fazer a baldeação.

    Enquanto o trem partia era possível ver

    alguns outros usuários chegando à

    plataforma, xingando, chutando o ar e

    chorando por terem perdido o último trem.

    Três minutos depois ele chegou à estação

    Angel. Saiu do trem, venceu a multidão que

    tentava embarcar, andou em direção à saída,

    andou, andou e andou. As estações do

    tube, como chamavam o metrô por ali,

    eram, em alguns casos, muito profundas e

    distantes das entradas e saídas para a rua,

    muitas vezes demorava-se mais para entrar e

    sair de uma estação do que a viagem de trem

    propriamente dita. Subiu escadas, andou

    mais um pouco, subiu outras escadas, e

    deparou-se com aquela que era a mais longa

    de todas as escadas rolantes da Europa - e

    ela estava desligada. Respirou fundo e

    começou a subir a longa escalada de quase

    30 metros de altura. Uns dez andares,

    pensou ele olhando para as outras escadas e

    notando que ninguém descia. A estação já

    devia estar fechada.

    Tocou o cartão pré-pago na catraca e ela

    abriu-se magicamente, debitando mais

    algumas libras de seu cartão. Apenas uma das

    portas da estação estava aberta para saída, e

    na frente desta um guardinha impedindo as

    pessoas de entrarem. Ele saiu e deparou-se

    com uma pequena multidão do lado de fora.

    Algumas pessoas desconsoladas choravam

    por terem perdido o último trem, outras riam

    e a maioria apenas bebia. Alguns

    desorientados procuravam rotas de ônibus e

    outros simplesmente ficavam lá olhando pro

    antonti. Ele passou por entre elas, passou

    em frente ao Pub Angel Inn, que dava nome

    à estação - já estava fechado àquela hora, e

    desceu a City Road. À medida em que ele se

    afastava da estação, a rua ia ficando mais

    calma e mais vazia, passou pelo canal, virou

    à esquerda numa rua pequena e buscou a

    chave no bolso do paletó.

    Abriu o portão do prédio, verificou a caixa de

    correspondência – só contas e propagandas.

    Colocou tudo de volta na caixa, – outro dia eu

    pego – pensou ele, cansado e ainda um pouco

    tonto. Subiu as escadas, e abriu a porta do

    apartamento, largou o paletó do terno em

    cima do sofá, tirou a gravata jogando-a sobre

    a mesa e foi para o quarto.

    Olhou para a cama macia e quentinha. "Como

    seria bom dormir agora", pensou. Porém

    sabia que o melhor era não dormir aquela

    noite, pois correria o risco de não acordar às

    3h30 da madrugada. Aquele vazio e aquele

    silêncio da casa eram um convite para dormir,

    mas ele ainda teria de arrumar malas e tomar

    banho antes de viajar.

    Viajar. Viajar. Viajar. Pensou ele

    alegremente. E não havia sido essa a principal

    razão dele ter escolhido Londres como base

    para suas aventuras? Para ele viajar era como

    viver, só que melhor. E se havia algo que ele

    sabia fazer, era viver intensamente.

    Morar em Londres podia ser caro e

    complicado, mas tinha suas vantagens,

    acreditava ele, era o centro do mundo

    moderno. Dos seus cinco aeroportos partiam

    voos para toda e qualquer parte do globo,

    nenhuma outra cidade no mundo tinha o

    movimento que os aeroportos de Londres

    proporcionavam à capital inglesa. Com um

    pouco de tempo e pouco dinheiro era possível

    ir para qualquer canto da Europa, com um

    pouco mais de tempo e um pouco mais de

    dinheiro, o mundo todo estava ali, ao alcance

    dos voos. Dos aeroportos de Londres para o

    mundo é fácil, sorria ele enquanto colocava

    uma mala azul vazia sobre a cama, o

    problema era sair de Londres e chegar aos

    aeroportos.

    "Eu prometi a mim mesmo que não mais

    pegaria o primeiro voo da manhã. Mas

    sempre o faço", reclamou em voz alta para si

    mesmo enquanto olhava para uma calça

    jeans e decidia se ela iria para dentro da mala

    ou voltaria para o armário. Dobrou a calça e

    deixou-a de lado, ali na cama, adiando a

    decisão – duas calças já seriam mais que

    suficientes, jogou algumas meias e cuecas

    dentro da mala, uma para cada dia, pegou

    uma outra camisa, dobrou-a e colocou-a na

    mesma mala, olhou pra calça que havia

    rejeitado e colocou-a na mala também.

    Contou mais uma vez o número de peças de

    roupa e deu-se por satisfeito. Fechou a mala

    com orgulho pois pela primeira vez

    conseguira fazer apenas uma mala com

    razoavelmente pouca roupa – pelo menos

    para ele três calças, três camisas, quatro

    camisetas, um casaco, quatro cuecas, uma

    bermuda, quatro meias, um tênis e um sapato

    era pouca coisa para uma viagem de quatro

    dias.

    Separou o os tíquetes de voo, o passaporte e

    as liras turcas que havia comprado naquela

    mesma tarde, colocou tudo ao lado da cama

    em um lugar bem visível para não esquecer.

    Pegou alguns dólares, algumas libras

    esterlinas e alguns euros e colocou junto das

    liras. Seguro morreu de velho, pensou ele

    lembrando da frase que seu pai dizia sempre.

    Olhou para a mala mais uma vez satisfeito.

    Separou mais uma roupa para usar durante o

    voo, tomou um banho demorado e colocou a

    roupa escolhida. Tudo pronto e não eram três

    horas da manhã ainda.

    Apagou a luz do quarto, acendeu a luz da

    cozinha, ligou a chaleira elétrica, conectou o

    iPod nas caixas de som, escolheu o novo

    álbum do Balaio que havia baixado e colocou-

    o para tocar. Sentou-se esperando a água

    ferver. O frio lá fora parecia realmente forte.

    O verão havia até sido generoso aquele ano,

    houve pelo menos duas semanas de calor, e

    uns quatro ou cinco fins-de-semana com um

    sol, mas agora que o outono chegava, tudo

    mudava. Escurecia mais cedo, as pessoas se

    recolhiam junto com o sol, o mundo voltava a

    ser frio.

    Da sua janela conseguia ver a rua principal lá

    no fundo, e tanto a sua própria rua, como a

    outra acolá pareciam vazias e geladas. Um ou

    outro carro passava pela City Road, táxis

    pretos e ônibus vermelhos quebravam o

    silêncio e o vazio, mas desapareciam tão

    rápido que o vazio e o silêncio pareciam ainda

    maior que antes. Vez ou outra um pedestre

    passava, cambaleando e equilibrando-se,

    normalmente com uma garrafa de cerveja ou

    um copo na mão. A metrópole agitada e

    palpitante de algumas horas atrás dava lugar

    a uma cidade pacata e silenciosa. Londres era

    assim, diferentemente de São Paulo e Nova

    Iorque, a cidade parecia descansar durante a

    noite.

    A chaleira desligou-se sozinha, anunciando

    que a água estava quente. Ele levantou-se,

    pegou uma caneca, um saquinho de chá,

    colocou o saquinho dentro da caneca e

    derramou a água sobre o chá na caneca. O

    chá espalhava sua cor pela água quente bem

    lentamente, uma pressionada no saquinho

    com uma colher, fez a água ficar

    completamente escura. "Preferiria tomar um

    café, pensou ele, mas dá muito trabalho".

    Retirou o saquinho, deixou-o ao lado da pia e

    pôs alguns pingos de leite no chá. Pegou a

    caneca e sentindo o calor que vinha dela,

    segurou-a também com a outra mão,

    carregando-a com as duas mãos até a mesa

    sob a janela como se fosse algo muito

    precioso e frágil. Sentou-se novamente

    assistindo passivamente o movimento de

    táxis, ônibus e bêbados enquanto lentamente

    apreciava o chá ouvindo a música ao fundo.

    O tempo voou, já passavam das 3 da manhã.

    Levantou-se rapidamente. Lavou a caneca,

    jogou o saquinho de chá usado no lixo,

    desligou a música que tocava, colocou o iPod

    no bolso da camisa, vestiu o sobretudo,

    pegou a mala, as chaves de casa e saiu.

    Desceu as escadas que conduziam até a rua

    e já quando alcançara o lado de fora, na porta

    de casa, verificou pela última vez se estava

    com tudo que era necessário em uma viagem

    internacional: tíquetes, dinheiro, passaporte.

    - tickets, Money, passport disse em voz alta,

    relembrando o que tinha visto num seriado de

    televisão. Riu de si mesmo, abriu a porta

    novamente, subiu as escadas, voltou ao

    quarto e pegou o dinheiro, os tíquetes e o

    passaporte. Pôs tudo no bolso do sobretudo,

    abriu a porta novamente, olhou pra dentro de

    casa por alguns segundos, como quem olhava

    para um lugar pela última vez, e, despedindo-

    se da casa vazia saiu novamente.

    Enquanto caminhava pela rua escura e gelada

    em direção à rua principal ia rezando

    mecanicamente o Santo Anjo do Senhor ao

    mesmo tempo em que pensava na jornada

    que faria até o aeroporto de Heathrow. Um

    ônibus e dois trens depois e estaria lá no

    infame Terminal 5, recém-inaugurado e cujo

    primeiro mês de funcionamento havia sido

    simplesmente um caos. Milhares e milhares

    de bagagens desaparecidas, voos cancelados,

    sistemas inoperantes.

    No ponto de ônibus o letreiro luminoso

    mostrava que o ônibus 205 chegaria em 7

    minutos. Serão 7 minutos muito frios...

    pensou ele.

    Londres depois da meia-noite é mesmo outra

    cidade. O sistema de metrô da cidade,

    embora antigo e nem sempre limpo, espalha-

    se por todos os cantos da metrópole. São 270

    estações espalhadas por mais de 400

    quilômetros de trilhos, servindo a população

    há mais de cem anos. Conhecer o sistema

    metroviário da cidade é essencial para a

    sobrevivência no dia-a-dia, porém à meia-

    noite tudo se transforma e o que era

    sabedoria durante a luz do dia, passa a valer

    nada na madrugada.

    A cidade louca e agitada do dia dorme e uma

    outra Londres aparece, não menos louca, mas

    pacífica. As coisas começam a mudar logo

    depois das cinco da tarde, os primeiros sinais

    começam a aparecer, as pessoas saem dos

    escritórios, andam até a estação de trem ou

    de metrô mais próxima, tomam seus trens e

    no caminho de casa passam no supermercado

    para comprar o jantar. Boa parte já está em

    casa por volta das seis horas, seis e meia no

    máximo. Um ou outro moram mais distante,

    no litoral ou no campo, deixaram os carros

    nas estações de trem de suas vilas e de lá

    vieram até Londres usando o transporte

    ferroviário. Fazem o percurso inverso ao final

    do dia e, mesmo esses estarão em casa por

    volta das sete horas da noite. Porém uma

    outra parte considerável daqueles operários,

    empresários, trabalhadores e estudantes

    dirigem-se para as Casas Públicas - Public

    Houses, também conhecidas pelas três

    primeiras letras do seu nome em inglês: Pub.

    Até aí nada demais, nada diferente de outros

    lugares do mundo onde uma pinguinha no

    final do dia é comum e parte da

    sociabilização. A diferença está na quantidade

    de pessoas que vão para os pubs e na

    quantidade de álcool ingerida. No inverno, o

    frio não cede e a escuridão chega antes das

    cinco da tarde. As pessoas ficam amontoadas,

    em pé, dentro dos pequenos e numerosos

    pubs espalhados por toda a Grande Londres.

    Do lado de fora, ao lado da porta, sempre um

    grupo recolhido, tremendo de frio, fumando.

    Fumar em bares era proibido, e por enquanto

    ainda era permitido fumar na rua.

    Eles ficam ali, em pé, bebendo, as vezes indo

    lá fora para fumar, bebendo um pouco mais,

    vez ou outra conversando. Pouco antes das

    onze horas da noite, em alguns pubs, ainda

    ecoa um sino, avisando que o bar vai parar

    de vender álcool, as pessoas compram mais

    uns dois copões de meio litro de cerveja cada,

    pois a lei não proíbe o consumo, mas sim a

    venda. O bar para de servir, as luzes se

    acendem, e mais uns dez minutos e os

    bêbados clientes são convidados a deixarem

    o pub. Bêbado em Londres não tem cara, não

    tem cor, sexo, padrão. Começam a beber aos

    dezoito anos e terminam, bem, terminam

    quando terminam. São homens, mulheres,

    novos, velhos, brancos, morenos, ruivos,

    carecas. E são muitos, mas muitos mesmo.

    Beber não é algo que é feito para intermediar

    uma conversa de bar, para acompanhar uma

    comidinha ou simplesmente para relaxar. Em

    terras britânicas bebe-se por beber e a

    principal e única razão é simples e direta:

    bebe-se para ficar bêbado. Conversas, casos,

    comida, amores e qualquer outra coisa são

    efeitos colaterais que podem ou não ocorrer.

    Entre as onze horas e a meia-noite os

    bêbados britânicos estão soltos na rua.

    Caminham por entre os becos e ruas,

    cambaleando, falando alto e sozinho. Muitas

    vezes eles andam em grupos, outras vezes

    vão sozinhos mesmo. Essa é a hora crucial, a

    hora da decisão: ou ir para um clube noturno

    onde vendem bebida até o dia seguinte ou

    tomam o último metrô pra casa. A caminho

    da estação ainda conseguem passar nas lojas

    off-license e compram mais algumas

    cervejas, vinhos, vodcas, uísques. Como não

    podem mais entrar nos metrôs carregando

    bebida alcoólica – além de

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