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Direitos Humanos e Progressividade: a equivalência dos benefícios previdenciários ao salário mínimo
Direitos Humanos e Progressividade: a equivalência dos benefícios previdenciários ao salário mínimo
Direitos Humanos e Progressividade: a equivalência dos benefícios previdenciários ao salário mínimo
E-book362 páginas4 horas

Direitos Humanos e Progressividade: a equivalência dos benefícios previdenciários ao salário mínimo

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Sobre este e-book

Teceremos algumas considerações acerca do desenvolvimento da dignidade humana desde os primórdios como referencial axiológico filosófico até a sua consagração como o princípio jurídico situado no topo da hierarquia normativa dos Estados. Demonstraremos a evolução dos direitos humanos até a sua positivação no âmbito nacional e internacional, significando o caminho que revelará a dignidade humana na máxima amplitude. Ademais, veremos a importância da progressividade para a manutenção e ampliação dos direitos humanos. Enfrentaremos algumas questões surgidas com a proteção dos direitos humanos nos sistemas jurídicos internacionais, tais como a sua compatibilização com as prerrogativas da soberania. Após as apresentações desses temas – consideradas as Constituições dos Estados Partes do Mercosul –, averiguaremos o tratamento constitucional dispensado à progressividade e a sua possibilidade de constituir objeto do controle de constitucionalidade e convencionalidade no sistema jurídico nacional.

Será demonstrada a ocorrência da perda do valor monetário dos benefícios pagos aos segurados da previdência social, caracterizando indevido retrocesso vedado constitucionalmente, a partir dos critérios adotados para a sua atualização monetária após a edição da lei nº 8.213/91, que regulamentou a matéria.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento21 de nov. de 2022
ISBN9786525263076
Direitos Humanos e Progressividade: a equivalência dos benefícios previdenciários ao salário mínimo

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    Direitos Humanos e Progressividade - Silas Mendes dos Reis

    1. DIGNIDADE HUMANA: O NOVO PARADIGMA DA CIÊNCIA JURÍDICA

    1.1. O advento da dignidade humana como paradigma existencial

    As atrocidades ocorridas contra os seres humanos durante a Segunda Guerra Mundial demonstraram a insuficiência do Estado de Legalidade como fundamento do ordenamento jurídico, propiciando o aparecimento de um novo referencial teórico para firmar a estrutura jurídico-normativa dos Estados.

    O Estado de Justiça é o novo standard para alicerçar o ordenamento jurídico nacional e internacional, e a dignidade humana representa o ponto de partida e a linha de chegada do Estado. Nesse sentido, a dignidade humana constitui o propósito a ser alcançado pelas normas jurídicas; é nelas que encontrarão a justificação. A dignidade humana será o percurso trilhado para a "implantação de uma ordem justa na vida social" ³.

    Com a instituição da dignidade humana como premissa axiológica do sistema jurídico, os direitos humanos contemporâneos serão abrigados sob o manto do "valor-fonte do direito que se atribui a cada pessoa humana pelo simples fato de sua existência" ⁴.

    A dignidade humana em sua plenitude possui duas acepções: a unívoca e a plurívoca.

    O seu sentido unívoco é exposto pela consolidação da igualdade entre todos os seres humanos, decorrente de sua condição existencial. Antecede o momento do nascimento porque alcança o nascituro, bem como poderá ser considerada post mortem, verbi gratia, para o adequado sepultamento do corpo que envolveu a energia vital do de cujus, como ilustrado na peça de Sófocles: Antígona.

    Refere-se às prerrogativas que possuem todos os seres humanos, independentes de outros fatores externos adquiridos após o nascimento. São características inerentes à condição humana e indica a igualdade entre todos os indivíduos. Essa é a premissa inicial que propiciará o desenvolvimento de suas potencialidades e resultará na concretização da segunda acepção da dignidade humana referente à liberdade.

    A igualdade entre os seres humanos significa admitir no outro a mesma humanidade contida em nós. Essa ideia remonta a tempos imemoriais, seja sob a ótica espiritual (atemporal) – verbi gratia, o cristianismo⁶ – ou sob a ótica secular (temporal) – verbi gratia, o jusnaturalismo. O símbolo mais convincente da dignidade humana é a origem comum da espécie humana⁷, o que determina a igualdade entre todos os seres humanos. Esse é o requisito para a ilação apresentada por Hanna Arendt: "a existência de um direito de ter direitos" ⁸ decorrente da natureza humana e; portanto, esses direitos não são passíveis de supressão porque decorrem da qualidade essencial de ser humano, sob pena de implicar a perda da própria comunidade e a descaracterização de sua humanidade⁹.

    A dignidade humana, como expressão de unicidade, refere-se àqueles direitos humanos "considerados independentes da história e dos privilégios concedidos pela história a certas camadas da sociedade" ¹⁰, porque todos os seres humanos são considerados como categoria única, isto é, em condição de igualdade.

    A abordagem prática da dignidade humana pela perspectiva da igualdade é extraída do pensamento de Voltaire que remete ao jusnaturalismo¹¹:

    (...) o direito humano só pode se fundar nesse direito de natureza; e o grande princípio, o princípio universal de ambos, é, em toda a terra: Não faças o que não gostarias que te fizessem.

    O sentido unívoco da expressão dignidade humana é previsto no primeiro parágrafo, do preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pela Organização das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948 – considerada como o marco da tutela dos direitos humanos no campo internacional –, que aponta a igualdade como pressuposto necessário para o exercício da liberdade humana, nos seguintes termos:

    Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo.

    O artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos reforça essa diretriz¹²:

    Artigo 1° Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.

    Se, por um lado, o momento do nascimento coloca em paridade os homens, diante da igualdade formal; posteriormente surgirá a desigualdade entre as pessoas pelo surgimento de variáveis que atuarão para a diferenciação e individualização da condição existencial – verbi gratia, laços sanguíneos, nacionalidade, naturalidade, gênero, cor, religião, etc. –; e, portanto, será imprescindível a adoção de medidas para compensar esse desequilíbrio¹³. Um dos mecanismos é a justiça distributiva ou corretiva, propugnada por Aristóteles, decorrente da seguinte premissa: deve-se tratar igualmente aos iguais e desigualmente aos desiguais. Age-se desse modo com a finalidade de atingir a igualdade material ou substancial¹⁴, reequilibrando as desigualdades existentes entre os indivíduos¹⁵.

    A história registra os efeitos deletérios sucedidos pela inobservância da dignidade humana sob a ótica da igualdade, mormente por ações ou omissões fundadas no exercício da soberania estatal. Há a desconsideração da homogeneidade entre os nacionais, bem como a sua divisão em categorias que fornece elementos para a prospecção das desigualdades e intensifica a intolerância. É um precedente perigoso e com potencial de culminar na extinção do bem jurídico mais caro ao ser humano: o direito à vida.

    Essa situação é evidenciada em vários momentos da história humana. Inclusive os grupos constituídos sob o pálio da igualdade podem ser alvos de cisão, afastando o fator responsável pela equiparação e acolhendo aquele que possibilita a diferenciação. É o caso das três religiões que partiram do mesmo tronco monoteísta: judeus, cristãos e islâmicos. Ademais, a divisão pode ocorrer entre os grupos já seccionados, tais como os cristãos – (católicos x protestantes), judeus (ortodoxos x não ortodoxos), islâmicos (xiitas x sunitas), brasileiros (nordestinos x sulistas), negros africanos (tutsi x hutus), etc. Essa ruptura é o estopim para as hostilidades, intolerância e violência.

    No século XVIII, o Tratado sobre a Tolerância de Voltaire possui como tema a intolerância religiosa francesa acarretada pela cisão entre os cristãos. O cristianismo, que era a variável responsável pela homogeneidade do grupo, sofreu uma divisão originando dois grupos – católicos e protestantes.

    A desigualdade é eficaz para franquear ao Estado o exercício do biopoder – "assunção da vida pelo poder" ¹⁶ –, originado com a fragmentação por meio da cisão dos grupos sociais¹⁷. Segundo Michel Foucault, o racismo é muito utilizado como critério para legitimar a manifestação abusiva do biopoder pelo Estado¹⁸.

    Giorgio Agamben identifica a desigualdade pela cisão que resulta na fratura política caracterizada pela aporofobia. Explica¹⁹:

    (...) a constituição da espécie humana num corpo político passa por uma cisão fundamental e que, no conceito de povo, podemos reconhecer sem dificuldade os pares categoriais que vimos definir a estrutura política original: vida nua (povo) e existência política (Povo), exclusão e inclusão, zoé e bios. Ou seja, o povo já traz sempre em si a fratura biopolítica fundamental. Ele é aquilo que não pode ser incluído no todo do qual faz parte e não pode pertencer ao conjunto no qual já está desde sempre incluído.

    Para o autor, povo significa os menos favorecidos sob o enfoque socioeconômico.

    Mbembe Achille aprofunda o estudo sobre o tema e destaca sua preocupação com as formas de soberania que não tenham como projeto principal a luta pela autonomia, mas a instrumentalização generalizada da existência humana e destruição material de corpos humanos e populações ²⁰, o que culminou na elaboração dos conceitos de necropoder e necropolítica, os quais são gerados com o uso da força, a partir da seguinte diretiva²¹:

    As armas de fogo são dispostas com o objetivo de provocar a destruição máxima de pessoas e criar mundos de morte, formas únicas e novas de existência social, nas quais vastas populações são submetidas a condições de vida que lhe conferem o estatuto de mortos-vivos.

    A consumação da dignidade humana na ótica da igualdade ocasionará o seu desenvolvimento na esfera da liberdade.

    A igualdade atua para a formação de um alicerce estável para a efetivação da dignidade humana, viabilizando o seu desenvolvimento na esfera da liberdade.

    A liberdade representa a via de acesso para a realização da dignidade humanada integralmente. Esse objetivo pressupõe a existência de instrumentos sociais adequados para a exteriorização das idiossincrasias qualificadoras das singularidades das pessoas.

    A dignidade humana sob o aspecto da liberdade é exposta na obra Oratio, escrita em 1486 por Giovanni Pico della Mirandola, apresentada posteriormente com o título De Hominis Dignitate²². É exposta uma nova visão para a condição humana, considerada como um marco para o desenvolvimento do humanismo.

    O humanismo teológico cederá para o humanismo antropológico, fundamentado no livre-arbítrio do ser humano com o uso da liberdade individual. Na obra piquiana, o humanismo teológico será substituído pelo humanismo antropológico, que considera o livre-arbítrio como meio hábil para o exercício da liberdade individual do ser humano.

    A significação desse ideal é apresentada por Zygmunt Bauman²³:

    Libertar-se significa literalmente libertar-se de algum tipo de grilhão que obstrui ou impede os movimentos; começar a sentir-se livre para se mover ou agir. Sentir-se livre significa não experimentar dificuldade, obstáculo, resistência ou qualquer outro impedimento aos movimentos pretendidos ou concebíveis.

    A liberdade atua como veículo apto para a realização da pluralidade das visões existenciais. Contudo, isso não impossibilita a criação de marcadores limitativos para a compatibilização dos interesses individuais aos interesses coletivos da sociedade.

    Atingir a liberdade que está ínsita na dignidade humana proporciona a autodeterminação do ser humano, porque oportuniza a mudança de condições originadas com o nascimento, tais como: a religião, o gênero, a sexualidade, etc. Há algumas circunstâncias que não permitem a modificação, como é o caso da naturalidade (local do nascimento).

    A proteção à dignidade humana sob a perspectiva da liberdade é prevista no artigo 2º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, editada em 10 de dezembro de 1948, pela Organização das Nações Unidas, ipsis litteris:

    Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação. Além disso, não será feita nenhuma distinção fundada no estatuto político, jurídico ou internacional do país ou do território da naturalidade da pessoa, seja esse país ou território independente, sob tutela, autônomo ou sujeito a alguma limitação de soberania.

    A regra normativa tem a finalidade de neutralizar quaisquer circunstâncias capazes de cindir a homogeneidade entre as pessoas oriunda de sua condição humana, garantindo a eficácia do exercício da liberdade (livre-arbítrio) dos indivíduos.

    Os direitos humanos constituem pressupostos para o cumprimento da dignidade humana.

    Emanuel Kant exibe o conceito de dignidade com a junção de duas acepções – igualdade e liberdade – asseverando que, na ordem dos fins, o ser humano deverá ser um fim em si mesmo e, portanto, nunca deverá ser utilizado como meio por alguém. Conclui²⁴:

    (...) é que esta lei moral se fundamenta na autonomia da vontade como vontade livre, a qual, necessariamente, deve poder concordar, ao mesmo tempo, segundo as suas leis universais, com tudo aquilo ao qual se deve submeter.

    Para que o ser humano seja um fim em si mesmo²⁵, a espécie humana deverá ser considerada em sua homogeneidade ponto de origem para o desenvolvimento da autonomia da vontade – livre e singular – promovendo o surgimento das pluralidades de potencialidades. É possível constatar esse entendimento no princípio material subjacente à ideia de dignidade humana, referido por Canotilho nos seguintes termos:

    Trata-se do princípio antrópico que acolhe a ideia pré-moderna e moderna da dignitas-hominis (Pico della Mirandola), ou seja, do indivíduo conformador de si próprio e da sua vida segundo o seu próprio projeto espiritual²⁶.

    Assevera, ainda, Norberto Bobbio²⁷:

    A doutrina filosófica que fez do indivíduo, e não mais da sociedade, o ponto de partida para a construção de uma doutrina da moral e do direito foi o jusnaturalismo, que pode ser considerado, sob muitos aspectos (e o foi certamente nas intenções de seus criadores), a secularização da ética cristã (etsi daremos non esse deum).

    A consolidação da dignidade humana acontece com a sua positivação pelos ordenamentos jurídicos dos Estados por meio de uma roupagem constitucional, com a finalidade de ser um farol para iluminar e orientar o emprego dos demais princípios jurídicos.

    A elaboração de diplomas jurídicos internacionais firmados por vários Estados atua como reforço para prevenir, neutralizar e compensar a inobservância de normas nacionais ou internacionais que tutelam os direitos humanos, mormente com relação às minorias sociais ou grupos em estado de vulnerabilidade.

    Jorge Miranda conceitua a dignidade humana como princípio axiológico fundamental, correspondente aos limites transcendentes do poder constituinte, ponte de passagem do Direito natural para o Direito positivo, para o qual convergem todos os demais, elencando algumas referências reconduzíveis à "dignidade humana: a proibição de discriminação, a inviolabilidade da vida humana, a integridade moral e física das pessoas, (...) a liberdade de religião e de convicções" ²⁸. A dignidade humana posiciona-se no cume da principiologia jurídica.

    Assim, a dignidade da pessoa humana deixa de representar uma manifestação conceitual do direito natural justificada por meio da razão divina ou humana, convertendo-se numa proposição autônoma com o mais alto valor axiológico jurídico-normativo diretamente ligada à concretização constitucional dos direitos fundamentais²⁹.

    Enquanto princípio constitucional, a dignidade humana é considerada como a norma das normas dos direitos fundamentais, elevada, assim, ao mais alto posto da hierarquia jurídica do sistema ³⁰, com a essência formada por dois axiomas: a liberdade³¹e a igualdade.

    Em vista disso, o princípio da dignidade humana configura o fio condutor que costura o manto da unidade constitucional.

    Para conquistar a integralidade da dignidade humana, foram positivadas várias espécies de direitos; entre os quais os direitos individuais e os direitos sociais, indicados em normas jurídicas nacionais e internacionais.

    O próximo tema abordará alguns aspectos históricos relacionados ao desenvolvimento dos direitos humanos.

    1.2. A dignidade humana e os direitos fundamentais

    Este tópico possui o escopo de tecer alguns apontamentos sobre a dignidade da pessoa como base dos direitos fundamentais.

    A primeira ideia sobre a dignidade do ser humano é a sua utilização como bússola a direcionar o pensamento na interpretação e aplicação dos dispositivos constitucionais sobre os direitos fundamentais, ou seja, agir como catalisador no resultado da interpretação dos direitos sociais.

    A expressão dignidade humana pode ser considerada como vaga, fluida e indeterminada. Existe a dificuldade de determinação permanente e única de sua significação porque apresenta alto grau de polissemia, o que resulta na problemática invariavelmente apresentada pela sua utilização indiscriminada, diante da ausência de base sólida para a fixação de seu conteúdo jurídico-normativo de forma unívoca.

    Oscar Vilhena Vieira destaca a multidimensionalidade da dignidade, formada por um conjunto extenso de condições ligadas à existência humana, a começar pela própria vida, passando pela integridade física e psíquica, integridade moral, liberdade, condições materiais de bem-estar etc. Isso vincula a realização da dignidade humana a outros direitos fundamentais expressamente definidos pelo texto constitucional³². A vontade humana deverá englobar algo almejado para o ser humano na sua totalidade³³.

    Indaga-se sobre a possibilidade de valoração ou quantificação da dignidade humana. Nosso entendimento vai ao encontro do pensamento kantiano de que inexistem meios para a valoração da dignidade.

    Afiliamo-nos ao pensamento kantiano quanto à impossibilidade de valoração da dignidade, ou seja, distinguimos a questão utilizando o binômio preço/dignidade, em que podemos notar a possibilidade de substituição de algo por outro equivalente quando está presente a ideia de preço, o que não ocorre quando consideramos o termo dignidade³⁴.

    De acordo com esse raciocínio, a condição de existência do ser humano indica um fim em si mesmo, afastada a sua relatividade porque possuidor de um valor íntimo, denominado dignidade, inviabilizador de quantificação ou mensuração por meio de preço.

    Como a existência humana constitui um fim em si mesmo, mister a fixação dos fundamentos morais dos direitos do ser humano. Nessa perspectiva, concordamos com Oscar Vilhena Vieira:

    Quando associamos os termos humanos, fundamentais ou a expressão da pessoa humana à ideia de direitos, a presunção de superioridade inerente aos direitos em geral torna-se ainda mais peremptória, uma vez que esses direitos buscam proteger valores e interesses indispensáveis à realização da condição de humanidade de todas as pessoas. Agrega-se, aqui, valoração moral à ideia de direitos, passando estes direitos a servir de veículos aos princípios de justiça de uma determinada sociedade³⁵.

    Se a dignidade da pessoa humana foi erigida pela Constituição Federal como fundamento da República Federativa do Brasil³⁶, poderíamos questionar acerca de seu fundamento. Kant diz ser a autonomia o fundamento da natureza da dignidade humana e com essa base reconhece que:

    A própria legislação, porém, que determina todo o valor, tem que ser exatamente por isso uma dignidade, quer dizer, um valor incondicional, incomparável, cuja avaliação, que qualquer ser racional sobre ele faça, só a palavra respeito pode exprimir convenientemente.³⁷

    Sobre a autonomia do ser humano, Roberto Baptista Dias da Silva considera³⁸:

    Portanto, o conceito kantiano de dignidade está intrinsecamente relacionado à noção de respeito e autonomia, não se compatibilizando com a ideia de preço e de servidão. Além disso, só é possível conceber a dignidade na medida em que as pessoas forem entendidas como fins e não como meios voltados à consecução de determinados objetivos. Assim, as pessoas não podem ser reduzidas a meros objetos do Estado e de terceiros. Em outras palavras, não devem ser coisificadas, mas consideradas como sujeitos de direito, autônomas e, nesses termos, merecedoras de respeito.³⁹

    À vista disso, a dignidade humana como qualidade imanente ao ser humano é valor moral que precede a constituição da sociedade, igualando todos os indivíduos, situando-os como iguais no respeito e consideração por parte do Estado e de seus semelhantes, de tal forma que não percam a possibilidade de exercer autonomia⁴⁰. E por consequência:

    (...) a dignidade pressupõe consideração pela vida e pela integridade do ser humano, garantias de presença de condições básicas para uma existência na qual se possa exercer a liberdade e receber respeito como pessoa dotada de razão.⁴¹

    Para Ingo Wolfgang Sarlet, a preservação da dignidade humana requer:

    (...) não tratar as pessoas de tal modo que se lhes torne impossível representar a contingência de seu próprio corpo como momento de sua própria, autônoma e responsável individualidade⁴².

    Não só a dignidade da pessoa humana, como também a cidadania, é fixada como fundamento da República Federativa do Brasil (artigo 1º, inciso II, da Constituição Federal), qualificada como Estado Social e Democrático de Direito, ponto incontroverso na doutrina pátria.

    José Afonso da Silva destaca a vida humana como um dos direitos fundamentais, diretamente relacionada com os demais direitos fundamentais, tais como a igualdade, a intimidade, a liberdade e o bem-estar individual e social. E para o autor a vida humana está contida nos conceitos de direito à dignidade da pessoa humana, o direito à privacidade, o direito à integridade físico-corporal, o direito à integridade moral e, especialmente, o direito à existência⁴³.

    A vida humana (a existência humana/ o ser humano) traz em si, inerente, a dignidade diante dessa realidade. Os conhecimentos científicos alteraram, no desenrolar do desenvolvimento histórico, os conceitos atinentes à consideração do início da vida humana. Alerta Zélia Maria Cardoso Montal que a proteção humana independe da condição espacial ou temporal da humanidade. Nesse sentido, expõe as razões da proteção das pessoas:

    (...) com vistas a dotar o ser humano, desde os primeiros sinais de sua existência, de proteção eficaz, a fim de que as inovações que sempre devem estar a serviço do homem, não venham a pôr em risco a própria existência do ser humano.⁴⁴

    Constatado, pois, que o conteúdo jurídico da dignidade humana se relaciona com os direitos fundamentais ou humanos⁴⁵.

    Segundo J.J. Gomes Canotilho, a ideia de dignidade humana consubstancia um princípio antrópico relacionado à concepção pré-moderna e moderna da dignitas-hominis, concebida por Giovanni Pico, Conde de Mirandola, na obra Oratio de Hominis Dignitate⁴⁶, o qual é considerado como discurso fundador do renascimento humanista, isto é, o indivíduo conformador de si próprio e da sua vida segundo o seu próprio projeto espiritual, direcionando o Estado republicano para uma comunidade constitucional inclusiva⁴⁷. Ademais, ele não deteve a exclusividade na difusão dessa concepção, celebrada por outros autores, tais como Petrarca, Bruni e Manetti⁴⁸.

    Condensador dos direitos humanos, o princípio da dignidade humana garante aos demais uma feição sistêmica. Como base dos demais direitos, ele atua como densificador do conteúdo ontológico dos demais princípios. O objetivo último dos demais princípios é desenvolver, como também assegurar, a dignidade da pessoa humana⁴⁹.

    Acreditamos ser a dignidade humana dotada de superior significado axiológico. Compõe um dos pilares de sustentabilidade da República Federativa do Brasil ao lado da cidadania. A nosso ver, a dignidade humana é um sobreprincípio porque exerce a função de alicerce para os demais princípios utilizados para a solução de questões constitucionais⁵⁰, sendo a última ratio para a chancela do exercício das características inerentes a todos os indivíduos, decorrentes de sua humanidade.

    Essa dignidade é ínsita a todo ser humano, devendo ser reconhecida por causa de sua condição

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