Direito E Desenvolvimento:
()
Sobre este e-book
Relacionado a Direito E Desenvolvimento:
Ebooks relacionados
Direito Constitucional: panoramas plurais: - Volume 3 Nota: 0 de 5 estrelas0 notasPoder Constituinte E Controle De Constitucionlidade Nota: 0 de 5 estrelas0 notasA Constitucionalidade Da Lei E O Poder Constituinte Nota: 0 de 5 estrelas0 notasO Papel Democrático do Supremo Tribunal Federal nas Práticas de Ativismo Judicial Nota: 0 de 5 estrelas0 notasDireito Constitucional Volume I Nota: 0 de 5 estrelas0 notasDemocracia e Justiça em Pedaços: O Coletivo Transforma MP – Volume 1 Nota: 0 de 5 estrelas0 notasDemocracia e Justiça em Pedaços: O Coletivo Transforma MP – Volume 2 Nota: 0 de 5 estrelas0 notasPrincípio da publicidade: meio de garantia do estado democrático de direito Nota: 0 de 5 estrelas0 notasDireito Constitucional: panoramas plurais: Volume 2 Nota: 0 de 5 estrelas0 notasA defesa da Constituição: participação democrática no controle de constitucionalidade Nota: 0 de 5 estrelas0 notasDesafios legais: uma abordagem multidisciplinar - Volume 2 Nota: 0 de 5 estrelas0 notasO Controle Jurídico do Desvio de Finalidade Legislativo: uma análise a partir da democracia representativa Nota: 0 de 5 estrelas0 notasConstitucionalismo, Democracia E Direitos Fundamentais Nota: 0 de 5 estrelas0 notasEnsaios de Direitos Sociais Nota: 0 de 5 estrelas0 notasColetânea de artigos - Fadileste: os direitos e deveres no contexto da crise da razão Nota: 0 de 5 estrelas0 notasLiberdade de imprensa e alienação: influência midiática na formação político-social sob o prisma jusfilosófico Nota: 0 de 5 estrelas0 notasDefensoria Pública: acesso à justiça, princípios e atribuições Nota: 0 de 5 estrelas0 notasO Backlash e a Legitimação Democrática do Judiciário: análise exemplificada pela Prisão em Segunda Instância Nota: 0 de 5 estrelas0 notasDemocracia Entre Direito Do Estado E Direito Mundial Nota: 0 de 5 estrelas0 notasColetânea de artigos da FADILESTE: os direitos e deveres no contexto da crise da razão - Volume 2 Nota: 0 de 5 estrelas0 notasEstudos atuais em Direito: Volume 2 Nota: 0 de 5 estrelas0 notasDever de proteção suficiente aos direitos fundamentais Nota: 0 de 5 estrelas0 notasEstudos atuais em Direito: Volume 3 Nota: 0 de 5 estrelas0 notasImunidade de Jurisdição dos Estados e Direitos Humanos: uma crítica ao Caso Ferrini Nota: 0 de 5 estrelas0 notasO povo no poder: Análise jurídico-constitucional da iniciativa popular no Brasil Nota: 0 de 5 estrelas0 notasInflação Legislativa: o sistema autopoiético-patrimonialista deteriorador da macroarquitetura constitucional Nota: 0 de 5 estrelas0 notasEnsaios sobre Direito Público contemporâneo: Temas sobre Direito Processual Civil Nota: 0 de 5 estrelas0 notas
Direito para você
Contratos de prestação de serviços e mitigação de riscos Nota: 5 de 5 estrelas5/5Manual de direito administrativo: Concursos públicos e Exame da OAB Nota: 0 de 5 estrelas0 notasDireito previdenciário em resumo Nota: 0 de 5 estrelas0 notasCOMUNICAÇÃO JURÍDICA: Linguagem, Argumentação e Gênero Discursivo Nota: 5 de 5 estrelas5/5Simplifica Direito: O Direito sem as partes chatas Nota: 0 de 5 estrelas0 notasTeoria Geral Do Processo Nota: 0 de 5 estrelas0 notasComo passar em concursos CESPE: língua portuguesa: 300 questões comentadas de língua portuguesa Nota: 4 de 5 estrelas4/5Lawfare: uma introdução Nota: 5 de 5 estrelas5/5Introdução ao Estudo do Direito Nota: 4 de 5 estrelas4/5Consolidação das leis do trabalho: CLT e normas correlatas Nota: 5 de 5 estrelas5/5Português Para Concurso Nota: 0 de 5 estrelas0 notasDireito constitucional Nota: 5 de 5 estrelas5/5Registro de imóveis Nota: 0 de 5 estrelas0 notasManual de Direito Previdenciário de acordo com a Reforma da Previdência Nota: 0 de 5 estrelas0 notasFalsificação de Documentos em Processos Eletrônicos Nota: 5 de 5 estrelas5/5Direito Tributário Objetivo e Descomplicado Nota: 0 de 5 estrelas0 notasComo passar em concursos CESPE: direito constitucional: 339 questões de direito constitucional Nota: 0 de 5 estrelas0 notasLDB: Lei de Diretrizes e Bases da educação nacional Nota: 5 de 5 estrelas5/5Como passar em concursos CESPE: direito penal: 287 questões de direito penal Nota: 5 de 5 estrelas5/5Direito Previdenciário em Resumo, 2 Ed. Nota: 5 de 5 estrelas5/5Direito Penal Parte Geral V.i Nota: 0 de 5 estrelas0 notasLei Geral de Proteção de Dados (LGPD): Guia de implantação Nota: 5 de 5 estrelas5/5A Pronúncia Do Inglês Americano Nota: 0 de 5 estrelas0 notasTeoria Geral do Direito Notarial e Registral Nota: 0 de 5 estrelas0 notasCaminho Da Aprovação – Técnico Do Inss Em 90 Dias Nota: 0 de 5 estrelas0 notasDicionário de Hermenêutica Nota: 4 de 5 estrelas4/5Manual dos contratos empresariais Nota: 5 de 5 estrelas5/5Estatuto da criança e do adolescente Nota: 5 de 5 estrelas5/5Caminho Da Aprovação Técnico Do Inss Em 90 Dias Nota: 0 de 5 estrelas0 notas
Categorias relacionadas
Avaliações de Direito E Desenvolvimento:
0 avaliação0 avaliação
Pré-visualização do livro
Direito E Desenvolvimento: - (orgs)alini Bueno Dos Santos Taborda; Gabriela Felden Scheuermann
DIREITO E
DESENVOLVIMENTO:
um diálogo entre saberes
ORGANIZADORAS
Alini Bueno dos Santos Taborda
Gabriela Felden Scheuermann
DIREITO E
DESENVOLVIMENTO:
um diálogo entre saberes
TOMO 2
CERRO LARGO/RS
2020
Organizadoras
Alini Bueno dos Santos Taborda
Gabriela Felden Scheuermann
Revisão
Gabriela Felden Scheuermann
Capa
Ana Maria Ben
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
1. A continuidade das práticas autoritárias nas agências punitivas apesar da Constituição Federal de 1988…...…07
Mário Silveira Rosa Rheingantz
2. A reprodução humana assistida post mortem e seus reflexos jurídicos perante a Constituição Federal e o Direito Sucessório……………………………………….….28
Simone da Silva Teixeira
Tiago Griebeler da Silva
3. Empoderamento social e realização da cidadania por meio da mediação comunitária...........................................71
Charlene Dewes Dornelles
4. Empresas transnacionais e Direitos Humanos: uma análise da responsabilidade social por meio dos códigos de conduta.............................................................................109
Gabriela Felden Scheuermann
5. A discriminação aos trabalhadores migrantes nas relações laborais no âmbito da União Europeia............154
Ellara Valentini Wittckind
6. Direito Penal Comparado e regulação excludente dos fluxos migratórios................................................................204
André Leonardo Copetti Santos
Evelyne Freistedt Copetti Santos
7. A presunção de laboralidade do Código de Trabalho de Portugal e os indícios da relação de trabalho subordinado..........................................................................248
Bóris Chechi de Assis
8. Considerações acerca dos danos morais frente ao Código Civil..........................................................................288
Bruno Friedrich Rohleder
Alini Bueno dos Santos Taborda
9. O Código de Processo Civil e o impacto do novo dimensionamento conferido ao negócio jurídico processual em seu artigo 190.............................................313
Lara Lis Baumgartner Graber
Renzo Thomas
10. Da possibilidade do inventário e partilha do bem de família convencional...........................................................372
Marcos Costa Salomão
Karin Fabiane Fritzen Viana
Apresentação
Gostaríamos de agradecer a participação e receptividade desta nossa coletânea de artigos que, neste ano, segue para a sua segunda edição (Tomo II). Nosso objetivo é de unir a URI de Cerro Largo com a comunidade e região por meio da difusão de conhecimentos.
Na primeira edição (2019), o livro foi criado para marcar a consolidação do Curso de Direito na cidade de Cerro Largo, mas para além disso, hoje, o livro busca conectar diferentes saberes, de diferentes áreas e temáticas, para provocar um diálogo de conhecimentos entre acadêmicos, professores e comunidade.
Direito e Desenvolvimento: um diálogo entre saberes é composto por dez textos que, de uma forma ou de outra, estão interconectados. Considerando que esta coletânea de
artigos foi elaborada a várias mãos, o (a) leitor(a) perceberá que os temas abordados perpassam por diversas áreas. Para facilitar a leitura, eles foram agrupados por assuntos afins em dois blocos.
No primeiro bloco de artigos, os temas relacionam-se com questões constitucionais, penais, internacionais e do trabalho. No segundo bloco, os temas interligam-se por questões de Direito Civil e de Processo Civil.
Destacamos que os textos que dão vida a esta obra são decorrentes de pesquisas realizadas por professores e acadêmicos dos Cursos de Graduação da URI de Cerro Largo e também de professores e colaboradores convidados.
Desejamos a todos(as) uma excelente leitura. Que possamos contribuir com provocações, reflexões e conhecimento!
As organizadoras.
Direito e Desenvolvimento: um diálogo entre saberes A CONTINUIDADE DAS PRÁTICAS AUTORITÁRIAS
NAS AGÊNCIAS PUNITIVAS APESAR DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
Mário Silveira Rosa Rheingantz1
Resumo: O Brasil viveu um período de Ditadura civil-militar de 1964/1985, o qual, ao fim passou por um processo de transição decorrente de um acordo de elites que culminou na Constituição de 1988. Apesar de uma Constituição formalmente garantista, o país não foi capaz de livrar-se da cultura autoritária nas práticas das agências Punitivas, o que se deve, em certa medida, a ausência de uma justiça de transição satisfatória e à continuidade de agentes membros das agências punitivas do regime ditatorial no regime democrático.
Palavras-chave:
Ditadura.
Justiça
de
transição.
Constituição. Direitos Fundamentais. Poder punitivo.
Sumário: Introdução. 1 – Uma Constituição garantista
–
a expectativa de uma barreira ao autoritarismo na Constituição Federal de 1988. 2 – "Uma transição lenta, gradual e segura – a ausência de ruptura institucional e de 1 Defensor Público Estadual do Rio Grande do Sul. Diretor de Ensino da Fundação Escola Superior da Defensoria Pública do Rio Grande do Sul. Especialista e mestrando em Ciências Criminais pela PUC/RS.
7
Direito e Desenvolvimento: um diálogo entre saberes responsabilização pelos danos causados pelo Estado e seus Agentes na ditadura civil militar de 1964/1985 no Brasil. 3 – A manutenção da cultura autoritária –
inefetividade dos limites constitucionais ao poder punitivo estatal. Conclusão.
Introdução
O presente artigo visa abordar a relação entre o período da ditadura civil militar de 1964/1985 no Brasil, somada à falta de responsabilização quanto aos danos causados pelo Estado e por seus agentes até os dias atuais, com a inefetividade material dos Direitos Fundamentais que impõe limites ao exercício do poder punitivo estatal.
Busca-se verificar se a ocorrência de um processo de transição sem ruptura, com a realização de um acordo feito por cima
, pelas elites brasileiras que englobou a manutenção de uma política econômica de matriz neoliberal e a não responsabilização de agentes públicos e privados nos crimes praticados pela ditadura, com a chancela do poder judiciário, influenciam na manutenção de uma cultura autoritária que permanece até os dias atuais, especialmente voltada à repressão das camadas mais pobres da população brasileira.
1 Uma Constituição garantista
– a expectativa de uma barreira ao autoritarismo na Constituição Federal de 1988
8
Direito e Desenvolvimento: um diálogo entre saberes A ideia de Estado de Direito pode, do ponto de vista programático, partir do referencial da oposição ao Estado absolutista, a fim de conferir, a partir do ponto de vista normativo, legitimidade e autoridade a um poder soberano, ao mesmo tempo em que lhe limita em termos de funções e competências repulsando a arbitrariedade (FRANKENBER, 2018, p. 81). Contudo, não adentrando no processo histórico que atinge o atingimento da concepção de Estado Democrático de Direito, pode se afirmar que essa oposição ao absolutismo, na perspectiva do constitucionalismo não significa a ditadura da maioria.
O grande paradoxo do Constitucionalismo, aliás, é justamente tornar-se, também, um mecanismo de contenção contra a vontade das maiorias (STRECK, 2014, p. 84). Talvez o paradoxo de servir como limite de contenção – não somente – mas inclusive contra a vontade da maioria é que seja o grande questionamento que pode causar perplexidade, na medida em que se questiona o porquê de uma nação que constitui o seu Direito com base na legitimidade democrática abdicar da possibilidade de tomar decisões cuja vontade é manifestada pela sua maioria, em favor de limites impostos em um pacto fundante (STRECK, 2014). Nesse sentido, Lênio Streck (STRECK, 2014, p. 85) afirma que
Se se compreendesse a democracia como a prevalência da regra da maioria, poder-se-ia afirmar que o constitucionalismo é
9
Direito e Desenvolvimento: um diálogo entre saberes antidemocrático, na medida em que este
subtrai
da maioria a possibilidade de decidir determinadas matérias, reservadas e protegidas
por
dispositivos
contramajoritários.
Alerta-se, no entanto, para que não se caia no reducionismo da alegação de que haveria uma tensão inconciliável entre democracia e constitucionalismo. A democracia formal pressupõe justamente o elemento contramajoritário que supõe mecanismos de proteção, por exemplo, aos direitos fundamentais, o que significa a eficácia material do próprio núcleo político dessa forma de Estado (STRECK, 2014).
Não há duvida, pois, de que o Estado Constitucional representa uma fórmula de Estado de Direito, talvez a sua mais cabal realização, pois, se a essência do Estado de Direito é a submissão do poder ao direito, somente quando existe uma verdadeira Constituição esta submissão compreende também a submissão do Poder Legislativo (STRECK, 2014, p. 87).
Portanto, um Estado fundado sob a base do constitucionalismo significa compreender a Constituição como o elemento a partir do qual se parte para a perspectiva do Estado de Direito, no sentido do que afirma Günter Frakenberg (2018, p. 101): 10
Direito e Desenvolvimento: um diálogo entre saberes Em conformidade com o mandamento da fidelidade ao texto da Constituição, Hans Kelsen, de modo lógico, dá continuidade ao positivismo
legal
de
Gerber-Laband,
apresentando uma Teoria do Estado
estritamente informada por princípios antimetafísicos e sociológicos. Essa teoria desloca o acento do Estado para o direito.
Ela se atém à centralidade da lei
(constitucional), mas relativiza a oposição entre legislação e jurisdição do ponto de vista funcional, sob o aspecto de criação do Direito.
Esse elemento originário legitimador do momento em que ocorre o fenômeno da celebração do pacto constitucional2 pressupõe determinadas peculiaridades políticas e sociais que permitam essa fundação ou refundação do Estado, calcadas naquilo que Michel Maffesoli denomina de potência coletiva (MAFFESOLI, 2001, p. 61). Ao se referir a uma das formas em que ocorrem tais momentos de refundação, a revolução, o qual, já adianta-se, não é o caso da refundação do Estado brasileiro simbolizado pela Constituinte de 1988, Maffesoli (2001, p. 101) expõe a fugacidade de tais episódios:
2 Utiliza-se a palavra pacto
no presente artigo, a fim de designar Constituições que se compreenda como democráticas 11
Direito e Desenvolvimento: um diálogo entre saberes falar da força dinâmica da revolução é falar efervescência dos momentos criadores ou das suas periódicas revivificações, é reconhecer o aspecto fundador do desejo de intensidade ou do entusiasmo coletivo, os mitos de fundação das civilizações ou dos movimentos, todos eles exibem esses
amontoados originais.
Apesar de não se tratar, no caso brasileiro, de uma revolução, não se pode negar ter se tratado de momento de efervescência social em face do fim do retorno à democracia depois de 21 anos de ditadura civil militar. A propósito disso, importante destacar a fugacidade de tais momentos que propiciam o ambiente para o fenômeno da fundação, que tendem a se dissolver após o esgotamento do tensionamento coletivo (MAFFESOLI, 2001). Contudo, as circunstâncias do mais recente processo de redemocratização brasileiro podem ser percebidas sob a consciência de ter se tratado de mera circulação conservadora de poder entre elites em um processo de transição de um poder enfraquecido por outro com força renovada. Talvez nosso caso melhor se explique sob a ótica de que todo poder político é conservador, isto é, trata-se de substituir um poder fraco por um poder forte. E isso, mesmo imitando ritual e periodicamente a libertação. Há retornos simbólicos que sustentam o sistema social e político; operam uma purificação social que em nada muda a estrutura real do poder (MAFFESOLI, 2001, p. 50).
12
Direito e Desenvolvimento: um diálogo entre saberes Assim, a redemocratização no Brasil, percebe-se não se tratar, de fato, de uma ruptura plena com o regime da ditadura civil-militar que perdurou de 1964 a 1985, o que será objeto de análise dos próximos capítulos, mas, ainda assim, tratou-se de momento em que a labilidade social permitiria, de certa forma, buscar-se através da rigidez constitucional, impor-se limites aptos a evitar as práticas autoritárias do regime ditatorial recentemente vivido no país.
Note-se que um dos fatores que poderia ter propiciado esse ambiente é que:
Durante o período de 1964 a 1985,
verificamos
como
as
práticas
de
desrespeito aos Direitos Humanos e de violência
generalizada
foram
acompanhadas de justificativas sobre a segurança nacional, a ordem, o progresso e desenvolvimento. A doutrina de Segurança Nacional e de Desenvolvimento foi a base ideológica do regime. As perseguições políticas levaram à organização de um grande aparato de repressão que se
expressou nas práticas de terror de Estado (DORNELLES, 2014, p. 327).
A ditadura implantada a partir de 1964 no Brasil, portanto, gerou a expansão do aparato de repressão violadora dos mais básicos Direitos Humanos, atingindo a toda à sociedade, mas notadamente focou nas forças 13
Direito e Desenvolvimento: um diálogo entre saberes políticas oposicionistas atacando movimentos sociais, artistas e suas produções, as atividades de produção cultural e científica, bem como seus autores, tudo com base na doutrina da segurança nacional (DORNELLES, 2014).
Foi durante o período militar que se aprofundou a militarização das polícias, o uso ampliado das polícias políticas e dos serviços de inteligência (DOPS, DOI-CODI).
E foi a lei de segurança nacional que deu forma jurídica à doutrina e buscou garantir a legalidade ao aparato repressivo-punitivo organizado pelo regime (DORNELLES,
2014, p. 330).
Vale ressaltar que foi entre 1969 e 1974, durante o Governo do General Emílio Garrastazu Médici que ocorreu o período ditatorial mais duro da história do Brasil, em termos de terror e violência contra qualquer forma de oposição, com a criação de um grande aparato de órgãos de segurança
que levou a prisões em massa, assassinatos e uso rotineiro da prática da tortura (DORNELLES, 2014, p. 330).
As práticas, porém, não se limitaram à guerra aberta. Houve também o aparelhamento estatal para a realização da guerra subterrânea, pois as práticas da ditadura iniciada em 1964, não satisfeita em atuar na 14
Direito e Desenvolvimento: um diálogo entre saberes formalidade da exceção, foram intensas também na clandestinidade do próprio estado de exceção criado (DORNELLES, 2014).
A década de 1970 foi marcada pelo
surgimento dos grupos de extermínio, através de forças paramilitares, formadas por membros das forças armadas e civis que serviam de base operativa aos órgãos de inteligência e repressão política. Uma prática que persiste até hoje, através da chamada polícia mineira
e milícias, contra os novos inimigos – classes perigosas empobrecidas (DORNELLES, 2014, p. 330).
Além disso, foi criado o Sistema Nacional de Informação, subordinado ao Conselho de Segurança Nacional, estrutura na qual se processava e armazenava informações
sobre
as
práticas
tratadas
como
oposicionistas, obtidas em investigações sigilosas por meios como interrogatórios e escutas telefônicas (DORNELLES, 2014).
A análise de tal cenário cotejada com a leitura dos dispositivos da Constituição Federal de 1988 despojada do conhecimento do processo histórico poderia fazer crer que houve uma ruptura através de um processo revolucionário e que permitiu a refundação da República através de valores de oposição ao regime anterior.
Isso talvez permitisse verificar-se a permanência 15
Direito e Desenvolvimento: um diálogo entre saberes das práticas autoritárias das agências punitivas brasileiras sob a perspectiva do fracasso dos ideais revolucionários, na esteira do sustentado por Michel Maffesoli ao analisar o revés da revolução
sustenta que enquanto seu empenho é de
mudar a vida, esse ideal, caso atingido, só o foi por curto espaço de tempo, o da efervescência cuja consequência é a inauguração de um reformismo que pode às vezes se adornar de uma fraseologia revolucionária
(MAFFESOLI, 2001, p. 103). Em complemento, ao analisar o que chama de fenômeno do pêndulo
do movimento revolucionário, afirma que o aspecto efervescente, factual, da revolução não passaria de epifenômeno, com a função exclusiva de engendrar o inerente a esta ou aquela forma social e, uma vez cumprida a missão, se estabelece um novo poder cujo principal empenho será sufocar a revolta que o fez nascer
( MAFFESOLI, 2001, p. 123).
Mas não foi através de uma revolução que se estabeleceu o processo de redemocratização no Brasil. Já no final do período ditatorial, com parte das elites, incluindo setores da oposição liberal e do regime militar que pretendiam uma saída para o próprio modelo autoritário criado e desenvolvido pelo próprio regime, buscou-se a partir do consenso, a construção de uma saída baseada no acordo e na negociação, no assim chamado, processo de transição democrática (DORNELLES, 2014).
Talvez justamente a leitura de que seria necessária a substituição do já enfraquecido poder da ditadura militar, permitindo a uma nova elite em ascensão circular 16
Direito e Desenvolvimento: um diálogo entre saberes em direção ao poder sem barrar-se a ascensão, a partir de uma negociação que permitiu a manutenção de uma série de estruturas, sem falar na absoluta ausência de responsabilização, é que tenha evitado uma ruptura brusca decorrente de um processo de aceleração de circulação de elites aptas a exercer um poder forte contidas (MAFFESOLI, 2001, p. 88) pela força em direção à tomada de um poder débil. Assim, sem a necessidade de ruptura traumática para a ditadura, permitiu-se a circulação acelerada das elites
(MAFFESOLI, 2001, P.
124), abrindo-se caminho para uma transição lenta, gradual e segura
, conforme slogan
cunhado pelo próprio governo ditatorial.
É nesse clima que se estabeleceu o cenário para a redemocratização do Brasil, o que resultou em um ambiente de transição sem uma ruptura brusca com o regime democrático. Assim, apesar de a Constituição Federal de 1988 trazer em si um extenso rol de Direitos Fundamentais, inclusive no sentido de impor limites ao poder punitivo estatal, a efetivação material de tais Direitos jamais se efetivou na prática, mantendo-se as práticas autoritárias até os dias de hoje.
2 Uma transição lenta, gradual e segura
– A ausência de ruptura institucional e de responsabilização pelos danos causados pelo Estado e seus Agentes na ditadura civil militar de 1964/1985 no Brasil
17
Direito e Desenvolvimento: um diálogo entre saberes A partir do governo do General Ernesto Geisel, inicia-se um processo de abertura política, a longo prazo, que não deixou de contar com a oposição de setores das próprias forças armadas. De qualquer forma, esse distensionamento foi, aos poucos, sendo colocado em prática em um movimento de conciliação travado pelas elites brasileiras, inclusive por setores que apoiaram o golpe de 1964. Contudo, esse processo de transição sem ruptura contribuiu para a manutenção da cultura autoritária que se constituiu durante o período ditatorial, o que se analisará nesse capítulo. Nesse sentido: A continuidade de práticas de repressão, ou de violência sem lei
, em pleno regime democrático – após 1985 – teve por base todo o aparato repressivo construído durante o regime militar e a maneira como se deu o processo de transição democrática, sob iniciativa de pactos por cima
, conciliação de elites, dirigidos pela oposição liberal e por setores do regime militar que buscavam uma saída para o esgotamento do próprio modelo político autoritário que, já na segunda metade dos anos de 1970, apresentava dissensões no seio das classes dominantes que desde 1964 deram
sustentação ao regime (DORNELLES, 2014, p. 330).
Perceba-se que o golpe de 1964 constituiu um momento em que elites da sociedade civil e forças 18
Direito e Desenvolvimento: um diálogo entre saberes militares reacionárias aos avanços sociais, especialmente decorrentes
das
reformas
que
vinham
sendo
implementados
pelo
governo
legítimo
e
democraticamente eleito do Presidente João Goulart que fincava sua legitimidade sobre a base da Constituição de 1946 violada pelo golpe militar de 1964. Um dos setores que apoiou a tomada violenta e ilegítima do poder através do golpe foi o poder judiciário (BAGGIO, 2010, p. 159).
Um golpe de Estado tramado e apoiado pelas elites que se opunham aos avanços das reformas sociais que vinham sendo implementadas por um governo legitimamente eleito, em plena chamada guerra fria resultou na consolidação de um Estado Autoritário a partir de 1964
(DORNELLES, 2014, p. 328):
Teve como consequência a implantação de um modelo econômico dependente e
concentrador
de
renda,
atrelado
ao
capitalismo internacional e excludente. Para a implantação e consolidação deste modelo econômico foi necessária a adequação do aparato jurídico-político do Brasil às necessidades de acumulação ampliada do capital sem qualquer tipo de questionamento.
As restrições às liberdades democráticas e a repressão aos movimentos sociais foram a garantia de que o processo de acumulação capitalista internacionalizado poderia seguir a sua marcha sem vozes dissonantes. Para tanto, houve uma repressão sem precedentes contra qualquer forma de oposição ao modelo econômico e às práticas do regime
19
Direito e Desenvolvimento: um diálogo entre saberes (DORNELLES, 2014, p. 329).
Isso indica que por trás da violência de Estado instaurada a partir da ditadura iniciada em 1964 estava o forte suporte de setores da elite interessados em uma política econômica calcada na lógica da acumulação de capital, algo contrário ao que vinha sendo implantado pelo Governo do Presidente João Goulart. Assim, importante analisar-se a relação entre violência de Estado e política econômica que não atende aos interesses das reformas sociais, bem como, os motivos por trás do apoio das elites à repressão estatal estavam e estão calcados na garantia de uma política econômica voltada a seus próprios interesses.
Assim, o que chama a atenção dos ativistas de Direitos Humanos, como também da reflexão acadêmica sobre o tema, é que, no Brasil, a volta à institucionalidade democrática, em meados dos anos 1980 não significou uma diminuição
significativa nas violações
sistemáticas e massivas de Direitos Humanos.
Ao contrário, o que se verificou foi um aumento significativo dos casos de violações, principalmente atingindo os contingentes mais pobres da população (DORNELLES, 2014, p. 328).
Nesse sentido, Tony Ward ao analisar o que chama 20
Direito e Desenvolvimento: um diálogo entre saberes de Weak States
, ou seja, Estados que, em geral situados na
África
subsaariana,
buscam
reconhecimento
internacional, mas que não possuem recursos administrativos e capacidade para oferecer proteção à sua população, nem tampouco proteger seus Direitos Humanos ou prestar serviços públicos adequados (WARD, 2004). Desse modo, considerando a incapacidade de atender a tais demandas, sua manutenção do poder acaba por depender da força e da violência estatal. Assim, ao fim e ao cabo, os Weak States
não possuem capacidade para as demandas de bem estar da população e de resguardo aos Direitos Humanos, mas são fortes em termos de violência estatal (WARD, 2004). No mesmo sentido, o autor analisa o que chama de Strong States
e explica seu alto grau de legitimidade quando aptos a ensejar o Estado de bem estar social. Os Estados mais fortes seriam os que possuem mais legitimidade ou hegemonia em relação a sua própria legitimidade no poder. O fazem através de leis e políticas que levam benefícios da prosperidade às mais diferentes classes, o que faz parecer real a ideia de que as políticas são feitas para o bem geral. Contudo, quando não há mais capacidade econômica ou política para atender aos interesses da população em geral, fica muito caro manter e benefícios tendem a ser revogados, não sem resistência.
Daí surge a necessidade de derrotar a resistência, ainda que com repressão (WARD, 2004, p. 93). Ou seja, a implantação de uma política econômica que favorece o interesse das elites, não atendendo às demandas sociais da 21
Direito e Desenvolvimento: um diálogo entre saberes maior parte da população vem acompanhada pela necessidade de mecanismos de repressão para a manutenção do status quo
. Isso explica o apoio das elites brasileiras ao golpe de 1964, sem se importar com o autoritarismo, visto como necessário à garantia da política econômica que lhes interessava. Isso também explica, no entanto, o processo de redemocratização, calcado na garantia da manutenção da política econômica liberal. Isso explica, também, a manutenção das práticas repressivas voltadas mais estritamente às camadas mais pobres da população. Em grande pare, este aparato repressivo e as práticas terroristas utilizadas pelo regime militar continuaram, após 1985, nas ações policiais contra as populações mais pobres e, principalmente, após 1988, com a nova ordem constitucional do Estado Democrático de Direito.
(DORNELLES, 2014, p. 328).
O tratamento do passado do regime militar brasileiro exige o não esquecimento das torturas, dos desaparecimentos forçados, das mortes, das perseguições, da censura.
Mas também possibilita entender os
processos de democratização que, no caso brasileiro, se desenvolveu já no contexto da globalização neoliberal e como a política de esquecimento e conciliação não rompeu com o passado de violações, fazendo com que o fenômeno da violência permaneça e até tenha
se
ampliado
nas
sociedades
democráticas, como forma de tensão e conflito permanente. Aqui o que se coloca é 22
Direito e Desenvolvimento: um diálogo entre saberes a verificação da institucionalidade da democracia que passou a existir na ordem neoliberal e o papel do Estado, não mais como gestor do bem-estar, mas como meio de controle social penal e de ampliação das práticas de violência contra os setores mais vulneráveis
e
excluídos
socialmente
(DORNELLES, 2014, p. 329).
Por tudo isso, o processo de transição manteve a matriz econômica, contemplou anistia ampla e irrestrita para isentar de responsabilidade os agentes que financiaram, participaram e praticaram violações, inclusive as mais graves, mantendo a continuidade dos agentes, inclusive nas agências punitivas. Os reflexos