Corpos benzidos em metal pesado
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Sobre este e-book
Nos onze contos que compõem Corpos benzidos em metal pesado, livro de estreia de Pedro Augusto Baía, a unidade narrativa que os une são as vivências da região norte do Brasil, em todas as suas facetas: a floresta, os indígenas, a industrialização, a precarização das cidades, a violência com os desfavorecidos, a desigualdade, a comunhão com a natureza.
Os protagonistas são uma vítima do garimpo, um imigrante da região Norte que é confundido com um boliviano na Europa, um repórter que investiga uma vítima quilombola, uma fotógrafa que sofre um ataque de pânico em uma cidade alagada, um massacre numa seção eleitoral dentro de uma aldeia indígena, um homem contaminado por metal pesado, fruto do garimpo, entre outros. Porém, embora as histórias de Corpos benzidos em metal pesado sejam repletas de conflitos e violência, são as relações de afeto, os elos que tecem a resistência, que se evidenciam, podendo conter tanta ternura e inocência como quando uma menina, no conto "Carne de boi", sente vontade de perguntar ao irmão "como um rio limpinho consegue morar dentro de uma palavra tão pequena".
No texto de orelha, Natalia Borges Polesso e Paulo Scott escrevem:
"Sentimos vontade de perguntar como tantas imagens hipnóticas conseguem se acomodar, e com tanta potência, nestes onze pequenos contos. A diversidade de narradores e de formas se alastra numa prosa rápida e bem construída. Um autor que instiga por saber lidar com a simplicidade e entrelinhas essenciais às boas narrativas, especialmente as que se valem do não revelado. Fascinam os lugares manejados e o tempo que integra expectativas e subjetividades. Pedro tem boas soluções para suas histórias, na sua escrita se descobre a força do estranhamento também, a alteridade que sabe convidar, mas que, por ser literatura e arte, nunca se esgota."
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Pré-visualização do livro
Corpos benzidos em metal pesado - Pedro Augusto Baía
1ª edição
Editora Record. Rio de Janeiro, São Paulo.2022
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
B136c
Baía, Pedro Augusto
Corpos benzidos em metal pesado [recurso eletrônico] / Pedro Augusto Baía. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Record 2022.
recurso digital
Formato: epub
Requisitos do sistema: adobe digital editions
Modo de acesso: world wide web
ISBN 978-65-5587-629-1 (recurso eletrônico)
1. Contos brasileiros. 2. Livros eletrônicos. I. Título.
22-80268
CDD: 869.3
CDU: 82-34(81)
Meri Gleice Rodrigues de Souza – Bibliotecária – CRB-7/6439
Copyright © Pedro Augusto Baía, 2022
Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, armazenamento ou transmissão de partes deste livro, através de quaisquer meios, sem prévia autorização por escrito.
Texto revisado segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990.
Direitos exclusivos desta edição reservados pela
EDITORA RECORD LTDA.
Rua Argentina, 171 – Rio de Janeiro, RJ – 20921-380 – Tel.: (21) 2585-2000.
Produzido no Brasil
ISBN 978-65-5587-629-1
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As coisas que os brancos extraem das profundezas da terra com tanta avidez, os minérios e o petróleo, não são alimentos. São coisas maléficas e perigosas, impregnadas de tosses e febres, que só Omama conhecia. Ele porém decidiu, no começo, escondê-las sob o chão da floresta para que não nos deixassem doentes. Quis que ninguém pudesse tirá-las da terra, para nos proteger. Por isso devem ser mantidas onde ele as deixou enterradas desde sempre. A floresta é a carne e a pele de nossa terra, que é o dorso do antigo céu Hutukara caído no primeiro tempo. O metal que Omama ocultou nela é seu esqueleto, que ela envolve de frescor úmido.
Davi Kopenawa e Bruce Albert, A queda do céu
Dedico este livro à minha mãe, ao meu pai e avós.
Eu ouvi histórias sobre rios e florestas.
Sumário
Tanimbuca
Acremonium
Reza benzida em metal pesado
Maré alta
Encantaria de rio
Memorial do ano do delírio
O ano do delírio
O homem de alumínio
Anjos de miriti
Carne de boi
Fronteiras
Tanimbuca
cortar
cortar
cortar
a palavra vem solta, pesada, derruba os meus pensamentos, explode minha cabeça, fruta apodrecida caída do meu corpo adoecido, essa carcaça invadida pela febre insistente de três dias
é quebranto de floresta morta, Iaci diz, deitada ao meu lado no chão de terra do barracão montado com pedaços de madeira e teto de lona
cortar
cortar
cortar
às vezes parece a voz do meu pai, lá dos meus tempos de menino, mas Iaci revela que é a voz do chefe, voz talhada na lâmina da motosserra
Iaci sente a minha mão, carícias trêmulas que misturam a poeira dos meus dedos com o sangue quente, o meu sangue respingado em Iaci
o acidente foi há três dias, a lâmina da motosserra do chefe se recusou a cortar o último tronco de tanimbuca, desceu com fome sobre a minha coxa direita
enquanto eu estancava o sangue com a camisa, o chefe culpava os outros homens: fugiram do serviço, foram cheirar grana em outro acampamento
se não fosse para derrubar ipê-de-pobre, os vagabundos tinham ficado até o fim
eu não confio no que o chefe fala, mas a verdade é que só deixaram eu e o antônio para terminar o serviço
agora levanto-me e a dor na coxa me obriga a me apoiar no barril de gasolina, olho para baixo e contemplo o ferimento, carne apodrecida, sou um caule esfolado, febre em brasa, sinto-me fraco, o estômago vazio, a comida acabou, não consigo dormir desde o dia do acidente
se eu oferecer ao chefe a barra de ouro trazida do garimpo, talvez consiga ser liberado, ou tento fugir? se eu fugir, só a minha alma chegará à beira da transamazônica
a minha alma não serve, o ouro não mata a fome do chefe
escuto o ruído de motocicletas
é o chefe voltando, Iaci
ela ouve a esperança em minha voz, mas sabe que o chefe não dirige moto, vem ao acampamento na hilux prateada que ganhou do deputado, não gosta de lama e poeira, diz que é coisa de sem-terra
se hoje ele decidiu vir de garupa, obrigado, quero comida, mais jornais e, por favor, aceite o meu pedido de ajuda: preciso ir ao hospital, a minha perna está podre
os jornais não são para informar a gente sobre o mundo, substituem o papel higiênico, item caro na contabilidade do chefe
a imprensa é inimiga do governo, ele esbraveja quando encontra seus empregados tentando ler no acampamento, e só esfria a cabeça porque pensa que somos todos analfabetos, pelo menos é o que atestam os nossos documentos de identidade confiscados por ele
só sei botar o nome no papel, é a frase que sempre digo para ele, a mesma repetida pelos outros homens, alguns não sabem nada
das minhas leituras contei somente para Iaci, que também quis saber como eu aprendi a ler, coitada, ficou descrente quando eu disse que foi promessa de minha mãe, pariu doze e não ia morrer sem ver o filho caçula assinar o nome, fez todas as travessias de canoa, remando mais de vinte quilômetros para me levar até a escola, ida e volta, cumprindo a promessa às escondidas do meu pai, enquanto ele não voltava do